segunda-feira, 30 de agosto de 2010

O recrutamento e a gestão de plantéis

A silly season (termo utilizado para definir o período em que os clubes - neste caso de Futebol - podem adquirir jogadores) está para os agentes de jogadores de Futebol como o verão está para a hotelaria no Algarve.

É natural então perceber algumas das suas acções durante este período que termina amanhã, 31 de Agosto, pois o resto da temporada futebolística pode ser um marasmo – tirando o mês de Janeiro – onde a capacidade de investir por parte dos clubes é muito menor do que nos períodos do Verão, a chamada pré-época.

O que trago para a discussão do blog é a capacidade dos clubes resistirem à pressão que poderá ser feita de forma directa e indirecta por parte dos empresários, dado que estes combatem qualquer tipo de recrutamento ou planeamento de construção das equipas, ao impingirem jogadores aos pacotes, sejam eles resposta às lacunas das equipas ou não.

Não quero com isto impor algum tipo de culpa aos empresários pela desorganização que por vezes é bem visível na construção de um plantel das equipas, sejam elas grandes, médias ou de pequena dimensão. Porque por muita força, pressão ou desinformação que os empresários lancem, a última palavra será sempre a dos clubes, sejam eles representados pelos Presidentes ou Directores Desportivos e/ou para o Futebol. Para isso, e apesar da satisfação que a contratação de José Mourinho causou em Madrid, existem já algumas correntes contra o poder que um empresário português tem na actual equipa com a centralização de contratações por parte desse empresário.

Perceber contratações sem qualquer tipo de trabalho antecedente e depois observar jogadores que custam fortunas (grandes percentagens dos orçamentos para uma época) a serem facilmente descartados como aconteceu durante este fim-de-semana com um clube português despachou o 2.º jogador mais caro da sua história, quer por verbas irrisórias, quer por empréstimos, é de questionar toda a estratégia (?) ao nível da gestão quer desportiva quer financeira que os clubes possuem. Se possuem…

É de lembrar já há algum tempo quando o jogador português Paulo Sousa foi para a Juventus, o Director Desportivo da equipa italiana afirmou que já o ‘seguia’ e estudava os seus hábitos de vida há algum tempo de forma a diminuir ao máximo o risco de má adaptação e não corresponder às necessidades da equipa e do plantel. Como perceber nos tempos actuais que as regras mais simples de construção de equipas de trabalho e desportivas sejam deturpadas com entradas de jogadores, muitas vezes, contratados à lupa de DVD’s, jogos FM’s, e que durante o mesmo período entrem diversos jogadores para as mesmas posições, apenas porque o próximo será sempre melhor do que aquele que foi contratado há 1 ou 2 semanas?

Quantas histórias são conhecidas de contratações feitas com processos rocambolescos? E por mais incrível que possa parecer, continuam a acontecer? Pode-se entender que se seja surpreendido com a saída de um elemento da nossa equipa e não ter alternativas para o lugar? Talvez! Pode-se compreender que se dispense jogadores e depois não ter alternativas? Considero que não!

De que vale a pena falar em gestão desportiva, gestão de algo, quando os plantéis são construídos da forma que percebemos que o são? Acredito que hoje e amanhã hajam diversas pessoas dinâmicas…é abrir os links dos jornais desportivos para ver a quantidade de nomes novos que aparecem hora a hora? Um Director de um jornal diário desportivo dizia que nesta altura recebiam em média uns 50 telefonemas diários de empresários a ‘incutir’ diversos nomes para os clubes a ou b!

Como iniciei, a questão é saber quem gere o quê e quem faz de facto a gestão desportiva de um plantel!

domingo, 29 de agosto de 2010

Os blogues são importantes

O texto que segue é da autoria de Fernando Tenreiro cuja colaboração se agradece.

Fruto de um desejo particular, individual ou colectivo, de comunicar os blogues desportivos e os sites das organizações cumprem uma função primordial de apresentar as muitas e contraditórias perspectivas do nosso desenvolvimento desportivo.
Há dignas presenças e improváveis ausências no domínio do debate de ideias sobre o desporto português.
Falar do Colectividade Desportiva é relevante porque concretiza uma fluência e intensidade que outros blogues não atingem e é formado por Alfredo Silva, Carla Gil Ribeiro, Fernando Parente, João Almeida, João Gonçalves, Jorge Olímpio Bento, José Manuel Constantino, José Manuel Meirim, Maria José Carvalho, Nuno Fernandes, Nuno Parreira Castro e Rui Lança.
Jerry Silva é um blogue ‘a solo’ sobre o futebol que vale a pena ter nos favoritos e acompanhar, assim como, o Fórum Olímpico nas questões relacionadas com as questões olímpicas com Gustavo Pires e José Pinto Correia, José Pedro Sarmento, Salomé Marivoet, Sílvia Teixeira, Abel Correia, António Cunha, Assunção Pinto, André Escórcio, Paulo Stigger, Manuel Sérgio, Rui Biscaia, António Rosado e Vitor Pataco a assumirem o investimento.
Nos lugares institucionais o do Sindicato de Jogadores Profissionais de Futebol está em destaque pela matéria relacionada com a actividade da instituição e pelas opiniões expressas por Joaquim Evangelista (maestro da orquestra), Nogueira da Rocha, Gustavo Pires, Manuel Sérgio e Mario Gallavotti garantindo uma diversidade de opiniões de elevado nível. A recente abertura de um fórum no site da APOGESD constitui a esperança de um novo ente plural e dialogante com as vozes que insistem não aceitar o oblívio. A Associação de Atletas Olímpicos de Portugal é uma promessa por concretizar.
Estes blogues são posições independentes enquanto os agentes directos da política desportiva estão ensimesmados. A maior ausência estará nos sites institucionais públicos e privados que são distintos dos congéneres que se observam além-fronteiras e no exemplo do Sindicato de Jogadores. Neste domínio o secretismo das instituições desportivas portuguesas parece ser o carácter peculiar da política desportiva nacional.
É interessante notar igualmente a incapacidade do ensino superior do desporto alcançar o seu potencial e que não criou formas de diálogo inovador com a sociedade. As universidades são dos agentes desportivos os que possuem a maior capacidade científica e deveriam assumir a frente da divulgação do desporto nas perspectivas mais avançadas do mundo junto da sociedade e da economia portuguesa.

quinta-feira, 26 de agosto de 2010

O que está mal no desporto português

Mais um texto - que se agradece - de Luís Leite.
Procuro acompanhar com interesse e atenção o Desporto internacional em todas as modalidades, mesmo aquelas que não são praticadas no nosso País.
Em resultado desse interesse / paixão que confesso pelo Desporto nas suas mais diversas facetas, sem querer mostrar ter “descoberto a pólvora”, decidi enumerar e dar a conhecer a minha opinião sobre o que faz falta ao Desporto português e o que o impede de apresentar resultados internacionais a um nível aceitável na maioria das modalidades, nas grandes competições.

Obviamente este não é um estudo com pretensões académicas, antes uma sensibilidade empírica, registada pela observação e contacto pessoal directo enquanto dirigente responsável pelas Selecções Nacionais de Atletismo durante 5 anos, concretamente em vários Campeonatos do Mundo e da Europa, e nos Jogos Olímpicos de Pequim. É também baseada nos inúmeros contactos mantidos enquanto dirigente desportivo, designadamente com a Administração Pública Desportiva, em organismos internacionais e na organização de grandes eventos internacionais, bem como na análise comparada com outros países europeus da nossa dimensão e, em parte, na estatística histórica dos resultados obtidos em grandes competições internacionais em muitas modalidades.

Assim, passo a enumerar, por ordem de importância decrescente, as principais causas da fragilidade do Desporto português:

1) Falta de cultura desportiva dos Órgãos de Poder, com particular incidência para os sucessivos Governos e Assembleia da República, com reflexos preocupantes ao nível executivo e legislativo;

2) Desporto escolar e universitário com importância e dimensão pobre ou insignificante, com consequências evidentes na falta de cultura (educação) desportiva, que se repercute na “clubite” e no reduzido “fair-play”;

3) Baixo nível qualitativo global do dirigismo desportivo por falta de formação e excesso de amadorismo, tanto na Administração Pública (SEJD e IDP) como nas organizações intermédias (COP e CDP), Federações, Associações e Clubes (não confundir com empenhamento, entrega, abnegação, disponibilidade, etc., que são apanágio, em geral, do movimento associativo de base);

4) Excessiva importância, altamente discriminatória, concedida pelos sucessivos Governos e pela Comunicação Social ao Futebol profissional, hoje com características empresariais, em detrimento do incremento tanto da prática e da cultura desportiva de base como do Alto Rendimento desportivo nas diversas modalidades, em particular as olímpicas;

5) Deficiente(s) sistema(s) de detecção e acompanhamento de grandes talentos, salvo raras excepções em determinadas modalidades;

6) Reduzida capacidade de financiamento público e privado para o Desporto, com uma preferencial canalização, muitas vezes disfarçada, para o Futebol profissional;

7) Errada política de financiamento e construção de equipamentos desportivos, com responsabilidades graves para a Administração Pública central, regional e local.

8) Errada política de financiamento público de eventos internacionais e excessiva confusão com o aparente “investimento” no Turismo, que serve para justificar o injustificável;

9) Reduzida participação da Universidade na investigação desportiva a todos os níveis, embora se registe uma melhoria nos últimos anos.

Enquanto estes factores permanecerem sem mutação, favorecendo-se o clientelismo político e o nivelamento por baixo em quase todas estas áreas, o Desporto português não terá condições para evoluir, sendo inúteis quaisquer expectativas mais optimistas.

terça-feira, 24 de agosto de 2010

A política de regulação de apostas desportivas online - III

A integridade do jogo é um interesse partilhado pelas organizações desportivas e pelos operadores licenciados de apostas online. Fonte de viabilidade do negócio para uma e aporte de credibilidade e confiança na governação desportiva para outra, ambas as partes têm cooperado no desenvolvimento de mecanismos de controlo, vigilância e alerta contra apostas ilegais, viciação de resultados e outras actividades criminosas. Também nesta vertente auto-reguladora, independentemente do regime legal aplicado em cada país, os operadores licenciados assumem a segurança do jogador/apostador como um princípio fundamental da sua actividade, de modo a proteger a privacidade, excluir os menores, limitar as apostas e prevenir a dependência do jogo através de uma diversidade de critérios, regularmente escrutinados por organismos independentes, essenciais para cumprirem com os padrões da principal associação representativa do sector e deste modo se constituirem como seus membros.

No entanto, a cooperação e parceria no reforço da segurança e transparência na consolidação deste mercado emergente termina quando está em causa a partilha das receitas geradas pelas apostas desportivas. As organizações desportivas, em particular aquelas que se situam mais próximas do desporto profissional e operam com maiores fluxos financeiros, estão cientes dos riscos reportados nos números referentes à sua saúde económica e sustentabilidade de um modelo de negócio cada vez mais apoiado pela exploração de direitos comerciais, em particular os direitos audiovisuais, os quais já não são vendidos por valores crescentes a uma escala exponencial como ocorria até há pouco tempo, não só por atravessarmos um período de crise - apesar de muitos ainda não terem disso tomado conta e persistirem no fausto - mas também pela emergência de plataformas alternativas à difusão tradicional de conteúdos, nomeadamente através de dispositivos móveis e da internet, ainda em fase maturação e particularmente vulneráveis a ataques de pirataria.

O mercado de apostas online surge assim como uma apetecível fonte de receitas… Para consolidar os mecanismos de combate à corrupção, reforçar os canais de solidariedade vertical através da canalização de verbas para os níveis desportivos mais elementares e apoiar os projectos desportivos de índole social e educativa… São os elementos elencados pelo desporto profissional como objectivos legítimos para reclamarem aos operadores de apostas o “justo retorno” financeiro pelo uso comercial que estes fazem dos seus direitos de exploração de competições desportivas e à UE a protecção dos direitos de propriedade intelectual dos grandes eventos desportivos. É este o caderno de encargos que, um e outro, dos principais representantes do desporto profissional apresentaram a Bruxelas, dando como exemplo de referência a recente liberalização na regulação de apostas em França e a relação que aí se estabelece entre operadores de apostas e organizadores de eventos desportivos na sua exploração, com as alterações que tal provocou no Código do Desporto francês. Matéria, aliás, controversa no plano jurídico como se atesta na discussão e no relatório do Senado.

Sem surpresa os representantes dos operadores licenciados afastam-se das virtuosidades francófonas e não sustentam a linha de jurisprudência segundo a qual a organização de apostas desportivas faz parte do direito de exploração da competição desportiva pertencente aos seus organizadores, alinhando decisões dos tribunais em sentido oposto com o claro propósito de contestar uma definição pela UE de um direito de propriedade aos organizadores de competições desportivas e com isso cercear a sua autonomia nos eventos que submetem aos apostadores, ao carecer de prévia autorização das entidades desportivas sobre o tipo de apostas a apresentar. Os operadores sublinham as suas divergências sobre um maior controlo do mundo do desporto sobre o produto das apostas e contestam pagamentos adicionais pelo facto de não se afigurarem válidos, necessários ou proporcionais ao referir o seu contributo anual de € 2,1 biliões de “justo retorno” ao desporto, não só através de impostos, mas também sob a forma de patrocínios - atente-se ao número de casas de apostas que figuram nas camisolas de vários clubes das mais diversas modalidades e ligas profissionais -, produtos comerciais e parcerias estratégicas com várias organizações desportivas.

Não será a eficiência e o montante do reinvestimento do desporto profissional no desenvolvimento desportivo de base, nem a linearidade ou dependência que se quer fazer crer entre o crescimento financeiro daquele e o aumento do financiamento deste, ou, muito menos, a forma como são canalizadas as verbas provenientes do operadores de apostas que importa, em primeira instância, às autoridades públicas com responsabilidades na regulação deste mercado desmistificar, uma vez que não é um árbitro independente dos interesses em jogo por força da necessidade, cada vez mais premente no momento presente, de arrecadar receita.

O desenho de uma política pública de regulação deste mercado - a iniciar os prolegómenos em Portugal - carece de uma análise profunda sobre a sua estrutura, organização e valor económico no cômputo global do mercado do jogo, considerando o crescimento previsível e a dimensão do impacto no sector dos jogos sociais e, por essa via, no financiamento público ao desporto. Tudo isto, claro está, caso se pretendam sustentar opções políticas credíveis e equilibradas sobre a gestão desta fonte de receita num quadro de desenvolvimento desportivo, que incidam também sobre os segmentos desportivos, com menor expressão na negociação da agenda política, que ao Estado incumbe salvaguardar e apoiar, e não apenas em mais uma medida pontual, prêt à porter, para acudir às necessidades crónicas de liquidez no futebol profissional.

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Questão de bons costumes

Quando uma entidade desportiva –clube, associação ou federação - convida um responsável politico para uma cerimónia pública pretende valorizar o acto. Dar-lhe importância e promoção públicas. Poder, se for o caso, agradecer publicamente uma acção do governante. E, porventura, suscitar uma atenção da comunicação social que a presença de um governante sempre ocasiona.
Quem exerce funções públicas conhece este pesadíssimo caderno de encargos. Quem convida espera que o convidado aceite. O que nem sempre é possível. São centenas os convites para cerimónias. É impossível de atender a todos, muitas vezes em datas coincidentes. Mas quando o é, espera-se que o governante aproveite a circunstância para conhecer o trabalho realizado, ser sensível a uma pretensão ou até presidir a um acto para qual contribuiu. Não se espera que a sua atenção se centre em matérias que não estão na origem do convite. Ou do que não ocorre no acto para que foi convidado. Que aborde outras coisas que nada têm a ver com o motivo da sua presença. Se é convidado pelo Judo seria absurdo que falasse do atletismo. Se é um clube a convidar ou uma federação não se percebe que aborde questões de clubes ou federações distintas. A menos que alguma coisa tenham a ver com a cerimónia. Se o não têm, fazê-lo será sempre uma desconsideração para quem convida. Mais que uma desconsideração é um comportamento descortês, pouco elegante.
Esta abordagem não vale apenas para o acto oficial propriamente dito. Serve também para as abordagens que são feitas pela comunicação social. Que, muitas vezes, estando presente quer aproveitar a proximidade de um governante ou de um responsável politico para abordar outros assuntos da agenda mediática. No desporto, na maioria dos casos, para tratar de assuntos do futebol.
Ora quem convida o que pretende é a dar visibilidade pública ao que está na origem do convite. Se o convidado, tendo a oportunidade e a vantagem de falar á comunicação social, aceita falar de outros assuntos e não fala do assunto que está na razão de estar onde está, não empresta o contributo da sua figura, e da responsabilidade politica que transporta, a promover, a divulgar e a enaltecer o motivo da sua presença. Se a expressão é permitida pratica um acto de aproveitamento indevido. Na casa dos outros. Usa o tempo e o espaço alheios sem pedir licença a quem o convidou.
Um governante que pretenda falar á comunicação social tem sempre mil maneiras de o fazer. Não é preciso ir ocupar outros espaços. No atletismo deve falar de atletismo. No remo fala do remo. As modalidades bem precisam de respirar e ter alguma visibilidade. E o futebol tem o seu espaço. Estabelecer um código de conduta sobre esta matéria seria pedagógico para a própria comunicação social. Balizaria os territórios. Respeitaria as partes.
Quem governa, comanda. Espera-se um comportamento de acordo com a dignidade do lugar que ocupa. O que é válido para além das idiossincrasias pessoais, o modo como as assessorias trabalham ou as intimidades que se gosta de cultivar com os jornalistas. Vale pela função que se exerce.
O homem do leme do nosso desporto tem o mau hábito de aceitar falar à comunicação social sobre assuntos distintos dos que estão na origem daqueles que o levam a participar nesta ou naquela cerimónia pública. Ainda recentemente o fez em três dos quatro momentos em que aceitou falar sobre o caso Carlos Queiroz. É certo que, pelo menos aparentemente, a iniciativa não partiu dele. Mas dele devia partir a obrigação de respeitar quem o convida e, naqueles momentos, só aceitar falar do motivo da sua presença. Seria difícil?

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Deixem-me ver se (não) percebi

Sou contratado para atingir um objectivo juntamente com um conjunto de colaboradores, em que tenho luz verde para decidir quais são dentro de uns certos parâmetros bem como carta branca para me rodear dos elementos técnicos nas mais diversas áreas que considerar importantes e lhes reconheça valor.

Esse objectivo é um processual e distribuído por um tempo de 14 a 16 meses, com uma série de fases a que podemos neste caso chamar de jogos oficiais e outros até de preparação.

Durante esse processo tenho uma série de comportamentos que não são considerados abonatórios para o signatário nem para a entidade patronal, para além de alguns desses comportamentos serem com uma das minhas chefias directas e outros comportamentos com outra entidade externa, mas numa espécie de corporate governance das organizações empresariais.

Esta mesma entidade patronal, quer seja directa quer seja indirectamente responsável pela minha orientação, considera então que o meu comportamento não foi claramente coerente com uma série de comportamentos adjacentes às minhas funções e até em termos de ética profissional e decidi colocar-me de castigo um mês. Neste mesmo mês estarei proibido de trabalhar a 100 % e exercer as funções para as quais fui contratado.

Deixem-me ver se compreendi!


Contratam-me para alcançar um objectivo, certo? Tive durante esse timing uma série de comportamentos que desagradaram e violaram procedimentos comportamentais, certo? Para além do confirmado, existem muitas suposições de descontentamento sobre a minha perfomance enquanto líder e responsável máximo para aquilo que estou balizado. Ficarei impedido de liderar a minha equipa durante duas dessas fases competitivas, ou seja, dois jogos, certo? Terá alguma espécie de coerência? Não entro pela parte jurídica, para isso está e muito bem, o Prof. José Manuel Meirim. Mas para a população em geral…como se explica isto?

Então e se a equipa nesses dois jogos fizer uma exibição excelente e depois, quando regressar, voltar aos rendimentos mais medíocres? E como atribuir responsabilidade máxima a esse líder se a equipa não se qualificar porque nesses dois jogos não tiver alcançado os pontos necessários? E como atribuir um castigo a alguém que a impede de fazer aquilo para o qual foi contratado?

É de facto um País estranho este, muito estranho.

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

A escala de richter do homem do leme

Não conheço o conteúdo. Confio no que anunciou o homem do leme do desporto luso. Que será dado a conhecer ao país o inquérito que resultou da avaliação ao comportamento do seleccionador nacional de futebol. E se o nosso homem do leme entendeu que havia matéria que justificava ser objecto de apreciação por parte do organismo federativo fez o que devia: enviou-o à respectiva federação desportiva. O problema é que não fez apenas isso. Publicamente, qualificou a natureza dos factos ocorridos. Tomou parte neles. Enfatizou a sua gravidade. Fez de instrutor e de juiz. E com isso introduziu um ónus político desnecessário e prejudicial. Deveria ter tido a prudência de aguardar o resultado da sua diligência.
No fim-de-semana passado reincidiu. Para dizer que até à conclusão do processo não falará do assunto. Para de imediato começar a falar do que disse que não falava. Enunciou sobre o que se irá pronunciar. Escreveu o sumário. Descriminou e emitiu juízes de valor sobre o que se tem dito a respeito da matéria. Uma espécie de anúncio antecipado ao país num aparente remoque a Carlos Queiroz e aos reparos de Pinto da Costa e de Luís Filipe Vieira. É claro, pretendeu demonstrar que não é homem para se deixar ficar. Só que ao lançar gasolina sobre as brasas de um assunto quente, ateou o braseiro. E, não contente, deixa no ar a ideia de que se o rescaldo não for como espera o bombeiro será ele. Mau sinal. O tempo não tem estado de feição para apagar as ignições. E não seria a primeira vez que quem pretende apagar o fogo que ateou dele saia chamuscado.
Em certas figuras públicas há uma espécie de formigueiro que dá origem a um indisfarçável frenesim que as obriga, mesmo que as situações o desaconselhem, a terem, em termos públicos, de botar palavra. Não se limitam a regular o que têm de regular. Ser eficientes mas discretos. Têm de mostrar figura. Têm de aparecer. Porque se não se mostram parece que não existem. Mesmo que essa atitude prejudique os procedimentos subsequentes. E deixando que no melhor pano caia a nódoa. Os apelos, correctos, a que, em outros momentos, os actores desportivos se dediquem ao que é sua vocação e falem menos não se aplica ao homem do leme do nosso desporto.
No código genético da nossa governação há uma espécie de tabu: nunca se erra. Os erros são sempre dos outros. Gente soberba, emproada, pura, perfeita, que nunca diz asneiras a propósito da mãe dos outros, infalível, de voz grossa, que se julga possuidora de um estatuto especial em que tudo está justificado por natureza. O receio de fracasso publicamente reconhecido obriga a que se afastem comportamentos moralmente sensatos: a modéstia, a discrição, o saber pedir desculpa quando se erra. E saber estar calado por muita vontade que se tenha de falar. O nosso homem do leme gere os seus tempos de comunicação como uma escala de richter invertida: a dramatização sobre o que diz está na razão inversa da importância pública que têm. Quanto mais baixo é o abalo maior é a importância e atenção. Quanto maior é a importância pública e social menor a atenção política. Fala quando não deve. Cala-se quando era preciso dizer alguma coisa.
Quem sente que tem poder, como é manifestamente o caso do nosso homem do leme, não deve sentir necessidade de andar por aí a exibi-lo. Só os fracos têm necessidade de andar a mostrar que são fortes. Um investimento excessivo no “mostrar força”é certo e sabido que dá como resultado um défice de reconhecimento dessa autoridade. Porque a razão da força despropositada, esconde muitas vezes a falta de uma qualquer razão. Aguardemos.
A qualidade de uma decisão resulta essencialmente do que vem a seguir. A dramatização que politicamente foi introduzida no inquérito a Carlos Queiroz só pode ter um mau final qualquer que ele seja. E receio que ele atinja, e o efeito não tem necessariamente que ser imediato, quem deveria estar a salvo de manobras e instrumentalização políticas: a autoridade nacional antidopagem, os que nela trabalham e as políticas de combate à dopagem.

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

Viaje cá dentro

Quanto custaram ao país os jogos da Lusofonia? E os jogos da CPLP ? Custaram uns bons milhões de euros. O que, desportivamente, ganhou o país? Pouco.Bem sei que ambos são projectos políticos e não apenas desportivos. Mas mesmo no plano político pouco valem. E são precisos dois tipos de “jogos”para o mesmo espaço lusófono? Não chega “um”? Alguém faz as contas a este tipo de projectos? E ao que ajudam ao desenvolvimento das países participantes?
Uma parte significativa dos países não tem condições materiais para participarem em quadros competitivos internacionais. Nem vida desportiva interna que o justifique. Algumas participações são de uma pobreza confrangedora.Com resultados finais desniveladíssimos. O que era um projecto interessante para a comunidade lusófona acabou por se transformar numa rotina em deitar dinheiro fora. Fica a epopeia dos grandes desígnios nacionais: a missão, as viagens, a confraternização, a solidariedade, a amizade, a língua comum e as banalidades habituais. Mas muito pouco de desporto para o dinheiro que custa.
Em todos sectores da vida pública se anunciam cortes e reduções da despesa. Ora se há factor que absorve uma parte significativas da despesa com o desporto são as competições internacionais. Que nas ultimas duas décadas cresceram a um ritmo impressionante. E por razões da economia das organizações desportivas, designadamente das federações internacionais, que aí encontraram um bom motivo de receita. Por gestão directa ou por concessão a privados. Só que o enriquecimento de muitas das organizações internacionais se fez á custa da depauperação das economias das federações nacionais. E estas, face às dificuldades vividas viraram-se para o financiamento público.Com projectos crescentemente selectivos e afectando muitos recursos. Os poderes públicos face à pressão da mediatização dos eventos foram cedendo. Numa espiral de custos sem fim à vista. Os tempos de crise que estamos a viver deveriam fazer reflectir as autoridades desportivas – nacionais e internacionais - sobre o volume e a dimensão das competições internacionais. E o que custam às economias federativas e às políticas públicas.
Dizer as coisas assim, bem sei, não é simpático. Mas o problema não é de ser mais ou menos agradável. É saber como bem utilizar os recursos públicos. Que são escassos. E isto não é uma questão de somenos. É um problema. E que urge resolver sem manobras dilatórias. Ou cedendo á lógica das federações para quem o quadro internacional tudo justifica. Ou evitando que o Estado gaste onde pode poupar.
Estas iniciativas para o espaço lusófona e a dimensão dos quadros competitivos internacionais em que o desporto nacional participa bem mereciam uma avaliação e revisão cuidadas. A percepção que se retira é que, o que há a mais em competições externas, há a menos em quadros competitivos internos.Com consequências desequilibrantes na economia das organizações desportivas. E com custos pesados na dinâmica do crescimento interno das modalidades. O recurso ao Estado tem sido a solução encontrada. Mas se é uma evidência que o Estado está a gastar mais do que aquilo que pode, o referido recurso não é solução socialmente aceitável.
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sábado, 14 de agosto de 2010

Uma cama feita por muitos ? (V)

1. Da hipocrisia e ilegalidade totais.
Terminamos (?) esta nossa viagem pelo «Caso Carlos Queiroz», com uma análise que vai para além da situação concreta a decorrer.
Se houvesse a possibilidade de aplicar sanções aos que não cumprem a legislação antidopagem – ela existe para as federações desportivas -, sejam eles membros do Governo, dirigentes ou altos funcionários da Administração Pública ou, pelo menos, se a hipocrisia e a ilegalidade gerassem dor física – como disse alguém -, muitos haveria a sancionar e a recorrer a fortes analgésicos.
Desde logo Laurentino Dias.

2. Com efeito, este membro do Governo enche a boca de combate à dopagem, dessa luta sem tréguas que, neste caso, mais uma vez, justificou a sua intervenção.
O mesmo tinha sucedido no «Caso Nuno Assis».
Só que, até hoje, ninguém nos disse que destino teve o inquérito do IDP à FPF, que se seguiu à homologação do parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República.
Arquivado? Quando? Por quem?

3. De acordo com o artigo 12º, nº 1, da Lei n.º 27/2009, de 19 de Junho (Regulamentos federativos antidopagem), as federações desportivas estão obrigadas a adaptar o seu regulamento de controlo de dopagem a um significativo conjunto de normas, desde logo às nela estabelecidas [alínea a)].
O regulamento é registado junto da ADoP (nº2).

O incumprimento das obrigações de adaptação regulamentar e de registo na ADoP implica, enquanto o incumprimento se mantiver, a impossibilidade de as federações desportivas serem beneficiárias de qualquer tipo de apoio público, sem prejuízo de outras sanções a aplicar (nº3).

Por outro lado, no regime jurídico das federações desportivas (Decreto-Lei n.º 248-B/2008, de 31 de Dezembro) um dos fundamentos que conduz à suspensão do estatuto de utilidade pública desportiva é precisamente o não cumprimento da legislação contra a dopagem no desporto [artigo 21º, nº1, alínea b)].

4. Assente este ponto de referência sancionador para uma federação desportiva incumpridora, vejamos se a FPF esteve em situação de incumprimento da legislação de combate à dopagem – sacro valor de Laurentino Dias – e, se foi esse o caso, que sanção lhe foi aplicada.

Dispõe o seu artigo 76º da Lei nº 27/2009 (Disposição transitória):
“1. A adaptação dos regulamentos federativos ou das ligas profissionais ao disposto na presente lei é efectuada no prazo de 120 dias a contar da data de entrada em vigor da presente lei.
2. Os regulamentos mencionados no número anterior são registados junto da ADoP.

A lei entrou em vigor no dia seguinte ao da sua publicação (artigo 78º), ou seja, a 20 de Junho de 2009.
Tudo visto, sem ser necessário para este efeito grandes precisões na contagem do prazo, temos que a FPF deveria ter registado, devidamente adaptado ao novo regime legal, o seu Regulamento até finais de Outubro de 2009.
Como já demos conta em texto anterior [Uma cama feita por muitos? (IV)], de acordo com o Comunicado Oficial nº 470, de 17 de Junho de 2010 da FPF, o novo Regulamento Antidopagem foi aprovado e registado pela Autoridade Antidopagem de Portugal (ADoP) em 11 de Junho de 2010.
5. Ou seja, durante mais de 7 meses a FPF viveu em situação manifestamente ilegal!
Alguém suspendeu contratos-programa? Alguém suspendeu o estatuto de utilidade pública desportiva por este mais do que relevante fundamento, sempre qualificado de «tolerância zero»?
Nós somos assim, dirá sempre Laurentino Dias, não transigimos em matéria de dopagem.
Só quando nos convém aditamos nós.

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Mitologia e sabedoria


1. Quando nos debruçamos sobre o fascinante panorama da mitologia grega, constatamos que ela não deixa nada a desejar, no tocante ao alcance, à beleza, densidade, inteligência, pertinência, profundidade e subtileza das suas explicações, interpretações e propostas, em relação à ciência moderna e contemporânea. Pelo contrário! E no entanto aquela não é, nem de perto, nem de longe, uma antecipação aproximativa ou tampouco precursora desta. É, sim e quando muito, como salienta o filósofo francês Luc Ferry, “o primeiro momento da filosofia”, repleto de mensagens e metáforas que apontam aos homens os caminhos para uma vida boa, decente e digna, “sem recurso às ilusões do além”, encorajando-os a olhar de frente o destino da insuperável e irremediável finitude humana, entregues a si próprios, por sua conta e risco.
O grande projecto da mitologia grega é o de oferecer aos seres efémeros e perecíveis, que somos, meios de interpretar e atribuir um sentido ao mundo que nos envolve e de elaborar e dar significados possíveis à existência humana. Por isso ela contém directrizes e formulações de uma “doutrina da salvação sem Deus”, de uma “espiritualidade laica”, de um tratado de “sabedoria para os mortais”, visando uma vida feliz e lúcida, entendida como busca singular cumprida por cada indivíduo, responsavelmente e à sua maneira, em harmonia com a ordem do cosmos. Deste modo ela continua a ser fonte inesgotável de magistrais e carnais lições de vida para o tempo presente, cada vez mais afastado das crenças, promessas e referências dos monoteísmos religiosos (FERRY, Luc: A sabedoria dos mitos gregos: aprender a viver II. Rio de Janeiro: Objetiva, 2009).

2. A mitologia é uma construção de histórias fabulosas, criadas e contadas pelos humanos a respeito de um universo desenhado e dominado pelos deuses, logo aparentemente adverso e estranho à natureza e condição do homem. Porém os criadores são perspicazes, sábios, visionários e utópicos: inventam a criatura para nela se rever, isto é, para imaginar, definir, representar e situar o seu papel e missão nesse mundo que os circunda, inclui e condiciona. Não é por acaso que se regista uma paulatina humanização dos deuses e uma progressiva divinização dos humanos.
Segundo o relato teogónico de Hesíodo (séc. IX ou VIII a.C.) e de outros mitólogos posteriores, à primeira geração de deuses ‘naturais’, brutais, disformes, excessivos, impulsivos, malvados, rudes e selvagens, com um poder cego estribado na força, no pasmo e na violência, sucede pouco a pouco uma segunda geração de deuses ‘olímpicos’, animados por uma lógica mais humana, menos natural e mais cultural, ligada ao exercício da astúcia, delicadeza e finura, diálogo e concórdia, inteligência e negociação, até chegar à consciência e lucidez, à sabedoria e serenidade.
A crescente humanização do divino, com deuses a assumir atitudes, marcas e traços de personalidades humanas, é acompanhada de um processo de divinização do humano, com indivíduos a alcandorar-se ao Olimpo, graças à coragem, grandeza, heroicidade, nobreza, superação, transcendência, valia e virtude dos seus actos e feitos. Obviamente, este último processo jamais será cabalmente concluído, quer porque não podemos desligar-nos da imposição matricial da mortalidade, quer ainda e sobretudo porque não logramos libertar-nos inteiramente das amarras das “paixões tristes”, feias e doentias (boçalidade, brutalidade, crueldade, culpa, desdém, grosseria, ignorância, inveja, medo, ódio, orgulho, rancor, sobranceria, vingança) que corrompem a alma e turvam o coração e o olhar (Percebe-se assim o lugar central e essencial do agonismo na cultura grega. É através do heroísmo e da glória decorrentes da competição permanente com a imortalidade dos deuses e com a da natureza que os humanos visam subtrair-se do mundo do efémero e ascender a uma espécie, não de eternidade, mas de alguma perenidade entre os seus pares que, de certa forma os assemelha aos seres divinos. Por pensarem de ‘antemão’ e saberem que a vida é curta, os humanos perguntam-se o que fazer com ela, antecipam o futuro, concebem e formulam horizontes e objectivos ‘distantes’, procurando contornar e transcender afincadamente a sua condição de mortais).

Estas paixões, herdadas dos deuses gregos iniciais, bárbaros, bravios, mal-educados, incultos, grotescos, intratáveis, toscos, contraditórios, desordeiros e devastadores, sem senso de justiça, apegados às trevas e hostis à luz e claridade, teimam em tolher-nos os passos. Então no contexto actual nem se fala! Tal como os deuses originais, estamos longe, muito longe mesmo, de sermos sábios, ajuizados, civilizados, correctos e generosos. Pior ainda, esfalfamo-nos a alargar e escurecer a caverna da irracionalidade e fazemos gala em exibir orgulhosa e ostensivamente as características e comportamentos de um primitivismo apavorante e degradante.
Ora sem qualidades, que estejam além das naturais, é impossível alcançar a harmonia, a vida boa, ética e esteticamente decente, elevada e nobilitante. Neste ponto a mitologia grega é peremptória: somente a ordem justa é viável e fiável, durável e portadora de futuro; a injustiça inscreve-se no precário e transitório, atrai a desagregação e destruição. A força bruta requer ser substituída pela inteligência; e esta não reina e atinge o seu intento sem a ajuda insubstituível da justiça.

3. A que propósito vem isto? – perguntará o leitor, carregado de razão. Lembrei-me de evocar e acordar ensinamentos mitológicos por causa do estado aberrante a que chegou a justiça no nosso País e do deplorável espectáculo que ela nos tem insistentemente proporcionado. Também me instigou a revisitar as origens do pensamento humano a ‘caça ao homem’ movida a Carlos Queirós, em nome do mais abjecto populismo, atiçado pelo conluio de oportunistas de vária espécie, de treinadores peritos em peladinhas e cheiro do balneário e de alguns comentadores da treta, frustrados por nunca terem dado um pontapé na bola com a indecorosa desenvoltura e jactância com que falam do que não sabem. Igualmente me motivaram para esta digressão recentes declarações virulentas de José Mourinho, um deus do futebol que, não raras vezes, parece preferir o caos e a guerra da cosmogonia à ordem sábia, sensata, contida e luminosa do Olimpo.

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

Uma cama feita por muitos? (IV)

1. Vejamos, agora, a suposta violação a norma antidopagem.
A Lei n.º 27/2009, de 19 de Junho, estabelece o regime jurídico da luta contra a dopagem no desporto.
De acordo com o seu artigo 2º, alínea r), entende-se por «Pessoal de apoio ao praticante desportivo» pessoa singular ou colectiva que trabalhe, colabore ou assista o praticante desportivo, nomeadamente qualquer treinador, dirigente, agente, membro da equipa, pessoal médico ou paramédico.

Por outro lado, constitui violação das normas antidopagem, inclusive por parte de pessoal de apoio ao praticante desportivo “a obstrução, a dilação injustificada, a ocultação e as demais condutas que, por acção ou omissão, impeçam ou perturbem a recolha de amostras no âmbito do controlo de dopagem [artigo 3º, nº 2, alínea e)].
Constitui ilícito disciplinar a violação da alínea e) do nº 2 do artigo 3º (artigo 54º, nº 1).

De acordo com o artigo 61º, nº 1, (Sanções ao pessoal de apoio ao praticante desportivo) ao pessoal de apoio do praticante desportivo que violar uma norma antidopagem descrita nas alíneas e), h) e i) do n.º 2 do artigo 3.º é aplicada uma suspensão da actividade desportiva por um período de 2 a 4 anos, para a primeira infracção.
2. Ora, aparte toda a opacidade e perturbação processual neste caso, chegados à regulação antidopagem as questões ainda se complicam mais, para quem quiser levar a cabo uma leitura jurídica serena e não comprometida. Não é o caso do Conselho de Disciplina da FPF, nem será o caso do Conselho de Justiça.
A primeira questão a resolver é se esta norma é aplicável ao caso concreto, o qual, relembre-se ocorreu em 16 de Maio passado.
Com efeito, as normas antidopagem jogam na articulação da lei com os regulamentos antidopagem que têm de estar em conformidade com o legalmente disposto.
Contudo, a Lei nº 27/2009 abriu um espaço indesejável à regular aplicação de regulamentos antidopagem em desconformidade com as suas normas.
Na verdade, dispõe o seu artigo 76º (Disposição transitória):
“1. A adaptação dos regulamentos federativos ou das ligas profissionais ao disposto na presente lei é efectuada no prazo de 120 dias a contar da data de entrada em vigor da presente lei.
2. Os regulamentos mencionados no número anterior são registados junto da ADoP.
3. Até à realização do referido registo, as sanções aplicáveis aos praticantes desportivos e demais infractores são as constantes dos regulamentos federativos que estiverem em vigor e que, para o efeito, estão registados no CNAD”.

3. Ora, de acordo com o Comunicado Oficial nº 470, de 17 de Junho de 2010 da FPF, o novo Regulamento Antidopagem foi aprovado e registado pela Autoridade Antidopagem de Portugal (ADoP) em 11 de Junho de 2010.
Por outro lado, ainda de acordo com o mesmo comunicado, este regulamento entrou em vigor com a “presente publicação”.
Logo, não nos restam dúvidas, que as normas regulamentares a aplicar são as do anterior regulamento da FPF, vigentes à data dos factos (16 de Maio).

4. Que dizem essas normas?
Uma busca no Google conduziu-nos a um Regulamento Antidopagem da FPF, surgido na sequência do anterior quadro legal (Comunicado Oficial nº 224, de 16 de Fevereiro de 1998).
Partimos do princípio de que é esse o texto regulamentar aplicável em 16 de Maio passado.
O caminho, embora tortuoso, face à péssima qualidade técnica do texto, faz-se.

Estabelece o artigo 12º do Regulamento:
“Será punido nos termos deste Regulamento quem, actuando no âmbito do associativismo desportivo, nomeadamente os dirigentes, técnicos e profissionais de saúde, viole as normas previstas nos artigos 5º e 23º do Decreto-Lei nº 182/97, de 26 de Julho”.

Determina, por sua vez, o artigo 23º (Co-responsabilidade de outros agentes) - nºs 6 a 8 - da anterior Lei da Dopagem:

“6- Todo aquele que, por qualquer forma, dificultar ou impedir a realização de uma operação antidopagem comete uma infracção punível nos termos do número seguinte.
7- As infracções ao disposto no artigo 5.º e nos números anteriores constituem contra-ordenações puníveis disciplinarmente nos termos do artigo 15.º e com coima a fixar entre 500 000$ e 1 000 000$.
8- As sanções disciplinares previstas no número anterior são agravadas para o dobro em caso de dolo”.

Saltemos agora para o artigo 15º do decreto-lei (Sanções disciplinares aplicáveis aos praticantes:

“1. Em relação aos praticantes desportivos, as consequências disciplinares do resultado positivo de um exame laboratorial efectuado no âmbito do controlo antidopagem são as seguintes:

a) De 6 meses a 2 anos de suspensão da actividade desportiva, no caso de primeira infracção;
b)
c)…”
.
Uf! Terminou? Infelizmente ainda não.

5. Volvendo ao Regulamento apuramos que as penas aplicáveis aos agentes previstos no artigo 12º são as constantes do artigo 10º agravadas para o dobro (artigo 15º, nº 1).
E, em conformidade com o artigo 10º, nº 1, alínea a), a pena prevista é a de seis meses a dois anos de suspensão da actividade desportiva, no caso de primeira infracção.
Ou seja, para o nosso caso de um a quatro anos de suspensão da actividade desportiva.

6. Mas temos um problema suplementar – em bom rigor, determinante para apurar se há ou não infracção disciplinar - que o visitante desta colectividade pode ajudar a ultrapassar.
Com efeito, a lei e o regulamento actuais – não aplicáveis -, referem-se a obstrução, a dilação injustificada, a ocultação e as demais condutas que, por acção ou omissão, impeçam ou perturbem a recolha de amostras no âmbito do controlo de dopagem.
Se estiver correcto no percurso que efectuei o regulamento aplicável – o anterior – ao remeter para a lei de então, exprime-se nos seguintes termos: todo aquele que, por qualquer forma, dificultar ou impedir a realização de uma operação antidopagem.

Perturbar vale o mesmo que dificultar?
O que ocorreu – seja lá o que na realidade teve lugar -, perturbou ou dificultou?

terça-feira, 10 de agosto de 2010

O que se sabe e o que se pode dizer

O centro de alto rendimento do jamor destinado ao atletismo é um mérito do governo. Foi o actual governo do PS que traduziu uma promessa em realidade e foi ele que conseguiu o que outros prometeram e não fizeram. E que, sobretudo, conseguiu juntar os meios financeiros susceptíveis de concretizar a infra-estrutura. Para reconhecer esse mérito não é preciso rever a história como lamentavelmente o fez o director do centro. Nem é preciso ignorar que para se ter chegado onde se chegou, seguramente, que houve muitos contributos individuais importantes. E também dificuldades e conflitos. Era inevitável numa obra que sofreu tantos atrasos e vicissitudes. Mas o que fica para memória futura é o que está feito. Resta ao atletismo aproveitar bem o novo equipamento e justificar o investimento público realizado. E demonstrar que as suas aspirações merecem ser tratadas como direitos. E, aqui, não é ao governo que devem ser pedidas responsabilidades.
Uma realização do governo, ainda por cima positiva, deve, por isso, fugir a uma explicação de carácter fulanizado, por mais importante e meritório que tenha sido o papel desta ou daquela personalidade. É também dispensável uma espécie de contabilidade cronológica sobre o tempo de governação dos partidos que têm tido responsabilidades a esse nível porque é conhecido a capacidade de transmutação partidária em que um partido no governo consegue ser ao mesmo tempo oposição aos outros e ao passado de si próprio. E em tempo de festa não é o momento oportuno para abordar o que se anda a passar -no plano técnico, financeiro e procedimental -para os lados do jamor. O governo, que não é cego nem surdo, lá saberá. A questão agora é outra.
Com uma tão grande profusão de centros de alto rendimento, até em modalidades de que se não conhece padrões de competitividade a esse nível, a questão que agora importa apreciar é a de saber o que vai mudar na preparação do atletas e no trabalho dos treinadores. E o retorno que isso vai trazer à competitividade do desporto nacional. O facto de estarem à disposição das modalidades melhores condições tecnológicas de preparação não significa necessariamente melhores resultados desportivos. Mas, face á argumentação aduzida quanto à necessidade e importância deste tipo de equipamentos -uma clara adulteração da legítima aspiração a melhores condições de trabalho com o direito a que os poderes públicos garantam essas condições - seria incompreensível que eles não surgissem.
Saber o que um centro é capaz e o modo como se encontra equipado é importante. Saber que ocupa um lugar cimeiro entre centros homólogos é de bom-tom. Mas mais importante do que tudo isso é aproveitar o que possui, dar-lhe vida e utilidade. Mesmo reconhecendo que as políticas desportivas de alto rendimento vivem a jusante de outras politicas. Mas viverão sempre.Com centro de alto rendimento ou não. Já viviam. O que agora se trata é de potenciar o que antes não existia.
O atletismo, que tão elevados resultados tem alcançado para o desporto nacional, tem um enorme desafio pela frente e uma elevada responsabilidade. A gratidão manifestada ao governo, mais que justa, e as prebendas ofertadas – uma opção política seguramente de risco calculado - assinalam também que os tempos são outros. O que se pode desejar é que sejam bons para o atletismo e para o desporto nacional.

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

A política de regulação de apostas desportivas online - II

“The governments get more addicted to the tax than the players to the games”

Com esta frase lapidar um analista americano procurava caracterizar, num artigo do NY Times, a reforma de regulação do jogo online que a Europa atravessa, num momento em que o Congresso se prepara para alterar uma lei de 2006 que proíbe o jogo pela internet ao ilegalizar as transferências de instituições financeiras para sites de operadores de jogo online. Após quatro anos de experiência vários sites fecharam portas, mas, segundo indicadores disponíveis, os americanos continuam a jogar o mesmo, com a diferença que o fazem em operadores estrangeiros, porventura menos seguros e sem qualquer tributação nos EUA. Desta forma se conclui que “as tentativas de banir o jogo online estão condenadas ao fracasso: Melhor legalizar, taxar e regular o hábito”.

Ora, nos regimes proibicionistas, como o português, onde o jogo e as apostas desportivas são uma reserva estadual, sujeitando à lei penal todas as actividades não autorizadas e vedando a sua publicidade - com a excepção dos jogos sociais cuja exploração é concedida, em regime de exclusividade, a uma entidade sem fins lucrativos -, vigora o primado da protecção do consumidor e da ordem pública face a uma actividade considerada potencialmente perigosa, pelo que as suas receitas revertem para actividades de interesse geral, entre as quais o desporto.

Assim é no âmbito legal, mas em termos concretos a proibição transforma-se numa “permissão passiva” como nos cataloga um estudo encomendado pelo Parlamento Europeu. Desde logo porque os portugueses continuam, e cada vez mais, a jogar online. Todos os sites de jogo são perfeitamente acessíveis no nosso país em qualquer computador ligado à internet. Não existe nenhum mecanismo de controlo sobre os operadores ilegais e o mercado negro de apostas desportivas online, sabendo que a lei penal não se aplica a fornecedores de jogo em Portugal sem estabelecimento no nosso país. Mesmo após o acórdão Santa Casa continua a proliferar nos meios de comunicação, nas camisolas de clubes ou em eventos desportivos e sociais a publicidade a operadores de apostas desportivas online. Tudo isto perante a passividade das autoridades competentes.

Perante este cenário qualquer protecção dos consumidores é uma mera coincidência. Bem pelo contrário, acentua-se o risco de aumentar a ludopatia e a falta de segurança nas apostas desportivas ao misturarem-se operadores responsáveis com falcões estabelecidos maioritariamente no continente asiático num ambiente propício à sua actividade criminosa. Qual é então o motivo de maior relevo para que alguns países mantenham o seu regime proibicionista?

A resposta, muitos o sabem, está no inicio deste post. O jogo “é uma fonte significativa de financiamento do Estado, quer pela forma directa (v.g. impostos e participação nos resultados) quer pela forma indirecta, pela substituição de despesa orçamental em funções que caberia ao Estado desempenhar (v.g. assistência social, fomento do desporto e desenvolvimento do turismo)”, conforme refere o insuspeito «Estudo da situação actual do mercado de jogos em Portugal, para definição da política nacional de jogos e da estratégia para a prossecução desta, identificando as medidas a adoptar na sua concretização». E Portugal é dos países com maior incidência fiscal em matéria de jogo.

Este último aspecto é o principal motivo que concorre, entre outros abordados naquele estudo, para explicar o decréscimo das receitas do jogo, nomeadamente dos jogos sociais, acentuando no nosso país uma tendência que se verifica em alguns pontos da Europa onde aquele tipo de jogos perde capacidade de atracção devido às políticas fiscais associadas, pelo que é compreensível, ainda que estranho num regime proteccionista, que se procure diversificar a oferta de jogos sociais. No entanto, os resultados não são animadores. Basta consultar as estatísticas do Departamento de Jogos da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa ou as declarações do seu provedor.

Não se tratam, pois, das melhores noticias para o desporto português, cujo financiamento tem sido cada vez mais sustentado pelas receitas dos jogos sociais, em contraposição ao esforço financeiro do Estado, em especial após as alterações à distribuição das receitas dos jogos sociais em 2006, conforme Fernando Tenreiro teve ocasião de expor graficamente nesta colectividade.

Acontece que vários países já fizeram as contas e avaliaram o impacto da regulação das apostas desportivas. A começar pelas perdas de receita fiscal se mantiverem o mercado por regular na Internet. Passando pelo potencial de financiamento que os operadores licenciados aportam (patrocínios, publicidade, contratos televisivos, licenças de estabelecimento, etc), pelo reforço no combate à fraude devido aos mecanismos de segurança e auto-regulação que impõem nos seus serviços, ou pelo estudo do efeito substitutivo (residual) entre a oferta de jogos e apostas tradicional e a oferta pela Internet, bem como do eventual aumento da adição ao jogo (0,4%). Qualquer que seja o prisma escolhido - económico, social, fiscal, jurídico, criminal ou político - encontraram uma relação de ganho evidente para todas as partes envolvidas (Estado, operadores, consumidores, media e sector desportivo).

Os estados proibicionistas continuam a ficar fora de um mercado europeu em amplo crescimento (12% de quota correspondendo a 11 biliões de euros de receita prevista para 2012). “Tendo presente esta realidade, o Governo, em articulação com as associações empresariais respectivas e com a Santa Casa de Misericórdia de Lisboa, irá elaborar e aprovar regulamentação sobre o jogo electrónico.” assim ditava em 2003 o Conselho de Ministros. À época foi elaborado pela Inspecção Geral de Jogos - e pouco difundido - um esboço de Decreto-Lei sobre jogo interactivo, o qual se aproximava do modelo belga onde os concessionários de casino teriam uma posição de controlo do mercado. Este projecto - pouco atento à emergência das apostas desportivas pela Internet - viria a ser abandonado sem ecos públicos.

Com excepção das declarações do presidente da Liga Portuguesa de Futebol Profissional - a qual tem competências estatutárias de colaboração na definição do regime de apostas mutuas desportivas - é um pouco neste clima sigiloso que, após o Governo ter aberto portas à regulação do mercado de apostas, vários actores - não só, mas também, políticos - se têm movimentado, reunido e consultado diversas personalidades. Aceitam-se as necessárias cautelas nesta fase, sendo certo, porém, que se adivinham surpresas na próxima sessão legislativa…

Neste espaço, e até se aclarar o clima, manteremos também algumas cautelas, sem deixar, contudo, de perspectivar as estratégias que se alinham fora de portas - nomeadamente junto das organizações representantes de agentes desportivos, de operadores de apostas e autoridades desportivas - sobre a melhor forma de proteger e assegurar o financiamento do desporto através de um quadro regulador do mercado, tal como ocorreu com as posições específicas em torno desta matéria expressas no recente relatório da consulta pública sobre as opções estratégicas da UE para a implementação da nova competência da UE no domínio do desporto, ou nos desafios das apostas desportivas identificados no COI, a abordar no próximo texto.

domingo, 8 de agosto de 2010

Uma cama feita por muitos (III)?

1. O fim-de-semana trouxe mais elementos que ajudam a decifrar o que se passa no «Caso Carlos Queiroz». Declarações do Vice-presidente da FPF, que a crer no comunicado da FPF do dia 30 de Julho só podem ser tidas por meras especulações, do acusado e inúmeras fugas de informação sobre o processo, parece que nos permitem configurar, com mais acerto, os termos do «jogo».
Ao que se apura, lendo e relendo todo essa material informativo, sempre correndo o risco de falhar, o treinador é acusado, na nota de culpa do Conselho de Disciplina da FPF, de duas eventuais infracções.
Uma, parece finalmente claro, localizada no âmbito da legislação (e regulamentação federativa) de combate à dopagem no desporto. Uma segunda, assim se crê, no Regulamento Disciplinar da FPF (injúrias).

2. Comecemos pela última, mirando as normas em presença.
De acordo com o artigo 1º, nº 2, do Regulamento Disciplinar da FPF, são equiparados a jogos oficiais - para efeitos disciplinares - os treinos e os estágios de jogadores das Selecções Nacionais (norma «Sá Pinto»). Por outro lado, adianta o nº 4, ainda em sede de definições, entende-se por agentes desportivos os membros de órgãos sociais, dos órgãos técnicos permanentes, das comissões eventuais da FPF e dos seus sócios ordinários, dirigentes de Clubes, delegados, observadores de árbitros, árbitros, jogadores, treinadores, preparadores físicos, secretários técnicos, seccionistas, médicos, massagistas, auxiliares técnicos, assistentes de campo, assessores, empregados e outros intervenientes no espectáculo desportivo.

3. Sobre as ameaças, injúrias e ofensas à reputação, enquanto infracções específicas dos dirigentes de clubes e outros agentes desportivos, dispõe o artigo 98º: o dirigente de clube que pratique a infracção prevista no artigo 61º, ainda que contra agente desportivo, é punido com suspensão de 1 mês a 1 ano e multa de € 1.000 a € 2.000.
Esta norma é convocada, ao caso em apreço, por força do artigo 103º, nº 1 (Norma remissiva).
Relevante é, pois, para a resolução da questão, o que dimana do artigo 61º (Das ameaças, juízos ou afirmações lesivas da reputação de entidades da estrutura desportiva):

“1. É punido com a multa de € 1.000 a € 2.000 o clube que, dirigindo-se a terceiros ou ao visado, imputar por palavras à FPF, às suas actividades estatutárias, a órgãos sociais, a comissões, a sócios ordinários, a delegados da FPF, a árbitros, a observadores de árbitros, a cronometristas a outro clube e aos respectivos membros, dirigentes, colaboradores ou empregados no exercício das suas funções ou por virtude delas, mesmo sob a forma de suspeita, um facto, ou formular sobre eles um juízo, ofensivos da sua honra, consideração, dignidade.
2. À difamação e à injúria verbais são equiparadas as feitas por escrito, gestos, imagens ou qualquer outro meio de expressão.
3. Incorre em igual pena o clube que exerça ameaça de dano ou cause dano a qualquer das pessoas e entidades referidas no nº 1 do art. 50º por força do exercício das suas funções.
4. O Clube é responsável pela actuação dos seus dirigentes, representantes, sócios, funcionários e colaboradores e pelas mensagens veiculadas pelos seus órgãos e espaços de comunicação social privativos”.

4. Não é possível, pois, seguramente, por esta via, sancionar Carlos Queiroz.
De que norma jogará mão a sempre criativa «justiça desportiva» que tem como princípio fundamental construir a solução mais favorável à Direcção da FPF?

Do artigo 102º, carregado de legítimas dúvidas de constitucionalidade, em face do princípio da legalidade (envolvendo tipicidade mínima na vertente disciplinar) vigente em direito sancionatório público?

Dispõe essa válvula de escape:

“ (Da inobservância de outros deveres)
O Dirigente de Clube é punido com suspensão de 1 a 3 meses e multa de € 150 a € 450 em todos os casos não expressamente previstos em que viole dever imposto pelos regulamentos e demais legislação desportiva aplicável”.

sábado, 7 de agosto de 2010

Uma cama feita por muitos ? (II)

1. A reunião da direcção da FPF, de 30 de Julho, teve por objecto analisar o inquérito, conduzido pelo Instituto do Desporto de Portugal:
“Gilberto Madaíl tem em mãos um inquérito conduzido pelo Instituto do Desporto de Portugal (IDP) visando o seleccionador nacional. Carlos Queiroz, sabe o DN, é acusado de comportamento incorrecto e linguagem insultuosa visando, sobretudo, o presidente da Autoridade Antidopagem de Portugal (ADoP), Luís Horta, aquando do primeiro controlo antidoping realizado durante o estágio da selecção nacional na Covilhã”.
“O inquérito foi enviado à FPF via Secretaria de Estado da Juventude e do Desporto, esclareceu ainda a federação”.
2. O «Caso Carlos Queiroz» começa a assumir contornos opacos lidas as normas legais que pautam a acção do IDP, da ADoP e da Federação Portuguesa de Futebol, bem como as circunstâncias conhecidas dos factos. O «Caso Carlos Queiroz», por assim dizer, joga-se em múltiplos tabuleiros normativos, mas os jogadores parecem não respeitar as «leis do jogo».
3. Tudo leva a crer, pelas pingas informativas que o «inquérito do IDP» nasce a partir do envio pela ADoP do relatório dos médicos envolvidos na acção de controlo.
Ora, se assim foi, o referido inquérito, que recolheu testemunhos de funcionários da FPF e da unidade hoteleira onde decorria o estágio, deveria também, desde logo, ter ouvido aquele a quem são (foram) imputadas as acções difamatórias e injuriosas.
Tal, a crer nas informações públicas, não ocorreu.
Por outro lado, este inquérito não mais representa que um processo a quem, no bom rigor, ninguém estava obrigado a participar, prestando testemunhos.
No fundo, o IDP – sem ouvir um dos principais interessados – agiu como uma autarquia local quando um seu fiscal se vê injuriado por particulares ou representantes de uma empresa, aquando de uma fiscalização sobre obras particulares. A final, via Secretaria de Estado, enviou o que recolheu – o que sem a audição do treinador pouco valerá – à entidade patronal do técnico.
O agir do IDP não tem nada de processo disciplinar, nem de processo contra-ordenacional.
Deu conta à FPF que um agente desportivo injuriou um servidor público ou vários servidores públicos.
4. A estarmos certos – o que sempre temos que colocar sob alguma reserva –, ninguém, até este momento do «Caso» colocou as peças no tabuleiro da legislação relativa ao combate à dopagem.
Com efeito, a FPF não iniciou nenhum procedimento disciplinar a 16, 17 ou 18 de Maio ou até recente data, como era seu dever se entendesse que as acções do seu seleccionador consubstanciavam algum tipo de perturbação à acção de controlo.
O IDP não tem competência para esse impulso disciplinar e a ADoP somente tem competência ao nível do processo de contra-ordenações sobre o qual, até agora, não se sabe se teve lugar.
Contudo, o jogo foi-se realizando – e continua-se a realizar – à vista, com regras criadas jogada a pós jogada.
O resultado final – se é que virá a haver -, só alcançável em outras instâncias, não pode ser positivo.

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

Uma cama feita por muitos ? (I)

1. Mais uma vez o futebol nacional vive um Verão quente. O futebol português está sempre em alerta vermelho, mesmo quando não se pratica no recinto de jogo.
Em causa está, este ano, a conduta do seleccionador nacional Carlos Queiroz.
Os dados disponíveis são, para mim e para o comum dos mortais, os que pingam na imprensa. Estranha-se, contudo, que na mesma posição se encontre, conforme declarações do próprio, o novo presidente da Liga Portuguesa de Futebol Profissional, Fernando Gomes que não esteve presente na reunião da direcção da FPF, de que é vice-presidente, realizada na passada sexta-feira.
Ao visitante desta colectividade oferecemos uma leitura jurídica serena e, por via disso, o texto pode ir para além da dimensão adequada.
Comecemos, no entanto, pelo contexto.

2. No passado dia 16 de Maio, pela manhã, uma equipa de controlo antidopagem da ADoP deslocou-se à Covilhã onde estagiava a selecção nacional de futebol.
Adiantam as notícias que “a conduta dos elementos da equipa antidopagem foi considerada irrepreensível”, tendo provocado apenas uma reacção do seleccionador ”que foi acusado pelos médicos de ter tido um comportamento incorrecto e utilizado uma linguagem insultuosa”, inclusive para com o (ausente) presidente daquele organismo do Estado, Luís Horta.

3. O IDP abriu um inquérito.
“Durante cerca de mês e meio foram ouvidas várias testemunhas, desde funcionários do hotel até elementos do staff federativo, alguns dos quais confirmaram de forma concreta os excessos do seleccionador. Concluído, o inquérito foi enviado para a Secretaria de Estado da Juventude e do Desporto, que por sua vez o remeteu para a Federação. A Gilberto Madaíl foi pedido que agisse em conformidade com a gravidade da situação”.

4. A “gravidade das acusações a Queiroz que constam no inquérito do Instituto do Desporto de Portugal ao incidente na Covilhã torna este caso uma questão de Estado”. “O Secretário de Estado do Desporto classificou o inquérito como "assunto grave", que está a ser encarado como violação das normas antidoping e pode levar ainda à suspensão de Queiroz”.
“A gravidade do assunto foi assumida à "mesma voz" pelo Governo e pela própria FPF: "Os factos que foram apurados no inquérito obrigam a que a Federação sobre eles pondere. Se não fossem factos graves não tinha havido um inquérito ou teria sido arquivado", disse Laurentino Dias, Secretário de Estado do Desporto. Já a Federação, em comunicado, classificou o inquérito a Queiroz como "matéria extremamente delicada", a qual a FPF vai analisar em profundidade".
«Os factos que contavam da participação eram suficientemente graves para abrir um inquérito e despachá-lo para a Federação Portuguesa de Futebol (FPF)», comentou Laurentino Dias”.

5. Reproduzimos um número significativo de menções da imprensa para que o visitante se possa relembrar de onde partimos.
Que inquérito é este? Que tipo de “participação” é esta? Porque não foi ouvido o treinador?
Porque razão somente dois meses após os factos se dá conta pública da sua existência?
Se estamos perante um procedimento disciplinar – no domínio da dopagem -, porque razão a direcção da FPF não agiu de imediato, em conformidade, aliás, com as suas próprias normas regulamentares e a lei?
Que combinação ocorreu entre Laurentino Dias e Gilberto Madaíl, “a bem da Nação”?
Ainda “a bem da Nação”, saberíamos de algum inquérito se tivéssemos sido campeões do Mundo? Disputado a final? Atingido a meia-final? Os quartos de final?

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

O Processo de Bolonha e o Canyoning


Temos assistido nos últimos tempos a exposições e declarações públicas, com enfoque no domínio do Direito e na posição do Bastonário da Ordem dos Advogados, Marinho Pinto, que resumidamente poderemos considerar tratarem da maior ou menor habilitação dos estudantes que tenham finalizado a sua licenciatura no instituído Processo de Bolonha para o exercício profissional.
Independentemente da maior ou menor assertividade das posições deste bastonário e das expressões rudes e por vezes demasiado radicais que utiliza para transmitir as suas ideias e convicções, convoco-o a este texto simplesmente para apelar à necessidade de reflectirmos acerca das consequências da formação em desporto, também decorrente do processo de Bolonha. Como é sabido, tal processo traduziu-se até ao momento, fundamentalmente, na instituição de três graus académicos, na redução dos 5 anos de licenciatura para 3 ou 4 anos e nas consequentes adaptações curriculares (basta consultar a enxurrada de diplomas com este fim na área do desporto, que vem sendo publicada há vários números na crónica de legislação da revista Desporto e Direito). Muito há ainda a fazer no domínio da total reorganização do processo formativo balizado por novos processos e novos valores, tais como o enfoque nas competências e não só nos conteúdos, nas aprendizagens e não simplesmente no ensino, na participação e envolvimento de outros agentes implicados (por exemplo nos estágios em diversas unidades curriculares do 1.º ciclo ou no estágio profissionalizante do 2.º ciclo) e não apenas nos professores e estudantes.

Contudo, independentemente de ser com base neste novo quadro que temos equacionar a formação actual e a ela nos adaptarmos com intervenções diferentes das do passado, o que importa, inexoravelmente, é reflectir acerca da formação dos profissionais do desporto no âmbito do quadro regulador existente entre nós.
E, fundamentalmente, coloco, por ora, duas questões que me parece essencial equacionar:
1.º estarão os estudantes de desporto formados pelas dezenas de instituições de ensino superior portuguesas habilitados, ao fim de 3 ou 4 anos de licenciatura, para o exercício das múltiplas profissões do sector desportivo?
2.º serão as imposições e exigências legais para o desempenho profissional na área do desporto suficientes?

Deixo igualmente algumas interrogações acerca da realidade actual (pós-bolonha), para as quais não encontro suficiente justificação:
- qual a razão para que um professor de educação física do ensino básico e secundário seja possuidor da licenciatura em Educação Física ou Desporto, complementada com o 2.º ciclo (mestrado) em ensino, e um professor de actividades de enriquecimento curricular (AEC´s ) da área disciplinar de Educação Física seja possuidor apenas do grau da licenciatura?
- O que justificará que, no recrutamento enunciado nos concursos públicos para técnicos superiores de desporto, uns municípios exijam licenciados em Educação Física, outros licenciados em Desporto, outros ainda licenciados em Gestão do Desporto (para além de outras formações)?
- Como se fundamenta que um treinador (veja-se o programa nacional de formação de treinadores) ou um profissional responsável pela orientação e condução de actividades físicas e desportivas (PROCAFD), tenha, ainda que muitos anos após os propósitos iniciais, merecido a atenção do legislador português, em detrimento da regulação da actividade de professores ou monitores das inúmeras variantes dos apelidados desportos da natureza ou desportos radicais?

Foram estas e outras inquietações que me surgiram novamente durante as 4 horas em que percorri, entusiasticamente, um rio lindíssimo do norte do País, fazendo habilidades incríveis e de alto risco, juntamente com mais 14 pessoas totalmente inexperientes na actividade, o canyoning. Os profissionais responsáveis por esta actividade de grupo não tinham qualquer formação específica neste domínio, nem licenciaturas ou mestrados pré ou pós-Bolonha, nem cursos creditados, nem formações próprias nestas actividades ministradas além fronteiras. Nada! Que inconsciência dos vários intervenientes e implicados: consumidores, empresa que presta o serviço, profissionais em causa e, em último lugar, Estado que não acautela os bens maiores dos seus cidadãos.

Nesta fase de mudança na formação em Desporto operada pelo processo de Bolonha, era tempo de parar para se reflectir e decidir convenientemente acerca da formação a ministrar aos futuros profissionais deste vasto sector social, assim como nas acções de formação a exigir para aqueles que já actuam nos mais distintos domínios da actividade desportiva sem a imprescindivel formação, a bem da melhoria da prestação desportiva, da saúde e da vida dos praticantes/consumidores desportivos.