quarta-feira, 31 de dezembro de 2008

DR: Novidades no final de 2008

Chegados ao último dia do ano de 2008, numa das rotinas matinais procurei no Diário da República a publicação das novidades legislativas no domínio do desporto, designadamente as que foram objecto de aprovação em sede de Conselho de Ministros do dia 7 de Novembro transacto. Inglória a minha busca para este fim, pelo que às 9h e picos apenas retirei e agora coloco à disposição dos/as leitores/as dois documentos importantes para 2009, a saber: o orçamento de Estado para 2009 e o orçamento da Região Autónoma da Madeira para 2009.

Mas eis que pela tarde no 3.º suplemento do citado jornal, surge a primeira fornada legislativa supramencionada, os diplomas que estabelecem o regime de acesso e exercício da actividade de treinador de desporto e o regime jurídico das federações desportivas e as condições de atribuição do estatuto de utilidade pública desportiva.

Com o mês que amanhã se avizinha perfazem 2 anos da publicação da Lei de Bases da Actividade Física e do Desporto. O governo, como é hábito também de outros que lhe antecederam, excedeu largamente o período de 180 dias estipulado nesta lei para regulamentar muitas das suas matérias. Problema de pouca monta para quem, estratégicamente, aponta para 2009, ano de eleições, bandeiras legislativas, tão apregoadas e controversas nos últimos meses, mas que serão obviamente usadas como marca do sustentado e árduo labor de uma legislatura.
Boas leituras e votos de um bom ano de 2009!

terça-feira, 30 de dezembro de 2008

Será desta?

A conversão do Pavilhão Carlos Lopes em museu do desporto confesso, quando o assunto começou a ser falado, não foi ideia que aplaudisse. Após a alienação, por razões de mera especulação financeira, do complexo desportivo da Lapa, a “anulação” de um outro espaço desportivo com a carga simbólica do “Pavilhão dos Desportos”, parecia-me uma má decisão. Cheguei de resto a assinar uma petição a favor da sua manutenção como espaço desportivo. Mas depois de ouvir as razões dos responsáveis da Câmara Municipal de Lisboa e conhecer o programam museológico proposto mudei de opinião. E entendo que se pode tratar de um boa solução, quer para o museu, quer para a reabilitação do espaço e revitalização do seu uso.
O estado de degradação e de abandono a que o equipamento foi deixado pelos diferentes governos camarários tornariam um exercício de reabilitação desportiva de custos muito elevados e porventura de complexa solução técnica até pelas condicionantes entretanto ocorridas em matéria de tipologias de espaços desportivos.
Do espaço resta a memória e uma traça exterior que marca uma época da arquitectura desportiva nacional. Uma e outra não são incompatíveis com um uso distinto ainda por cima numa temática que lhe é afim: o desporto. Um desafio que é também um convite aos projectistas para a criação de uma obra que responde ao programa museológico delineado e respeite o que tem naquele edifício de valor histórico e cultural.
O programa museológico proposto (excepção à chamada sustentabilidade económica(?) que só pode ter sido feita por quem não tem a mínima noção da matéria) é arrojado, interessante, diversificado e revela uma dimensão abrangente sobre as diferentes variáveis museológicas conexas com o desporto. Marcado por uma perspectiva que bebeu nos Annalles e na “nova História”, uma noção da história que pouco valoriza o legado, o acervo, o evento e o tempo cronológico, é uma opção ideológica respeitável e que tem tradição internacional. A “nova museologia” alimenta-se muito duma visão sincrónica dos “factos históricos” e mais do que um revelador ou analisador do passado que permita ter uma noção do antes e do depois, investe, até pelas disponibilidades tecnológicas de que dispõe, em cruzamentos com outras áreas disciplinares que são intelectualmente interessantes e muito “marcadas”pelos temas do presente. Não discutindo a sua pertinência no plano epistemológico tal não significa que sejam suficientemente relevantes como material de valor museológico.
O carácter efémero e precário de muitas iniciativas museológicas (o museu virou moda e não há cidade ou vila que não se ache com direito a ter o seu museu) reside na dificuldade de aliar o que deve ser um local de preservação e transmissão cultural com a concorrência das indústrias de entretenimento. A crise de identidade e de gestão de que vivem muitos museus só é possível de ser ultrapassada se se conseguir aliar o acervo museológico e a memória histórica, que são a base normativa e conceptual de uma identidade museológica, com as novas tecnologias e os diferentes públicos. De um lugar de “pedras mortas” a um “prestador de serviços” tipo parque lúdico que até pode fornecer o “bilhete de identidade da condição física” vai a possibilidade de encontrar um adequado equilíbrio entre o acervo museológico e a sua dimensão memorial, histórica, cultural, antropológica e sociológica e a atratabilidade e a animação que um espaço museológico pode ter. O que se conhece do programa museológico apresentado merece o benefício de que existem preocupações em responder ao desafio de um museu que respeitando a história e memória do desporto evite cair na “disneylândia” desportiva.
Ao anúncio deve coincidir a capacidade de o realizar. A “história” do museu do desporto não se resume às suas tentativas de criação desde 1932 em Lisboa num palácio em Calhariz. Nela se inscrevem também as marcas do silêncio, a colocação do seu acervo em instalações indignas, a destruição e desaparecimento de algum do seu legado, a perda de importante material com valor patrimonial.
Num momento que é de afirmação e de esperança é justo que se recordem muitos dos que procuraram com profissionalismo e dignidade lutar por criar em Portugal um museu do desporto. O Luís Casanovas, o Orlando Azinhais, o Jorge Crespo, o Noronha Feio, o João Boaventura, o Pedro de Almeida, o Pedro Cardoso. Porventura esqueço alguns. Que me perdoem se assim for.

sexta-feira, 26 de dezembro de 2008

Contradição com tradição

A presidência francesa da União Europeia que agora termina tomou diversas posições na condução da política desportiva da UE, as quais viemos dando conta nos seus traços gerais.

È bom relembrar as palavras proferidas por Sarkozy no Parlamento Europeu, aquando da apresentação do seu programa este Verão, e a onda de fundo desde cedo suportada pelas principais federações desportivas europeias, com especial destaque para Michel Platini, no apoio à firme intenção francesa na afirmação da especificidade e autonomia do desporto, através da definição um regime excepção em relação ao direito comunitário, previamente clarificado em consulta ao movimento desportivo, o qual salvaguardasse a segurança e estabilidade na regulação do desporto europeu. Este movimento viria a ter o seu momento mais marcante quando em Setembro um conjunto de organismos desportivos europeus e internacionais se reuniu sob a égide do COI para exigir uma clarificação detalhada dos domínios reservados à especificidade e autonomia do desporto, dando seguimento às disposições do Tratado de Lisboa.

Assim, na fase final da presidência gaulesa realizou-se em Biarritz a habitual reunião informal dos ministros europeus responsáveis pelo desporto, bem como o primeiro Fórum Europeu do Desporto, cumprindo, deste modo, mais uma das intenções do Livro Branco sobre o Desporto, no que respeita à abertura do diálogo num espaço comum e transparente de troca de ideias sobre os principais temas da agenda do desporto da UE. Os "Estados Gerais do Desporto Europeu", conforme disse Platini.

As conclusões do fórum e a declaração dos ministros no final da sua reunião aqui ficam para memória futura. Da nossa parte, e tomando ainda como referência as palavras de Bernard Laporte, em um e outro daqueles momentos, não deixo de sublinhar, em síntese, alguns aspectos que marcam claramente a posição desta presidência em relação ao passado recente.

A discussão das cláusulas de nacionalidade e a questão da proporção de jogadores seleccionáveis nos clubes profissionais – ou de uma forma mais clara, o “6+5”-, mesmo com claras posições de incompatibilidade com os princípios fundadores da UE manifestadas pelo Parlamento Europeu e pela Comissão, como é do conhecimento público - em especial pelo comissário responsável pelos assuntos sociais -, mantém-se na ordem do dia e, sob a perspectiva do reforço identitário nacional e regional, os ministros voltam a incitar a Comissão a enveredar por um caminho sobre o qual já mostrou reservas; isto é, no estudo da compatibilidade com o direito comunitário de uma proporção de jogadores seleccionáveis em clubes profissionais do país da sua selecção, em mais uma tentativa de pôr o Rossio na Betesga, pelo menos até novos ecos se escutarem do Luxemburgo.

Na luta contra o doping finalmente a UE assume, a uma só voz, sem titubear, os problemas na condução da Agência Mundial Antidopagem (AMA). Não se trata apenas de um ressentimento por tudo o que se passou com a candidatura de Jean-François Lamour, como se fez querer; mas de uma clara falta de representatividade da Europa no conselho fundador da AMA, bem como na salvaguarda da protecção dos dados pessoais em relação à legislação europeia.
Por outro lado, talvez ciente da complexidade e dimensão dos interesses ligados ao doping que alegadamente estiveram presentes nos episódios rocambolescos com a candidatura de Lamour, a UE procura obter elementos para uma visão mais alargada de tudo o que aqui está em jogo -para além das questões de ética desportiva e saúde publica - em particular o impacto económico do fenómeno do doping na industria farmacêutica e noutros sectores.

Por entre as habituais palavras de circunstância, uma nota para o reforço de um quadro consultivo entre as instituições europeias, representantes do movimento desportivo e o Comité Olímpico Internacional. Não olvidando, neste caso, o importante contributo e valor congregador do Conselho da Europa.

A esfera intergovernamental da UE procura passar - através dos seus representantes ministeriais - a mensagem política à tecnocracia comunitária sobre a necessidade de auscultar e envolver as autoridades desportivas nos processos de tomada de decisão sobre a regulação do desporto europeu, tomando em consideração a singularidade do fenómeno desportivo, num processo que se pretende cada vez mais amplo, discutido e transparente.

Curiosamente, o Comité Olímpico Internacional - que assume há anos a gestão de uma agenda política na salvaguarda dos valores, princípios e interesses específicos do desporto, face aos vectores estruturantes que edificam o sistema económico e social europeu - vem agora a ser classificado como a menos responsável entre 30 organizações intergovernamentais, não governamentais e empresariais, com resultados muito baixos nas quatro dimensões de accountability (responsabilidade/prestação de contas) – transparência, avaliação, participação e resposta a reclamações -, pelo relatório anual do independente think tank britânico One World Trust.

O diagnóstico é conhecido:
However, these strong capabilities are offset by its inequitable member control that provides several key powers to the IOC President and Executive Board that are unchecked by the IOC session

sábado, 20 de dezembro de 2008

A importância do desporto

No passado dia 10 o plenário da Assembleia da República apreciou (?) dois projectos de resolução da autoria do PCP, apresentados em 10 de Abril e 3 de Junho de 2008.
Transcreva-se o momento da votação:

“O Sr. Presidente: — Com certeza, Sr. Deputado. Vamos proceder à votação do projecto de resolução n.º 310/X (3.ª) — Plano de Intervenção para a Educação Física e Desporto em Meio Escolar (PCP). Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PS, do PSD e do CDS-PP e votos a favor do PCP, do BE, de Os Verdes e de 1 Deputada não inscrita.
[…]
Srs. Deputados, vamos, agora, votar o projecto de resolução n.º 335/X (3.ª) — Recomenda ao Governo a criação e aplicação do programa nacional de desenvolvimento desportivo (PCP). Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PS, do PSD e do CDS-PP e votos a favor do PCP, do BE, de Os Verdes e de 1 Deputada não inscrita.”

Ninguém discutiu os textos. Foram apresentados, publicados e rejeitados.
E nem o PCP se dignou a apresentar uma declaração de voto.

quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

A nódoa no pano

Ser porta-voz de uma pessoa ou entidade é uma tarefa ingrata. Requer uma espécie de dupla personalidade. A do próprio e a da pessoa ou entidade pela qual se dá a “voz”. O IDP tem um porta-voz. Assim foi apresentado pela comunicação social para explicar os motivos que estiveram na origem da rescisão de contrato ou melhor, da sua não renovação, com um conjunto de prestadores de serviços técnicos de natação que trabalhavam nas piscinas do Complexo Desportivo do Jamor. Parece que as pessoas em causa se recusaram a “empresarializar”ou foram preteridas pela entidade então escolhida (ADECCO), escolhida, enquanto, explicou o porta-voz, se não realiza o procedimento concursal que o novo ordenamento jurídico obriga.
Esta novela decorre de um ordenamento jurídico que os sucessivos governos vêm mantendo e que considera ilegítimo que prestações de serviços de carácter regular e sistemático e subordinadas a hierarquia funcional de algumas horas semanais o possam ser por vínculos laborais do tipo de regime liberal. E então como não é possível “enfiá-los” nos quadros, ou, para já, fazer contratos individuais de trabalho a “saída” é convidar as pessoas a “constituir empresas “e depois por “artes e ofícios” dos procedimentos administrativos “adjudicar-lhes” o serviço. No caso em apreço, como essa solução não resultou, abrigou-se quem quis, ou quem foi convidado, numa empresa de “outsourcing “ de recursos humanos. Duvido que o serviço público saia a ganhar alguma coisa com esta obrigação legal e sobretudo que não seja mais oneroso para o erário público. Mas isso é coisa que não conta para os gabinetes que preparam este tipo de diplomas embora muita jurisprudência dos tribunais, algumas com origem em situações de conflito laboral com origem nas piscinas do Jamor, sejam favoráveis à referida prestação de serviços. Ao legislador pouco importa que a precarização laboral seja transferida para as empresas que vão fazer contratos a termo até ao limite que as obrigaria à incorporação nos quadros. Resolve-se o problema na administração pública e passa-se parte do ónus para o sector privado.
Mas o curioso desta historia é que o citado porta-voz, explicando os meandros da lei e que ao IDP não restava outra opção, se deve ter momentaneamente “esquecido”- cá está o lado ingrato a que aludimos inicialmente -, como chegou ao IDP: precisamente através do método que diligentemente explicava que não era mais possível manter.
É que tendo sido “justificado” para substituir uma anterior assessora de comunicação que cessara funções e sendo necessário, de acordo com o Chefe da Divisão Financeira e Patrimonial a aquisição de serviço técnicos na área da assessoria de comunicação - o que é espantoso como essa necessidade foi detectada por uma chefia administrativo-financeira, -diz que consultou uma “pessoa de experiência comprovada”, que esta apresentou uma proposta cuja aquisição de serviços dizia o montante mais o IVA, para no parágrafo seguinte afirmar que o candidato a contratado estava isento de IVA.O valor do contrato era imediatamente abaixo do que obrigaria a fazer mais que uma consulta ao mercado. Autorizado ao abrigo do nº3 do artigo 81 do decreto-lei nº197/99. Estávamos em 17 de Agosto de 2007 e desde de 2005 se conhecia qual era a orientação do governo em matéria de novas avenças. Mas adiante porque não se questiona a eventual necessidade que o serviço entendeu dever suprir .Como não está também causa o mérito profissional da pessoa, a sua competência, a sua forma de recrutamento ou o trajecto político/partidário /profissional.
Mas a questão suscita algumas perguntas: em que “regime” se mantém agora o porta-voz do IDP? Que solução foi “pescada”? Com contrato renovado? Deixou de ser vítima do mesmo processo de selecção e contratação? Como não deve ter mantido os vícios que denunciou nos ex-colegas técnicos de natação com contratos não renovados como é que é pago desde Janeiro do corrente ano? “Adeccou-se”? Aguarda contrato individual de trabalho? Constituiu uma empresa familiar? Está ainda como tantos outros “avençados” à espera de melhor solução? Empresarializou-se?

quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

Décalage

Das conclusões da 11.ª Conferência dos Ministros Responsáveis pelo Desporto do Conselho da Europa, realizada nos passados dias 11 e 12 de Dezembro na fervilhante Atenas, é relevante salientar a capacidade desta organização intergovernamental em consolidar uma agenda política. Tanto mais quando se trata de um órgão consultivo sem poder decisório vinculativo.

aqui nos referimos ao Acordo Parcial Alargado sobre o Desporto dinamizado pelo Conselho da Europa em 2007 para criar uma plataforma de cooperação em diversos domínios da governança desportiva, onde a acção isolada dos Estados nacionais se revela cada vez mais inoperante e inconsequente. Num curto espaço de tempo já aderiram a este acordo 29 estados. Portugal ir-se-á juntar no próximo dia 01 de Janeiro.

Esta instituição seminal do ideário humanista emergente do movimento europeu do pós guerra tem um profundo labor sobre políticas de desenvolvimento do desporto e constitui um actor central na dinâmica do sistema desportivo europeu.

Disso é exemplo a posição tomada nesta conferência ao afrontar claramente a Agência Mundial Antidopagem (AMA) sobre as medidas tomadas por este organismo nas Normas Internacionais para a Protecção da Privacidade e da Informação Pessoal, ao considerar que “a adopção daquelas normas – à margem de uma consulta dos membros europeus – pode ser, em substância, uma violação da Convenção Europeia dos Direitos Humanos”. Esta posição entra em contraciclo com as recentes posições das instâncias políticas da União Europeia sobre a gestão da AMA.

Mirando os recentes documentos de orientação estratégica da UE com vista a consolidar as bases de institucionalização das disposições comunitárias sobre o desporto no Tratado de Lisboa (art 149), o Conselho da Europa tem sido sistematicamente marginalizado face ao seu estatuto e dimensão institucional, particularmente no que respeita ao desporto para todos e às redes de trabalho que ao longo de anos foi construindo com as associações desportivas europeias. Isto é, no âmago daquele que é o principal pilar onde se ancoram as estratégias de desenvolvimento da regulação do desporto da UE - a dimensão social e cultural do seu modelo de desporto.

Desperdiçar este legado configura, em nosso entendimento, uma perspectiva amputada sobre o trajecto histórico intergovernamental das políticas desportivas europeias, bem como um indicador manifesto sobre quais as prioridades de intervenção comunitária na pirâmide que enforma o modelo europeu de desporto, com todas as consequências que pode trazer sobre o impacto de medidas de regulação - sustentáveis e estruturantes - que se exigem implementadas à escala supranacional e cuja urgência se reclama premente em conjunturas de crise como a que hoje se vive.

A leitura do documento produzido sobre a autonomia do desporto na Europa, onde se analisam os dados recolhidos dos inquéritos conduzidos junto de organizações desportivas e governamentais no âmbito do referido Acordo Parcial, espelha os desafios e os contrastes em jogo e conduz-nos a perspectivas interessantes - que merecem ser reflectidas e discutidas - sobre a representação da autonomia desportiva para cada um destes actores e as consequências das suas diferentes ópticas na gestão de processos, competências e mecanismos de intervenção dos vários países e níveis de acção políticos e desportivos, num modelo de governança que se pretende tornar harmonioso, eficaz, responsivo, transparente e democraticamente legitimado, no qual se cruzam normas públicas e regras privadas, nem sempre coerentes entre si e entre os seus propósitos.

As três resoluções que saíram desta conferência em Atenas, no que respeita à protecção da vida privada, salvaguarda da autonomia do desporto e ética desportiva - a partir de um conjunto prévio de três documentos de trabalho – são o corolário de uma agenda claramente demarcada daquela que é conduzida pelas instituições comunitárias na cooperação entre autoridades desportivas e governamentais, em particular pela troika que conduz a política desportiva da UE em regime de agenda permanente, balcanizada num pequeno grupo cada vez menos representativo dos problemas estruturais que o modelo europeu de desporto atravessa, com especial incidência na sua base.

No entanto, a presidência francesa merece, neste particular, uma nota de reconhecimento por tentar encetar mudanças neste processo de diálogo. Mas sobre esse balanço falaremos em próxima ocasião.

domingo, 14 de dezembro de 2008

IDP "aperta clubes"

Na semana passada a imprensa deu eco às afirmações do presidente do Futebol Benfica sobre a situação do clube quanto aos encargos financeiros com as deslocações da sua equipa de futebol às Regiões Autónomas.
Um dos registos (O Jogo), que se intitulava como em epígrafe, referia o incumprimento da “lei” que obriga o Instituto do Desporto de Portugal a pagar aos clubes 1.750 euros para «ajudar» nos custos de deslocação”.
Segundo tal dirigente desportivo, o Futebol Benfica ainda não recebeu qualquer verba: “Dizem sempre que amanhã iremos receber, mas isto arrasta-se desde o início da época”.
O dirigente qualificou a atitude do IDP como um “golpe de esperteza”.

Para além da similitude com outras situações registadas recentemente (mas recorrentemente) no desporto nacional – “Vamos pagar amanhã” –, a denúncia reporta-nos a um tempo bem mais anterior.
Com efeito, ainda em 2007, mais precisamente a 11 de Abril desse ano, a direcção da FPF foi recebida por Laurentino Dias. Da agenda da reunião constava a questão dos subsídios. O membro do Governo informou que, para a época 2007/08, não haveria subsídios.
A 19 de Maio, a direcção da FPF, deu conta desta situação em assembleia geral. Tudo isto consta do Comunicado Oficial n.º 22, de 19 de Julho, da FPF. Por fim, a FPF justificava o atraso do comunicado “pela ausência da decisão do Sr. Secretário de Estado da Juventude e Desporto, por escrito”.

Seguiu-se a “revolta” dos clubes e o reencaminho, por parte da FPF, das suas missivas para a Secretaria de Estado: “Além de compreender a insatisfação publicamente manifestada por Clubes das II e III Divisões Nacionais – nomeadamente as equipas que participarão na Série E do terceiro escalão –, a FPF continua a cumprir o seu papel de interlocutora privilegiada entre os Clubes e o Executivo”.
Depois, ocorreram as reuniões entre a Liga Portuguesa de Futebol Não Profissional e o Secretário de Estado da Juventude e do Desporto – com o afastamento vincado e injustificado da FPF, mas em prol da projecção artificial da mencionada liga a quem o poder político já planeava um excelente futuro na partilha do poder desportivo (mais um peão das “pretas” –, tendo sido garantida pelo Governo a manutenção dos subsídios às equipas continentais aquando das suas deslocações às Regiões Autónomas.
Tudo, no dizer de Laurentino Dias, não passou de um mal entendido.
Finalmente, o regulamento: Despacho nº 22 932/2007.

Muitos meses volvidos, cá estamos de novo, como sempre, no início e sem nada resolvido em termos que confiram alguma estabilidade.
Digam sim ou não, mas digam-no com firmeza. É o mínimo que se exige.

quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

O erro é sempre apressado (1)

Se existissem dúvidas, os tempos que correm demonstram que não há qualquer forma científica de fazer previsões económicas. E que até os mais credenciados e laureados especialistas se enganam. E o mesmo vale para diferentes instituições onde eles trabalham (ministério das finanças, união europeia, banco europeu, OCDE, banco mundial FMI,etc).Sobre as mesmas matérias emitem regularmente pareceres muito diferentes quando não até, completamente opostos.
Com muitas das previsões sobre as realidades desportivas sucede precisamente a mesma coisa. Por um lado é a aleatoriedade própria dos fenómenos sociais. Por outro, a maior parte dessas previsões assentam em diagnósticos errados, sem quaisquer estudos independentes que sustentem as politicas. Agravado, no que concerne ao desporto, por todos darem palpites. E por os negócios que certos tipos de iniciativas permitem “empurrarem fundadamente” muitas das decisões.
O grau de endividamento das autarquias que se envolveram na aventura dos estádios para o Euro 2004 é elevado. Mas ninguém quer falar do assunto. Menos ainda quantificá-lo. Houve, como era expectável, estádios que não eram necessários. E agora há usos a menos e custos de manutenção a mais. Quanto está a custar ao país o legado do Euro 2004 é coisa que a ninguém interessa estudar. Como não interessa estudar e avaliar o custo de muitas infra-estruturas desportivas públicas que por esse país fora estão sem adequado aproveitamento face aos investimentos realizados.
Recentemente, entusiasmado com a eventual candidatura ibérica ao mundial de futebol, o Secretário de Estado do desporto afirmou, primeiro que o momento não estava para festas para, passado algum tempo, dizer qualquer coisa deste tipo: com as infra-estruturas que temos só precisam de uma pintura. O que é que isso quer dizer em termos de custos? “Muito pouco com as vantagens da realização de alguns jogos no nosso país, com a visibilidade de Portugal, com o retorno turístico e as receitas que daí advém”.
A tese é conhecida e qualquer das muitas agências de estudo que, como alguns juristas, receitam de acordo com a encomenda, poderá apresentará números que confirmarão que se trata de “uma grande oportunidade” para o país. Em tudo idêntica à que valeu para passar para a CSS Stellar dois milhões de euros num negócio, cuja “operação” de transferência ocorreu mesmo antes do respectivo cabimento e autorização de pagamento . É inimaginável o que Portugal ganhou com esta dádiva cujo protocolo aguarda melhor oportunidade de ser conhecido embora já tenham passados dois anos!
Numa penada, as palavras do Secretário de Estado, corroboradas em Macau por Jorge Sampaio - num daqueles congressos das agências de viagens que são feitos para meia dúzia de maduros e respectivas famílias passearem - revelam todo um programa de acção de quem domina, como poucos, estas questões e cujo saber e proficiência estão sobejamente demonstrados. Não é necessário estudar o assunto por entidades independentes, contraditar as diferentes perspectivas, avaliar a afectação de recursos necessários, as responsabilidades de entidades públicas e privadas e até a dimensão simbólica de um evento num país a atravessar inúmeras dificuldades. A palavra do governante é ciência certa e entre um argumento daqueles, que demovem o mais atrevido a contraditar, e a passagem dos dedos pelas melenas que caem para a testa é toda uma dimensão de Estado que vem à tona.
Esta insensatez de quem vive a gastar o dinheiro dos outros, de quem vive deslumbrado com o portefólio dos eventos, de quem colapsou no plano teórico e se limita a dizer umas vulgaridades sem qualquer sentido ganham um peso crescente na fragilidade e superficialidade governamentais.
A anunciada reforma do sistema desportivo, que à data é uma reforma do sistema legislativo - anunciada neste blogue por um preclaro anónimo, não vá o diabo tecê-las, invocando o recurso a especialistas nacionais e estrangeiros que um dia se conhecerão - é apenas, para já, uma política de regulação de actos de visibilidade pública de um governante. Os seus méritos ou deméritos o tempo avaliará. O que vale em termos de ideias é interessante. Em poder é muito. Em pose também. Mas esse é o terreno natural de quem tem como profissão ser político. Porque o resto acaba quando se acabar o poder. Não se lhe conhece um texto de que seja autor que valha a pena ler. Um discurso que mereça estudo. Um percurso académico distinto. Uma referência doutrinária. Um gesto que marque uma governação. O seu “Magalhães” é o “primeiro relvado”.É muito para quem tem ambições paroquiais. É pouco para quem tenha algum mundo.
(1)-provérbio árabe

terça-feira, 9 de dezembro de 2008

Vexata Quaestio

Caro J. M. Constantino e caros/as leitores/as, pouco adiante “apontar-se as armas” para este governo, para os actuais presidentes da federação portuguesa de futebol e da respectiva liga profissional ou para o presidente do sindicato de jogadores de futebol, invectivando-os pelos salários em atraso e outras ilegalidades e insuficiências do nosso futebol profissional. Cada um sacudirá a chuva do seu capote e continuará de entrevista em entrevista, de holofote em holofote a escamotear o que verdadeiramente afecta a viabilidade económico-financeira deste mercado e a olvidar medidas estruturais de suporte à mesma. Todos se movem apenas pelo imediatismo traduzido na máxima “the show must go on”, já assim é há muitos anos e assim continuará a ser.

Não se vislumbra na actualidade sinais de qualquer alteração de fundo, tão só e apenas a “medidas de pronto-socorro”, como o fundo de garantia social protagonizado pelo sindicato de jogadores de futebol profissional e secundado pela federação e liga, numa prática similar à instalada, entre nós, do recurso ao crédito bancário para tudo e para nada, ou a promessas de maior rigor pela Comissão de Auditoria da Liga nos processos de candidatura para as competições profissionais, que cairão em saco roto na próxima hora da verdade. Assiste-se como é habitual, à técnica da “fuga para a frente”, sem se beliscar interesses instalados nem conflitos que ponham em causa os poderes instituídos.

A verdade é filha do tempo e para quem já há uns anos está atento ao fenómeno do profissionalismo em Portugal não se surpreende com crises conjunturais, hoje com infeliz dramatismo para o Estoril, amanha com outro qualquer, como em tempos o foi com o Salgueiros, ou o Tirsense, pois, como todos reconhecemos o verdadeiro problema da (in)sustentabilidade deste sector é estrutural.
É compreensível que um País com tamanhas debilidades económicas e com um sector empresarial e industrial em declínio e sem vocação para o patrocínio e muito menos para o mecenato, comporte duas ligas de futebol com competições reconhecidas como profissionais, cada uma com 16 clubes? Qual o País com um quadro sócio-económico idêntico ao nosso, que apresente semelhante realidade?

Há mais de trinta anos já vários autores tocavam com o dedo nesta ferida, a redução para 12 das equipas que integravam a primeira divisão do futebol, número este novamente aconselhado em 2003, num estudo elaborado para a LPFP pelo departamento de consultoria da Deloitte & Touche, intitulado “Estudo Global ao Futebol Português” por configurar um modelo de receitas mais significativo para o futebol profissional. Mas querem lá isto “as gentes” do futebol...

Como é do conhecimento público foi o legislador em 1997, pelo Decreto-Lei n.º 67/97 que instituiu o regime jurídico dos clubes e sociedades desportivas, que considerou por via normativa as competições da I Divisão e II Divisão de Honra do campeonato nacional de futebol como competições profissionais. Desde então, em 2000 foram reconhecidas por despacho do Ministro-adjunto estas competições como profissionais, tendo sido publicado em 2004 novo despacho do secretário de Estado da Juventude e do Desporto, após conflito judicial entre federação e liga, para reformular tais quadros competitivos a partir da época desportiva de 2005-2006 para 16 clubes.

Ainda que nas duas últimas épocas não tenham sido tornados públicos os indicadores económicos da I Liga de Futebol Profissional, pelo habitual Anuário “As Finanças do Futebol Profissional” (elaborado pela Deloitte, jornal A Bola e a Liga Portuguesa de Futebol Profissional), os que foram revelados na época 2005/2006, evidenciaram que entre as épocas de 2000/2001 e 2005/2006 os custos foram sempre superiores às receitas, tendo estas diminuído 40 milhões de euros entre 2003/2004 e 2005/2006.
Que cenários seriam de esperar? Obviamente, os piores como aqueles que têm vindo a lume ultimamente.
Para quando a discussão e o enfrentar realista do sobredimensionamento da realidade qualificada como profissional, a par de outra matéria, que trataremos em próxima oportunidade, igualmente assunto tabu entre nós, qual seja a distribuição conjunta das receitas televisivas? Ou será preferível irmos assistindo à morte da galinha dos ovos de oiro?

segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

Somos pequenos

A história ensina-nos que o homem não teria alcançado o possível se, muitas vezes, não tivesse tentado o impossível
Max Weber



Dos desmandos, lapsos, omissões, erros e falhas graves na relação com os atletas, antes, durante e após Pequim já muitos apontaram o seu dedo acusador.

Muitos reclamaram falta de orientação estratégica do COP, desrespeito pelos atletas, salvaguarda de interesses pessoais, esbanjamento de dinheiros públicos e sede de poder.

Alguns, inclusivé neste blogue, apontaram caminhos de mudança e janelas de oportunidade, esboçando uma perspectiva mais ampla sobre o que está em jogo para o desenvolvimento desportivo deste país com o planeamento e gestão de ciclos olímpicos. Uns mais cépticos, outros mais confiantes.

Destes, vários são aqueles que suspiram por uma lufada de ar fresco na cúpula do dirigismo desportivo deste país. Não fujo às minhas palavras e aqui me incluo.
Criticamos o status quo instalado, a paz podre, os compromissos de circunstância e jogos de cintura políticos, o tacticismo dos interesses omnipresentes no menor gesto, a falta de risco, a ausência de empreendorismo, a falta de transparência e de boa gestão.

Mas não estamos também nós, apenas ao vigiar e apontar o que pensamos serem passos atrás no desenvolvimento desportivo de Portugal, a ser coniventes com o que criticamos? A sermos vitimas dos nossos argumentos?

Nestas ocasiões já se falaram de inúmeros nomes para apresentar uma alternativa à actual direcção do COP. Os nomes vão surgindo à medida que aparecem novas críticas e novas posições contrárias à continuidade dos actuais membros.

Mesmo com a tomada de posição dos atletas olímpicos e da federação cuja modalidade foi aquela que mais títulos olímpicos obteve para Portugal, não surge um projecto, uma ideia mobilizadora, um grupo que se dinamize para apresentar uma alternativa concreta e por ela dar a cara.

Todos se escondem no tacticismo e aguardam o momentum politico para avançar, o qual pode nem vir a chegar. Alguns temem “queimar” o seu nome. Outros preferem estar de bem com Deus e com o Diabo. Outros, ainda, estão esgotados de serem vexados pelas personagens picarescas que pululam em gabinetes por aí.

Muitos criticam, mas ninguém arrisca. Mesmo que esse risco esteja condenado à partida pela natural conivência de muitas federações desportivas com o panorama instalado. Há ainda os que arriscam só para ganhar. E assim tudo perdem. Perdem eles e o modelo de desporto que defendem. E perdem porque são eles próprios vítimas do nosso fado. O fado da ausência de risco. O fado das ideias que não passam do papel. O fado do nepotismo político.

Nesta aridez sobram apenas as palavras. E essas são fáceis de proferir. Não fica um gesto para espalhar. E a caravana passa ufana e tranquila por entre vénias e hossanas. E assim somos dignos daqueles que nos dirigem no desporto, na política e não só. Tal como noutros momentos da nossa pátria lusa, a mudança só ocorre quando a essência da podridão cair de madura. Até lá entretamo-nos a criticar enquanto nos deixarem e as ideias não pagarem imposto!

sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

A Revolta na Bounty

Para mim, não era digno que esta colectividade desportiva deixasse passar mais um dia sem um texto, pequeno que fosse, mesmo sem grande eloquência, inclusive com ausência de cogitações de política desportiva ou de vivência das organizações desportivas, sobre a pública (e bem sonora) tomada de posição da maioria dos atletas olímpicos – de acordo com o afirmado pelo presidente da Comissão de Atletas Olímpicos – relativamente ao passado e ao futuro do presidente do Comité Olímpico de Portugal.

Não me interessa saber se é verdade ou não – como é ripostado – que são manobras eleitorais ou se os atletas estão a ser manipulados, na leitura sempre paternalista – e diminuidora da dignidade pessoal dos atletas - do presidente do COP.
O que julgo ser de enfatizar é o afrontamento directo, sem receios, que um grupo bem significativo de aletas, sempre emparedados e aliciados pelos poderes desportivos – Governo, COP e federações desportivas – entendeu, sem anonimato, levar a efeito.
Aqueles que não foram medalhados em Pequim, foram-no no Jamor, pela vitória alcançada no exercício da sua liberdade de expressão, que os coloca inevitavelmente, em algumas listas negras das muitas que pululam neste infeliz país.
Para o outro, Nelson Évora, uma segunda medalha de ouro, porventura mais valiosa que a obtida nos Jogos Olímpicos.
Para Vanessa Fernandes – não há como fugir à questão – a certeza de um futuro promissor aquando do final da sua carreira desportiva.

quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

A má consciência

A história repete-se primeiro como tragédia e depois como farsa
Karl Marx


Salários em atraso, infelizmente, não existem apenas no futebol e no Estrela da Amadora. Mas por razões de especial mediatização do futebol e pelos níveis de alguns salários praticados o problema atinge uma dimensão pública distinta dos trabalhadores das muitas centenas de empresas e unidades comerciais que não pagam aos seus trabalhadores. Ou se vêem na contingência de pura e simplesmente encerrar a produção e despedir as pessoas.
Não quero discorrer sobre as causas do fenómeno no que concerne”aos salários em atraso no futebol”. A voz experiente, sabedora, especialista e sempre autorizada do secretário de estado do desporto sapientemente explicou algo que o comum dos mortais nunca tinha pensado: o problema deriva do facto dos ”clubes viverem acima das suas possibilidades”. Hélas! Uma espécie de BPN ou BPP mas sem o Constâncio a regular. No desporto o regulador não se chama Vítor, chama-se Laurentino José e é homem de que só se conhece uma palavra: a verdadeira. Se ele disse está dito. Ora, esta trágica situação, “ o de se viver acima das possibilidades”, é um assunto que atinge milhares de portugueses e daí termos até uma administração pública desportiva, sempre sobre o olhar atento e responsável do dito governante, a investigar “cientificamente” o perfil do tecido adiposo dos portugueses cuja importância no desenvolvimento do desporto nacional é óbvia.
As perguntas que apetece fazer são outras: não há salários em atraso no andebol? E no basquetebol? E no ciclismo? E no hóquei em patins? E no atletismo? E no voleibol? E no pagamento árbitros e outros agentes em várias modalidades? Não existe uma economia da prática “profissional e camuflada do desporto” que está tecnicamente falida? O nosso “regulador” quer estudar o assunto. Não é que ele não conheça as razões. Mas o tempo em que não gostava de estudar já lá vai. Agora adora estudar. E com quem? Precisamente com aqueles que conduziram a esta situação. Que por acção ou por omissão nunca estudaram o que agora lhes é proposto que estudem. É uma espécie de novas oportunidades agora para os membros de CND. A que o patrão da BDO, também presente, e porta-voz oficial do organismo, não deixará de dar o seu precioso contributo resultante da excelente supervisão efectuada sobre o BPN.
Enquanto tão elaborado estudo não ocorre, uma vez mais, na ausência de estudos credíveis sobre a economia das modalidades, cada um fica com as suas impressões resultantes de um contacto mais ou menos directo com esta ou aquela realidade.
Surpreendente é que num quadro de acentuada crise financeira do sistema desportivo - juntando debilidades próprias e importando a crise geral da economia - não se oiça uma voz dirigente do movimento desportivo e das sua organizações que, com sentido de responsabilidade, entenda que o que se está a passar no Estrela da Amadora e outros clubes são o sintoma de um problema mais geral e mais profundo do desporto e do sistema desportivo nacional .E o de perceber que o económico e o financeiro não são autonomizáveis do organizacional, do político e do social. E que os comportamentos económicos e financeiros são acima de tudo comportamentos humanos.
Lendo as intervenções dos líderes das mais importantes organizações desportivas nacionais (COP e CDP) em recentes cerimónias alusivas a efemérides próprias não sei se dá para rir, se para chorar. É penoso que após trinta e alguns anos de democracia e modernidade cultural, com tanta produção académica, com tanta matéria de estudo e de reflexão não permitam que partilhemos de uma dimensão distinta, com classe, que valorize e nobilite as responsabilidades culturais do desporto e que não ignore as dificuldades porque passam as organizações desportivas. Comportam-se como se estas ocorrências, dos salários em atraso, fossem uma abstracção limitada a este ou aquele clube e não um problema do sistema desportivo nacional.
De facto é mais fácil empurrar para o lado e deixar o problema entregue ao futebol, ao Presidente da Liga Profissional de Futebol e ao Sindicato dos Jogadores, mesmo que na modalidade vizinha se passe algo similar. Mas até nem precisava de se passar. Um responsável desportivo não pode deixar de ter uma posição pública sobre os salários em atraso de qualquer praticante desportivo independentemente da modalidade. Mas parece que neste trágico país deixou de haver lugar à inquietação cívica. Numa época complexa e difícil a velha tradição salazarenta do discurso da genuflexão -chova ou faça sol está tudo bem e no bom caminho -, mesmo gasto e sem brilho, é preferível a ter ideias, a ter futuro e a ter coragem de ter um julgamento ético sobre o que se está a passar. Uma má teoria não é apenas sintoma de uma má consciência. É um elemento da própria crise.