sexta-feira, 29 de abril de 2011

Um sistema desportivo débil é sinónimo de oportunidade de marketing!

De Horácio Lopes, gestor desportivo, recebemos este texto, que a Colectividade agradece.


Em Portugal funciona um Sistema Desportivo (SD) deficiente, mal concebido, em que o estado suporta financeiramente a estrutura de cúpula, os atletas de elite, negligenciando por completo a formação desportiva. Neste cenário, os clubes desportivos, base do SD Português são completamente esquecidos pelo mesmo, pelas Federações Desportivas Nacionais (FDN) e em alguns desportos pelas próprias Associações.
Estas, geridas por dirigentes a quem a lei não permite remunerar como se de um “emprego qualquer se tratasse”, são usadas para obter protagonismo e os objectivos de quem as lidera são muitas vezes pessoais em vez de colectivos. As carências são enormes e o conhecimento para gerir essas instituições é escasso.



As FDN não têm na sua esmagadora maioria gestão profissional na verdadeira acepção do termo. São usadas para colocar ex-atletas, ex-treinadores, … Não se privilegia a qualidade nem se verifica a existência de planos estratégicos capazes de ultrapassar lacunas do passado desportivo do País: Falta de planeamento e falta de rigor nas avaliações!
Os ginásios privados são um fenómeno à parte. São investimentos para gerar lucro e utilizam-se todas as tácticas possíveis para o fazer. Algumas mesmo, por observação própria de quem geriu um ginásio 13 anos, que colocam em causa a própria saúde das pessoas.
Numa frase apenas: a “Industria Desportiva Nacional” não existe enquanto sistema, não está estruturada, não existe planeamento nem rigor.
Apesar de tudo, porque existem atletas e treinadores com muita qualidade e extrema boa vontade, vão surgindo alguns resultados desportivos, que na sua maioria são descontinuados, fruto da falta de planeamento, consistência e rigor.
Portugal é um país onde se valoriza o futebol pelo lado do espectador. É um país de adeptos de futebol. Na verdadeira acepção da palavra, só entenderia classificar Portugal como um país de futebol, se existisse uma verdadeira estrutura desportiva e formativa à volta do mesmo.
Vivemos tempos de indefinição quanto às representações nacionais e movimentação internacional de jogadores, o que pode colocar um ponto final à perspectiva da formação. Comprar jogadores já formados e com resultados permite aos clubes um retorno mais rápido e resultados desportivos de maior visibilidade.
Um país de futebol investiria na modalidade e investir não é certamente construir estádios sem planos de exploração, semear polidesportivos de relva artificial de norte a sul e depois pedir às famílias que paguem 60€ e 70€ para que uma criança pratique a modalidade 2 vezes por semana.
Tirando o futebol poucas ou quase nenhumas modalidades desportivas têm visibilidade. As modalidades que o conseguem beneficiam de apoios financeiros para tal, como é o caso do Golf e de alguns desportos náuticos ou ainda do Futsal, este com um “empurrãozinho” do futebol.
Na realidade, existem atletas de elevadíssima qualidade no nosso país em variadas modalidades que nunca tiveram a oportunidade de se mostrarem ou de mostrar o seu desporto porque a cobertura de imprensa é quase exclusiva de futebol… A televisão transmite futebol… A RTP 2 Desporto, que a meu ver presta um grande serviço ao desporto nacional, mesmo assim apenas transmite ao fim-de-semana algumas modalidades embora maioritariamente Futsal.
A falta de cultura desportiva é evidente. Quando passa na televisão uma reportagem sobre um evento desportivo que não de futebol (invariavelmente de curta duração), é normalmente bem visível a presença de um patrocinador de peso por trás do evento. Os media sujeitam-se a interesses dos grandes patrocinadores!
Cultura desportiva é um termo estranho aos portugueses!
Ter cultura desportiva significa viver o desporto, fazer do desporto uma forma de estar na vida. Não pelo facto de ser mediático ou porque todos sonham ser o Cristiano Ronaldo e ganhar 620.000€ mensalmente, mas sim porque somos mais saudáveis fazendo desporto, vivemos melhor fazendo desporto e, numa abordagem mais consciente e “civilizada”, custamos menos ao estado (e portanto a todos nós), fazendo desporto.
Apesar de tudo existe uma importante intervenção de alguns patrocinadores no desporto português, pese embora nesta realidade que, no negócio de patrocínio, acaba por ter maior benefício o patrocinado porque, com o apoio financeiro em causa consegue exercer a sua actividade.
A verdade é que muitos patrocinadores não entendem que o seu trabalho não termina com o financiamento de uma dada organização. O patrocinador deverá perceber de que modo poderá usar a imagem e actividade do patrocinado em seu favor, revertendo-a em vendas. Este trabalho, de activação do patrocínio, é frequentemente ignorado.
De facto comprova-se que a comunicação com recurso ao desporto (publicidade, marketing, R.P., …), tem uma eficiência muito grande em comparação com outros meios, mas, isto só se verifica quando o patrocinador percebe que, dar o dinheiro é apenas a primeira parte e a menos importante do ponto de vista do investimento que está a fazer.
Por consequência, as modalidades amadoras são menos favorecidas porque são geridas na sua maioria por estruturas frágeis e com carências, incapazes de dar a visibilidade e portanto o retorno necessário aos patrocinadores. Esta incapacidade é natural pela dimensão deste tipo de organizações.
Neste quadro de ideias penso que se avizinha uma tendência para patrocinar atletas individuais (profissionais) e eventos desportivos, em detrimento de organismos, prendendo-se a razão desta ideia com a visibilidade e o retorno obtidos. Por um lado os atletas individuais profissionais valorizam a um nível diferente o apoio que recebem e “vestem” a camisola do patrocinador e os eventos são hoje em dia promovidos numa óptica empresarial, procurando a rentabilidade. Os media precisam de conteúdos, e os eventos, orientados para o espectáculo desportivo (e não competição desportiva), são conteúdos de excelência.
Outra perspectiva prende-se com as vendas. Um patrocinador apoia para poder vender. Deixando de lado os “patrocinadores do costume”, electricidade, comunicações, …, qual é a marca desportiva que quer patrocinar uma federação quando temos uma taxa de participação desportiva que teima em não passar dos 30%? A quem vai essa marca fazer vendas? E mesmo assim estes 30% são obtidos com muitas ajudas das iniciativas autárquicas pontuais e eventos pontuais.
No entanto, a qualidade da comunicação e a qualidade da actividade desportiva é, no meu entender, um veículo de comunicação fabuloso!
A solução passará por levar os patrocinadores a entenderem que a sua tarefa não termina com a entrega do dinheiro, esperando obter o trabalho de comunicação pronto, com resultados e vendas, servidos numa bandeja… e isto tudo por valores muito pequenos comparativamente ao que gastariam com a mesma promoção nos meios tradicionais, mas com um alcance de comunicação mais vasto e uma proximidade com o potencial cliente final mais “real”.

quinta-feira, 28 de abril de 2011

Formação desportiva - A versão do Ministério da Educação II

Em tempos deu-se nota neste espaço de duas portarias do Ministério da Educação relativas à criação dos cursos profissionais de técnico de gestão desportiva e monitor de actividades desportivas.

À época esta iniciativa veio a ser abortada, dados os protestos de vários organismos representantes dos profissionais de educação física e desporto, atendendo ao perfil de competências, claramente desajustado para uma qualificação de nível 3 que estes dois cursos ofereciam, e também em relação aos requisitos de formação superior existentes em vários diplomas legais vigentes na altura.


Mirando o seu plano de estudos este é em tudo igual ao anterior curso profissional de gestão desportiva entretanto abortado, com a diferença que atribui a certificação de nível 4 aos alunos que o concluírem com aproveitamento.

Se perspectivarmos a mais recente produção normativa no que respeita às qualificações profissionais exigidas para a gestão de instalações desportivas de uso público e direcção técnica das suas actividades é perceptível a intenção, pelo menos numa primeira instância, de:

a) Qualificar o sector com melhores níveis de formação visando a segurança das actividades físicas e desportivas;
b) Integrar os profissionais que, comprovadamente, certifiquem a sua experiência técnica no exercício da actividade;
c) Valorizar as qualificações obtidas no âmbito do sistema nacional de qualificações através da via técnico-profissional, incorporando no desporto as orientações do Quadro Europeu de Qualificações.

Procura-se, por esta via, disciplinar o sector, certificar os seus agentes técnicos e conhecer em maior profundidade a sua composição.


Num período em que é tentador cair-se na demagogia e critica gratuita é mister salientar que a formação desportiva é uma das áreas da Administração Pública Desportiva onde foi feito um esforço assinalável e um labor, ao longo de décadas, com orientação estratégica e programática para o seu desenvolvimento e aperfeiçoamento. Por certo nem sempre com os melhores resultados.

Caso se pretenda de facto atingir tais objectivos e, com isso, valorizar o mercado desportivo, nos seus diversos segmentos de oferta, através de maiores exigências na qualificação e formação para o exercício profissional no âmbito das actividades de educação física e treino desportivo ou da gestão das instalações nas quais estas se realizam, convém, aos primeiros escolhos que surjem, não ceder ao facilitismo e delapidar um trabalho técnico relevante através de meras qualificações administrativas de cursos cujo quadro de competências validadas é claramente desfasado em relação ao plano de estudos proposto, prestando assim um mau serviço ao desporto e ao ensino profissional, num afã de trabalhar apenas para as estatísticas da educação.

Uma ultima palavra para as entidades representantes do sector. Encontram nestas circunstâncias vários fundamentos para a sua acção e legitimidade da sua existência.

quarta-feira, 27 de abril de 2011

Custos não avaliados

Se alguém, trabalhando num determinada organização, se ausenta por um período tempo significativo e o serviço não sofre qualquer retracção na respectiva produtividade é porque esse elemento é dispensável. Está a mais. Porque estar ou não estar não coloca em causa os objectivos da organização. Mas quem dirige uma empresa, provavelmente, não estará na disposição de, quando em vez, não contar com um trabalhador necessário à respectiva laboração. Pior: ter de lhe pagar e, por vezes, não receber trabalho em troca. Acontecerá o mesmo com cada um de nós no âmbito de uma simples relação laboral de tipo doméstico. Se pagamos é para a pessoa trabalhar. Não é para não trabalhar. E quando não trabalha e não pagamos mas precisamos desse trabalho o normal é prescindirmos dos seus serviços e procurarmos uma alternativa.
Qual é o número de pessoas (atletas, dirigentes, treinadores, árbitros, médicos e paramédicos) que, anualmente, ao representarem o país no âmbito das selecções nacionais e da alta competição são dispensados de se apresentarem nos respectivos locais de trabalho? Qual é o número de dias de ausência ao trabalho? Qual é o custo que comporta essa ausência?
Ignoro se a avaliação está feita. Se o impacto financeiro da situação é conhecido. Se é conhecido o montante dos valores que são ressarcidos junto das entidades empregadores. E os casos em que são as próprias que os suportam. Mas algum impacto negativo deve ter na economia do país.
Estamos perante uma situação complexa. Por um lado, as representações nacionais e os contextos de alta competição devem merecer apoio por estarem em causa práticas de interesse público. Mas, por outro, o número de competições e a organização de quadros competitivos internacionais tem vindo a construir-se numa lógica de economia de eventos em ordem à maximização de proveitos financeiros das federações desportivas internacionais e respectivos patrocinadores.Uma construção alheia às economias nacionais dos países participantes. E nas economias com organizações desportivas muito dependentes do Estado é óbvio que é sobre o financiamento público que o efeito é maior. Mas neste caso não está em causa apenas o custo público. Está também o custo privado quando não é ressarcido dessa ausência.
As organizações desportivas, as organizações empresariais e o Estado estão disponíveis para discutir este assunto? Sentem necessidade de novas soluções? Ou a situação actual não carece de qualquer mudança?
De há muito, e mesmo antes da situação que estamos a viver actualmente, que defendo a ideia de que não é possível continuar num registo de crescente aumento de custos para um economia pequena, frágil e muito dependente do exterior. E que se torna necessário mudar de vida. Que é preciso uma reavaliação do componente da despesa na governação das organizações desportivas no domínio da alta competição. Que se justifica repensar o quadro de eventos desportivos internacionais que requerem uma forte afectação de despesa pública. Que se justifica uma redefinição de prioridades em matéria de competitividade desportiva externa. Que é preferível uma aposta pública com prioridade às modalidades onde os ganhos de competitividade externa possam ter maiores contrapartidas em termos de desenvolvimento desportivo nacional. Que para esse feito é necessário um avaliação de mérito de uns e de outros. Será que os tempos que aí vêm vão obrigar a pensar neste assunto?

segunda-feira, 25 de abril de 2011

O crime de ser árbitro.

Na semana passada, já no rescaldo do clássico Porto vs. Sporting, vimos relatado no jornal Record online as seguintes declarações de Carlos Barbosa, recentemente eleito vice-presidente leonino, "O que é preciso é haver pessoas competentes a apitar. Isto tem de acabar de uma vez por todas. Como? Com processos, processos-crime... Uma pessoa que deliberadamente faz erros como [Artur Soares Dias] fez, por incompetência, evidentemente tem de ser castigada. Num negócio de milhões, não podem prejudicar seja quem for".

Um pormenor fez com que esta notícia se distinguisse de todas as outras que quase diariamente relatam as críticas de dirigentes e administradores de Clubes e SAD aos agentes de arbitragem: os processos-crime.

Em Portugal, o estatuto jurídico-desportivo do árbitro não encontra trabalho doutrinal ou jurisprudencial que se possa considerar relevante, como é salientado por Maria José Carvalho no seu recentíssimo artigo “O Agente da Arbitragem: Agente Desportivo ou mal necessário?” (Desporto & Direito, Revista Jurídica do Desporto, n.º22).

Porém, se actualmente se pode considerar uma acção de responsabilidade civil contra um árbitro, por facto (ilícito?) cometido durante a sua actuação técnico-desportiva como sendo de difícil concretização, derivado de inúmeras dificuldades de construção técnico jurídica, consideramos ainda de maior dificuldade a construção de processos-crime fora dos já conhecidos e consagrados legalmente (e, noutra perspectiva, regulamentarmente) crimes de corrupção.

Se por um lado consideramos que um processo-crime dificilmente seria o mecanismo jurídico apropriado para que um clube se pudesse ressarcir de prejuízos num negócio de milhões, por outro, não se pode ainda deixar de destacar a expressão “Uma pessoa que deliberadamente faz erros”, e do respectivo alcance penal de tal expressão, como que evidenciando o conhecimento (?) por parte daquele dirigente de uma actuação dolosa do árbitro.

Ficamos sem perceber perante que crime terá incorrido Artur Soares Dias, de acordo com as palavras proferidas pelo vice-presidente do Sporting, ou mesmo se terá havido crime.

Por tudo isto, temos dificuldades em conseguir alcançar o sentido que Carlos Barbosa pretendia dar neste seu contributo muito próprio para o melhoramento da realidade da arbitragem em Portugal, que, ironicamente, se vê nos últimos tempos confrontada com inúmeros problemas quanto à sua profissionalização, e que terá como uma das principais bandeiras a independência dos árbitros, a par do melhoramento da qualidade de trabalho daqueles agentes desportivos.

sábado, 23 de abril de 2011

O achinelamento geral e a infantilização social

Todos sentimos que vivemos tempos difíceis, embora não semelhantes àqueles que se seguiram às guerras mundiais em que nem a terra dava algo de bom para comer. Todos presumimos que piores tempos estão para vir, mas não tão maus que nos paralisem ou desmobilizem de viver, de colmatar erros passados e de tentar um futuro melhor para nós e sobretudo para os que amamos.

O que provavelmente não sentimos, porque refletimos pouco e não gostamos de nos julgar, são as consequências dos comportamentos individuais e coletivos que protagonizamos em tempos de crise. Quem vive, ou viveu, o desporto na pele, sabe que em tempos de más marés a equipa tem de ser ainda mais equipa, tem de suar ainda mais as estopinhas e, consequentemente, exige-se maior integridade, honestidade, capacidade de sofrimento e amadurecimento, assim como de solidariedade e lealdade entre todos. Só assim se superam adversidades, obstáculos, escolhos e se chega à superação, à transcendência, a desempenhos jamais imaginados.

Na minha humilde opinião, têm de assentar nestes primados os comportamentos de quem quer efetivamente mudar algo na sociedade portuguesa. Mas vou constatando, aqui e ali, que pessoas, umas solitárias e com ira no coração, outras orgulhosas, frustradas e viciadas já não têm capacidade para agir em contextos de crise como os atuais. Usam os mesmos comportamentos e as mesmas motivações de outrora para, em vez de mobilizarem as pessoas e as organizações, as desmotivarem e aniquilarem. Continuam a viver do disse que não disse que disse, em vez de se inteirarem dos assuntos sérios, de forma séria e responsável. Continuam a privilegiar relacionamentos promíscuos e medíocres.

Por isso, sem qualquer estranheza, continuamos a “viver” dias e dias de transmissões televisivas de congressos partidários nos quais se enaltece a incompetência e a desonestidade. Continuamos a assistir ao mau perder, ao acicatamento à violência e à menoridade desportivas. Assim como à balburdia governativa, publica e privada, em detrimento do planeamento e da operacionalização construtivos, quer para Londres 12 ou Rio 16, quer para o bem estar das populações.

Mas caros/as leitores/as, como se não bastasse este estado de achinelamento geral, outro igualmente mau constato nos dias que correm. Os adultos em geral, independentemente da ideologia política (será que ainda há disto...??), do quadrante partidário ou do seu oficio, infantilizaram o seu comportamento. Decidem em cima da hora, sem a mínima ponderação, reagem por impulso e não por pro-ação, utilizam todos os meios que dispõem em detrimento dos mais adequados em função das situações. E assim assistimos às conferencias de imprensa e às exposições públicas o mais estapafúrdias possíveis, presenciamos ofensas e ameaças gratuitas que a nada conduzem, temos conhecimento de casamentos e outros contratos (entre os quais os desportivos) que são “destruídos” por telemóvel ou via email.

Tempos de crise também têm o seu valor sociológico e antropológico, mas de nada valerão se não meditarmos e se não estivermos dispostos a mudar atitudes e comportamentos. Bem sei que estarão a pensar na história do caranguejo português ou do escorpião e do sapo...bem sei!! Bem sei que a natureza humana não muda, muito menos após determinadas idades, mas também sei que Portugal precisa de melhores cidadãos, decisores e não decisores, de melhores trabalhadores e, obviamente, de melhores desportistas.

Trata-se de, como sempre, metaforicamente falando, nos colocarmos em frente a uma balança, “medirmos os nossos pensamentos e as nossas ações” e decidirmos e atuarmos em consciência de forma a arrepiarmos caminho à procura de melhores soluções e de melhores dias.

Boa páscoa!

terça-feira, 19 de abril de 2011

Os que mandam fazem aquilo que os que obedecem deixam

Em matéria de governação desportiva os partidos do chamado arco governativo (PS/PSD) têm comportamentos similares. Mas esta similitude não significa que tudo neles seja igual. É igual o papel reservado ao Estado. Mas a forma como o assumem é bem diferente. E, aí, a governação socialista revela uma superior realização. Tão nítida que abafa qualquer oposição. Não é um juízo de valor. É uma constatação. Os socialistas têm um histórico de governação. E embora, entre eles, não sejam propriamente consensuais e elogiosos nessa avaliação, podem justamente mostrar um legado. Os sociais-democratas o que têm como modelo alternativo? Que pensamento? Que ideia? Que biografia? Em cinco anos de oposição que propostas apresentaram? Nas políticas sociais e económicas há seguramente diferenças. Nas politicas culturais provavelmente. E nas politicas desportivas? Qual é a diferença? Usem-se as dicotomias esquerda/direita ou socialistas/social-democratas/liberais e o que é que uns fazem que outros não fizessem? Quem é capaz de elencar um conjunto de medidas de politica desportiva assinadas pelo PS que o PSD não subscreva? Existem diferenças substantivas ou qualitativas? Se existem, permanecem em segredo. Mas não. Pelo que não vale a pena perder muito tempo com algo que não existe. O que temos é o que se conhece. Por obra e graça do PS.O que explica, em certa medida, que os “pêesses”achem que a “verdadeira” política desportiva lhes pertence. E que qualquer alteração ao amiguismo circular que alimentam ou critica externa seja considerada como uma intrusão. E como tal indevida. Aparentemente seriam portadores de virtudes e méritos que outros nunca foram capazes de atingir. Faça-se a justiça de reconhecer que quando assim pensam, e pensam muitas vezes, nem tudo está errado nesse modo de pensar.
A falta de alternativas reais fenece o sistema político. No limite o fim do confronto é o fim da política. Mas, por norma, quando há eleições e se adivinham mudanças de cenário político descobrem-se criticas que nunca se ouviram. Gente com opinião que nunca expressou. A retórica desses momentos pretende produzir a impressão de que há diferenças onde sempre houve semelhanças. Antes que a festa se inicie é bom que se registe o previsível espectáculo da fraqueza. E se recorde quem, com o seu silêncio, permitiu tudo e chegar onde estamos.
Os problemas desportivos do país (e os outros…) não se podem imputar exclusivamente a quem governa. É também à falta de uma oposição com preparação técnica e autoridade política para mostrar que tem outra política. Que tem outra maneira de pegar nos problemas. A solução política não reside na antinomia “eles” ou “nós”. O que virá a seguir, quaisquer que sejam os protagonistas, não será necessariamente muito diferente do actual. E há o risco de ser bem pior.
Nos próximos anos vai ser necessário reduzir a despesa. O habitual é fazê-lo não por via da reforma mas do sub-financiamento. Manter o que está, com menos dinheiro. Qual vai ser essa redução é uma incógnita. Dizer o contrário é conversa mole. Garantir que vai ser assim ou assado é pura estulticia politica num quadro de enorme imprevisibilidade política e orçamental.Nesta altura-com conversações com um entidades prestamistas e sem projecto orçamental para o próximo ano-não é politicamente honesto garantir o quer que seja.
Como se costuma dizer quem está, que aguente. E quem está tem uma vantagem não despicienda: desligou o GPS mas sabe fazer navegação à vista. E os outros, que não estão mas querem estar? Saberão o que os espera? Conhecem a verdadeira dimensão do problema? Estudaram-no? O desejo de poder não é necessariamente um mal. Caso haja projecto e ideias para fazer melhor. Mas há?

domingo, 17 de abril de 2011

A televisão e o desporto

A Assembleia da República aprovou recentes alterações à Lei da Televisão – agora denominada Lei da Televisão e dos Serviços Audiovisuais a pedido -, constantes da Lei nº 8/2001, de 11 de Abril. Já aqui se aludiu, para a modalidade futebol, à relevância da televisão. Por isso, mas indo mais além, embora com natureza meramente informativa para os associados e visitantes da Colectividade, se destacam os vigentes normativos nesse importante domínio. De todo o modo, impõe-se a leitura integrada da lei.


Em primeiro lugar, seguindo uma ordem numérica, o artigo 8º (Tipologia de serviços de programas televisivos), determina no seu nº 4 que os serviços de programas televisivos temáticos de autopromoção e de televenda não podem integrar quaisquer outros elementos de programação convencional, tais como serviços noticiosos, transmissões desportivas, filmes, séries ou documentários.


Central para o desporto – em particular para o negócio do futebol – é a disciplina sobre a aquisição de direitos exclusivos presente no artigo 32º. Dispõe o nº 2 que em caso de aquisição por operadores de televisão que emitam em regime de acesso condicionado ou sem cobertura nacional de direitos exclusivos para a transmissão, integral ou parcial, directa ou em diferido, de outros acontecimentos que sejam objecto de interesse generalizado do público, os titulares dos direitos televisivos ficam obrigados a facultar, em termos não discriminatórios e de acordo com as condições normais do mercado, o seu acesso a outro ou outros operadores interessados na transmissão que emitam por via hertziana terrestre com cobertura nacional e acesso não condicionado. Na falta de acordo entre o titular dos direitos televisivos e os demais operadores interessados na transmissão do evento, há lugar a arbitragem vinculativa da Entidade Reguladora para a Comunicação Social, mediante requerimento de qualquer das partes (nº 3).


Estes eventos objecto de interesse generalizado do público, bem como as condições da respectiva transmissão, constam de lista a publicar na 2.ª série do Diário da República, até 31 de Outubro de cada ano, pelo membro do Governo responsável pelo sector, ouvida a Entidade Reguladora para a Comunicação Social, sem prejuízo da publicação de aditamentos excepcionais determinados pela ocorrência superveniente e imprevisível de factos da mesma natureza (nº 4). Seguem-se outras normas disciplinadoras neste domínio:


5. Os titulares de direitos exclusivos para a transmissão de quaisquer eventos ficam obrigados a ceder o respectivo sinal, em directo ou em diferido, aos operadores que disponham de emissões internacionais, para utilização restrita a estas, em condições a definir em decreto -lei, que estabelece os critérios da retribuição pela cedência, havendo lugar, na falta de acordo entre os interessados, a arbitragem vinculativa da Entidade Reguladora para a Comunicação Social. 6. Aos operadores de televisão sujeitos à presente lei é vedado o exercício de direitos exclusivos em termos que impeçam uma parte substancial do público de outro Estado membro da União Europeia de acompanhar, na televisão de acesso não condicionado, eventos constantes das listas a que se refere o n.º 8, nas condições nelas fixadas. 7. A inobservância do disposto nos nºs 2 ou 6 não dá lugar à aplicação das respectivas sanções sempre que o titular do exclusivo demonstre a impossibilidade de cumprimento das obrigações neles previstas. 8. Para efeito do disposto no n.º 6, a lista definitiva das medidas tomadas pelos Estados membros, tal como divulgada no Jornal Oficial da União Europeia, é objecto de publicação na 2.ª série do Diário da República, por iniciativa do membro do Governo responsável pela área da comunicação social.


O artigo 33º versa sobre o direito a extractos informativos. Determina o nº 1 que os responsáveis pela realização de espectáculos ou outros eventos públicos que ocorram em território nacional, bem como os titulares de direitos exclusivos que sobre eles incidam, não podem opor-se à transmissão de breves extractos dos mesmos, de natureza informativa, por parte de serviço de programas disponibilizado por qualquer operador de televisão, nacional ou não. Completa o nº4, sem prejuízo de acordo para utilização diversa, os extractos devem:


a) Limitar -se à duração estritamente indispensável à percepção do conteúdo essencial dos acontecimentos em questão, tendo em conta a natureza dos eventos, desde que não exceda noventa segundos; b) Ser difundidos exclusivamente em programas regulares de natureza informativa geral; c) Ser difundidos nas 36 horas subsequentes à cessação do evento, salvo quando a sua posterior inclusão em relatos de outros acontecimentos de actualidade for justificada pelo fim de informação prosseguido; d) Identificar a fonte das imagens caso sejam difundidas a partir do sinal emitido pelo titular do exclusivo.

A respeito da inserção de publicidade e a televenda, o nº 7 do artigo 40.º -B, estabelece que as mensagens de publicidade televisiva e de televenda isoladas, salvo se apresentadas em transmissões de acontecimentos desportivos, só podem ser inseridas a título excepcional. De seguida, o nº 1 do artigo 41.º-A permite, nos programas sobre desporto, a colocação de produto e ajuda à produção.



Por sua vez o artigo 45.º (Produção europeia) recolhe indirectamente o desporto. De acordo com o seu nº 1 os operadores de televisão que explorem serviços de programas televisivos de cobertura nacional devem incorporar uma percentagem maioritária de obras europeias na respectiva programação, uma vez deduzido o tempo de emissão consagrado aos noticiários, manifestações desportivas, concursos, publicidade, televenda e teletexto.


Idêntica relevância é recolhida no artigo 46º (Produção independente): os operadores de televisão que explorem serviços de programas televisivos de cobertura nacional devem assegurar que, pelo menos, 10 % da respectiva programação com exclusão dos tempos consagrados aos noticiários, manifestações desportivas, concursos, publicidade, televenda e teletexto, sejam preenchidos através da difusão de obras criativas de produção independente europeias, produzidas há menos de cinco anos.


O último destaque vai para o serviço público de televisão. Neste segmento, o artigo 54º disciplina o segundo serviço de programas generalista de âmbito nacional. Dispõe o nº 1 deste preceito que este serviço compreende uma programação de forte componente cultural e formativa, devendo valorizar, entre outras matérias, o desporto não profissional e o desporto escolar.

quinta-feira, 14 de abril de 2011

Karaté: arte marcial ou desporto de combate ? (I)

De Armando Inocentes recebemos este contributo, que se agradece.


Foge este post um pouco aos assuntos ultimamente discutidos em “Colectividade Desportiva”. Mas surge a bem de um alargamento do leque de discussões e do esclarecimento sobre modalidades ditas “menores”...
Na mitologia romana Marte era o deus da guerra. É normal falarmos de “arte marcial” quando assistimos a uma competição ou uma demonstração de Judo, de Taekwon-do, de Kung-Fu ou de Karaté. Centremo-nos neste último...
O termo «karaté» é um estrangeirismo até incorrecto, pois só em 1936 foi o termo «karate-do» o adoptado (e que significa “a via das mãos vazias”) no Japão. Será uma arte marcial hoje em dia? Será um desporto? Em caso afirmativo, que tipo de desporto?
Enquanto na grande maioria das modalidades o praticante domina um objecto (bola, disco, dardo, patins, raquete), nos «desportos de combate» o dominar o adversário é o fim último – o objecto é neste caso um ser que age e reage, um ser que pensa e que sente. Nos “desportos de combate” não há um elemento dinâmico (ser humano) e um elemento físico (objecto), pois existem dois elementos dinâmicos, autónomos, criativos, dispondo de uma motricidade intencional, que se opõem e confrontam até se designar um superior ao outro segundo certos parâmetros. O facto de ambos procurarem a vitória, de um procurar submeter o outro confinado pelos critérios pré-determinados, o facto de um procurar dominar o outro segundo certas regras, o facto de um ter de se superiorizar ao outro para ser declarado vencedor encontra, de facto, a sua origem no universo guerreiro. O contacto corporal que existe nos desportos colectivos não se confunde com o contacto corporal directo intencional nos «desportos de combate». Nestes, o corpo do outro é objecto e objectivo da acção. Centramo-nos aqui no Kumite (vulgo “combate”), ficando a outra prova, a Kata (sequência de formas técnicas, “combate” contra quatro adversários imaginários), como representação, a estilização do mesmo.
Mas se qualquer jogo é um simulacro de combate em que não há derramamento de sangue e em que a morte é simbólica, ritualizada, verificamos que no desporto o verdadeiro «combate» não existe. “O combate é a verdadeira actividade guerreira (...). Combate significa luta, e nesta o objectivo é a destruição ou conquista do inimigo, e o inimigo, em combate particular, é a força armada que se coloca em oposição a nós” (Clausewitz, 1997).
A representação guerreira do combate (simbólica), regulamentada, a simulação da violência, e o confronto lúdico, a sua institucionalização, levam-nos a conferir hoje em dia ao Karaté o estatuto de desporto. O simbolismo presente no mesmo faz com que tenha mais sentido falar em «jogo» do que propriamente continuar-se a falar em «combate».
E não estará o Kumite (etimologicamente “encontro de mãos”, normalmente designado como «combate»), numa aproximação a um conteúdo histórico, mais próximo do «duelo de desagravo» do que propriamente do «combate»?
Mas a Sistemática do Desporto apresenta-nos hoje a seguinte Taxonomia: Desportos Colectivos, Desportos Individuais, Desportos de Combate, Desportos de Confrontação Directa, Desportos de Adaptação ao Meio e Desportos de Grandes Espaços (Almada, 1992). Peixoto (1997) apresenta ainda dois planos taxonómicos: um semelhante ao anterior, designado por «Desporto», e outro ainda que designa por «Educação Física e Desporto».
Sem dúvida que nesta Taxonomia se integra o Karaté nos Desportos de Combate.
Como características mais marcantes pode-se dizer que estes privilegiam o conhecimento do “eu” no confronto com situações críticas (a noção de morte, mesmo que simbolizada, está sempre presente) e no diálogo com o outro. A principal variável em jogo é precisamente o conhecimento do “eu” total integrado no grupo (Almada, 1992).
Também Rodrigues (s/d) apresenta como características marcantes (competências) deste grupo taxonómico de actividades desportivas as seguintes: capacidade de ler o opositor e consequentemente ter uma maior capacidade de antecipação, capacidade de encaixe em situações críticas e capacidade de defender, atacar e fintar em função do opositor e do contexto. Mas Rodrigues (id.) refere que os Desportos de Confrontação Directa têm como característica mais marcante o diálogo com o adversário, e que normalmente é realizado através de um “objecto interposto”. Embora sejam idênticos aos desportos colectivos quanto aos objectivos, estes diferem daqueles quer pelas dinâmicas geradas, quer pelo número de jogadores envolvidos quer ainda pelas interacções daí resultantes. Como principais competências salienta a capacidade de diálogo com o opositor, a capacidade de colher indicadores úteis no opositor, a capacidade de iludir o opositor e a capacidade de transmitir mensagens ajustadas ao opositor e ao contexto de cada situação, o que também coloca o Karaté muito perto desta nomenclatura – Desportos de Confrontação Directa.

Veremos num próximo post qual a melhor terminologia para esta modalidade.

terça-feira, 12 de abril de 2011

Inteligência emocional no desporto

A inteligência emocional surgiu há uns anos fruto da maior dedicação e pesquisa nas áreas comportamentais. Na altura, muitos defenderam que 'substituiria' o conceito de inteligência que prevalecia na altura. Hoje, a emocional vincou e vão surgindo outras como a espiritual e a ecológica. Interessante para quem trabalha no desporto, que muitas teorias defendem que na prática desportiva propriamente dita - mais ao nível dos desportos colectivos - a mesma tenha uma grande preponderância na correcta tomada de decisão, logo, na vitória e/ou sucesso, especialmente em ambientes onde é exigida a competência máxima.

Daniel Goleman, um dos grandes investigadores na área, embora não tão aceite na vertente mais académica, defende que independentemente dos estilos de liderança que existem, os líderes mais eficazes têm apresentado algo em comum: todos eles têm um alto grau do que se denomina inteligência emocional.

Significa que possuem uma autoconsciência, autodisciplina, motivação, empatia e habilidades sociais que lhes permitem entender, primeiro, a sua própria constituição emocional, e em segundo, as outras pessoas para direccioná-las na direcção e na concretização dos objectivos dos seus projectos, equipas ou organizações.

Mas também não significa que a inteligência emocional e o que a constitui seja a única variante importante. No desporto e nas outras profissões/áreas, as habilidades técnicas são relevantes, elas são o requisito para aceder a algumas posições e rendimentos de top. Quando se junta as temáticas de liderança e equipas ainda ganha mais importância a inteligência emocional dado que esta permite a habilidade de trabalhar em equipa e a eficácia de liderar compromissos individuais e colectivos.

O desporto tem oferecido inúmeros exemplos de estudo para estas áreas, alguns bem interessantes. Os treinadores, os jogadores das equipas e dirigentes têm percebido a vantagem da inteligência emocional, mesmo em estilos e em contextos de decisão centralizadora e autoritária. Estes estilos não são nem 100 % fiáveis nem 100 % correctos. O que acontece é que existem contextos que são mais compatíveis com estas situações sempre muito 'coladas' às pessoas com alto grau de inteligência emocional.

Contextos onde se assume a responsabilidade e se tenta criar uma missão e visão para as equipas e organizações. Onde existem indicadores de avaliação, objectivos e uma comunicação com bastante feedback bidireccional. Onde as regras sejam claras e concretas, em que se queira orientar para quem chega de novo. Ambientes com a liderança a ser reconhecida e não autoritária. O processo de desenvolvimento de competências seja algo assumido como sustentável a médio-longo prazo, motivados e comprometidos.

Mais uma vez, a tal decalage entre a realidade da prática desportiva e do dirigismo.

segunda-feira, 11 de abril de 2011

O direito circulatório

Não sei o que aconteceu ao anúncio da eventual redução do IVA no golfe. A inscrição em qualquer prova ou manifestação desportiva de qualquer modalidade desportiva já está à taxa mínima. Pelo que basta alguma criatividade semântica. Não discuto a bondade ou demérito da medida. Outros já o fizeram. Tão pouco o enquadramento fiscal sobre as diferentes dimensões das práticas desportivas. O que estava. O que mudou. E o que passou a estar outra vez. Não sei de resto, porque nunca vi publicado, qual é o impacto na arrecadação fiscal destas constantes mudanças. E se compensam. Entre o que se ganha “fiscalmente” e o que eventualmente se perde na promoção do consumo deste tipo de actividades. Mas sei uma coisa: qualquer alteração ao regime do IVA carece de um decisão normativa equivalente à natureza do diploma original. Não é um problema interpretativo. Não é uma decisão que caiba à administração fiscal. Só pode ser através de uma decisão política.


Os principais normativos que enquadram o regime fiscal português têm origem em diplomas do governo e complementarmente de medidas contidas nas diferentes leis do orçamento de Estado (Assembleia da República). E por aqui devíamos ficar. E nos casos de litigância pela jurisprudência dos tribunais administrativos e fiscais. Mas não é assim. Nem na forma, nem no conteúdo.


No conteúdo e paralelamente às instâncias a quem, num estado de direito, cabe produzir os respectivos diplomas legais temos, no caso nacional, a administração fiscal. Que, e bem, esclarece sobre a aplicação das leis. Mas que, e mal, ao fazê-lo, cria, em algumas situações, verdadeiras alterações aos diplomas originais. Para isso socorre-se dos célebres oficios-circulados, instrumento por excelência do poder da administração fiscal sobre os decisores políticos. Um poder ílicito. Porque se transformaram numa nova fonte de direito: o direito circulatório.


E passamos à forma. O direito é não uma ciência exacta. Carece de interpretação. E tem especialistas para esse fim. Que não é manifestamente o meu caso. Sou um consumidor e um utilizador do direito fiscal. Que por razões profissionais já teve que inquirir os serviços fiscais ou consultar documentos deles oriundo. E que vive o drama de à leitura do terceiro parágrafo ter de voltar atrás para tentar perceber o que está escrito. É pior que ler Kant ou Heidegger. Linguagem hermética, remissão para outros diplomas, predominância do jargão técnico e uma infindável nomenclatura. Ficamos com a sensação que somos uma espécie de letrados ignorantes. Lemos uma vez, duas vezes e desistimos. E fica-se com a vontade de mandar aquela parte as figurinhas que ignoram a missão de um serviço público. A administração fiscal não escreve preocupada em que os cidadãos ou que os serviços percebam o que escrevem. Escrevem numa verborreia técnica que revela soberba, ignorância e falta de respeito. Se cada um de nós no exercício das nossas obrigações profissionais só utilizasse a terminologia das respectivas especialidades a comunicação era impossível. Ora quem à frente de um serviço público tem a obrigação de prestar informações tem também o dever de o fazer de modo a que seja entendido. Sei que é pedir de mais face ao estado de bovinidade em que muita da administração pública caíu. E sei o que é poder nas mãos de burocratas e de pequenos tiranetes. Gente que vive num estado democrático e que trata ou outros como seus súbditos e não como aqueles a quem cabe servir. Tantos cursos e acções de formação, tanto dinheiro que o país gasta a formar este pessoal e que bem poderia ser aproveitado a ensinar que estão ali para servir as pessoas e não para as ignorar ou desvalorizar. E que deveriam ser sujeitas a um teste semântico que lhes permitisse distinguir a diferença entre a prima do mestre – de - obras e a obra prima do mestre. Podem ir à missa e saber benzer-se mas no reino dos céus não encontrarão a porta franqueada.


Este não é um problema do governo X ou Y.É uma cultura que se instalou na máquina do Estado. É uma verdadeira “escola de pensamento” oficial. De depredadores! Sem sensibilidade, sem cultura democrática e sem perceberam uma linha dos direitos constitucionais. E sem paciência para escutar criticas. Quantas decisões com incidência fiscal no sistema das práticas desportivas são tomadas sem ouvir os responsáveis governamentais da área do desporto? Quanta ignorância existe sobre o modo como socialmente a actividade desportiva deve ser tributada?

sexta-feira, 8 de abril de 2011

Futebol português ? (2)

A opinião de Luís Leite, que se agradece.


Grande noite, a de ontem para o futebol português, com os resultados obtidos pelas 3 equipas (SLB, FCP e SCB) na Liga Europa. Duas vitórias em casa e um empate fora, um total de 10 golos marcados e 3 sofridos. Analisemos apenas alguns pormenores sem importância: Nas 3 equipas “portuguesas”, num total de 42 jogadores utilizados, só 9 eram portugueses (21,4%) (alguns naturalizados), sendo 33 estrangeiros. Nas 3 equipas estrangeiras, num total de 38 jogadores utilizados, 19 eram nacionais dos respectivos países (50%), sendo outro tanto estrangeiros. Dos 10 golos marcados, só 1 foi marcado por um jogador nacional. Será “isto” um sucesso do futebol português? Ou os clubes de futebol já nada têm a ver com o valor dos jogadores nacionais, porque os intérpretes são quase todos estrangeiros? E quando calhar em sorteio a uma equipa portuguesa uma estrangeira com mais portugueses que a “nossa”? Dá que pensar

quinta-feira, 7 de abril de 2011

8 e 80

Se em momentos de crise enquanto uns choram outros vendem lenços, existem sectores e actividades que podem facilmente capitalizar vantagens nestas ocasiões posicionando-se no lado daqueles que vendem lenços.

Num primeiro olhar a actividade e o exercício físico poderiam ser um desses casos. Senão vejamos: Por força das circunstâncias que o país atravessa o crescimento do desemprego, o emprego em regime parcial ou o aumento do número de reformados, compõem uma base cada vez mais significativa de indivíduos com elevado tempo livre disponível. Por outro lado, os actuais preços dos combustíveis impelem a outras opções de mobilidade. Ora, neste cenário, o exercício e a actividade física são talvez dos consumos de tempo livre que exigem menores disponibilidades financeiras. Quer para quem pratica as actividades, quer para quem as procura promover e organizar, dado que o espaço público facilmente se ajusta a este tipo de realizações.

Curiosamente celebrou-se ontem o Dia Mundial da Actividade Física. Salvo raras excepções em alguns municípios, passou ignorado no nosso país, contrariamente ao sucedido em vários pontos do planeta.

A actividade física, móbil de tanta controvérsia, que mereceu honras de figurar, em primazia, no título da lei-quadro do desporto, e com ele estabeleceu um casamento de conveniência, desagregando-a do seu habitat natural - as políticas de saúde pública - não saiu particularmente valorizada desta aliança postulada por uma corrente doutrinária com cada vez mais seguidores. Quanto mais se funde, e confunde, com o desporto, tanto maior são as limitações ao seu potencial efeito sobre os tempos de lazer e recreio das populações.

O desporto tem na sua matriz basilar a selecção e a valorização do mais apto. O exercício e a actividade física, pelo contrário, visam promover a inclusão e a generalização. São mais os pontos que, à partida, os separam, daqueles que os unem. Prosseguem objectivos diferentes.

Conheci e privei com inúmeros praticantes desportivos, de diversas idades e condições sócio-económicas, nunca conheci um único que tenha invocado o sedentarismo como o motivo que o aproximou do desporto. Mas conhecem-se inúmeros sedentários supostamente “especialistas” em desporto e nas suas diversas modalidades. Germinam em programas de televisão, páginas de jornais, bancadas de estádios e nos sofás de cada lar.

No entanto, tal não significa que o desporto não possa ter um papel importante no objectivo primordial do exercício e da actividade física que é, afinal, a promoção da saúde através de medidas de combate ao sedentarismo. O erro de casting está em atribuir-lhe o papel principal e considerar o problema do sedentarismo, prioritariamente, como um problema do desporto. Quando não o é. Com todas as consequências nefastas desse tropismo ideológico.

A sua raiz reside no conceito sociológico de estilos de vida, ou, simplificando, nos processos e atitudes com que as pessoas se relacionam e interagem com o meio físico e social. Como o inculcam e o traduzem nos seus hábitos e rotinas quotidianas nas sociedades modernas.

É na forma como se projecta e programa o espaço público -não apenas como espaço físico e arquitectónico, mas também como espaço de sociabilidade, de cultura e afirmação cidadã - que se intervem, em primeira instância, sobre os estilos de vida e consumos saudáveis, recentrando a cidade no indivíduo e na comunidade, e, por essa via, reconfigurando as inúmeras tendências que o remeteram para o sedentarismo e outras formas de exclusão, mais ou menos aceites socialmente, que hoje se reproduzem no território.

Como? Veja-se nesta apresentação.



quarta-feira, 6 de abril de 2011

Depois de uma galinha,um porco

Depois de uma galinha no Estádio do Dragão um porco no Estádio da Luz. A foto do jornal Record (4/4/11) sobre o Benfica /Porto não deixa dúvidas: alguém largou um porco (ou leitão?) em pleno estádio. Como dizia o outro, a imagem vale por mil palavras. No caso o bácoro vale por mil teorias. Um porco, tal como uma galinha, segundo os regulamentos, não estão impedidos de entrar num campo de futebol. Não existe essa discriminação. Desde que paguem bilhete e se sentem. São animais como quaisquer outros. Nesse sentido cumpriu-se a lei. É para isso que vivemos, embora às vezes não pareça, num estado de direito. E mesmo que estivesse proibido, coisa que, compulsados os diferentes normativos, não encontrámos, todos sabemos que é fácil escondê-los em qualquer sítio. O controlo dos acessos é apertadíssimo, o número de policiais - fardados e à paisana – e assistentes de segurança é equivalente a uma guerra civil mas um porco é um porco e tem artes de simulação. Incluindo ao detector de metais. O mesmo se passa com a galinha. E mesmo que um grunhe e a outra cacareje, coisa que pode acontecer, o barulho do estádio abafa o som. Portanto não se critique o sistema de segurança.

Antigamente havia aquela comissária toda aperaltada, creio que se chamava Paula, que, no antes e depois das confusões, dizia como tudo estava planeado. Habitava nela qualquer coisa de mágico. Até a voz. Mas desde que trocou as suas antigas funções por outras que incluem, nas viagens ao estrangeiro, a de companheira de jogging do nosso primeiro, o futebol perdeu com a troca. O futebol e a estética da autoridade. E agora bem se pode especular como entrou o porco (ou a galinha?) para o interior do estádio. Por que porta? A que horas? Quem o transportou e como? Fugiu de um restaurante do estádio cujo destino era a grelha? Seguramente que haverá várias hipóteses. E todos a merecerem cuidada reflexão. E se possível uma comissão de inquérito. Não precisa de ser parlamentar. Pode até ser uma auditoria. Preferencialmente externa. Ou mesmo, quem sabe, um Forum na Rádio Bagdad(vulgoTSF). Ou um Prós e Contras. Porque de uma coisa podemos estar seguros: não foi por falha de planeamento. E por que o afirmamos com tanta assertividade? A tese é a seguinte.

Em cada um deste tipo de eventos há, invariavelmente, duas verdades confirmáveis. O dispositivo de segurança está em estado de prontidão máxima. E isso não é impeditivo de um arraial de pancadaria. Um não consegue viver sem o outro. Nada falha. Nem o planeamento. Nem a criminalidade organizada. Em matéria de previsão não há quem nos vença. E em matéria de segurança nos estádios a previsibilidade do que vai acontecer é bem maior que a do boletim meteorológico. É em planeamento, em autoridade e em dimensão filosófica sobre a Ética e seus derivados. Coisa, de resto, que está bem entregue. O responsável diz ”que o nível atingido já mete respeito”. E que vai promover uma reunião. Ora aí está o que a situação requer: uma reunião! Que não deve terminar sem um comunicado. E que responda ao que desta vez ocorreu. Alguma coisa falhou? Erro humano? Sintoma de que o FMI já anda por aí a infernizar-nos? A comissão de protecção dos animais fechou os olhos? O assunto não foi tema das conversações entre as partes, autoridades policiais e os líderes das claques? Houve aquiescência das autoridades sanitárias? Alguém se engasgou? Porque a novidade não foi o boicote à EDP com o fecho das luzes. Nem a conivência com a EPAL com a abertura do sistema de regra. Casos que são, à escala nacional, uma cópia dos catalães quando vencidos pelos italianos. Em matéria de elegância e boa educação estamos sempre disponíveis para copiar. A novidade foi o porco. Porque desta feita era diferente da galinha. Em termos estritamente zoológicos houve um “up-grade”. E nesta caso fomos mais longe que os catalães. Inovámos. Não nos limitámos a levar a cabeça do dito, como eles fizeram quando quiseram enxovalhar o Figo. Optámos por um original. E vivo.

No futuro, e para evitar a repetição da cena, duas medidas se impõem. Pelo menos duas. Os regulamentos da competição devem prever, mas prever expressa e claramente, a proibição de entrada de porcos e galinhas. Bastam os que, o não sendo, como tal se comportam. A indústria do futebol deve promover mais um seminário sobre segurança. Porque há sempre matérias novas. Se caso qualquer uma destas medidas falhar, mas só nesse caso, de resto pouco provável, o Governo, através do homem do leme do nosso desporto, após recolher o competente parecer do Conselho Nacional do Desporto e da sua comissão especializada para estas coisas, e que relevantes serviços tem prestado à causa da ética e da segurança do desporto nacional, deve criar um normativo que, sem ambiguidades, proíba a entrada nos nossos estádios, sós ou acompanhados, com bilhete ou sem ele, de bácoros ou galináceos. Salvo naturalmente -todas as regras têm excepções - as situações que se destinam ao abastecimento de casas de comes e bebes (vulgo restaurantes) onde os ditos são bem apreciados. Nestes casos, mas só nestes, a entrada de suínos e dos galináceos, deve ser autorizada.

segunda-feira, 4 de abril de 2011

Temos ou não temos o País que merecemos?

Pessoa A – Tu não achas que temos o País que merecemos? Eu acho!
Pessoa B – Eu não acho, eu trabalho, tenho funções, não ando aí a viver à conta de subsídios e outras coisas.
Pessoa C – Eu também não acho.
Pessoa D – Os outros como os políticos e amigos é que vivem bem e não fazem nada, só nos lixam!
Pessoa A – Mas este país está assim porquê? E se vocês não acham que não têm o que merecem…o que merecem ter? E é partilhado? Se é partilhado…porque não lutam por isso juntamente?

Portugal como País, como tudo, é a soma daquilo que fomos fazendo por ele e ainda fazemos. Umas vezes melhor outras menos bem, melhor antigamente pior agora ou vice-versa, não sei bem, mas o total da soma não é nada gratificante nos dias que correm, presumindo que a soma de todas as partes deve ser constituída por uma maior parte que rema contra ou nem sequer rema, que uma pequena parte deve remar bem mas para lados distintos e uma parte ainda menor pode até remar ou querer remar conjuntamente e alinhada!

Poucas áreas da sociedade fogem da abordagem sistémica. Poucos não se encaixam nesse sistema. Por isso, um conjunto de pessoas, uns mais ligados entre eles, conjuntos de duas, três ou cem pessoas, estamos quase como atados uns aos outros, em que o que fazemos é resultado de algumas acções ou decisões anteriores e o que fazemos pode e condiciona outras acções de pessoas que nem conhecemos. Tal como aquela sátira de dois burros atados e virados para locais opostos a olhar para as suas refeições. Em que os dois puxam cada um para seu lado para ver se chegam à sua comida, não entendo que negociando, podem chegar facilmente às duas refeições sequencialmente.

Na vertente desportiva não faltam exemplos de que aquilo que temos neste momento em Portugal não nos podes escandalizar assim tanto. Podemos não concordar. Podemos não nos identificar. Podemos até actuar de forma a não acontecerem, mas…até hoje, continuam a não ter o impacto suficiente para que impossibilitem situações vergonhosas, desorganizadas, faltas de respeito, etc.

Situações como as que aconteceram e ainda acontecem na Federação Portuguesa de Futebol, apenas por ser a mais mediática, porque muitas outras têm também situações desalinhadas, ilegais ou ilegítimas! Um Presidente de um dos três grandes que é eleito com 90 % dos votos e passado uns meses é contestado para sair! Objectos que são constantemente enviados para o relvado que podem matar os atletas. Pedras que são mandadas para os carros de dirigentes de clubes inimigos (e não adversários) em andamento a mais de 100 km hora. Claques que são protegidas para não sofrerem represálias de outras claques que lutam por essas ruas e estádios fora, enquanto o cidadão informal e cumpridor arrisca-se a ser agredido ou atingido por algo quando vai pacificamente a um estádio ou recinto desportivo. Dirigentes que afastam e repelem pessoas formadas e bem intencionadas. Estudantes de desporto que são tratados como peças de mercado para encher entidades. Institutos, Fundações e Organismos que existem sem fundamentos exequíveis, missão de existência ou objectivos construtivos. E parece que podia estar aqui mais umas horas a descrever casos.

Perante isto tudo, temos neste caso específico, o desporto que merecemos? Não o desporto que queremos, mas o desporto que se merece? Aquele para o qual a grande maioria das pessoas contribui? Como disse Mário Palma, actual treinador da Selecção de Basquetebol, nós gostamos de clubes e não de desporto. E depois alguns gostam de desporto! E outros gostam de Futebol. Outros de outras modalidades. Mas sempre o clube primeiro.

Antes de sermos mais a querer alterar isto, será necessário alinhar os que já existem. Para que os que se juntem à causa saibam para onde se vai.

domingo, 3 de abril de 2011

Festa brava!

Peço desculpa, mas hoje tinha que escrever muito. Ficam, contudo, os dados para o visitante serenamente formar a sua opinião.


Diga-se desde já, para que não se gerem equívocos, que tenho para mim que os núcleos duros de determinadas claques – que não se restringem somente aos denominados «3 grandes» (veja-se o recentíssimo caso de uma claque do Vitória de Guimarães) – são um espaço promotor de violência e banditismo. Por essa razão, o Estado, em vez de pretender transformá-las em associações de jovens e adultos bem comportados, com os elevados custos que consigna a tal missão impossível, primando por uma ineficácia absoluta comprovada por muitos anos, tudo deveria fazer para alcançar a sua extinção. Por isso, frise-se para a leitura seguinte, não há muito a distinguir entre claques “legalizadas” ou ilegais, designadamente quanto ao grau de violência, banditismo e perigosidade. Dito isto, vejamos mais de perto a “batalha das bandeiras e tarjas”, mais um episódio de uma guerra SL Benfica v. FC Porto, ou vice-versa para não ferir susceptibilidades.


No dia 31 de Março, lia-se na página do FC Porto (A Lei à Moda de Lisboa), que o clube tinha sido informado, nesse dia, numa reunião com a Polícia de Segurança Pública, que o SL Benfica pretendia impedir a entrada no Estádio da Luz de todos os adereços alusivos ao clube, como sejam bandeiras, estandartes ou faixas no jogo de hoje. Para o clube nortenho trata-se de uma decisão ilegal e, por essa razão, enviou exposições ao Ministério da Administração Interna, à Secretaria de Estado da Juventude e do Desporto, ao Conselho de Segurança e Ética no Desporto, à Liga Portuguesa de Futebol Profissional e à Federação Portuguesa de Futebol. Adiantava, à laia de argumento de maioria de razão, “que se há alguém que se acha no direito de estar acima da lei é o próprio Benfica, que continua a permitir a entrada no seu estádio de todos os adereços alusivos às claques No Name Boys e Diabos Vermelhos, dois agrupamentos ilegais, porque nunca efectuaram o registo dos seus elementos, como acontece com todas as outras [afirmação não verdadeira] claques desportivas em Portugal. No dia 1 de Abril era a vez de um comunicado do SL Benfica. Nele se refere que, em relação aos adeptos, o clube se limita a aplicar, dentro do quadro legal vigente, o princípio da reciprocidade: “Os nossos sócios e adeptos nas deslocações ao Estádio do Dragão têm sido sistematicamente impedidos de entrar com bandeiras do Benfica ou quaisquer outro tipo de adereços, ao contrário do que sucede em todos os restantes estádios nacionais e estrangeiros”. “Esta decisão foi devidamente ponderada e é irreversível, porque em questões morais – e dentro da legalidade – nunca se deve vacilar.” É obvio que os dois comunicados não deixam de dar loas ao fair-play e ao respeito devido a todos (mas nenhuns, diríamos nós).
Chegados aqui entraram no «jogo» duas instituições públicas e, embora dotadas de diversa capacidade de intervenção, qual delas com pior prestação. Primeiro a Polícia de Segurança Pública (PSP) que veio, em conferência de imprensa, considerar “que a lei está do lado do Benfica e não vai interferir no controlo dos objectos que podem ou não entrar no Estádio da Luz este domingo para o embate com o F.C. Porto”. Ignorância sem limites! “A PSP «lamenta» o ambiente criado em redor deste jogo e apela aos adeptos que apoiem as respectivas equipas sem recurso à violência, defendendo que «o futebol não é uma guerra» ”. Lindo e eficaz! Adiante: “A PSP considera que essa é uma responsabilidade do promotor do espectáculo, ou seja, neste caso, do Benfica. «Nada mais podemos fazer do que lamentar, mas não vamos interferir em questiúnculas clubísticas. São os produtores do espectáculo que devem garantir a segurança dentro do recinto, só vamos interferir se o Benfica permitir a entrada de objectos que são expressamente proibidos», começou por explicar o sub-intendente Costa Ramos”. Lindo e eficaz! Ignorância sem limites! “A lei não faz referência a bandeiras, tarjas e cachecóis, mas a PSP entende que essa é uma responsabilidade dos ARD (assistentes de recinto desportivo). «Não vamos interferir, os adeptos do F.C. Porto façam como entenderem, mas se o ARD disser que não entra, não entra», acrescentou o sub-intendente, admitindo que é uma medida que pode vir a provocar tumultos e «a polícia está lá para isso». Ignorância sem limites!
Depois veio o presidente de algo meio desconhecido, mesmo quase clandestino, o Conselho para a Ética e Segurança no Desporto (CESD). Para Carlos Cardoso a lei não obriga o Benfica a deixar entrar «o que quer que seja» no seu estádio: «Gostávamos que o espectáculo desportivo fosse uma festa. Os adereços fazem parte da festa, lamentamos que isto aconteça», começa por dizer Carlos Cardoso ao Maisfutebol, para depois defender que o organismo a que preside não pode actuar: «Não há nada na lei que obrigue o promotor a deixar entrar o que quer que seja. O que a lei 39/2009 prevê é a proibição de determinados objectos, por motivos de segurança.» Ignorância sem limites! O CESD já recebeu de resto a denúncia do F.C. Porto e vai encaminhar o assunto para o Ministério da Administração Interna, responsável pelo policiamento no clássico: «Vamos comunicar ao MAI que isto se passa e alertar para que haja bom senso.» Lindo e eficaz! «É uma questão para o MAI, para as forças policiais que estiverem presentes, para que haja bom senso da parte do Benfica», prossegue, admitindo de resto que, se a proibição do Benfica se estender à generalidade dos adeptos e não apenas às claques, a situação na Luz será muito confusa: «Acho que será o caos total. O bom senso tem que imperar.» Lindo e eficaz! Quanto ao problema geral das claques não legalizadas, Carlos Cardoso diz que não está esquecido, mas é um problema complexo. Pouco mais pode ser feito do que sensibilizar os clubes. Lindo e eficaz!


Mas o que podemos retirar, com alguma segurança, das normas constantes da Lei n.º 39/2009, de 30 de Julho (Estabelece o regime jurídico do combate à violência, ao racismo, à xenofobia e à intolerância nos espectáculos desportivos, de forma a possibilitar a realização dos mesmos com segurança)? Primeiro: “Artigo 5.º Regulamentos de prevenção da violência 1. O organizador da competição desportiva aprova regulamentos internos em matéria de prevenção e punição das manifestações de violência, racismo, xenofobia e intolerância nos espectáculos desportivos, nos termos da lei. 2. Os regulamentos previstos no número anterior estão sujeitos a registo junto do CESD, que é condição da sua validade, e devem estar conformes com: … 3. Os regulamentos previstos no n.º 1 devem conter, entre outras, as seguintes matérias: … d) Discriminação dos tipos de objectos e substâncias previstos na alínea d) do n.º 1 do artigo 22.º” Segundo: “Artigo 7.º Regulamentos de segurança e de utilização dos espaços de acesso público 1. O promotor do espectáculo desportivo aprova regulamentos internos em matéria de segurança e de utilização dos espaços de acesso público. 2. Os regulamentos previstos no número anterior devem conter, entre outras, as seguintes medidas, cuja execução deve ser precedida de concertação com as forças de segurança, a ANPC, os serviços de emergência médica e o organizador da competição desportiva: …. d) Instalação ou montagem de anéis de segurança e a adopção obrigatória de sistemas de controlo de acesso, de modo a impedir a introdução de objectos ou substâncias proibidos ou susceptíveis de possibilitar ou gerar actos de violência, nos termos previstos na presente lei; … 3. Os regulamentos previstos no n.º 1 estão sujeitos a registo junto do CESD, que é condição da sua validade. 4. A não aprovação e a não adopção da regulamentação prevista no n.º 1 pelo promotor do espectáculo desportivo, ou a adopção de regulamentação cujo registo seja recusado pelo CESD, implicam, enquanto a situação se mantiver, a impossibilidade de serem realizados espectáculos desportivos no recinto desportivo respectivo, bem como a impossibilidade de obtenção de licença de funcionamento ou a suspensão imediata de funcionamento, consoante os casos. 5.As sanções mencionadas no número anterior são aplicadas pelo Instituto do Desporto de Portugal, I. P., sob proposta do CESD”. Terceiro: “Artigo 22.º Condições de acesso de espectadores ao recinto desportivo 1. São condições de acesso dos espectadores ao recinto desportivo: a) A posse de título de ingresso válido; b) A observância das normas do regulamento de segurança e de utilização dos espaços de acesso público; … d) Não transportar ou trazer consigo objectos ou substâncias proibidos ou susceptíveis de gerar ou possibilitar actos de violência; e) Não ostentar cartazes, bandeiras, símbolos ou outros sinais com mensagens ofensivas, de carácter racista ou xenófobo; … g) Consentir na revista pessoal de prevenção e segurança, com o objectivo de detectar e impedir a entrada de objectos e substâncias proibidos ou susceptíveis de gerar ou possibilitar actos de violência; … 3. É vedado o acesso ao recinto desportivo a todos os espectadores que não cumpram o previsto no n.º 1, exceptuando o disposto nas alíneas b), d) e g) do mesmo número, quando se trate de objectos que sejam auxiliares das pessoas com deficiência e ou incapacidades”. Quarto: Artigo 23.º Condições de permanência dos espectadores no recinto desportivo 1. São condições de permanência dos espectadores no recinto desportivo: a) Não ostentar cartazes, bandeiras, símbolos ou outros sinais com mensagens ofensivas, violentas, de carácter racista ou xenófobo, intolerantes nos espectáculos desportivos, que incitem à violência ou a qualquer outra forma de discriminação, ou que traduzam manifestações de ideologia política; …” Quinto: “Artigo 24.º Condições especiais de permanência dos grupos organizados de adeptos 1. Os grupos organizados de adeptos podem, excepcionalmente, utilizar os seguintes materiais ou artigos, no interior do recinto desportivo: a) Instrumentos produtores de ruídos, usualmente denominado «megafone» e «tambores»; b) Artifício pirotécnico de utilização técnica fumígeno, usualmente denominado «pote de fumo». 2. O disposto na alínea a) do número anterior carece de autorização prévia do promotor do espectáculo desportivo, devendo este comunicar à força de segurança. 3. O disposto na alínea b) do n.º 1 carece de autorização e monitorização da força de segurança, em concordância com a ANPC e com o promotor do espectáculo desportivo”. Sexto: “Artigo 25.º Revista pessoal de prevenção e segurança 1. O assistente de recinto desportivo pode, na área definida para o controlo de acessos, efectuar revistas pessoais de prevenção e segurança aos espectadores, nos termos da legislação aplicável ao exercício da actividade de segurança privada, com o objectivo de impedir a introdução no recinto desportivo de objectos ou substâncias proibidos, susceptíveis de possibilitar ou gerar actos de violência. … 3.As forças de segurança destacadas para o espectáculo desportivo, sempre que tal se mostre necessário, podem proceder a revistas aos espectadores, por forma a evitar a existência no recinto de objectos ou substâncias proibidos ou susceptíveis de possibilitar actos de violência. 4. A revista é obrigatória no que diz respeito aos grupos organizados de adeptos”. Sétimo: “Artigo 39.º Contra-ordenações 1. Constitui contra-ordenação, para efeitos do disposto na presente lei: … b) A introdução, transporte e venda nos recintos desportivos de bebidas ou outros produtos contidos em recipientes que não sejam feitos de material leve não contundente; c) A introdução, venda e aluguer ou distribuição nos recintos desportivos de almofadas que não sejam feitas de material leve não contundente; d) A prática de actos ou o incitamento à violência, ao racismo, à xenofobia e à intolerância nos espectáculos desportivos, sem prejuízo de outras sanções aplicáveis; e) A utilização nos recintos desportivos de buzinas alimentadas por baterias, corrente eléctrica ou outras formas de energia, bem como quaisquer instrumentos produtores de ruídos instalados de forma fixa, com excepção da instalação sonora do promotor do espectáculo desportivo; f) A utilização de dispositivos luminosos tipo luz laser, que, pela sua intensidade, seja capaz de provocar danos físicos ou perturbar a concentração e o desempenho dos atletas; g) A introdução ou utilização de substâncias ou engenhos explosivos ou pirotécnicos ou objectos que produzam efeitos similares, sem prejuízo de outras sanções aplicáveis; h) O arremesso de objectos, fora dos casos previstos no artigo 31.º”


Completando este arco normativo o Regulamento de Competições da LPFP estabelece – em conformidade com as normas constantes dos artigos 5º, nº 3, alínea d) e 21º, nº, alínea d), da lei –, que os clubes devem adoptar obrigatoriamente um controlo de acesso do público, de modo a impedir a introdução de objectos proibidos ou susceptíveis de possibilitar actos de violência [artigo 52º, alínea g)]. E, pasme-se, até diz o que deve ser considerado proibido no seu segundo (?) § único: “Para efeito do disposto na alínea anterior, sem prejuízo do estabelecido no artigo 24º da Lei 39/2009, de 30 de Julho, são considerados proibidos os objectos, substâncias e materiais susceptíveis de possibilitar actos de violência, designadamente: 1.Bolas, chapéus-de-chuva, capacetes; 2.Mastros de bandeira de haste rígida ou similares; 3.Armas de qualquer tipo, munições ou seus componentes, bem como quaisquer objectos contundentes, designadamente, facas, dardos, ferramentas ou seringas; 4.Projécteis de qualquer tipo, tais como cavilhas, pedaços de madeira, plástico ou metal, pedras, vidro, latas, garrafas, canecas, embalagens, caixas ou quaisquer recipientes que possam ser arremessados e causar lesões; 5.Objectos volumosos, tais como escadas de mão, bancos ou cadeiras; 6.Substâncias corrosivas ou inflamáveis, explosivas ou pirotécnicas, líquidos e gases, fogo de artifício, foguetes luminosos (very lights), tintas, bombas de fumo ou outros materiais pirotécnicos; 7.Latas de gases aerossóis, substâncias corrosivas ou inflamáveis, tintas ou recipientes que contenham substâncias prejudiciais à saúde ou que sejam inflamáveis; 8.Apontadores de laser ou outros dispositivos luminosos que sejam capazes de provocar danos físicos ou perturbar a concentração ou o desempenho dos atletas e demais agentes desportivos; … 2. Para além do disposto no número anterior, devem os Clubes visitados, ou considerados como tal, proceder à colocação, em todas as entradas do estádio, de um mapa-aviso, de dimensões adequadas, com a descrição de todas os objectos ou comportamentos proibidos no recinto ou complexo desportivo, nomeadamente invasões do terreno de jogo, arremesso de objectos, uso de linguagem ou cânticos injuriosos ou que incitem à violência, racismo ou xenofobia, bem como a introdução e ingestão de bebidas alcoólicas, estupefacientes ou material produtor de fogo-de-artifício ou objectos similares, e quaisquer outros susceptíveis de possibilitarem a prática de actos de violência”.


SL BENFICA, outros clubes, PSP e Senhor Carlos Cardoso, leiam o que têm à mão e com que devem lidar todos os dias, apliquem a lei ou, então, demitam-se e calem-se.

sexta-feira, 1 de abril de 2011

Souto de Moura

Na qualidade de português fico sempre orgulhoso quando um compatriota vence uma competição ou ganha um prémio de prestígio e mérito internacional, seja no desporto ou em outra área qualquer. A semana que passou trouxe-nos a notícia que o arquitecto Souto de Moura foi distinguido com o Prémio Pritzker 2011, o mesmo que já tinha sido alcançado anteriormente por outro português, o arquitecto Siza Vieira.


Considerado como o “galardão” mais importante da arquitectura a nível mundial é de facto um orgulho para Portugal ter cidadãos que se destacam ao mais alto nível internacional na sua profissão. O conceituadíssimo Júri Internacional deste prémio considerou que a “arquitectura de Souto de Moura não é óbvia, frívola ou pitoresca”, referenciando obras que vão desde a escala doméstica à urbana, apontando os exemplos da Casa nº 2 do Bom Jesus e do incontornável Estádio de Braga inaugurado em 2003. De facto, poderemos considerar que o Arquitecto Souto de Moura, para além de excepcional, desenvolve ainda um trabalho de “banda larga”.


Mas um trabalho de banda larga em arquitectura não pode resumir-se única e exclusivamente a um produto acabado do ponto de vista estético. Seja de uso privado ou comunitário, uma edificação tem que estar preparada para responder a determinados objectivos e finalidades. No caso do Estádio de Futebol de Braga, não se discutindo a sua qualidade e inovação estética, deveria este, ter sido melhor planeado e executado para a funcionalidade que um equipamento colectivo deste género deve possuir.


O Estádio de Braga, uma instalação vocacionada fundamentalmente para o espectáculo desportivo, tem do ponto de vista funcional muitos pontos negativos, dos quais se destacam entre outros: a difícil acessibilidade ao local a pé ou em veículo; a distribuição e locais de estacionamento; as bancadas com acesso ou inferior ou superior e que exigem uma grande deslocação por parte de quem quer chegar ao seu lugar; poucos elevadores para as pessoas de mobilidade reduzida ou idosos; espaço muito frio devido à sua localização; e áreas administrativas sem luz natural ou inadequada. Quando o estado da arte sobre localização, construção e funcionalidade de Estádios de Futebol está tão desenvolvido e divulgado há mais de três décadas, é de certa forma inconcebível cometerem-se alguns destes erros básicos, facilmente detectados por todos os destinatários finais deste “produto”, nomeadamente os adeptos de Futebol.


É claro que os arquitectos, embora sejam pessoas tradicionalmente “difíceis” quando se trata de Instalações Desportivas, não são os únicos responsáveis por este tipo de situações. Os donos e promotores das obras têm também o dever de garantir um bom planeamento dos objectivos e do tipo de equipamento desportivo que se pretende. Isto torna-se ainda mais importante quanto mais elevado é o custo da obra e quando é o Estado a pagar.


Quando Souto de Moura receber pela mão do presidente norte-americano, Barack Obama, no próximo dia 2 de Junho, em Washington, esse tão prestigiado Prémio Pritzker, que seja também uma oportunidade para reconhecer o Estado Português, enquanto grande criador de oportunidades para que os arquitectos mostrem a sua obra e se afirmem como prodígios internacionais na sua profissão. Que este momento seja também importante para se reflectir que a glória e o reconhecimento internacional, nomeadamente por parte dos seus pares é importante, mas que é fundamental colocar a genialidade e ética profissional ao serviço da comunidade, assegurando-se desta forma, funcionalidade, sustentabilidade e justificação social para que determinadas obras se edifiquem, principalmente quando é o Estado e o cidadão a pagar.