No mesmo dia em que os holofotes políticos do país apontavam ao Luxemburgo - e não a Bruxelas, como muitos ilustres comentadores teimam em repetir erroneamente a propósito da sua localização - o Tribunal de Justiça da União Europeia proferia mais um de entre vários acórdãos recentes sobre a promoção de jogos de fortuna e azar organizados na internet.
O débito jurisprudencial nesta matéria deve-se a um acumular de litigância, com mais de uma dezena de casos pendentes, após as actividades de jogo terem sido excluídas - tal como proposto há época pelos ministros responsáveis pelo desporto - da Directiva Serviços, a célebre Directiva Bolkenstein , ao dar azo a um crescente número de queixas por empresas de apostas desportivas sobre as limitações no acesso aos mercados nacionais. A Comissão viria a instaurar vários processos de infracção contra Estados-Membros (EM) a fim de verificar se as medidas nacionais limitando a oferta transfronteiriça de apostas desportivas online eram compatíveis com as disposições do Tratado.
A jurisprudência do Tribunal tem-se suportado numa linha de interpretação segundo a qual os EM têm a faculdade de fixar os objectivos da sua política de jogos e definir o nível de protecção desejado, pelo que podem proibir operadores de oferecerem jogos de fortuna e azar pela internet no seu território, mesmo que se encontrem legalmente estabelecidos noutro EM onde forneçam serviços análogos. As restrições devem ser proporcionais e aplicadas de forma não discriminatória de modo a garantir objectivos de ordem pública e social, de protecção dos consumidores, de prevenção de lucros privados através do jogo e de reverter as receitas no financiamento de actividades de relevância social, entre as quais, como se sabe, o desporto. Trata-se, portanto, de reconhecer o jogo como uma actividade económica com uma natureza específica que não pode estar sujeita apenas aos princípios de funcionamento do mercado interno, mas tem de equilibrar princípios de subsidiariedade, solidariedade, precaução, protecção e integridade das competições desportivas, sem que isso signifique, contudo, proteccionismo dos operadores nacionais, camuflando a salvaguarda de receitas públicas, permitindo publicidade agressiva e a introdução de novos jogos, tudo sobre a capa de um monopólio público.
Ora, o Tribunal limita-se a clarificar as soluções regulatórias possíveis à luz do Tratado, mas por mais acórdãos que exare não lhe compete fornecer respostas políticas para uma realidade complexa, como se pode apurar no estudo que a Comissão encomendou sobre o panorama jurídico-económico do jogo nos diversos EM da União. Uma realidade com novos contornos com a expansão da oferta de vários tipos de serviços de jogo e apostas desportivas através de uma plataforma com as particularidades da internet.
O crescimento exponencial do mercado online - com um movimento anual de € 8,3 biliões no ano anterior - tem sido o principal motivo para que mais de metade dos EM tenham já iniciado, ou concluído recentemente, a reforma legislativa no sector do jogo, com vista a tentar limitar as operações ilegais, com novos pacotes de medidas. As respostas fornecidas assentam, genericamente, em três modelos: O regime de licenciamento de operadores no país de prestação de serviço com a criação de uma autoridade independente reguladora do mercado, onde o exemplo mais conhecido e estudado foi a reforma do monopólio centenário em França (seguido pela Espanha e Dinamarca). A extensão das licenças dos casinos e salões de jogo ao mercado online, como na Bélgica que seguiu as orientações da OMC . O reforço dos monopólios públicos, através de um único operador público, como ocorreu na Finlândia.
Qualquer destas opções é possível à luz das normas comunitárias. Já o modelo britânico de uma licença única emitida pelo Reino Unido - ou outras jurisdições com políticas fiscais atractivas , como Malta e Gibraltar - válida para todo o território da UE entra em conflito com a autonomia de cada Estado em estabelecer a sua política de jogo, uma vez que a aplicação do princípio do reconhecimento mútuo se encontra vedada ao sector, e por essa via a harmonização do mercado, conforme pretendem as organizações representantes dos operadores .
Aliás, Malta e o Reino Unido, quer no debate no Parlamento Europeu (PE) sobre o Livro Branco sobre o Desporto, nos aspectos relacionados com a importância do contributo dos jogos sociais no financiamento ao desporto, quer na votação do relatório sobre a integridade dos jogos em linha seguiram uma visão do jogo como uma actividade económica normal, submetida às regras do mercado interno, opondo-se à taxação das actividades de jogo e apostas desportivas no local onde têm lugar. Esta visão liberalizante, ainda que mais comedida, foi também seguida pela anterior comissária para o mercado interno, quando solicitada a pronunciar-se em sede parlamentar.
Ao esbater as fronteiras físicas e legais, através da internet e de outras fontes de acesso remoto, num súbito crescimento no leque de serviços de jogo e apostas transfronteiriças oferecidas, não está apenas em causa a necessidade de uma resposta política para disciplinar um sector em crescimento com um potencial risco de fraude elevado, mas também a alteração de padrões de consumo de jogo, com tudo o que isso implica sobre o funcionamento dos jogos tradicionais (casino, lotarias, máquinas, casas de apostas, etc), em particular os jogos sociais e a contribuição que reverte das suas receitas para o financiamento do desporto.
Deste modo, o principio da subsidiariedade, que garante a cada Estado a autonomia para definir a sua politica de jogo, deve também ser o mesmo que reconhece à UE um papel vital para responder a estes novos problemas de cariz transfronteiriço, os quais não podem claramente se resolvidos a nível nacional/regional. Os EM lideram, no âmbito do Conselho, através da implementação de um grupo de trabalho no segundo semestre de 2008, uma estratégia de regulação eficaz e de jogo responsável, clarificando posições comuns em torno de ordenamentos jurídicos nacionais muito diferenciados, com o propósito de definir que elementos devem permanecer na esfera nacional e quais os que requerem uma solução ao nível da União, bem como o cariz de medidas a aplicar no controlo do jogo remoto. Um primeiro relatório elaborado na presidência francesa sobre o contexto legal e as políticas adoptadas em cada Estado, foi agora actualizado no final da presidência espanhola, abrindo portas a um quadro legal europeu para o sector do jogo e apostas.
A Comissão, que no passado se recusou a participar neste grupo de trabalho, mantendo-se irredutível em torno dos procedimentos individuais de infracção, compreendeu finalmente o repto lançado pelas iniciativas do Parlamento e do Conselho para alcançar um acordo político sobre o estatuto legal do jogo tradicional e do jogo online na Europa, e anunciou em Estrasburgo, pela voz do seu novo Comissário Michel Barnier 48 horas após ter sido investido em funções, esta prioridade na sua agenda política, comprometendo-se a apresentar no Outono um Livro Verde onde, entre outras, proponha medidas para salvaguardar o financiamento do desporto neste contexto de alteração do mercado de jogos.
Sobre isso voltaremos no próximo post…
O débito jurisprudencial nesta matéria deve-se a um acumular de litigância, com mais de uma dezena de casos pendentes, após as actividades de jogo terem sido excluídas - tal como proposto há época pelos ministros responsáveis pelo desporto - da Directiva Serviços, a célebre Directiva Bolkenstein , ao dar azo a um crescente número de queixas por empresas de apostas desportivas sobre as limitações no acesso aos mercados nacionais. A Comissão viria a instaurar vários processos de infracção contra Estados-Membros (EM) a fim de verificar se as medidas nacionais limitando a oferta transfronteiriça de apostas desportivas online eram compatíveis com as disposições do Tratado.
A jurisprudência do Tribunal tem-se suportado numa linha de interpretação segundo a qual os EM têm a faculdade de fixar os objectivos da sua política de jogos e definir o nível de protecção desejado, pelo que podem proibir operadores de oferecerem jogos de fortuna e azar pela internet no seu território, mesmo que se encontrem legalmente estabelecidos noutro EM onde forneçam serviços análogos. As restrições devem ser proporcionais e aplicadas de forma não discriminatória de modo a garantir objectivos de ordem pública e social, de protecção dos consumidores, de prevenção de lucros privados através do jogo e de reverter as receitas no financiamento de actividades de relevância social, entre as quais, como se sabe, o desporto. Trata-se, portanto, de reconhecer o jogo como uma actividade económica com uma natureza específica que não pode estar sujeita apenas aos princípios de funcionamento do mercado interno, mas tem de equilibrar princípios de subsidiariedade, solidariedade, precaução, protecção e integridade das competições desportivas, sem que isso signifique, contudo, proteccionismo dos operadores nacionais, camuflando a salvaguarda de receitas públicas, permitindo publicidade agressiva e a introdução de novos jogos, tudo sobre a capa de um monopólio público.
Ora, o Tribunal limita-se a clarificar as soluções regulatórias possíveis à luz do Tratado, mas por mais acórdãos que exare não lhe compete fornecer respostas políticas para uma realidade complexa, como se pode apurar no estudo que a Comissão encomendou sobre o panorama jurídico-económico do jogo nos diversos EM da União. Uma realidade com novos contornos com a expansão da oferta de vários tipos de serviços de jogo e apostas desportivas através de uma plataforma com as particularidades da internet.
O crescimento exponencial do mercado online - com um movimento anual de € 8,3 biliões no ano anterior - tem sido o principal motivo para que mais de metade dos EM tenham já iniciado, ou concluído recentemente, a reforma legislativa no sector do jogo, com vista a tentar limitar as operações ilegais, com novos pacotes de medidas. As respostas fornecidas assentam, genericamente, em três modelos: O regime de licenciamento de operadores no país de prestação de serviço com a criação de uma autoridade independente reguladora do mercado, onde o exemplo mais conhecido e estudado foi a reforma do monopólio centenário em França (seguido pela Espanha e Dinamarca). A extensão das licenças dos casinos e salões de jogo ao mercado online, como na Bélgica que seguiu as orientações da OMC . O reforço dos monopólios públicos, através de um único operador público, como ocorreu na Finlândia.
Qualquer destas opções é possível à luz das normas comunitárias. Já o modelo britânico de uma licença única emitida pelo Reino Unido - ou outras jurisdições com políticas fiscais atractivas , como Malta e Gibraltar - válida para todo o território da UE entra em conflito com a autonomia de cada Estado em estabelecer a sua política de jogo, uma vez que a aplicação do princípio do reconhecimento mútuo se encontra vedada ao sector, e por essa via a harmonização do mercado, conforme pretendem as organizações representantes dos operadores .
Aliás, Malta e o Reino Unido, quer no debate no Parlamento Europeu (PE) sobre o Livro Branco sobre o Desporto, nos aspectos relacionados com a importância do contributo dos jogos sociais no financiamento ao desporto, quer na votação do relatório sobre a integridade dos jogos em linha seguiram uma visão do jogo como uma actividade económica normal, submetida às regras do mercado interno, opondo-se à taxação das actividades de jogo e apostas desportivas no local onde têm lugar. Esta visão liberalizante, ainda que mais comedida, foi também seguida pela anterior comissária para o mercado interno, quando solicitada a pronunciar-se em sede parlamentar.
Ao esbater as fronteiras físicas e legais, através da internet e de outras fontes de acesso remoto, num súbito crescimento no leque de serviços de jogo e apostas transfronteiriças oferecidas, não está apenas em causa a necessidade de uma resposta política para disciplinar um sector em crescimento com um potencial risco de fraude elevado, mas também a alteração de padrões de consumo de jogo, com tudo o que isso implica sobre o funcionamento dos jogos tradicionais (casino, lotarias, máquinas, casas de apostas, etc), em particular os jogos sociais e a contribuição que reverte das suas receitas para o financiamento do desporto.
Deste modo, o principio da subsidiariedade, que garante a cada Estado a autonomia para definir a sua politica de jogo, deve também ser o mesmo que reconhece à UE um papel vital para responder a estes novos problemas de cariz transfronteiriço, os quais não podem claramente se resolvidos a nível nacional/regional. Os EM lideram, no âmbito do Conselho, através da implementação de um grupo de trabalho no segundo semestre de 2008, uma estratégia de regulação eficaz e de jogo responsável, clarificando posições comuns em torno de ordenamentos jurídicos nacionais muito diferenciados, com o propósito de definir que elementos devem permanecer na esfera nacional e quais os que requerem uma solução ao nível da União, bem como o cariz de medidas a aplicar no controlo do jogo remoto. Um primeiro relatório elaborado na presidência francesa sobre o contexto legal e as políticas adoptadas em cada Estado, foi agora actualizado no final da presidência espanhola, abrindo portas a um quadro legal europeu para o sector do jogo e apostas.
A Comissão, que no passado se recusou a participar neste grupo de trabalho, mantendo-se irredutível em torno dos procedimentos individuais de infracção, compreendeu finalmente o repto lançado pelas iniciativas do Parlamento e do Conselho para alcançar um acordo político sobre o estatuto legal do jogo tradicional e do jogo online na Europa, e anunciou em Estrasburgo, pela voz do seu novo Comissário Michel Barnier 48 horas após ter sido investido em funções, esta prioridade na sua agenda política, comprometendo-se a apresentar no Outono um Livro Verde onde, entre outras, proponha medidas para salvaguardar o financiamento do desporto neste contexto de alteração do mercado de jogos.
Sobre isso voltaremos no próximo post…
3 comentários:
João peço-lhe desculpa por ter usado o seu texto! Acho que foi do melhor que já encontrei sobre esta matéria e xplicada em rigor! Os créditos já estão no seu lugar! Abraço
OK Nuno
Como compreenderá é uma situação um pouco embaraçosa, que num passado recente, e noutros contextos, foi-me prejudicial e a quem usufruiu do que eu escrevi.
Ainda bem que se resolveu. Também pela qualidade do seu site e do rigor da informação que aí disponibiliza, o qual, desde já, aconselho a ser visitado com regularidade.
Agradeço o seu comentário e a oportunidade de divulgar o texto no seu espaço. É um tema pouco debatido por cá, o qual, confesso, tenho alguma relutância em abordar, em particular neste blogue.
Porém voltarei a ele em breve.
Abraço
Parabéns pelo rigor dos textos e bem haja pelos seus conhecimentos. Peço-lhe autorização para publicar no sítio do jogo remoto os seguintes textos:
A política de regulação de apostas desportivas online - I
A política de regulação de apostas desportivas online – II
A política de regulação de apostas desportivas online - III
O meu nome é Luis Rebordão e sou o fundador dos seguintes sítios:
www.jogoresponsavel.pt
www.jogoremoto.pt
Raramente tenho o privilégio de apreciar textos com a qualidade dos que produziu. Se assim o entender, poderá comunicar comigo através dos emails dos referidos sítios.
Cumprimentos
Luis Rebordão
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