segunda-feira, 30 de abril de 2012

Leiria: e agora?


Texto publicado no Público de 29 de Abril de 2012.


1. Hoje, às 16 horas, encontra-se oficialmente determinado que ocorrerá um jogo de futebol, a contar para a 28ª jornada da Liga Zon Sagres, entre a União de Leira e o Feirense.

Durante a semana, o espaço mediático foi preenchido com a tomada de posição dos jogadores da União de Leiria que acabaram por rescindir, invocando justa causa, os seus contratos de trabalho.

Bem cedo se começou a levantar hipóteses quanto ao futuro desportivo da União de Leiria e porventura de terceiros clubes, caso a União não compareça ao jogo de hoje.

3. Determina o artigo 60º do Regulamento Disciplinar aplicável que a falta de comparência não justificada de um Clube a um jogo oficial, verificada em algum dos três últimos jogos de uma prova por pontos, o será punida com pena de descida de divisão, derrota no jogo e multa acessória até € 50.000 (cinquenta mil euros). Por outro lado, mais se prevê que somente justificam a falta a força maior, o caso fortuito e a culpa ou dolo de terceiros que determinem a impossibilidade de comparência. A Comissão Disciplinar apreciará a justificação do Clube faltoso.

A pena de derrota importa consequências: faz perder ao clube sancionado, na tabela classificativa, os pontos correspondentes ao jogo a que a falta disser respeito, o qual serão atribuídos ao Clube adversário; o clube declarado vencedor beneficiará de um resultado de 3 a 0.

4. A situação gerada pode constituir uma caso de força maior? Afigura-se-nos legítima a ponderabilidade da questão. Dirão alguns: mas se ela é, de alguma forma, despoletada por uma conduta reprovável do clube (é-lhe imputado o incumprimento salarial por mais de que dois meses), como compreender que, num segundo momento, o clube saia como que “premiado”? Não é questão de fácil resolução. Todavia sempre se dirá que o RD prevê uma infracção disciplinar neste domínio que não vimos, até agora, ser «accionada», nem pelos jogadores: a sanção é a de subtracção de tês pontos para o clube que se encontre em mora igual ou superior a sessenta dias no pagamento de remunerações-base e compensações mensais previstas, respectivamente em contratos de trabalho desportivo e contratos de formação dos jogadores que integrem o plantel da época desportiva em curso e não a faça cessar mediante o devido pagamento no prazo de quinze dias a contar de notificação expressa da Comissão Executiva da Liga para o efeito.

5. E se a União de Leiria abandonar a competição? Aí, as coisas «mudavam» substancialmente. Nos termos regulamentares se a desistência se verificar depois de iniciada a competição, os clubes são punidos com as penas de desclassificação na prova, exclusão das competições organizadas pela Liga e multa acessória de € 100.000 (cem mil euros). A desclassificação tem as seguintes consequências: o clube não poderá prosseguir na prova e os resultados verificados em todos os jogos disputados com esse Clube não serão considerados para efeito de classificação. O clube sancionado ficará a constar em último lugar da prova com zero pontos.

6. Há quem limite estes efeitos, jogando mão da norma que estabelece que trinta dias após a realização de um jogo, considera-se o seu resultado tacitamente homologado, pelo que, quer os protestos sobre qualificação de jogadores quer as denúncias de infracções disciplinares admitidos e feitos depois daquele prazo não terão quaisquer consequências relativamente a esse jogo e na tabela classificativa, ficando os infractores unicamente sujeitos às penas disciplinares previstas e aplicáveis para os ilícitos que vierem a ser provados. A nosso ver sem razão. Entre outras razões, motivam-nos a impressiva afirmação de que os resultados verificados “em todos os jogos” disputados com esse clube não serão considerados para efeito de classificação. Por outro lado, ficaria por explicar a razão pela qual a União de Leiria ficaria com zero pontos. A seguir o caminho prosseguido por alguns, com a limitação de efeitos preconizada, então o clube sancionado também teria pontos a ser ainda considerados válidos.

sexta-feira, 27 de abril de 2012

O descalabro


1.  “O Conselho de Administração do CAB-Madeira, SAD, informa que a sua Equipa Sénior Masculina não irá tomar parte nos restantes jogos da edição deste ano dos playoff da Liga Masculina. Esta decisão, que não influencia a permanência do CAB-Madeira na Liga, surge após o Conselho de Administração ter esgotado todos os canais ao seu alcance com vista o financiamento da deslocação da equipa ao continente e as despesas de transportes aéreos, alojamento e alimentação que lhe estão inerentes.  A esta situação acresce que já custeamos, com os nossos próprios recursos, várias deslocações ao longo da época, sem alguma vez ter-nos sido aplicado o Princípio da Continuidade Territorial, direito consagrado constitucionalmente.“
Conselho de Administração da SAD -  Comunicado de 27.04.2012

2.  “Atentas as faltas de comparência por parte do Clube A.D.Machico e devidamente ponderados os interesses em causa, foi deliberado, nos termos do Arto 19o no2 e Arto 19o no 5 alínea c) do Regulamento de Provas da FPV em vigor, eliminar o Clube A.D. Machico do Campeonato Nacional de Seniores Masculinos – I Divisão e aplicar-lhe multa de €2000 (dois mil Euros).”

Decisão da Direção da FPV - Circular n.º 12 de 22.03.2012


3.  “Em virtude da exclusão do Porto Santo SAD do  Campeonato Nacional da 1ª Divisão de Seniores Masculinos em Hóquei em Patins, deliberada pelo Conselho de Disciplina da FPP em 25 Janeiro de 2012, informam-se todos os clubes participantes no referido Campeonato que, todos jogos  em que intervinha o Porto Santo SAD são cancelados  a partir da presente data , devendo ser considerados como "Folga" os jogos ainda por disputar com aquele Clube até à conclusão da Prova atrás mencionada.”

Comunicado da FPP – 27.01.2012


Infelizmente, o infortúnio, provavelmente mais acentuado nas regiões autónomas por razões que bem se conhecem, alastra pelo Desporto Nacional. Outras desistências se alvitram no domínio das competições reconhecidas como profissionais, já para não falar dos incumprimentos salariais, a jogadores, técnicos e fornecedores em diversas modalidades desportivas.

Já não é o modelo associativo que está em causa, o modelo societário também não resiste às agruras económico-financeiras dos tempos atuais. E não é apenas o sector sénior a sucumbir, também em diversos clubes muitas das equipas de formação foram extintas e outras continuam a sobreviver graças à sustentabilidade financeira assegurada pelos "carolas" e pelos pais e encarregados de educação.

Não parecem restar dúvidas que o desporto federado vai necessitar, nos próximos tempos, de recorrer ainda mais ao voluntariado e, sobretudo, que as federações desportivas repensem seriamente a política de apoio aos clubes desportivos. É hora das entidades da cúpula desportiva abdicarem de alguns mega-projetos/eventos e até de algumas mordomias e apoiarem quem as tem alimentado nas últimas décadas.  Só assim, cúpula e base, poderão resistir e cumprir a missão que subjaz às suas existências. Concomitantemente, poderão aguardar que sobre o desporto, matéria de interesse público, mas apenas quando interessa, recaia a atenção governativa com a instituição de mais um grupo de trabalho para no prazo de 45 dias apresentar propostas para solucionar este descalabro nacional.

PS. Valha-nos a Telma Monteiro, bem haja, para alegrar os nossos corações e neles depositar esperança para almejarmos o pódio nos JO/Londres2012.

quinta-feira, 26 de abril de 2012

Sardinha de bicicleta nas Festas de Lisboa


É esta a sardinha que ganhou o concurso das Festas de Lisboa, parabéns à Matilha que a criou e que, com todas estas cores, a retirou da estrita relação com o omega-3.  Já basta de tanta preocupação com os ácidos gordos quando a saúde pública e o exercício dependem, muito mais, do comportamento social do que dos poli-insaturados baptizados com nomes estranhos. Sobre estes pode escrever-se tudo e mais uma teoria porque não é por isso que eles alteram um milímetro da sua actuação, daí o conforto deste tipo de investigação pois nunca os estudados questionam a subjectividade da interpretação dada aos números pelos respectivos estudiosos. Ora as pessoas são mais difíceis de estudar porque o seu comportamento não funciona como um mero organismo, porque é na interacção com o outro  que se gera a emoção promotora de iniciativa e entusiasmo, mesmo que estruturalmente constrangidas, ou então não.

Esta sardinha é fruto dessa tal iniciativa e entusiasmo  porque é pela acção vivida que a matilha reclama políticas públicas que contemplem a sua opção de vida, que neste país protejam a bicicleta na mobilidade urbana. A que se deverá, a este nível, a nossa diferença face aos nórdicos,  tendo nós tão bom tempo e tantos dias de solinho? Será que, fruto da insolação, queimámos o neurónio responsável pela decisão da qualidade de vida citadina que os nórdicos têm e nós não? Passemos agora à variável da nutrição para aventar novas hipóteses, partindo da constatação que nós até comemos mais sardinha (os mais cientistas leiam ómega-3), das duas uma, porque é por demais paradoxal, se a sardinha é responsável pela esperteza como explicar que sejam os holandeses a ter um código que dá primazia ao peão, depois ao ciclista e, por último e sempre sem razão no caso de acidente, ao automobilista. E, numa outra perspectiva, se é grande a esperteza dada pela sardinha vingará em Portugal a do tipo saloia, daquela que acredita que se o problema não é proteico-molecular então não necessita de ser estudado e, vai daí, investe em estruturas, leiam ciclovias e ciclo-faixas e outras segregações do género sem rede lógica pensada a partir dos percursos das pessoas e, a montante, sem a criação de normas, regras e multas sérias para acabar com a velocidade nas cidades. Agora que temos hipóteses de causa-efeito para alimentar vários PhD deixo-vos, a título exploratório, o link para uns slides que vos mostram que na Holanda, contrariando crenças infundadas, no interior das vilas e cidades são poucas as ciclovias; estas existem, sim, para ligar bairros mais afastados aos centros de vitalidade comercial e universitária ou para ligar vilas entre si. É caso para dizer que os holandeses não se perdem, bailarico sim mas não uma vez por ano, festa sim e todos os dias mas a "horas de gente" que no dia seguinte trabalha porque, por suposto, é no convívio regular e quotidiano que reside o segredo da boa vida e da coesão social.

A matilha fez o inédito, pega na sardinha e traz à baila das festividades uma reflexão sobre a mobilidade e o modo de vida da cidade, sobre a falta de opções a que todos estamos sujeitos. Reparem nesta loucura, na escolha forçada a que todos somos submetidos quando nos concentram o comércio em Shoppings como o de Cascais no cimo de um planalto cuja acessibilidade de nível existe mas é uma auto-estrada, quando nos colocam o Hospital Amadora-Sintra num ermo a que só se chega de carro, quando as pessoas que moram em casas mais em conta da margem Sul têm de trabalhar no Tagus Park e, do outro lado, quando moram no Estoril têm trabalhar ou estudar na FCT do Monte da Caparica, quando moram em Queluz e no Cacém têm de estudar na Cruz Quebrada ou, pior, no pólo do Alto da Ajuda. Pergunto, há transportes públicos pensados para todas estas situações? É claro que não, os transportes existem mas não foram pensados para dar resposta a esta complexidade e doidice urbanística, na qual as mudanças estruturais acontecem de modo pontual mais ligadas ao poder do político do que ao poder das políticas e, claramente, isto lixa qualquer suposto sistema ou suposta organicidade.

Até o nosso organismo, que é de si muito complexo, jamais suportaria tal leviandade porque, motivo simples, não contempla clientelismos, cada orgão tem a sua especificidade e seu modo de funcionamento mas, qual hierarquia cerebral qual quê, todos têm de contribuir para o mesmo fim, sem cunhas nem queijos pelo meio. Qualquer greve intestinal nos deixa amarelinhos e se teimar em prolongar-se não tenham dúvidas que o destino final, do corpo por inteiro, é o jardim das tabuletas. Ora, ao nível social também os camionistas testaram a teimosia de Sócrates e provaram que facilmente nos colocavam a todos a andar de bicicleta e a semear batatas mas nunca no cemitério. Topam a diferença, as pessoas adaptam-se, reagem à greve, mudam de comportamento perante as dificuldades até porque, mesmo sem petróleo, temos para trás uma história com séculos de existência. Claro que a consciência colectiva dos camionistas apareceu muito por obra e graça dos respectivos patrões, ou seja, para além da subjectividade inerente à (inter)acção humana ainda temos estes "piquenos nadas" que explicam o sucesso desta greve sobre a dos professores por exemplo, uma coisa é estar em greve abraçado ao patrão contra o Estado cuja face é um tipo que em geral poucos suportam, outra é ser funcionário desse Estado que não lhe paga os dias de greve. E toda esta confusão entre deveres e direitos da cidadania acontece porque nem nas escolas a Educação Cívica é bem servida e a sardinhada é de tal ordem que nem  o primordial vem à baila: que o ESTADO não era o Sócrates nem agora é o Passos mas SOMOS TODOS NÓS.

E, nesta senda da valorização cívica, Sócrates depois da experiência vivida concluiu que só mesmo um investimento na educação, e não é à toa a Filosofia e não a Biologia, lhe faria perceber tudo o que não entendeu.  E, político que só é político, sem Paris nem Filosofia, não anda na matilha porque é raposa velha. E, dominando a sua lenda, esta raposa perante as uvas apetitosas, leiam estas belas sardinhas com biclas e sem carros, incapaz de agilidade para dar cabo da latada sorri com lata e diz: estão verdes! E, contente de si, sai veloz pela via-verde decidido a construir mais estradas e túneis que acabem com a visão destas malditas uvas e eis que, aos poucos, enlouquece e só lhe apetece dar cabo daquelas latas que, nas filas por todo o lado, a impedem de chegar na bisga a qualquer saída. E nesta bisga transformadora de ruas em estradas de fórmula 1, a sardinha enlatada vive em desassossego e com medo: sente que a lata a protege  e por isso paga as estradas,as portagens e as respectivas manutenções; fechadas em si nas grossas filas de espera inventam programas de rádio que as animam; investem mais de metade do mês de trabalho no pagamento das prestações da lata; refugiam-se na crença e na procissão que aos santos pede chuva para arrefecer o efeito estufa criado pelas suas latas; põem as suas petingas frente ao ecrã que as acalma com jogos enervantes e consultam psicólogos para resolver uma hiperactividade que no interior da lata não se aguenta; investem em mestrados e acabam em motoristas das suas petingas que, dados os perigos, necessitam da lata para ir de casa à escola ou ao pão e também à natação; os logistas da tradição governam-se a enlatados porque o produto fresco pertence agora ao hipermercado que dispõe de lugar para cliente com lata. E, todos, investimos na formação de sardinhas cientistas e nutricionistas para, sem nos tirar da gordura da lata, nos fazer mexer e reduzir o peso ou, quietos, nos emagrecer com depuralina. E, perante esta espiral determinista que, com grandes festas, nos embriaga nesta valente sardinhada, ainda nos fazem pensar que não estamos nada entalados, que isto é o ciclo natural da vida, que somos como o ovo e a galinha dos quais ninguém sonha quem nasceu primeiro. Desculpem a franqueza mas este argumento em que andamos todos metidos não lembra nem ao Bruno Bettelheim (autor da psicanálise do conto de fadas).

Com esta sardinha social a matilha mostra que tanto a vida como o turismo na cidade estão a mudar, que o significado patrimonial se alterou, que o ícone da cidade já não é o embasbacado frente ao palácio mas, sim, a estética ligada com o movimento e a interacção social, o turismo activo. Ora, se a matilha já sobrevive  com este modo de vida alternativo ao modo enlatado então significa que é possível fazer vingar esta sardinha menos proteica mas mais social. Este DIY (do it yourself) da matilha mostra que a alternativa se constrói não pela segregação de uns face aos outros mas pelo juntar do saber de todos. Necessitamos assim do efeito circular sabiamente gerado pela raposa, ie, juntar todos os aventureiros para, em cardume, dar segurança a todos aqueles que já desejam sair da lata e só o medo os impede. Cabe às sardinhas interessadas na mudança investir no DIY e, no interior dos seus municípios, universidades, ateliers, oficinas e afins, não recear as infra-estruturas onde as raposas se movem e nas quais estamos todos metidos, instigar as super-estruturas  para dar visibilidade à solução porque é assim que se ganha consciência do problema colectivo e, ainda cheios de lata, construir e/ou exigir estruturas que nos coloquem a saúde pública bem lá no alto de modo a olhar de cima raposas mota-engilosas que contrariadas pela nossa maturidade  diriam "estão verdes"!
Seguindo a Matilha Cycle Crew, cuja maturidade admiro, também eu irei de bicicleta à Festa porque, na sardinhada de Lisboa, é o meio mais rápido para chegar lá primeiro!  

terça-feira, 24 de abril de 2012

No Olimpo os deuses devem estar loucos

Os Jogos Olímpicos de Londres são daqui a três meses. E seria expectável que a atenção dos que trabalham no Comité Olímpico de Portugal estivesse focalizada na tarefa de garantir a melhor prestação possível à delegação nacional. Mas não. O secretário- geral do COP, que continua em exercício de funções, entendeu contactar algumas federações desportivas e anunciar que decidiu ser candidato à liderança do organismo. Entretanto, o líder de uma outra organização – a Confederação do Desporto de Portugal-cujo mandato para que foi eleito ainda não terminou, já anuncia que não descarta a hipótese de se candidatar ao COP.E, embora reconheça que este não é o momento próprio para abordar o tema, lá vai desfilando os motivos curriculares que, segundo o próprio, justificam que admita essa possibilidade.
As eleições são em 2013. E tudo tem o seu tempo. O frenesim de ocupar espaço e a agitação agora manifestada não augura nada de bom. Qualquer destas atitudes revela a ausência de elementar prudência e respeito. Prudência, porque neste momento de preparação para os Jogos se dispensa o contar de espingardas, o desgaste da contabilidade dos apoios e o alinhamento por esta ou aquela candidatura. E de respeito por quem atualmente lidera o COP e que vê na praça pública a sua liderança já estar a ser disputada. Quem é que gosta de dirigir um organismo, ter importantes tarefas pela frente e saber que ao lado já há quem se prepara, a tão grande distância, para o substituir? Mesmo no relacionamento institucional esta atitude retira-lhe força e fragilizam-no. Agravado num dos casos, por partir de alguém que exercendo uma tarefa de particular importância no relacionamento com as federações desportivas o faz, a partir de agora, não apenas como secretário-geral, função que não suspendeu, mas também como candidato a futuro presidente do COP.
Não está em causa, naturalmente, o perfil dos candidatos e bem assim o direito que lhes assiste de pretenderem ocupar o lugar de Vicente Moura. Está em causa, isso sim, o respeito por quem ainda exerce essa função e tem pela frente, repito, importantes desafios e que naturalmente não pode ser insensível ao que se movimenta em seu redor. Mas está também em causa o respeito pelas federações desportivas, técnicos e atletas envolvidos nos trabalhos olímpicos e que, agora são chamados a prestar atenção a algo que tem um momento próprio para ser apreciado e discutido.
Estas atitudes, e outras que porventura ocorram em contexto semelhante, só podem surgir por uma incontrolável necessidade de aparecer e garantir algo que escapa à lógica de serviço desinteressado à causa olímpica e desportiva. É um posicionamento que não está muito longe daquele que é habitual na competição política. Não é que daí venha grande mal ao mundo. Mas deita por terra muito da ideologia do dirigente olímpico, feita de dedicação, sacrifício e entrega a valores de altruísmo e inspiração coubertiana. Bem o sabemos que poder é poder. E não é preciso reler os clássicos para se perceber que é uma espécie de parafuso sem fim pouco compatível com certo tipo de valores. Só que, por vezes, engana: por muito que se enrosque não aperta.

segunda-feira, 23 de abril de 2012

Mais ADoP e menos federações desportivas?

Texto publicado no Público de 22 de Abril de 2012.


1. O Governo apresentou na Assembleia da República uma proposta de lei (nº 53/XII), que aprova a Lei Antidopagem no Desporto, adoptando na ordem jurídica interna as regras estabelecidas no Código Mundial Antidopagem e revogando a Lei nº 27/2009, de 19 de Junho, a qual, por sua vez, tinha estabelecido o regime jurídico da luta contra a dopagem no desporto.
Como sempre, no plano formal, o PS e o PSD, pretendem deixar, pensam que como medida da sua competência, pegadas legislativas, «revogando-se» mutuamente e alterando as designações dos diplomas.
Se um fala em sistema desportivo, vem o outro e fala de desporto; mas, de seguida, em tréplica, volta o primeiro e fala em actividade física e desporto. Igual é que não pode ser.
Novidades em 2012, face a 2009? Neste caso parece que sim. O espaço permite-nos, apenas, por ora, alguns destaques, que centramos no âmbito do poder disciplinar.
2. A nova lei vem pôr um ponto final, afirma-se, à possibilidade da AdOP
avocar a aplicação das sanções disciplinares, bem como alterar as decisões de arquivamento, absolvição ou condenação proferidas por órgão jurisdicional de uma federação desportiva, proferindo nova decisão. E, adianta-se também, o recurso das decisões de órgãos disciplinares federativos (ou da AdOP), já não são para o Tribunal Arbitral do Desporto de Lausana, mas para um Tribunal do Desporto português em construção (e até lá vale o tribunal administrativo). Desde sempre, inclusive neste espaço, criticámos esta solução da Lei nº 27/2009.
3. Numa primeira leitura das palavras da exposição de motivos da proposta, fica-se com a sensação que haverá, em matéria disciplinar, menos AdoP e mais federações desportivas. Puro engano.
Em primeiro lugar, a instrução dos processos disciplinares e a aplicação das sanções disciplinares previstas na lei competem à ADoP e encontram-se delegadas nas federações desportivas titulares do estatuto de utilidade pública desportiva.
Por outro lado, se entre a comunicação da violação de uma norma antidopagem e a aplicação da correspondente sanção disciplinar mediar prazo superior a 120 dias, a federação desportiva em questão remete no prazo máximo de 5 dias o processo disciplinar à ADoP que fica responsável pela instrução e ou aplicação da sanção disciplinar. Concordamos.
4. Mas mais. Na verdade, muito mais.
O CNAD (órgão da AdoP) passa a deter competência para emitir parecer prévio, com força vinculativa, quanto à aplicação por parte das federações desportivas de sanções, decorrentes da utilização, por parte dos praticantes desportivos, de substâncias específicas, como tal definidas na lista de substâncias e métodos proibidos, quanto à atenuação das sanções com base nas circunstâncias excepcionais definidas pelo Código Mundial Antidopagem e quanto ao agravamento das sanções com base nas circunstâncias excepcionais definidas pelo Código Mundial Antidopagem.
5. E quanto à impugnação não é totalmente verdade que tenha sido afastada o Tribunal Arbitral do Desporto de Lausana. Com efeito, para as decisões emergentes de violações praticadas por praticante desportivo de nível internacional, ou em eventos internacionais, são recorríveis para o Tribunal Arbitral do Desporto de Lausanne, nos termos previstos no Código Mundial Antidopagem. E um «praticante de nível internacional» português é um o praticante desportivo designado por uma ou mais federações desportivas internacionais como pertencendo a um grupo alvo de praticantes desportivos de uma federação desportiva internacional.

quinta-feira, 19 de abril de 2012

PT e Constantino guardador de vacas e de sonhos



Tenho períodos em que a necessidade de estar sentada a escrever durante muitos dias me faz pensar que a vida do hamster é muito mais excitante que a minha. É também nestas alturas que, tal como este bichinho, me apanho nas máquinas do ginásio a correr sem sair do lugar, produzindo e gastando energia, dando conta do desperdício que caracteriza o lado absurdo do modelo tecnológico. Olho à volta e imagino a energia de todos aqueles corpos, que ali passeiam e dão ao pedal, a ser aproveitada de modo a alimentar as próprias máquinas que, tontamente e ainda por cima, gastam electricidade. E é no ginásio que, alheados do mundo e de nós próprios, mandamos manguitos uns aos outros e, com um peso apertado na mão mais a acústica a envolver os ouvidos, nos fechamos publicamente no cuidar do nosso corpo.

Mas, no ginásio, a figura que mais me impressiona é o PT -  Personal Trainer - que, dito em inglês, tem aquela credibilidade ancestral já expressa na admiração da minha avó pelo político que na televisão falava tão bem que não se percebia nada. O importante é nunca traduzir nenhuma dessas expressões para não vivermos o ridículo de cantar "todos nós vivemos num submarino amarelo, num submarino amarelo" e, dos escolhos deste ímpeto, sobrar a vontade de tornar património imaterial o "indo eu, indo eu, a caminho de Viseu".

No dito PT o que nos prende é o olhar com que fixa, suponho, o tónus muscular da pessoa que está ao seu cuidado. Em pé, parado, de olhar fixo focado nas repetições do outro lembra-me, mutatis mutandis, o olhar com que o pastor atentamente segue o movimento do rebanho pelo prado. Na atitude só o cajado os distingue mas, seguramente, ao PT também este pau daria jeito até para, de vez em quando, dar umas bordoadas à perna ou ao braço que teima desviar-se do rumo pré-definido pela máquina que os estica, estira e encolhe.

O PT lembrou-me, nem sei explicar porquê, o Constantino guardador de vacas e de sonhos, um livro de Alves Redol cuja leitura era obrigatória no meu tempo de liceu. Olhando as vacas, Constantino sonha os moldes do mundo. Já o PT molda corpos que sonham, através de ganhos de perfeição e suavidade Barbieana, resistir à morte e afirmarem a diferença pelo querer muito ser igual a todos que, como as maças calibradas, têm o IMC ideal. É ao PT que cabe entender e decifrar o significado deste tipo de acrónimos que, pela capacidade de interpretar os números do IMC, estabelece com todos nós uma distinção vertical, com ele no topo do saber de ponta, e com as velhinhas da minha aldeia que de cor sabem os valores dos triglicéridos e do colesterol uma distinção horizontal, com ele e elas no topo do saber de monta. 

No prado, ao Constantino falta-lhe o espelho, ou talvez não, porque, dada a natureza tão real e natural, o rio que de certo o atravessa possibilita esse mirar de si e também do mundo de pobreza e de trabalho que o rodeia, mormemente das lavadeiras e de todas as canseiras que, nos textos de Alves Redol, sobrevivem pueris e romanceadas. Já no ginásio isto não é bem assim, a canseira é propositada, não se confunde com pobreza e, obviamente, o espelho é fundamental até para dar conta do espectro de si e do sonho que o outro, um qualquer bem delineado e opíparo de si, representa. O PT resguarda os corpos de quem cuida, de quem sonha tornar-se um Adónis e o seu olhar fixo, leiam sapiente e científico, perante esse outro ao seu cuidado é, por si só, uma garantia de sucesso a esse desafio estóico.

O Constantino é, ingenuamente, um ser único que nos faz pensar um estilo literário e também os tempos de pobreza e da estreiteza do sonho vivido em Portugal. Sobre o PT sobram-me incertezas para a frase de impacto e de síntese final porque neste solipsismo o grande umbigo dá conta do corpo por inteiro e, com a mente formatada pela boa forma, falha o sonho de boa vida social bem como o sentido a dar a Portugal.

terça-feira, 17 de abril de 2012

Fruta da época

O assunto seguramente não merecerá grandes comentários. É uma questão óbvia e do domínio do politicamente correto. O governo, através da palavra do secretário de estado do desporto e da juventude, elogiou a ação de Pinto da Costa na liderança do FCPorto, considerando que o mandato de trinta anos fica marcado por “relevantes sucessos que prestigiam o clube e o desporto português”. O que é da mais elementar verdade que se reconheça. Porque é indesmentível que o clube e a sua liderança alcançaram no plano interno e externo resultados desportivos de elevado relevo. Mas com uma importante questão pelo meio. Uma questão que suscita uma reflexão.
O governo, que agora elogia Pinto da Costa, é o mesmo que construiu uma campanha sobre a ética no desporto? E que fala nos valores? Perante a situação descrita a pergunta que importa ser colocada é esta: o que privilegia o governo? O sucesso desportivo, independentemente dos meios muitas vezes utilizados ou os valores que lhe estão associados? Qual é o limite? O paradoxo agora vivido só resulta da contradição existente entre a penitência dos valores e o tribunal da sua avaliação. Ou uma coisa nada tem a ver com a outra?
Pretendem as nossas palavras significar que o exercício de governação de Pinto da Costa não respeita os traços fundamentais dos chamados códigos da ética no desporto? A resposta é fácil de encontrar: não respeita, não está em causa, nem isso o preocupa. É o governo que diz que se preocupa com a matéria a ponto de ter destacado a situação e criado um programa próprio. Pinto da Costa não tem essa responsabilidade. Nem nunca a reivindicou. Liderou um clube para vencer e tem-no conseguido. O que o distingue dos outros não é uma conduta distinta no domínio dos valores. É uma maior competência no alcançar de resultados.
Ninguém espera que um governo que pretenda negociar com os chineses levante o problema dos direitos humanos; ou com os angolanos e pretenda esclarecimentos sobre a presença obrigatória da nomenclatura do partido e das forças armadas nos negócios; ou que um governante no desporto penhore um sucesso desportivo em nome da defesa de valores. Mas quando se elege a ética como programa político,num discurso o austero e tautológico de moral superior, dá este resultado: o sucesso pode ser destacado e elogiado, mesmo que o caminho possa merecer reparos.
Para muitos daqueles que operam nos domínios da competição, seja política, empresarial ou desportiva, os golpes baixos podem bem ser o adn das suas governações. E uma das formas mais finas de golpear os princípios dos códigos é não precisar de ajoelhar no tribunal dos valores perante a importância suprema do resultado que se alcança ou do poder que se atinge.
O que o secretário de estado do desporto disse de Pinto da Costa diz mais sobre ao força das convicções do secretário de estado que sobre Pinto da Costa. O sucesso desportivo deste é evidente. O apego à defesa dos valores da ética no desporto por parte do secretário de estado passou por uma prova de fogo e saiu queimado. É a vida como dizia um ex-primeiro ministro. Ademais sejamos claros: a questão que colocámos não é sequer um problema para o governo. Virá algum mal ao mundo na forma como o governo elogiou o mandato de Pinto da Costa? Não. Quando muito irritou Rui Rio e as suas querelas locais. O problema é outro. É a constatação que é sempre mais fácil falar da ética no desporto, que no exercício da governação separar o trigo do joio. Tudo isto na lógica da ideologia desportiva: uma igreja com dogmas, com muitos pastores, mas sem culto. Essa a razão do nosso ceticismo relativamente a estes programas da ética no desporto. Que adoram as análises gerais e abstratas, mas que fogem como o diabo da cruz das realidades vividas e dos comportamentos dos respetivos atores. São fruta da época.

domingo, 15 de abril de 2012

O desporto para além do futebol: os direitos dos atletas de alto rendimento

Texto publicado no Público de 15 de Abril de 2012.



1. A semana encontra-se marcada por mais um “caso” no futebol. Sobre o mesmo já dissemos aquilo que é possível dizer (neste momento), uma vez que manchas de nebulosidade ainda perduram. Apenas uma observação adicional de uma pessoa insuspeita quanto à hipervalorização da nação do futebol no nosso desporto e sociedade (veja-se o triste exemplo do secretário Mestre Picanço a marcar presença no lançamento da final da Taça da Liga): não só o futebol padece destes “casos”, tenham estes ou outros contornos. Com efeito, sabem-no bem clubes e agentes desportivos que vivenciam outras modalidades, que também aí proliferam actos, omissões e factos que não desmerecem do desvalor futebolístico. No fundo, é sempre uma questão de decência ou indecência, no futebol, no desporto e no todo que é este infeliz país.
Vamos, pois, ao que realmente interessa.



2. O Tribunal Constitucional (TC), a 28 de Março, proferiu importante decisão relativa aos direitos dos praticantes de alto rendimento. Entendeu o TC julgar inconstitucional, por violação do princípio da segurança jurídica e da protecção da confiança, a norma do artigo 19.º do Decreto-Lei n.º 393-A/99, de 2 de Outubro, na redacção dada pelo artigo 46.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 272/2009, de 1 de Outubro, quando interpretada no sentido de exigir a estudante abrangido por este regime que obtenha as classificações mínimas fixadas pelos estabelecimentos de ensino superior para as provas de ingresso e para nota de candidatura no âmbito do regime geral de acesso, quando parte dessas provas foi realizada antes da mencionada alteração legislativa.



3. Eis a história. Uma atleta gozava do estatuto de praticante desportivo no percurso de alta competição. Nessa qualidade beneficiava de regime especial de acesso ao ensino superior. Esse regime foi, no entanto, substancialmente alterado pelo Decreto-Lei n.º 272/2009. Estes atletas passaram a ter obrigações semelhantes a todos os outros estudantes, que pretendam aceder ao ensino superior.

4. À data da entrada em vigor da alteração introduzida pelo Decreto-Lei n.º 272/2009, a atleta acederia ao ensino superior. Todavia, por força do novo regime estatuído pelo Decreto-Lei n.º 272/2009, de 1 de Outubro, a atleta veria inviabilizada a sua candidatura. Assim, a mudança superveniente das regras que regulamentavam a sua situação, com a qual esta não podia razoavelmente contar, e surgida em momento que a impossibilitou de, adequadamente, definir metas e estratégias de trabalho em função dessas novas regras de acesso ao ensino superior (dado já se encontrar no início do 12.º ano), destruiu o seu investimento de confiança na manutenção do regime legal.



5. O TC afirma que quando “o estudante se apresentou aos exames nacionais do 11.º ano, realizados no ano lectivo anterior (2009-2010), não lhe era possível estabelecer metas e estratégias conformes e adequadas ao cumprimento de uma exigência de classi? cações mínimas que, à data, não lhe era aplicável. Pelo contrário, a lei então vigente não incentivava um especial cuidado com tais provas, uma vez que apenas exigia aos atletas de alta competição a aprovação nas disciplinas do ensino secundário correspondentes às provas de ingresso. Uma gestão do tempo (e a sua repartição na preparação dessas disciplinas e no treino desportivo) que tenha procurado tirar proveito desse regime mostrasse razoável e justificada”. “E o interessado não tinha qualquer razão para se precaver contra a possibilidade de o regime em vigor deixar, quanto a este ponto específico, de o beneficiar, por força da aplicação retrospectiva de um outro, tanto mais que esse regime se encontrava estabilizado por uma vigência normativa de largos anos”, acrescenta.


6. Este texto é dedicado à família António e aos estudantes atletas de alto rendimento.

quinta-feira, 12 de abril de 2012

Fisiologismo,despesismo e ilegalismo

No jargão político brasileiro utiliza-se a expressão fisiologismo para aplicar aos detentores de cargos públicos que os aproveitam para adquirir vantagens pessoais indevidas. O fisiologismo é um ilegalismo.
O fisiologismo é algo bem diferente do despesismo. Este carateriza-se pela realização de despesas para a prestação de serviço público que seriam evitáveis ou que não se encontram no essencial da órbita da missão de serviço público. E se o despesismo é criticável no plano da deficiente utilização de recursos públicos não é necessariamente equivalente a um ilegalismo. Nem toda a má despesa é ilegal. Contrariamente, há muita despesa pública necessária que pode cair na órbita do ilegalismo apenas porque os seus procedimentos não foram formalmente corretos.
O facto de no exercício público se contraírem despesas que se traduzem em aquisição de bens ou de prestação de serviços, mas que não obedecem aos procedimentos normativos a que estão obrigados, é normalmente motivo de muito escândalo e aproveitamento político. O mesmo ocorre com o fisiologismo quando deixa de ser apenas do conhecimento restrito de alguns, como a prática continuada da utilização indevida de bens e propriedade pública, cujo beneficiário é o próprio utilizador/infrator. São contudo coisas bem distintas. Se o fisiologismo é de âmbito pessoal o despesismo tem caraterísticas institucionais.
A par desta situação há uma prática de ilegalismo, sobretudo em períodos de mudança de ciclo governativo, que se traduz na assunção de certo tipo de compromissos financeiros, sem adequada cabimentação e que passam para a governação seguinte. São atos que não respeitam as sucessivas fases de realização da despesa pública. Esta prática é, infelizmente, muito comum. Só uma repentina perda de memória ou desconhecimento, pode explicar o facto da Assembleia da República ter participado no caso das chamadas faturas do IDP, como se a assunção de compromissos sem inscrição orçamental fosse caso virgem ou um pecado exclusivo do anterior Presidente do IDP. Isso naturalmente que não as legítima, nem as desculpa. No entanto, para quem o conhecimento da realidade se não confina ao que é soprado para os meios de comunicação social, pode sempre perguntar se aqueles que montaram a operação têm a consciência tranquila, no plano político e profissional, face ao passado. É que não há esquecimento que sempre perdure.
A luta contra o fisiologismo, o despesismo e o ilegalismo requer o afastamento de tais práticas e de aqueles que assim procedem. Não é possível restaurar a legalidade e a autoridade com um histórico de situações como as descritas. É preciso suprimir as despesas que não tendo cobertura legal são feitas em nome do Estado para claro favorecimento pessoal. E as outras, as que sendo necessárias, para que não caiam na órbita do ilegalismo precisam de cumprir os procedimentos a que estão obrigadas em matéria de despesa pública. Esse é um desafio que se coloca ao novel Instituto Português do Desporto e da Juventude (IPDJ). Que não retém apenas o que foi o sucesso alcançado pelas organizações que agora se fundem. Retém o sucesso e o insucesso.
O IPDJ resulta da reestruturação dos setores da administração pública do desporto e da juventude e pretende reduzir a despesa com o funcionamento do setor. Nestas matérias as contas fazem-se lá mais para a frente. Agora ainda é cedo. Se conseguir atingir esses objetivos sem quebra do cumprimento das missões de serviço público que lhe compete só pode aplaudir-se a decisão do governo. E se o atingir, sabendo combater o fisiologismo e travar o despesismo, que o histórico dos organismos fundidos transporta, melhor ainda. Não prescreve o passado, mas significa que se aprendeu com ele. Não há mais dinheiro público a pagar a formação dos titulares dos cargos, idas em grupo ao estrangeiro para assistir ao futebol ou turismo ao Oriente por conta do erário público.

quarta-feira, 11 de abril de 2012

Desporto e competitividade territorial

"Sendo verdade que o poder só é verdadeiramente democrático se for local, não é menos verdade que só é verdadeiramente local se for democrático. (...) E, ao afastar-se da sociedade local, por mais forte que seja o Poder Local, será forte enquanto poder, mas será fraco enquanto local"

Boaventura Sousa Santos


Tem vindo recentemente a lume na comunicação social e na blogosfera uma acesa troca de artigos de opinião sobre o papel das Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional - CCDR’s na gestão dos fundos comunitários e no processo de desenvolvimento regional.

Não se ignora a agenda política que sustem as posições dos protagonistas neste debate, o qual, invariavelmente, termina reduzindo a política regional à regionalização, com grave prejuízo para o aprofundamento dos problemas em torno do desenvolvimento regional do país.

Fernando Ruivo, continuando um trabalho de décadas sobre esta matéria, volta a apresentar resultados de um vasto inquérito aos municípios portugueses, sobre as debilidades do Poder Local na gestão de fundos comunitários e imbricação nos processos de desenvolvimento regional, os quais colocam em crise fundamentos para um eventual esvaziamento do papel das CCDR’s, traduzindo numa análise histórica e sociológica da nossa cultura político-administrativa, bem como na gestão dos fundos de coesão, os obstáculos que se impõem e impuseram na rentabilização de financiamentos externos potenciadores da transição de uma cultura de plano para uma cultura de planeamento promotora de efectivo desenvolvimento e correcção de assimetrias. Dito de outro modo, de um plano-produto para um plano processo.

Exemplo desta incapacidade de transição do plano técnico-racional para o planeamento estratégico e colaborativo tem sido a conceptualização da Carta das Instalações Desportivas Artificiais e a programação do parque desportivo nacional ou local. Desde a sua planificação, ao financiamento, passando pela gestão e manutenção, as ineficiências reproduzem-se, independentemente do nível da administração em que o promotor se situa, conforme já se deu conta em vários escritos e comentários neste e noutros fóruns.

Ora, no contexto actual paga-se cara a factura de investimentos improdutivos em infraestruturas desportivas, em particular à medida que estas envelhecem e se reconfiguram os tipos de procura e consumos de actividades de desporto e exercício.

Tanto mais assim é quanto se persistir em políticas - corrijo, decisões (porque é disso que se trata) casuísticas e profundamente arbitrárias - à margem de uma concepção planificadora do território – entendido não apenas como uma realidade física estática, mas fundamentalmente como uma construção social dinâmica -, sem envolver a participação da sociedade local que usufrui e assimila estes espaços, nomeadamente quando os poderes públicos canibalizam a oferta de serviços desportivos prestada em condições de menor eficiência para a comunidade do que quando esta se organiza através da iniciativa privada empresarial ou associativa.

Resta, deste modo, na ausência de políticas públicas sustentadas e de separação entre a esfera politica e a esfera administrativa, os efémeros fogachos de happenings mediáticos e de projectos escolhidos “à la carte” à medida que alguém bate à porta de um gabinete a vender uma ideia ao sabor de oportunidades políticas, as quais orientam o labor da máquina administrativa e dos seus dirigentes, sem se conseguir carrear acções numa cadeia de valor acrescentado para o munícipe e para o desenvolvimento desportivo local.

Perante tal conjuntura, e num quadro em que o Estado orienta prioridades para níveis desportivos de topo, pouco ou nada se lega, para além da “obra feita” que outros tomarão em mãos quando o ciclo político findar, encarando, surpresos, uma “pesada herança”, no sempiterno oportuno alibi para justificar atrasos na implementação de projectos anunciados quando novos inquilinos ocupam o poder.

Não deverá, pois, constituir surpresa para ninguém os indicadores de prática desportiva deste país à escala europeia, em particular quando é o Poder Local, ainda assim, quem suporta as enormes dificuldades de subsistência nos níveis desportivos mais elementares e a oferta não competitiva para os segmentos que crescem fora do domínio federado.

Independentemente de todas as críticas que lhe possam apontar - e aqui volto aos dados de Ruivo – não existe, para já, potencial para dinamização de uma economia municipal sem a mediação do expertise das CCDR’s, como alvitra, em entrevista, o coordenador do grupo de trabalho responsável pela definição da metodologia de elaboração da Carta Desportiva Nacional. Não só porque não existe um arranjo de escala para a distribuição das competências e correspondente afectação de meios pelos vários níveis de administração do território mais eficientes para a sua gestão numa optica de subsidiariedade, mas também porque as debilidades da sociedade civil, acentuadas por uma cultura politica centralista, não permitem romper com o sistema clientelar instalado, invariavelmente mediado pelo Estado, em particular quando se almejam linhas de financiamento europeu.

Reverter tal tropismo anquilosado por gerações passa, incontornavelmente, por co-responsabilizar os agentes da comunidade na consolidação de políticas públicas, desde logo a partir da sua fase de planeamento, tornando os instrumentos disponíveis, como devem ser as Cartas Desportivas, muito mais do que um mero cadastro ou inventário do edificado desportivo que se apresenta como um produto acabado numa qualquer cerimónia oficial.

Cruzando outras dimensões de diagnóstico económico, social e desportivo, constitui a pedra angular para a progressiva edificação de um programa coerente e ajustado ao território, ao vincular os seus actores, mas também os seus eleitos, neste trajecto de aprendizagem politica e cidadã que confira garantias para uma boa gestão dos recursos públicos em prol do interesse geral, em especial nos períodos de maior exigência e rigor neste exercício como aquele que hoje se atravessa.

No fundo, trata-se de passar além da retórica e capacitar os actores territoriais no efectivo papel de parceiros, sem os reduzir ao de simples executante, alargando progressivamente também a escala do localismo para corrigir as debilidades que careçam de abordagem intermunicipal 1.

Almejar semelhante desiderato - começando por pequenos projectos, step by step - no espectro sub-regional, onde se opera em rotina administrativa e a acudir necessidades imediatas (por vezes nem urgentes, nem prioritárias) criadas precisamente por ausência de tempo e recursos disponíveis para tarefas de planeamento e por total desarticulação entre municípios contíguos, parece um ensejo mais exequível para construir territórios competitivos no espaço europeu com efectiva autonomia e capacidade de mobilização directa junto das instituições da UE e organismos supranacionais, do que construir a casa pelo topo transferindo atribuições de instâncias da administração desconcentrada do Estado, por mais problemas ou bloqueios que estas possam criar.

Aliás, o conceito de governança em rede e multi-nível da União possibilita e incentiva, desde as suas origens, uma participação não-hierarquizada dos intervenientes na política regional. Com excepção das regiões ultraperiféricas, o Poder Local, sem a interlocução do Estado, tem o mesmo papel fora do território municipal, em particular na UE, que os actores locais têm tido na esfera municipal. Ou seja, mero executante de determinações externas, quando muito. Dúvidas houvesse basta estar atento às candidaturas autónomas a programas comunitários que não carecem de especial mediação das CCDR's. Por exemplo, relacionado com o desporto e exercício, o envolvimento nacional de entidades públicas locais em projectos no âmbito do presente Ano Europeu do Envelhecimento Activo

Neste quadro alguém acredita que a simples descentralização de competências rompe com a auto-reprodução do posicionamento marginal e clientelar das instâncias infra-nacionais? Contribui para o reforço da sua autonomia face ao Estado? Reforço do poder de iniciativa, inovação e mobilização das forças endógenas para potenciar territórios globalmente competitivos e passarem de executores a criadores de políticas?

Por vezes convém descer à terra…



1

A propósito de instalações desportivas, procurou-se, em tempos, com os dados então disponíveis na Administração Pública Desportiva desmistificar preconceitos adquiridos sobre a suficiência de espaços desportivos nas diversas NUT’s do país através da aplicação de instrumentos de análise regional, cujo relatório e ficheiros de análise estão disponíveis no Forum Olímpico

domingo, 8 de abril de 2012

O futebol vai fechar?

Texto publicado no Público de 8 de Abril de 2012.


1. Leva-me, por favor, à Rua Alexandre Herculano, ali ao pé do Largo do Rato, em Lisboa? Este é o caminho que tem sido percorrido, ultimamente, pelos carros em Lisboa, quando alguém, entidade ou pessoa, entende que deve anunciar uma paragem do futebol ou de parte dele. É lá que se encontra a sede da Federação Portuguesa de Futebol (FPF) e, em princípio, faz todo o sentido dirigir-se a essa entidade máxima do futebol nacional para debater e resolver questões que digam respeito à modalidade. Todavia, e não se aprecia aqui a bondade dos fundamentos das reivindicações ou queixas, o anúncio de uma paragem, “greve”, “forma de luta”, mesmo que se utilizem outros termos, tem um “pequeno” senão, como veremos.

2. Primeiro foram alguns clubes, a 17 de Março. Defendendo o alargamento – sobre o qual não nos pronunciamos –, adiantou-se: “Nós não temos formas de luta. Temos é atitudes para ultrapassar dificuldades para que as possamos vir a ter. Elas já estão estudadas. Vamos encetar contactos para promover reuniões, não apenas relativamente ao alargamento, mas também sobre o Totonegócio, as equipas B e as transmissões televisivas. Se, por acaso, verificarmos que não há uma resposta positiva para chegarmos a um consenso, não temos pejo algum em tomar atitude. Os clubes de futebol não fazem greve, mas podem parar os campeonatos, o que é diferente.”

3. A 27 de Março vieram os árbitros. “Os árbitros comprometeram-se a apitar a próxima jornada”, afirmou Fernando Gomes. O presidente da FPF sublinhou, porém, que se os ataques à dignidade e honorabilidade dos árbitros continuarem, a paralisação do futebol português é um cenário em cima da mesa. Segundo o noticiado, à entrada do encontro, vários árbitros internacionais e uma delegação da Associação de Árbitros de Futebol Profissional (APAF) manifestaram a intenção de se mostrarem indisponíveis para participar nos jogos, face ao clima de instabilidade e intranquilidade criado nos últimos tempos, agravado pela divulgação pública de dados pessoais relativos aos árbitros.

4. Ora, exactamente por não serem greves, a ocorrer qualquer tipo de “paralisação”, de clubes ou de árbitros, tais atitudes caem no âmbito de aplicação das normas reguladoras das competições e da disciplina federativa. Aí há – sempre haverá – sanções para tais actos, sejam concertados ou individuais. É preciso não esquecer este “pequeno” elemento.

5. Outros, porém, preferem pegar no carro e rumar a Algés. Foi o caso do Sporting (queixas de arbitragem, à última hora camufladas em algo mais abrangente para ingénuos verem). Há sempre um membro do Governo disponível para os receber, de preferência da mesma cor clubista ou um grupo parlamentar de deputados. E que dizer da atenção dada a este assunto do angelical Laurentino Dias, o qual, para não ir mais longe, até acompanhou um corredor de F1 em competição?

6. E já que falámos nesse balcão especial para receber o futebol, não podemos deixar de recomendar a leitura do texto de João Querido Manha (Os Incompetentes, Record, 27 de Março) e de José Manuel Constantino, no blogue Colectividade Desportiva (O futebol e a arte de governar, 27 de Março). E, se estiver mesmo interessado naquilo que pensa e faz (?) Alexandre Mestre Picanço, bem como na sua opinião sobre o Fado, o Futebol e Fátima, não pode perder o texto de Carlos Almeida (Diz-me o que pensas, dir-te-ei quem és, Correio do Minho, ainda e sempre de 27 de Março passado).

7. Por que razão a Secretaria de Estado não fecha, à semelhança da sua página na Internet?

segunda-feira, 2 de abril de 2012

As críticas aos árbitros

O Presidente da República é criticado. O Primeiro-ministro é criticado. Os políticos são criticados. Os polícias são criticados. Os empresários são criticados. Os juízes são criticados. Os médicos são criticados. Os funcionários públicos são criticados. Os jornalistas são criticados. Angela Merkl é criticada. Sarkozy é criticado. Durão Barroso é criticado. O Papa é criticado. Toda a gente é criticada. Por que devem os árbitros ser exceção?
É verdade que muitas das criticas aos árbitros são excessivas. Outras injustas. Como o são para outras categorias de pessoas e entidades. Que, por vezes, as críticas escondem erros dos criticantes. O que é verdade para os árbitros como para outros criticados. Que a tarefa de arbitrar é complexa e os meios de que os árbitros dispõem nem sempre permitem ajuizar com competência e rigor. Mas também nisso não são exceção. E a solução não esta em eliminar ou censurar as criticas. Está em melhorar o exercício da arbitragem.
Quem escolhe ser árbitro deve, à partida, conhecer o contexto e o ambiente em que vai exercer a sua ação. E em modalidades como o futebol é certo e sabido que o exercício da arbitragem será sempre objeto de muita controvérsia. Por bons e mau motivos.Com razão e sem ela. O que se não pode esperar é que os árbitros, como qualquer outro protagonista do espetáculo, sejam isentos de uma apreciação crítica. E se os termos dessa crítica ferem a honorabilidade das pessoas em causa, há sempre a possibilidade, como em qualquer outra situação, de recurso judicial.
O que se não pode pedir é uma espécie de regime excecionado, de zona protegida, em que a crítica ao trabalho dos árbitros não seja permitida. Ou em que se limita o que pode ser criticado e o que não pode. Razão pela qual, movimentações recentes de uma certa aristocracia da arbitragem do futebol em torno deste problema, parecem revelar uma indisfarçável incomodidade com um dos fatores intrínsecos ao seu trabalho que é o de ver o seu desempenho criticado. Qualquer árbitro deve saber com o que conta. E conta seguramente com uma crítica permanentemente mediatizada. Umas vezes com razão. Outras sem ela.
A publicação na internet de uma lista de árbitros contendo elementos de ordem pessoal e privada é um ato infame. Sê-lo-ia sempre, fossem árbitros ou não. É um caso de polícia. Não é esse facto, a todos os títulos condenável, que requer uma diferente apreciação do problema.
O agendamento de uma reunião por parte de um governante para um clube e ir apresentar queixas da arbitragem é um ato patético e depreciador da ação política e governamental. Mas é o que temos.
O modo como muitos treinadores/dirigentes comentam atos de arbitragem esconde, muitas vezes, as suas próprias incompetências. O que também não é novidade para ninguém.
A solução não está em fazer queixinhas sobre as críticas ou em ameaçar parar as arbitragens se elas persistirem. Superar esta situação requer melhor formação, dos públicos e dos agentes desportivos, e a aquisição de valores para um exercício distinto das nossas vidas e das relações com o desporto.Enquanto isso não ocorrer não podemos esperar milagres.


Texto publicado na edição de 31.3.2011 do Primeiro de Janeiro