quarta-feira, 19 de outubro de 2011

Trabalhar para o mesmo

"The taxpayer -- that's someone who works for the federal government but doesn't have to take the civil service examination"

Ronald Reagan


Se tudo se reduzisse a um modelo aritmético, a cobertura do território nacional em área útil de instalações desportivas responderia bastante satisfatoriamente às necessidades daqueles, poucos, que praticam regularmente desporto no nosso país.

Poderíamos até concluir - vários ensaiaram anteriormente este discurso - que o défice de prática desportiva não pode, e não deve, ser explicado pela carência de infra-estruturas desportivas, indo, aliás, de encontro aos resultados expressos neste item particular no último eurobarómetro dedicado ao tema.

Sucede que a realidade não se esgota numa abordagem superficial e é em bem mais complexa do que o mais perfeito dos modelos de análise de dados.

A evolução do parque desportivo procurou, durante décadas, responder às necessidades do desporto de competição e rendimento, através de instalações artificiais claramente tipificadas para este segmento. Ou seja, privilegiou precisamente a procura mais consolidada e estável, sem, concomitantemente, se ater na procura potencial de um conjunto de populações que há muito despertavam para estas actividades.

A tentativa, idílica, de integrar práticas desportivas de lazer e recreio em espaços codificados, vocacionados para a competição, constitui frequentemente uma barreira de acessibilidade tão, ou mais, inultrapassável quanto as barreiras arquitectónicas.

Exemplos não faltam: Como ensinar uma criança ou um idoso a lançar uma bola de basquetebol num cesto colocado a mais de 3 metros? Como cativar a população sénior - naturalmente mais reservada em expor o seu corpo - em instalações sem o mínimo de privacidade ou climatização nos balneários? Como ensinar um idoso ou um cidadão com mobilidade condicionada a nadar sem uma rampa de acesso ao cais? Como ensinar alguém a nadar em piscinas com 2 metros de profundidade?

Não se pense que estes são problemas do passado. Até há bem pouco tempo o financiamento comunitário neste país para a construção de uma piscina obrigava uma autarquia a seguir um programa com aqueles requisitos de profundidade…Isto é, o próprio Estado, continuava a privilegiar as minorias (competição) e a afogar - literalmente - as supostas maiorias.

As barreiras são também de outra ordem quando em instalações desportivas escolares, co-financiadas com dinheiros autárquicos, assiste-se à rentabilização económica do espaço após o período lectivo para dinamizar campeonatos entre equipas de empresas, enquanto os clubes locais, vão treinar a outros concelhos, ou têm de esperar pelas 23:00 horas para treinar.

A reprodução destas opções e a falta de soluções arquitectónicas eficientes e acolhedoras para um espectro cada vez mais alargado da população são um bloqueio claro para atrair novos tipos de utentes, alavancar os índices de prática regular e, até, dinamizar a actividade associativa local. Se a isso associarmos as debilidades num parque desportivo antigo, com problemas de manutenção, e desajustado das preferências de procura potencial, bem como o delírio na construção massiva de centros de estágio e de alto rendimento, e de instalações vocacionadas para o espectáculo desportivo, deparamos que se falhou por completo, por esta via, em criar novos públicos e estimular novas práticas.

Mais! Falhou-se também, e continua a falhar-se, quando se deixa para depois algo que em boa parte da Europa é uma exigência legal para a aprovação de qualquer projecto de obra pública. A viabilidade económica do equipamento e o seu programa de gestão. Não se tratam aqui de estudos de cariz instrumental para justificar opções preconcebidas, mas, tão simplesmente, de um programa de actividades com o respectivo organigrama funcional, plano orçamental e quadro de pessoal, o qual deve conduzir o desenho da infra-estrutura.

Aqui chegados, no contexto recessivo actual é inútil - bem se sabe - persistir em esmiuçar o passado. Os erros estão bem à vista e as facturas por pagar. Porém, mais do que nunca, os poderes públicos são essenciais nesta equação, tal a dependência que o sistema desportivo, a todos os níveis, tem do seu suporte.

É com este património edificado, e não com qualquer outro, que o Estado e as autarquias têm de cumprir a missão que a lei lhes consagra em generalizar a prática desportiva.

Nesta conjuntura, onde se aguça a percepção do cidadão da sua simultânea condição de utilizador e pagador dos serviços públicos, quanto mais cedo os agentes administrativos perceberem que há quem faça mais rápido, melhor e mais barato, e os seus (nossos) escassos recursos se valorizam tanto mais quanto se dedicarem em exclusivo à regulação, e aperfeiçoamento dos mecanismos de avaliação, controlo e reporte das obrigações de serviço público desportivo que os seus equipamentos devem prestar à comunidade, melhor justificam e credibilizam a sua missão perante quem lhes financia.

A qualificação da gestão pública destes equipamentos passa, inevitavelmente, por soluções inovadoras que potenciem a rentabilidades desportiva, económica e social dos espaços existentes, estimulando as suas potencialidades e minorando as suas debilidades, servindo procuras estabilizadas, mas também criando novos públicos.

Mirando além fronteiras é sabido que este caminho passou pelo reforço dos processos de interdependência entre agentes públicos e actores privados, de cariz associativo e empresarial. Quer em novas edificações ou na reprogramação das existentes.



7 comentários:

Anónimo disse...

A generalização da prática desportiva não tem que ser grátis, quando se está a utilizar instalações especializadas que pertencem ao Estado.
Sou defensor do princípio do utilizador-pagador com bom senso, única forma de atenuar os custos de construção, gestão e manutenção.
Este princípio deve ser válido para todos os utentes, sob pena de as instalações de não serem sustentáveis.
Incluo os utilizadores dos Centros de Alto Rendimento que, por definição, recebem bolsas do Estado (modalidades individuais)e/ou patrocínios municipais (modalidades colectivas), embora não vivam delas.
Os desportistas a sério vivem dos ordenados dos clubes e dos patrocínios privados.
Os clubes vivem das quotizações, publicidade, exploração comercial, etc.
A prática desportiva informal grátis é possível desde que não se utilizem equipamentos desportivos especializados.
A ideia de gratuitidade ligada à prática desportiva formal ou informal é errada.
Na vida, nada é gratuito.
Foi o eleitoralismo da gratuitidade e do subsidiarismo irracional que, em parte, nos levou ao ponto a que chegámos.
Do descalabro financeiro sem solução.

joão boaventura disse...

Caro João Almeida
Quanto às barreiras arquitectónicas e “falta de soluções arquitectónicas eficientes e acolhedoras” parece não haver justificação, considerando a existência de um órgão vocacionado para as suprimir e aconselhar, a The International Association for Sports and Leisure Facilities, mundialmente conhecida por IAKS por corresponderem ao título alemão “Internationale Vereinigung Sport- und Freizeiteinrichtungen”.

Tem uma revista bimestral, em quatro línguas, a Internationale Fachzeitschrift für Sport Architektur und Sportstättenbau, mais conhecida pela abreviatura sb, ou seja, revista internacional de arquitectura desportiva e complexos desportivos, incluindo piscinas.

A filiação abrange várias pessoas morais e físicas de acordo com as indicações da revista sb.

O antigo Conselho Provincial de Educação Física e Desportos de Moçambique estava filiado na IAKS, e foi muito útil para resolver problemas arquitectónicos desportivos.

Em Portugal, a antiga Direcção-Geral dos Desportos (DGD) também se filiou, em 1976 ou 1977, e manteve-se até 1993, se não estou em erro, e constituiu um elemento de apoio aos arquitectos e engenheiros da referida DGD, mas ignoro se se manteve depois de 1993, e, em caso afirmativo, se o actual Instituto Português do Desporto e da Juventude, mantém a filiação.

Cordialmente

João Almeida disse...

Caro João Boaventura

A IAKS continua a ser uma referência. Existem outras bases de informação importante como o Consejo Superior de Deportes, a AIDYR, UKSport, SportEngland e outras entidades.
Em tempos a DGD publicou documentação relevante sobre esta área. É verdade.

Mas refiro-me neste texto a um conjunto de barreiras que limitam o acesso a instalações desportivas, tão ou mais difíceis de superar que as barreiras arquitectónicas. Barreiras de tempo, de género, económicas, de informação, de gestão, de desenho, de tipologia e urbanísticas, as quais um bom projecto deve responder.

Uma instalação que cumpre as normas técnicas de supressão de barreiras arquitectónicas não é necessariamente uma instalação funcional e facilitadora de procura generalizada.

Muito obrigado pelo seu contributo.

Abraço

Anónimo disse...

Caro João Almeida:
A simples ideia de "procura generalizada" parece, no mínimo, forçada.
Será que toda a população tem de gostar de fazer desporto?
Imaginemos a quantidade de instalações desportivas que seriam necessárias para dar satisfação a tal ideia utópica e desprovida de realismo...

Kaiser Soze disse...

A moda do utilizador-pagador parece ter nascido com as SCUTs, pelo menos entrou no léxico actual por aí.
Acho uma expressão extremamente engraçada... num país em que tudo o que se usa se paga, pergunto-me para onde vão os impostos.

joão boaventura disse...

Caro João Almeida

Relativamente à UK Sport, que, sei agora, foi criada pela Royal Charter, em 1997, e à Sport England, fundada pela Royal Charter, em 1972, e cujo nome actual deriva de várias alterações, começando pelo de “The Sports Council”, alterado em 1997 para “English Sports Council”, e abreviado no “Sport England”, independentemente de constituírem organizações abarcando muitas frentes de interesse para o Reino Unido, e trabalhando ambas em associação.

O “Consejo Superior de Deportes”, também com funções de âmbito alargado para servir o desporto da vizinha Espanha, quando muito tem um sector dedicado à Construção de imóveis desportivos, tal como a antiga DGD, e o antigo Conselho Provincial de Educação Física e Desportos de Moçambique (CSEFDM), incluíam na sua orgânica um sector dedicado à Arquitectura e Engenharia Desportivas.

A única organização internacional vocacionada para aconselhamento e orientação na matéria visada é indubitavelmente a IAKS, fundada em 1965, reconhecida pelo CIO, e trabalhando em cooperação com outras organizações internacionais.

Consequentemente, entre 1968 e 1970, data da filiação do CSEFDM no IAKS, ainda não existiam as três organizações que citou.

Mas agradeço as indicações sempre úteis a quem entrar neste blog que acaba por ser uma janela aberta ao conhecimento do que se passa no mundo do desporto.

E porque é sempre um prazer trocar ideias consigo.

Cordialmente

João Almeida disse...

Muito obrigado João Boaventura pelo seu seu contributo de acrescimo de informação a este debate.
De facto a IAKS constitui uma referência, sem duvida. Porem, hoje existem inumeras fontes de informação para quem programa e projecta espaços desportivos. Dei apenas alguns exemplos breves.

Quanto ao conceito de generalização, não tenho uma interpretação tão literal. Localizo-o mais proximo da noção de alargamento a espectros tradicionalmente menos receptivos.

Os comentarios foram, naturalmente, para questões relacionadas com o pagamento e utilização das instalações, colaterais ao tema principal.

Em breve focarei então esse tema.


Att