quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

As criancinhas desfavorecidas

As Fundações começaram por ser organizações de carácter filantrópico. A partir de um legado ou de uma dotação de natureza patrimonial propunham-se realizar um conjunto de missões de interesse público. As Fundações eram por natureza jurídica entidades sem fins lucrativos. Essa natureza específica das Fundações levou o legislador a criar um conjunto de benefícios fiscais quer aos doadores, quer aos beneficiários.O colapso ou a crise do Estado-providência a sociedade veio a reconhecer a estas organizações intermédias um papel social de complemento de uma deficitária intervenção pública.
A multiplicação da chamada economia social trouxe contudo uma alteração do paradigma inicial da organização filantrópica ou de mero interesse cultural para o modelo da fundação /empresa. Os objectivos de natureza social permaneciam no plano estatutário, os benefícios fiscais e outros mantinham-se mas o “caderno de encargos” deslocava-se subtilmente para o negócio travestido de “obra social”ou para”a continuidade da intervenção política”por outros meios.
O desporto não ficou imune a este movimento.Com as suas especificidades, mas progressivamente e sempre a uma escala correspondente à dimensão do país, de um momento para o outro começaram a surgir “fundações” ligadas a antigos e actuais praticantes desportivos. Uns com património e um vida profissional submetida a elevadas cargas fiscais e outros sem qualquer património e vivendo encostado aos dinheiros públicos. Num outro plano e com objectivos distintos, o de ajudar à promoção do desporto, foi criada uma Fundação do Desporto que progressivamente e por vicissitudes várias não se conseguiu afirmar e consolidar.
O Estado se por um lado deve acolher favoravelmente todas as iniciativas que se dirijam a fins de natureza e interesse social não pode permanecer insensível aos que usam do estratagema fundacional apenas para aproveitar algumas das condições favoráveis a operações que num contexto normal não beneficiariam de regimes favoráveis como o das fundações.
A recente criação de uma Fundação por parte de um clube desportivo (Benfica) com o fim expresso de ajudar”as crianças desfavorecidas e o combate à pobreza e à exclusão social”merecem a maior das reservas. Bem sei que é deselegante e preconceituoso afirmá-lo. Sobretudo quando a imprensa se mostrar sempre disponível a publicar declarações de mera propaganda sem qualquer apreciação crítica ou contraditória. Mas não esqueço a minha própria experiência profissional. E como conheço o braço de ferro com administração publica e as engenharias jurídicas para, numa operação imobiliária, usufruir de um regime excepcional de isenção de IVA - matéria nunca escrutinada pela comunicação social e cujo destino final permaneceu no segredo dos deuses-coloco sempre muitas reservas a quem tardiamente descobre a sua vocação altruísta. Mas recordo sobretudo as empresas travestidas de fundações e as fundações que só o são por razões de mera economia fiscal. Temo que se o "tsunami" porque está a passar o sistema bancário-financeiro chegar às “fundações”, apareça ,sob a capa do filantropismo, muita agenda de negócios escondida.

domingo, 25 de janeiro de 2009

Suspenda-se o desporto

Com a entrada em vigor, no passado dia 1, do novo regime jurídico das federações desportivas – abreviaremos desta forma o seu objecto e utilizaremos também, de futuro, RJFD2008 –, o Estado passou a poder, pela primeira vez em Portugal em regime democrático, suspender a actividade desportiva desenvolvida por uma federação desportiva.
A frase pode chocar à primeira leitura, mais a mais num quadro dominado pela liberdade de associação e pelo direito fundamental ao desporto.
Aliás, só nos restam as normas constitucionais para pôr cobro a essa incrível solução do RJFD2008.

Dispõe o corpo do nº 1 do artigo 21º do RJFD2008, que o estatuto de utilidade pública desportiva pode ser suspenso, verificados alguns pressupostos, por despacho fundamentado do membro do Governo responsável pela área do desporto.
Nos termos do nº 2, este acto administrativo pode acarretar um ou mais efeitos – elencados em diversas alíneas do preceito –, a fixar no mencionado despacho.
Um desses efeitos [alínea f)] é a suspensão de toda ou parte da actividade desportiva da federação em causa.

Ora, para ultrapassar esta opressiva norma, felizmente que contamos com as normas do artigo 46º da Constituição da República Portuguesa de 1976, afirmando solenemente a liberdade de associação, nas suas diversas projecções.
Assim, dispõe o nº 2 deste preceito constitucional:
“As associações prosseguem livremente os seus fins sem interferência das autoridades públicas e não podem ser dissolvidas pelo Estado ou suspensas as suas actividades senão nos casos previstos na lei e mediante decisão judicial. “
O frenesi intervencionista do Governo não olhou a nada, nem ao texto constitucional, tão límpido neste domínio, só a necessitar de uma leitura simples, sem grandes torneamentos jurídico-interpretativos.
Conseguiu, dessa forma, transformar um acto administrativo numa decisão independente de um tribunal.

sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

A brisa dos tempos

Em entrevista televisiva, Medina Carreira, explicava o estado de degradação da qualidade política dos governantes com um exemplo retirado da sua vida pública. O governo a que pertenceu quando cessou funções ofereceu o então primeiro-ministro, Mário Soares, um quadro. O actual governo por alturas do Natal ofereceu ao primeiro-ministro um cheque para ir comprar roupa.
A banalização da vida pública, a elevação do íntimo e do privado a matéria de publicitação política, a transformação das relações políticas em relações de afectos, a ideologia ao serviço de lobis de minorias sexuais, a perda constante de valores é um sinal dos tempos que vivemos. É a geração da bica do sapato, dos bares de trocas homo e heterosexuais, do Rock in Rio, do “fashion” e dos “spas”. Uma versão “light” da contemporaneidade onde a tradição, a cultura, o trabalho e o saber são substituídos pelas análises swat, pelos clusters e pelos stakeholders. É a arrogância da anti-cultura travestida de modernidade. E onde cabem os casamentos de same sexers, apresentados com a mesma importância que o anuncio do aumento do salário mínimo ou da baixa de impostos. Fumar ou beber são vícios policiados pelos novos censores. Mas a sodomização e o lesbianismo saem da esfera íntima e são tratados como assuntos de Estado. A leitura e a escrita dão muito trabalho. A net tem lá tudo e os sms economizam palavras. É já possível garantir competências escolares e académicas aproveitando “as novas oportunidades “ e ter “pos-graduações” “estudos avançados” e “mestrados” sem nunca ter concluído uma licenciatura.(1)
Projectos como a candidatura ibérica à realização de um campeonato do mundo de futebol são apenas o prolongamento natural de um país que está à deriva, que quer viver permanente em festa e que se recusa a aprender com os erros e com as dificuldades porque passamos. Não está em causa a oportunidade do proposto. Mas seria preciso fazer o que ninguém fez antes de avançar e se comprometer: estudar o assunto, avaliar custos e vantagens numa óptica de interesse nacional. É certo que depois do governo, através da tutela do desporto, ter dados sinais de apoio, o ministro das finanças e o primeiro-ministro vieram pôr alguma água na fervura. Mas está escrito nas estrelas que se não tinha chegado até aqui se não houvesse garantias politicas de apoio. O que falta se encarregará o lobi do futebol na comunicação social para quem a candidatura e eventual vitória seria uma excelente oportunidade de negócio.
O Euro 2004 não foi uma boa solução para o país. Mas podia ter sido. Divertiu e mobilizou as pessoas. Fizeram-se muitos negócios. A economia animou. Mas, mais cedo ou mais tarde, a factura tinha de aparecer porque milagres não acontecem todos os dias. Exagerou-se no número de estádios a construir. Aumentou-se o grau de endividamento das autarquias. Destruíram-se centralidades e identidades citadinas (casos de Leiria e Guimarães).A hiper-monumentalidade de outros, tornou-os corpos estranhos no espaço físico (casos de Aveiro e Loulé).Criaram-se equipamentos com custos elevados de manutenção. A capacidade de uso desportivo foi sobredimensionada. Resultado: o efeito positivo do Euro 2004 na economia foi de curto prazo e está, a médio e longo prazo, a ser consumido pelo legado dai resultante.
A ignorância utilizada, quer pelo governo quer pela oposição, de que não sendo necessário construir novos estádios e não havendo necessidade de novas acessibilidades, uma candidatura conjunta só trará vantagens para Portugal é próprio de quem vive a gastar o dinheiro dos outros. Porque 15 anos depois necessariamente que há despesas de beneficiação que os equipamentos requerem; e porque uma candidatura a um a mundial de futebol não envolve apenas despesa com infra-estruturas desportivas e viárias. A menos que contrariamente ao ocorrido em 2004, se opte não pela profissionalização da estrutura organizativa - com salários e remunerações acessórias muito superiores às dos próprios governantes - e se adopte um regime de voluntariado. Mas aí provavelmente a motivação seria menor.
Mas o Euro é apenas uma parte do problema de quem decidi politicamente sem salvaguardar a sustentabilidade dos projectos. De Norte a Sul do Pais existem centenas de equipamentos desportivos sobredimensionados para as populações desportivas que servem; com custos elevados de manutenção e subaproveitados: são piscinas, são pavilhões desportivos, são pistas de atletismo. Custos que estão a ser mantidos pelos orçamentos camarários num clara delapidação dos recursos públicos.
A moda autárquica centra-se agora nos pavilhões multiusos, parte dos quais obedecem a programas que dão origem a projectos sem qualquer estudo de viabilidade financeira, sequer com indicadores fiáveis sobre quanto custa ter um equipamento deste tipo e onde está a procura que o justifica.
Ao nível do governo central a moda virou-se para os centros de alto rendimento cujo exemplo mais flagrante de completa ausência de noção de equilíbrio e de modéstia está patente no futuro velódromo de Sangalhos um hino ao novo-riquismo desportivo.
A engenharia argumentativa é rica e prolixa. E não faltará, a quem critica este estado de coisas, o tradicional epíteto de estados de alma característicos dos velhos do Restelo. Mas em qualquer país com razoável maturidade e experiência democráticas e sentido de responsabilidade pública se inquietaria e incomodaria quanto ao modo como os recursos públicos, sempre escassos, são delapidados. Em benefício de alguns, é certo, mas com o prejuízo para muitos, o que está errado.
(1) -Texto retirado do blogue estadosd'alma com o título "Que país é este?"


quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

Nós por cá!

Sentindo-se espoliado em recente arbitragem, o presidente de um clube solicita uma audiência na Liga de Clubes de Futebol Profissional. À saída, avança com a estafada solução de nomeação de árbitros internacionais nos chamados “jogos grandes”.


O presidente desse clube - parte integrante de uma Comissão responsável pela apresentação de uma proposta de reforma do Regulamento de Disciplina da Liga que devia ter sido entregue até ao final do ano passado – avança com esta medida como a panaceia para muitos dos problemas da arbitragem no futebol profissional, após declarações públicas, em tudo oportunas e pacificadoras, do presidente do município onde o clube está sediado, e cumulativamente presidente da Assembleia Geral da Federação Portuguesa de Futebol.

Obviamente essa visão sobre a arbitragem não é partilhada pelo responsável do sector na Liga, o qual procura garantir parcerias com diversas empresas, universidades e instituições públicas e privadas para valorizar a formação de árbitros em Portugal e reitera a necessidade de profissionalização da arbitragem.

Não discutindo o mérito da profissionalização, nomeadamente as suas implicações orçamentais, face ao actual quadro de despesas no seio da arbitragem de competições profissionais de futebol, uma vez que ainda não existe uma proposta concreta, questiono se esta deve ser uma prioridade para valorização da arbitragem de competições profissionais no nosso país. Isto, sem abordar, sequer, a precariedade e as carências na arbitragem de outros quadros competitivos. Questiono se estão reunidas as condições para seguir nesse caminho.

Por implicações profissionais acompanho de perto a formação de árbitros de 1.ª categoria e o esforço que é feito em assegurar, de ano para ano, melhores condições para este trabalho. É sabido, por quem está no terreno, que ainda existe um caminho a percorrer para que uma eventual proposta de profissionalização produza efeitos duradouros e concretize objectivos de responsabilização e valorização da qualidade da arbitragem. Importa ter ainda em consideração que não é uma proposta pacifica no seio dos árbitros e que no contexto europeu os árbitros profissionais existentes têm uma representatividade ínfima nas diversas ligas profissionais.

Por outro lado, a nível regulamentar estala a polémica com a interpretação do conceito de “goal average”. É o que acontece quando se aplicam estrangeirismos em normas nacionais. Ainda assim, traduzindo a palavra “average” por “média”, nos bancos da escola penso que ainda ensinam que uma média é uma proporção e não uma diferença. A ver vamos se o futebol inova nesta matéria. Tudo se encaminha nesse sentido.

A tutela política, essa, parece estar mais interessada em patrocinar as iniciativas de outras ligas, como ontem ocorreu com a inefável Liga Portuguesa de Futebol Não Profissional.

Tudo isto num quadro de crise, transversal a vários clubes profissionais, onde proliferam incumprimentos salariais e dividas a fornecedores, num cenário contabilístico dantesco e sem expectativa de melhores ventos a curto prazo, onde a entidade sindical já se conformou com a ausência de dinheiro e a inconsequência das ameaças de greve, desmultiplicando-se agora em outras iniciativas e em outras frentes.

Num ambiente caótico, sem regulação, sem ordem, sem estratégia e sem concertação entre os agentes desportivos do futebol profissional nada melhor que o anuncio de uma candidatura ao Mundial de 2018 para desanuviar a agenda em período pré-eleitoral. Não tivesse Teixeira dos Santos borrado a pintura...

terça-feira, 20 de janeiro de 2009

Observadores (de topo?)

De vez em quando é levantada a questão dos observadores de árbitros no Futebol. O tema vem a lume, normalmente, quando há uma arbitragem polémica e se sabe posteriormente qual a nota atribuída pelo observador.
Na verdade esta questão, como normalmente acontece no tema arbitragem, tem muitas vertentes.
Por norma, as opiniões e principalmente as críticas são feitas sem conhecimento de causa. Aliás, muitas vezes nem se quer ter conhecimento de causa precisamente para se poder criticar sem problemas de consciência. Se se fizer um pequeno questionário sobre Leis de Jogo, quer a treinadores, jogadores ou dirigentes, provavelmente os resultados seriam de fazer corar os mesmos. Por diversas vezes, a nível regional, se tentaram fazer sessões de esclarecimento com capitães de equipa e treinadores. Invariavelmente a assistência era quase nula. Poder-se–à dizer que eles não têm obrigação de as saber, mas então também não deviam ter moral para algumas críticas que fazem.
Mas voltando ao tema em epígrafe, a crítica mais vezes apontada aos observadores, principalmente de 1ª categoria, prende-se com o facto de os mesmos não terem sido árbitros de topo.
A primeira consideração que tal facto me merece, é que felizmente não é a sua competência técnica que é criticada. Aliás, pelo contrário, as provas que os mesmos fazem apontam claramente em sentido inverso, isto é, são muito competentes tecnicamente.
Depois, aquele argumento é claramente descabido, em minha opinião, por diversos factores.
Em primeiro lugar, porque não acredito que o facto de ter sido um excelente árbitro, seja condição prévia para ser um bom observador. Poderá de facto ser uma boa ajuda, mas também poderá ser um factor limitador. Isto é, dependendo da personalidade pessoal de cada um, a sua experiência tanto poderá ser uma mais valia no sentido de perceber quais as dificuldades e motivações do árbitro, como poderá ser um entrave a uma análise justa, pois poderá levar esse observador a querer moldar todos os árbitros à sua imagem. Temos muitos exemplos disso em diversas actividades.
Por outro lado, não haverá número suficiente de ex-árbitros de topo para preencher as necessidades. Para além de serem poucos, uns têm outras actividades bem mais rentáveis sob o ponto de vista monetário, pois trabalham com a comunicação social e sendo isso obviamente incompatível, com certeza não trocariam de funções. Outros há que já colaboram com a estrutura do futebol, seja na Federação seja na Liga.
Assim, eventualmente a questão que se poderá colocar é a da melhor ou pior aceitação dos actuais árbitros face a observadores que não tenham atingido a sua categoria. Mas aí a questão não é da categoria dos Observadores, mas antes da humildade de alguns dos actuais árbitros.
Uma coisa é certa, julgo que ninguém questionou o José Mourinho pelas suas opções enquanto treinador, pelo facto de não ter sido jogador de top!!! Pelo contrário temos vários jogadores de Top que apenas são medianos treinadores…..
Outros argumentos facilmente se poderiam aduzir neste tema.
Seja a base de recrutamento dos referidos observadores, em que já houve o tempo em que não havia uma carreira e eram convidados por um qualquer motivo, seja pela falta de competências ao nível da escrita ou da conversação. Mas isso passará, por exemplo, pela formação que os mesmos poderão ter.
Resumindo, poderão eventualmente os actuais observadores de 1ª categoria ter muitas lacunas em termos de competências necessárias ao bom desempenho da sua função, mas apontar-lhes o facto de não terem sido árbitros de topo, julgo não ser relevante.

domingo, 18 de janeiro de 2009

As novas leis do desporto

Com o final da legislatura, na proximidade de eleições, constata-se a chegada ao sistema desportivo, e em particular ao desporto federado, de um conjunto de novas normas jurídicas.
Nesta colectividade, curiosamente algo avessa ao papel da norma na estruturação e desenvolvimento do desporto, começaram a surgir os primeiros comentários sobre alguns desses actos legislativos.
Creiam os associados e os visitantes da sede – uma vez mais o reafirmo –, que não sou um apóstolo da lei no sentido de crer na sua virtualidade para o alcançar de um melhor desporto.
Todavia, não posso – não podemos, digo eu – ser ingénuo ao ponto de anular por completo os seus efeitos, sejam positivos ou negativos, neste segmento social, como em qualquer outro.

O que é indesmentível neste actuar legislativo é que o Governo apenas neste momento, e independentemente de se analisar a valia das concretas soluções – como é óbvio, não chega reformar por reformar – dá corpo às suas incertezas normativas desviando-se, inclusive de muitas verdades afirmadas nos projectos publicitados em Dezembro de 2007.
O que não se pode recusar, a não ser a partir de uma leitura viciada por parcialidade extrema, é que muito do que agora adquire valor de lei se vai projectar, no essencial, para além do prazo de vigência deste Governo e que, em consequência, será avaliado e julgado por quem vier a seguir.

Este estado de coisas, apenas possível pelo laxismo e incompetência deste Governo no cumprimento das suas incumbências normativas, pode potenciar ainda mais uma outra corrida a «novas normas», caso Laurentino Dias não veja renovado o seu mandato como membro do Governo.
Nem se trata de saber se a cor política será a mesma, absoluta ou minoritária, ou se predominará uma outra. Estas coisas, bem saberão muitos, têm muito mais de pessoal do que colorido. Um novo titular governamental, mesmo que provindo do Partido Socialista, pode muito bem abrir uma nova vaga “legislativa” pois sempre tem mais quatro anos à sua frente para deixar as suas pegadas legislativas.

O desporto como o todo societário vive, na lógica dos políticos portugueses, em permanente estado de alteração legislativa.
Daí que, por vezes, a lei seja a menos culpada.

quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

A mão que embala o berço

A avaliação final do Programa de Preparação Olímpica 2005-2012, tornada pública recentemente, acolhe exemplos de costumes cristalizados na relação entre uma estrutura social - neste caso o Movimento Olímpico - e o Estado, em sociedades de níveis elementares de capital social e dinâmica cívica.

A começar pela concepção de um processo de avaliação e a quem este se destina. Na óptica do Comité Olímpico de Portugal (COP): “As coisas não devem apenas ser avaliadas pelo que são, mas também por aquilo que poderão vir a ser um dia”, e “destina-se prioritariamente às federações desportivas e demais agentes que tornaram possível a realização do Programa”. Paradigmático.

Com efeito, e como convém a qualquer auto-avaliação, coligem-se os dados em torno de uma perspectiva que realce a boa gestão do programa, e assim, naturalmente, se concluir que “O resultado de Portugal nos Jogos Olímpicos de Pequim de 2008 foi o melhor de sempre”.
Claro que o tratamento dos dados pode ser efectuado em múltiplas perspectivas, consoante as dimensões de análise passíveis de se construir. Sobre este tema pode-se recolher outra informação e cruzar outros dados que chegam a conclusões diametralmente opostas.

No entanto, e à margem dos exercícios de análise de dados que se pretendam efectuar - sempre úteis e valorizadores na aferição do nosso desenvolvimento desportivo - os parâmetros de avaliação foram previamente definidos e contratualizados entre o Estado e o COP, conforme já se deu nota neste blogue, pelo que é incontornável deixar de constatar que os resultados obtidos pela participação portuguesa “ficaram aquém do conjunto de objectivos quantificados no contrato-programa n.º 48/2005, impostos pelo Estado

Ficamos aqui a saber que para o COP “devem ser estabelecidos objectivos, a sua quantificação ou não compete ao Estado” o que representa uma mudança face a declarações dos seus dirigentes pós-Pequim a sustentar a aleatoriedade dos resultados desportivos para inviabilizar a definição de objectivos. Neste atávico costume o desporto não inova, mas acompanha hábitos de longa data, a gestão sem objectivos, ou a gestão sem objectivos quantificáveis. Resta saber se o COP, uma vez definidos os objectivos, considera que assinar um contrato programa com o Estado representa alguma forma de comprometimento com eles.

Depois, claro que nem tudo correu bem. É preciso diagnosticar as falhas e apontar medidas para as colmatar. E aí o suspeito do costume assume o ónus primordial nestes dois momentos. O Estado e a sua Administração Pública Desportiva!
Atrasos na disponibilização das verbas, obrigatoriedade da devolução de comparticipações e condicionalismos dos mecanismos de execução orçamental são reiteradamente apontados na avaliação.

Candidamente o COP esperava que o Estado, de súbito, resolvesse problemas de décadas na gestão do financiamento público desportivo? Que no desporto fosse aquilo que não tem sido em outros sectores? Um bom e atempado pagador? Ainda assim a acção do Estado em garantir as melhores condições de preparação aos nossos atletas deve ser assinalada. Várias foram as medidas tomadas nesse sentido pelas diferentes colorações políticas que nos governaram durante o período em apreço.

É razoável assumir a execução orçamental e o financiamento do programa como o ponto fulcral do relatório de avaliação, e exigir mais eficácia do Estado no cumprimento das suas obrigações nesta matéria? Até se pode admitir. Mas resume-se a avaliação de um programa unicamente a este factor crítico?

Os 80% de atletas de nível I, II e III que não obtiveram resultados de acordo com o seu nível desportivo devem o seu insucesso apenas às contingências de financiamento do Estado?

Cabendo ao COP “a responsabilidade de planear, gerir, acompanhar e avaliar o Programa de Preparação Olímpica” é, de todo em todo, sintomático da mentalidade que dá forma aos padrões de concepção da gestão dos dirigentes responsáveis por este e outros programas de interesse público desportivo, que o esforço financeiro para a sua concretização recaia na sua quase totalidade sobre o Estado.

É revelador o ênfase na “crescente autonomia das organizações desportivas…” e se reclame, simultaneamente, que “seja atenuado o distanciamento da Administração Pública desportiva das realidades e necessidades dos agentes desportivos…” recomendando para o futuro mais e mais recursos públicos no apoio aos programas olímpicos.

Nesta perspectiva, não é de estranhar que “pela primeira vez, nenhuma grande sociedade financeira ou empresa pública foi parceira do COP, em termos de mecenato, o que eventualmente proporcionaria que todos os desportos e atletas beneficiassem transversalmente do financiamento com esta origem e natureza”. Querem ver que esta responsabilidade também é do Estado!?

A sustentabilidade de um programa olímpico sem relevante envolvimento e financiamento privado é preocupante, mas não tanto como o que está a montante e compromete o futuro de um subsistema desportivo onde os seus responsáveis não gerem ou lideram, mas apenas dirigem em navegação à vista, aprisionados na passividade expectante de um quadro de valores anquilosado que se orienta face às políticas e programas públicos a reboque da agenda dos poderes políticos. Limitando-se a esperar e reagir, para depois reclamar. Desde há muito preferindo ser sujeito a actor das políticas.

Neste cenário pavloviano, onde a iniciativa e mobilização empreendedora são um bem escasso, saltam à tona as limitações de quem dirige nos momentos onde é necessário olhar, criticar e reflectir, em amplitude e prospectiva, no âmbito da sua autonomia organizacional, sobre as estratégias, planos e responsabilidades na condução de um projecto de desígnio nacional, apontando linhas de orientação, prioridades e critérios de selectividade e diferenciação, estruturados num documento com uma visão de futuro submetido ao escrutinio e participação dos diversos corpos sociais.

Afinal o que correu mal?

O governo promulgou um novo regime jurídico para as federações desportivas. E sobre o diploma deposita enormes esperanças. Que o ordenamento jurídico agora aprovado permita introduzir melhorias significativas na governação das modalidades desportivas. Que os resultados alcançados sejam melhores que o seriam com a legislação revogada. Excepção feita às associações distritais de futebol não se conhece qualquer opinião relevante das federações desportivas que se não compagine com a vontade governamental.
Não tenho sobre a matéria uma opinião tão optimista. Esse estado de espírito reside fundamentalmente por entender que os factores críticos a uma boa governação das federações desportivas estão a montante do enquadramento normativo. Este entendimento não significa que seja irrelevante a actualização ou renovação dos diplomas consonantes com a respectiva actividade. Mas o de acreditar que as dificuldades de mudanças ou reformas na governação das federações desportivas residem sobretudo em bloqueios culturais, na continuidade de modelos ultrapassados e numa enorme dificuldade em gerar mecanismos de atracção de novos quadros dirigentes. E isto não é, nem responsabilidade, nem culpa dos governos. Como o não é, salvo para os que têm da intervenção governamental a ilusão de uma razão iluminada e pura, a respectiva solução.
Por outro lado, legislar sobre o modo como as federações desportivas se devem organizar é um exercício técnica e juridicamente complexo atento o grau tão diferenciado no desenvolvimento das diferentes federações desportivas. O risco natural é o de “legislar” para os modelos “dominantes”, aqueles que levantam maior número de problemas mas que,por vezes, tratam de realidades que pouco dizem à generalidade das restantes organizações contempladas.
Mas sobre a matéria nada melhor que o tempo para avaliar a durabilidade das soluções encontradas e a sua eficácia numa alteração da melhoria da governação das federações desportivas e de tudo quanto representam.
Embora as agendas politicas europeias o não identifiquem, existe um crise de”governação” das organizações desportivas de topo que se acentuará com a crise global do capitalismo e com a perda progressiva de valores que o desporto veio sofrendo ocorrida no processo de expansão da comercialização iniciada no último terço do século XX.O meu cepticismo sobre o que a generalidade das cimeiras europeias tem andado a tratar é total. O conhecimento pessoal sobre as competências e qualidades técnicas de quem tem sido pago principescamente para “estudar” o desporto europeu sé agravam esse meu entendimento. E, convictamente, acredito que é tempo perdido e ilusões semeadas. Valem para o desporto a mesma coisa que o SIADAP para a melhoria do desempenho profissional dos funcionários públicos. Mas reconheço o carácter isolado desta opinião e porventura o erro que encerra.
Portugal não escapa a esta tendência agravada com a circunstância da periferização geográfica, a dimensão dos país e a fragilidade da nossa economia. Mudar este estado de coisas não é alcançável de um momento para o outro e sobretudo apostando forte nas alterações legislativas. O tempo que duram a fazer não se traduz em benefícios que justifiquem tamanha tarefa.
Muitas das reformas que o sistema desportivo reclama não careciam sequer de mudanças no quadro normativo. Requeriam antes uma diferente ordem de prioridades politicas tornando perceptível ao nível da legislatura quais eram os factores de desenvolvimentos críticos e sobre os quais se iria intervir.
A opção como é do conhecimento geral tem sido outra. E agora, ao entrar nos últimos meses da legislatura, todo o tempo é ainda tempo para se demonstrar que ainda se vai a tempo. O responsável governamental pelo desporto bem tenta. Vai a todas. Sabe que politico que deixe de aparecer deixa de existir para, a curto prazo, nem sequer ter existido. E poucos dominam a arte do pousio. E, portanto, vai fazendo pela vida. Apesar do brilho da oratória é cada vez mais um politico que fala para a agenda política. E fala, repetindo-se. Entra no último ano de governação sem uma reflexão séria sobre o estado desportivo da nação. A “gestão”dos pequenos acidentes e o caos em que deixou cair a administração pública desportiva, o carácter reactivo que tem a qualquer notícia menos simpática, retirou-lhe densidade política, capacidade de reflexão e fatalmente vai ficar associado aos revezes administrativos que nuns casos apadrinhou, em outros tomou a iniciativa. Pode tentar cobrir os estragos com o anúncio das medidas vistosas. Mas quem fala como nunca se enganasse ou cometesse erros vai enfrentar o dia em que verificará, certamente com alguma amargura, que a realidade é diferente do que imaginou, e que lhe foge o que julgava controlar. E o modo como, na fase terminal do actual mandato reverencia, elogia e distingue o que de mais retrógrado e caciqueiro o desporto português gerou, como avisadamente dizia quando deputado, não deixam dúvidas sobre as companhias que entende que podem acrescentar valor ao desporto nacional. De resto a previsibilidade de certas opções e alianças começa a estar escrito nas estrelas. E perante as escolhas que faz e as prioridades que estabelece, mais cedo ou mais tarde, fatalmente uma pergunta se vai colocar : afinal o que correu mal?




segunda-feira, 12 de janeiro de 2009

Fim do dilema

O Estado vivia desde 1993 com um dilema conceptual e jurídico reportado ao “seguro de vida”, ou “seguro em caso de ramo de vida”, ou ainda “seguro em caso de vida” dos praticantes de alta competição.

Independentemente da interpretação semântica das diferentes designações a que a sucessiva legislação foi aludindo, importa retirar sobretudo o substrato concreto do seu regime (ver a al. b) do artigo 1.º da Portaria n.º 392/98, de 11 de Julho):
- pagamento de 50 mil euros ao fim de 12 anos, desde que durante esse período o praticante se mantivesse ligado á alta competição;
- pagamento de 50 mil euros como seguro complementar de antecipação de capital em caso de invalidez total e permanente para o desporto, que seria elevado para o dobro em caso de invalidez total para qualquer actividade.

São conhecidas as posições junto da Administração Pública e da Tutela do desporto por parte de vários praticantes e da Comissão de Atletas Olímpicos no que respeita à reivindicação do “seguro de vida” para atletas que entendiam cumprir os requisitos para dele beneficiarem. Contudo, as respostas têm sido negativas face aos diferentes entendimentos jurídicos da legislação respeitante a essa matéria, o que suscitou inclusive um parecer à Procuradoria Geral da República, não sujeito a homologação e que foi favorável às pretensões dos atletas.

Hoje, o Decreto-Lei n.º 10/2009 deu por findo tal regime, mais parecendo, inclusive, que este documento foi elaborado sobretudo com esse principal propósito. Efectivamente, para além da unificação neste diploma das matérias já salvaguardadas em textos anteriores como sejam: a obrigatoriedade da celebração do seguro para os agentes desportivos inseridos na prática desportiva federada, do seguro desportivo para os utentes de serviços desportivos e do seguro desportivo temporário dos participantes em provas ou manifestações desportivas, e a actualização das respectivas coberturas mínimas, nele apenas descortinamos como novo as contra-ordenações aplicáveis por agentes não segurados.

Entendido o citado “seguro de vida” como um apoio à readaptação social dos praticantes de alto rendimento na data de cessação definitiva da actividade desportiva, a sua extinção é um mau presságio para a vida dos consagrados atletas, resta aguardar por medidas alternativas que digam respeito às suas reinserções profissionais e, oxalá, não passem por decisões e processos conturbados como os que disseram respeito ao Carlos Lopes, ao António Leitão e à Aurora Cunha.

quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

Metamorfoses do desporto e os novos delegados de propaganda médica

Explicar o que é o desporto é um dos objectivos a que projecto do Museu Nacional do Desporto, anunciado pelo governo, pretende responder.
O programa museológico que levanta a pergunta não se fica por ela. Introduz à partida um certo entendimento da resposta. Mistura o desporto, com questões que são do âmbito da saúde e outras da actividade física. O que, valha a verdade que se reconheça, vem na linha da alteração de paradigma que se iniciou com a chamada lei de bases e que acolheu o entendimento prevalecente em certa comunidade académica.
Este novo paradigma, que a eclética esquerda pos-moderna acolhe com entusiasmo e pouco sentido crítico, nada tem com a velha tradição francófona do conceito de “actividade física e desportiva ou “actividade fisico-desportiva”. Estas eram designações encontradas para incluir as actividades que não sendo formalmente desportivas com elas se aparentavam (ginástica de manutenção, jogging, ioga, escalada, espeleologia, mergulho, etc )algumas que ocorriam em espaços marcadamente desportivos, tinham modos de preparação similares às práticas desportivas mas que de acordo com critérios prevalecentes à época não podiam ser classificadas como “desporto” porque a “competição” estava ausente.
A situação é hoje radicalmente diferente. Assistimos ao revisionismo do conceito –o desporto passou a incluir práticas que não eram consideradas como tal com significados e objectivos bem distintos do “rendimento” e do “resultado” e com esta vaga uma tentativa relativamente recente de reciclar o desporto através da “higienização” do corpo.
Trata-se de um fenómeno importado, com origem em meios académicos americanos que constitui um verdadeiro “higienismo de terceira geração” traduzido numa lista de “proibições” e de “factores de risco” descontextualizados dos desenvolvimentos das sociedades industriais. Vende a ilusão que cada um pode viver no corpo que escolher e ter saúde que construir. Comercializa o “exercício” e o “treino” do corpo. Se necessário a sua cirurgia. Dissemina “health centers” e “spas”.Desformaliza o modelo tradicional de desporto e dá passagem à invasão “cool”.Tudo o que mexa é desporto como tudo o que emite som é música. O desporto passou a viver o seu momento “hip-hop”. E as politicas públicas de promoção da actividade física e da saúde alargaram-se, abrigaram--se à sombra das políticas desportivas e estas, em crise de identidade, encolheram.
O desporto para quem a “saúde” foi sempre um pré-requisito( e não um objectivo )viu-se contaminado por preocupações sanitárias. E os técnicos de desporto transformaram-se numa espécie de novos delegados de propaganda médica prescrevendo as várias formas de uma vida feliz e saudável com programas “prontos a servir” de acordo com a idade, o sexo, o peso ou a altura.
Este frenesim neo-higienista é curioso. No passado a “ginástica higiénica”,mais tarde a educação física, combateram o desporto. Agora aliaram—se. A actividade física serve-se do desporto mas pouco o utiliza. Se a comparação é permitida, vive junto mas faz vida separada. É importante que o divórcio se concretize e que de cada uma das partes, desporto por um lado e actividade física por outro, não apenas façam vidas separadas como cada um trate do que lhe é próprio. E não vivam à custa um do outro. É de resto a melhor forma de se entenderem e de cada um cumprir bem o que é a sua missão. O que não impede que de quando em vez saiam juntos. Um bom exemplo: um corrida aberta a todos e que convida também as pessoas, que não podem/conseguem/ou querem a fazer o percurso, caminhando!
Enquanto este problema permaneceu circunscrito e fechado ao debate académico, às instituições universitárias e às suas diferentes “escolas” tinha pouca relevância social. A questão alterou-se quando passou para o domínio da política e daí para a governação central e autárquica. Não há agenda politica europeia que não dê crescente atenção ao tema.
O conceito de desporto é de difícil definição e a mutabilidade que historicamente o caracteriza aconselha à maior das prudências em valorações de carácter definitivo. Mas no estado actual do conhecimento é abusar das fronteiras do conceito incluir uma actividade como o andar, caminhar ou passear de bicicleta, como prática do desporto. Ou colocar a população sénior a lançar uma bolas ao e a bater palminhas e incluí-las na população desportiva. Ou trabalhar com grupos de risco de obesos, prescrever programas de exercício e contabiliza-los como praticantes desportivos.
Caminhar ou subir escadas em vez de utilizar um elevador são contributos importantes para o dispêndio energético e para a redução dos factores de risco associados à hipodinamia mas não são desporto.
Não se pense, por isso, que aumentar o número dos que caminham como actividade regular, para além das exigências do quotidiano, é aumentar a prática desportiva.
O aumento do índice de actividade física de uma população é um objectivo distinto do aumento do índice de pratica desportiva. Não sendo contraditório não é também necessariamente coincidente. Uma pessoa fisicamente activa pode ser desportivamente “passiva”. A contrária já não. Porque o aumento dos indicadores de prática desportiva é um sinal seguro do aumento da actividade física. É nas sociedades com indicadores de prática desportiva mais elevados que os níveis de sedentarismo são também mais baixos. O que reconhece a importância e insubstituível papel que o desporto tem de ter na mobilização para um estilo de vida activo. Na mobilização contra o sedentarismo.
Os programas de promoção da actividade física são importantes; os programas de promoção do desporto igualmente. Não se espere que as politicas públicas de saúde promovam o desporto. Mas devem promover a actividade física. As políticas públicas de desporto servem para promover o desporto. O desporto ao fazê-lo cria condições que permitem aumentar os hábitos de actividade física dos portugueses.
Pensar de modo distinto é baralhar conceitos, confundir objectivos e errar nas políticas.

quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

Para que lado pende a balança?

A condução dos destinos da União Europeia pela França revelou-se profícua na consolidação da agenda política para o desporto, através de uma plataforma de entendimento sobre os factores críticos de regulação do desporto a nível supra nacional, ao dar passos importantes nos objectivos estratégicos delineados no Livro Branco sobre o Desporto para a eventual implementação das disposições do Tratado de Lisboa, conforme realça o balanço final da sua presidência (p. 26)

Ao nível comunitário, na esfera das low politics foram sendo reportadas as posições do diferentes actores e os temas na ordem do dia, com a intervenção da Comissão em diversas frentes e a produção de diversos documentos de trabalho que aqui se veio a dar nota, resultantes da cooperação com as federações desportivas europeias e os governos dos estados membros.

Não se pense porém que o desporto se esgotou nesta esfera de gestão política quotidiana onde o peso das decisões facilmente se atenua. A presidência gaulesa teve o mérito de colocar o desporto como assunto de topo na agenda dos chefes de estado europeus, isto é, no órgão político por excelência da UE, o Conselho da União Europeia.

Ora, quem conhece o processo de construção e gestão de uma agenda de política europeia está ciente do profundo e minucioso trabalho de negociação necessário para dimensionar um tema a fim de ser tratado na mais alta instância política da UE.

À excepção das declarações anexas aos tratados de Nice e Amesterdão, poucas foram as demais ocasiões em que o desporto teve o ensejo de ser tomado em referência a nível do Conselho como foi no recente Conselho Europeu de Bruxelas, onde as conclusões da presidência incluíram uma declaração anexa sobre o desporto (p. 21).

Aqui chegados, para além do conteúdo da declaração importa salientar o facto do Conselho se ter pronunciado sobre esta matéria e ter tomado uma posição política sobre o desporto – e a este propósito tome-se em consideração a relevância actual dos outros temas que mereceram declarações do Conselho, para se ter em nota a dimensão que o desporto atingiu na agenda política.

Relendo a história da política desportiva da UE os momentos que se seguiram a tomadas de posição do Conselho tiveram sempre consequências decisivas - em particular na acção da Comissão – para a regulação do desporto europeu. È verdade que o caminho inverso também já se verificou, nomeadamente em 1999 com o relatório apresentado pela Comissão ao Conselho de Helsinquia, mas mesmo aí houve um comando político prévio do Conselho.

Assim, a via da high politics sempre teve um peso preponderante na condução da política desportiva da UE. A acção intergovernamental foi decisiva para a consolidação do acquis comunitário. Talvez o exemplo mais relevante sejam as alterações dos regulamentos das federações desportivas internacionais às disposições do acórdão Bosman, as quais só depois de Nice viriam a ter efeitos mais conclusivos na realidade desportiva.

O atraso no processo de integração e o eurocepticismo da Republica Checa não são talvez os factores mais aliciantes para conduzir a política europeia no semestre que agora se iniciou, mas após este ímpeto político esperam-se passos importantes durante a sua presidência, que aqui se anuncia, em particular no que desde há muito tempo está em cima da mesa e tem sido o motor na condução política desta agenda até ao seu nível mais elevado: Uma maior clarificação sobre as tensões entre as instâncias comunitárias e o movimento desportivo no equilíbrio, sempre precário, entre a salvaguarda da sua independência de auto-regulação e o respeito pelos tratados. Vejamos para que lado pende a balança.

terça-feira, 6 de janeiro de 2009

Captação e Retenção 1

No início de um novo ano é recorrente a formulação de expectativas e desejos que se espera venham a realizar.
Acontece exactamente o mesmo com o futebol e com a arbitragem mais especificamente, em que se desejam bons jogos com boas arbitragens.
Sendo certo que a sorte poderá ter uma quota-parte no desenrolar das ditas arbitragens, também nesta área se aplica a célebre frase da Gestão em que “O sucesso é conseguido com 99% de transpiração e 1% de inspiração”.
Vem esta introdução a propósito das eternas discussões sobre o estado da arbitragem em Portugal.
A discussão por norma centra-se em torno dos campeonatos nacionais e por consequência nos árbitros de 1ª Categoria. Claro que o mediatismo inerente a estes campeonatos e a repercussão pública que os mesmos têm a isso leva.
O que é importante não esquecer é que esses árbitros não “nascem” de geração espontânea. Há toda uma pirâmide organizacional, desde a 1ª Categoria Nacional até aos estagiários distritais que acabaram de tirar o seu curso de árbitro, que sustenta a referida Arbitragem Nacional. Os árbitros de 1ª categoria são apenas 0.8% do número total de árbitros.
Aí reside logo o primeiro problema a equacionar. Se é certo que a quantidade não faz a qualidade, não menos certo é que quanto menor quantidade, menor probabilidade de haver qualidade haverá. A captação e retenção dos árbitros é de facto um problema ao qual deverá ser dada grande atenção. Para quem analisa os factos com números, a título de exemplo diga-se que a Suíça com 7,5 M. Hab. tem 4.800 árbitros, Portugal com 10M Hab. tem 3.000 árbitros. Refira-se também que a necessidade em Portugal é de cerca de 6.000 árbitros.
Causas? Bom, por exemplo, quando em conversa com dirigentes da Federação Suiça informei que em Portugal há cobrança de IRS sobre a alimentação e sobre a deslocação paga aos árbitros, ficaram boquiabertos. Para além de completamente injusto, pois trata-se de compensação de despesas obrigatoriamente efectuadas para a prestação do serviço, não me parece que seja por aí que o défice do País vá ser resolvido.
Mas esta questão do número de árbitros tem implicações para além da já mencionada. Por um lado, há árbitros a fazer mais de três jogos por fim de semana. Um sábado à tarde, um domingo de manhã e outro domingo à tarde. Ora como facilmente se perceberá, no jogo de Domingo à tarde, que normalmente é de Seniores, existe já desgaste físico e psicológico o que em nada contribui para a esperada qualidade.
Analisemos então a questão essencial. Qual a “motivação” que um jovem de 15, 16 anos terá para enveredar pela arbitragem? Taxação de imposto sobre um montante irrisório que recebe nos primeiros anos de arbitragem; Perda de benefícios sociais que tenha em sede da segurança social (abono de família, sase, etc) pois terá obrigatoriamente de se colectar para passar recibos verdes à respectiva associação de futebol; sobrecarga de jogos ao fim de semana com a consequente falta de tempo para amigos e família; jogos das camadas jovens aos fins-de-semana de manhã com a impossibilidade de se deitar tarde no dia anterior, cortando as saídas com os amigos; etc.
Ora, se há algumas destas “motivações” que têm de ser encaradas como um esforço de quem quer seguir um hobby como a arbitragem, outros haverá que pouco ou nenhum sentido fazem principalmente nos primeiros anos de quem ingressa neste desporto.
A repercussão destas medidas far-se-á repercutir inevitavelmente num futuro não muito longínquo na tal mediática 1ª categoria nacional.

domingo, 4 de janeiro de 2009

Os treinadores de desporto

Como referido no texto imediatamente precedente, um dos diplomas legais publicados no derradeiro dia de 2008 foi o Decreto-Lei nº 248-A/2008, de 31 de Dezembro, que estabelece o regime de acesso e exercício da actividade de treinador do desporto. Trata-se de matéria obviamente relevante para a saúde do sistema desportivo e que não se limita ao universo do desporto federado.
Antes de a seu respeito formular algumas considerações, devo confessar que não conheço em profundidade a situação actual do exercício de funções de treinador. Trata-se, pois, de uma significativa limitação. O leitor, se assim o entender, pode carrear elementos para esta colectividade sobre essa realidade e, desse modo, enriquecer o debate em torno da nova disciplina.
Por ora, registo apenas alguns aspectos gerais.

Em primeiro lugar, o decreto-lei recolhe um conceito de treinador de desporto que prescinde do carácter remunerado do exercício da função (artigo 3º).
Por outro lado, apresenta como condição de acesso ao exercício da actividade a obtenção de cédula de treinador de desporto (artigo 5º).
Tal cédula é emitida e renovada pelo Instituto do Desporto de Portugal artigo 6º, nº 2).
Passam a existir quatro graus de qualificação (artigo 7º), com conteúdos funcionais legalmente fixados (artigos 8º a 11º).
O diploma assegura um sistema de fiscalização e ainda um regime sancionatório (contra-ordenacional e disciplinar).

O novo diploma, contudo, vive muito sob o signo de um expressivo tempo ainda a decorrer para a sua efectiva aplicação.
Em primeiro lugar, refira-se que o diploma só entra em vigor 90 dias após a sua publicação (artigo 28º).
Em segundo lugar, de acordo com o artigo 12º, nºs 1 e 2, as federações desportivas dispõe de 180 dias para propor ao Instituto do Desporto de Portugal as correspondências entre as “etapas de desenvolvimento dos praticantes desportivos” e cada um dos graus do treinador de desporto.
Seguem-se mais 90 dias para as federações desportivas, após a validação administrativa, transporem tais correspondências para os seus regulamentos.
Por outro lado, as federações desportivas vão dispor de um prazo de 180 dias, após a entrada em vigor do diploma, para estabelecer nos seus regulamentos mecanismos de fiscalização do cumprimento das normas relativas à cédula (artigo 13º, nº 3).

Por fim, uma porta aberta quando se pretendeu fechar todas as janelas.
Com efeito, estipula o artigo 26º, nº 2 que os regulamentos federativos podem permitir, a título transitório e mediante autorização do Instituto do Desporto de Portugal, enquanto inexistam treinadores de desporto titulares de graus superiores, que as tarefas legalmente determinadas para os graus II, III e IV, sejam exercidas por treinadores de desporto titulares de cédula de graus inferiores.