domingo, 30 de dezembro de 2012

Que Direito para o desporto federado em 2013?


Texto publicado no Público de 30 de Dezembro de 2012.


1. A propósito do debate em torno da criação do Tribunal Arbitral do Desporto – infelizmente mais de juristas e menos do desporto –, tem vindo ao de cima, pela voz do Governo, a questão da diferença ideológica entre a sua proposta e a do Partido Socialista. De um lado, o Governo respeitador da autonomia do movimento associativo; de outro, o Partido Socialista favorável a uma espécie de “governamentalização”.
É manifestamente uma falsa questão. Com efeito, nada há de mais intervencionista do que criar, por via legislativa um tribunal arbitral necessário.
A divergência entre os protagonistas deste debate (?) não é de política legislativa, de visão diferenciada para o desporto nacional. É, acima de tudo, directa, mas também em nome de outras pessoas, uma querela pessoal.
E, neste infeliz país, são as questões pessoais que determinam muito do que se produz ou chumba em termos de legislação. No desporto e fora dele.
2. A questão “ideológica” existe mesmo, mas localiza-se em momento bem a montante da criação de um Tribunal Arbitral do Desporto que, em ambas as iniciativas, projecta o exercício de poderes públicos por parte das federações desportivas.
A “questão ideológica” encontra-se na Lei de Bases da Actividade Física e do Desporto e no regime jurídico das federações desportivas, quando se entende que essas entidades máximas da regulação das diversas modalidades desportivas são uma extensão de regulação pública e não são, pura e simplesmente, associações privadas.
E, aqui chegados, sem prejuízo dos diplomas em vigor, provindos do Partido Socialista, se mostrarem como os mais intervencionistas de todo o tempo democrático, a verdade é que, nas mesmas águas navega (e navegará) o Governo.
3. Do Governo já vieram sinais suficientes relativamente à reformulação do regime jurídico das federações desportivas. Contudo, vai adiando dar esse passo. Porventura o ano de 2013 conhecerá, por fim, essa reforma.
Mas, num claro exemplo de falta de uma política consistente – legislando à vista -, quando parte para a criação do Tribunal Arbitral do Desporto, autolimita-se, afirmando, uma vez mais, a publicização da actividade desportiva federada.
Ora, na lógica autonómica sustentada pelo Governo – os outros anteriores também o foram afirmando quando lhes foi conveniente – o que se devia estar a debater –, ainda antes do Tribunal Arbitral do Desporto, era o modelo de relacionamento entre o Estado e as federações desportivas. E, se não o discute, é porque o mesmo vai manter a mesma “ideologia”.
4. Não brinquemos, a dois ou três.
5. E a brincar parece andar o Secretário de Estado Mestre Picanço quando no início da audição par(a)lamentar, como que justificando o “nascimento” do Tribunal Arbitral, fala em suspeitas sobre a justiça desportiva e na não publicidade das decisões dos órgãos federativos que a aplicam.
Só pode estra a brincar. Quando há uma regra legal, desde 1 de Janeiro de 2009 – há quatro anos -, que as obriga a tal, e ele e os serviços públicos, nada dizem a tal respeito, no sentido de repor a legalidade.
6. 2013 será, pois, tudo o indica, mais um ano perdido para este infeliz país.

quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

O previsto e o realizado




Os tempos atuais caracterizam-se por uma abundância de informação, associada à sua globalização, num quadro de mudança permanente, imprevisível e turbulenta. Para lidar com a enorme quantidade de informação com que somos constantemente bombardeados, “recorremos a modelos mentais, selecionando e simplificando a informação em padrões causais reconhecíveis. São estes modelos que depois utilizamos para enquadrar a nova informação que recebemos e para determinar as suas reações. É assim que as nossas escolhas e ações dependem daquilo que aprendemos, pelo que quanto mais adequados à realidade estiverem os nossos modelos mentais, mais eficazes serão as nossas ações.” E, por isso, estuda-se hoje, um pouco por todo o mundo, os fatores inibidores da ação das organizações desportivas. Tenta-se compreender o desvio entre o previsto e o realizado. E o papel de elementos subjetivos associados ao comportamento e dinâmicas de atores políticos, sociais, desportivos e económicos.
O nosso modelo tradicional de funcionamento de uma organização desportiva olha para o desporto como um sistema aberto, mas em que se podem observar e respeitar as relações diretas entre causas e efeitos, para o qual o êxito será encontrado no equilíbrio estável, com harmonia interna e uma adaptação perfeita ao meio. È um modelo que corresponde a um desporto unipolar, mas que tem dificuldades de se adaptar a um modelo de inspiração multipolar. É aqui que se situa, precisamente o risco de a construção teórica falhar.
Muitos dos atuais modelos de planeamento estratégico assentam, em visões e valores que o desporto já não partilha. E muito do que é hoje o desporto e as suas organizações dificilmente se enquadram no desporto que estudámos há duas ou três décadas. O risco que enfrentamos é o de nas nossas organizações optarmos por um modelo de planeamento estratégico que está ultrapassado pela natureza das mutabilidades ocorridas no âmbito das práticas do desporto.
A pluralidade do desporto (como se pratica, como se organiza, e como se financia), a sua multipolaridade tornam impensável uma lógica de modelo único. Pensar estrategicamente um clube desportivo é bem diferente de pensar uma federação desportiva ou um comité olímpico. Pensar estrategicamente as políticas públicas não é o mesmo que pensar as políticas associativas. O próprio processo de desenvolvimento desportivo é, pela sua própria natureza, como temos escrito, um processo cumulativo. É um processo de longo prazo, multifatorial, multideterminado, multidimensional aberto à interação de fatores causais e contingenciais alguns de natureza imprevisível e de efeitos não controláveis.
As características estruturais das políticas desportivas pedem um contexto organizacional onde haja vitalização do tecido associativo, mobilização das entidades e agentes desportivos, concertação e convergência estratégica entre as políticas públicas, privadas e associativas. O papel regulador do Estado enquanto gestor de externalidades ao sistema desportivo, e enquanto fornecedor de bens públicos, atuando ao nível das infraestruturas e da envolvente associativa, deve concorrer dessa forma para o incremento e sustentação do sistema desportivo.
Razão pela qual de pouco valem planos bem estruturados que, passado muito pouco tempo, se encontram desatualizados e não são executados. E as razões para que isso ocorra não são o facto de os planos terem sido executados de forma deficiente ou os gestores não os apoiaram devidamente. O problema é mais profundo. É que os gestores não conseguem dominar todas as variáveis do processo. E nem sempre se percebe, em tempo útil, que mudanças no planeamento estratégico carecem também de alterações no modelo organizacional.

terça-feira, 18 de dezembro de 2012

Liderar

Nos últimos sete anos assisti a quase todas as conferências mundiais sobre liderança. Escutei os maiores gurus mundiais. Ouvi gente paga a peso de ouro para fazer este tipo de conferências. Estive com pessoas que só conhecia dos livros. Alguns prémios Nobel. Admirei o brilho intelectual e capacidade oratória de muitos. Mas regressava sempre com a ideia de que o sucesso deles era configurável aos casos que tiveram de enfrentar. Que mudando a situação/organização nada garantia que o sucesso estivesse presente. No fundo, confirmando o que a vida ensina: que muitos líderes com sucesso numa organização falham em outras. E dessas experiências falhadas não se fala.
Os seminários e as conferências por esse mundo fora estão cheias de caso de sucesso. A literatura dá exemplos de como alcançar o êxito. Mas está na generalidade ausente sobre o modo de enfrentar e lidar com o insucesso e o fracasso. Existe uma espécie de pudor e de medo de enfrentar uma realidade das organizações que é o de falharem os objetivos. Ainda que, num meio competitivo como é aquele em que operam as organizações, desportivas ou outras, a probabilidade de insucesso ser bem maior que a do êxito. É óbvio que nada nos move quanto à descrição de experiências de sucesso. E não nos passa pela cabeça que essas experiências não contenham matérias que constituem motivos de aprendizagem. Mas, e o fracasso? Quem fala dele? Não existe? Não é motivo de aprendizagem?
Uma tendência muito em voga nos últimos anos tem sido o de convidar treinadores desportivos com  sucesso nas suas carreiras profissionais para fazerem palestras aos quadros das empresas sobre processos de mobilização motivacional baseadas no modelo de intervenção no treino e preparação desportivas. Olho sempre para este tipo de importações com muitas reservas. Porque uma equipa desportiva não é uma empresa. Mas também por outras razões.
Em primeiro lugar, porque os conhecimentos acerca das variáveis de contexto não são transferíveis. O que dá certo numa organização, não é sucesso garantido numa outra. Depois porque não há uma melhor maneira de liderar: tudo depende da situação. Em terceiro lugar, porque não é possível replicar numa sala ou num auditório as práticas de liderança. Em quarto, porque a liderança tendo muito de conhecimento e de saber, tem sobretudo bastante de experiência e de talento. E finalmente porque os insucessos dessas pessoas, que os têm, raramente são expostos e analisados.
Ma minha vida profissional as melhores aprendizagens de liderança foram em exercício de funções. Em que assumia a condição de liderado. Profissionais de desporto como Alfredo Melo de Carvalho, Teotónio Lima ou Noronha Feio foram marcantes no modo como lideravam os projetos em que participei. E todos com estilos diferentes, modos distintos de comportamento e até dimensões ideológicas diversas. Mas todos com uma enorme capacidade de organização e mobilização de recursos. E com projetos em que tiveram sucesso e outros em que fracassaram.
Num tempo em que a liderança (…e de algum modo a gestão) virou negócio, é bom que se tenha presente qua o líder é como um grande cozinheiro para cuja qualidade as palavras não são suficientes e nenhuma teoria explica. (Andrew Sullivan). E que pode escrever o melhor livro do mundo com as receitas, os ingredientes, as quantidades dos produtos, os tempos de preparação que, seguramente, qualquer tentativa de o imitar ficará muito aquém daquilo que ele consegue.
Num tempo em que há quem venda a ideia que há uma melhor maneira para liderar é sensato interrogarmo-nos sobre a bondade dessa afirmação. E convivermos com uma outra, porventura mais singela: a de que aprendizagem se faz com o sucesso e com o erro. E que não é possível banir este último da vida das organizações. As sociedades não se constroem sem riscos e um deles é a possibilidade de falhar e a impossibilidade de suprimir os erros. Liderar é também saber conviver com eles.

 

domingo, 16 de dezembro de 2012

Os tribunais e o desporto


Texto publicado no Público de 16 de Dezembro de 2012.

1. Agora que o debate sobre a criação do Tribunal Arbitral do Desporto ganha espaço (notícias amigas, via youtube, avançam que a audiência de Mestre Picanço na Assembleia da República e o “debate” com o seu homólogo Laurentino Dias, não foi parlamentar, mas sim para lamentar), não será menosprezível dar conta do labor recente dos tribunais do Estado, em domínios bem importantes.
2. Há á a registar três recentes decisões.
A primeira, que teve algum eco na comunicação social, respeita ao caso que opõe a Federação Portuguesa de Futebol e o Boavista.
Após a primeira instância dos tribunais administrativos ter afirmado que a “decisão” do Conselho de Justiça da FPF, que puniu severamente esse clube, é nula, o recurso interposto pela FPF, para o Tribunal Central Administrativo do Sul, não surtiu os efeitos pretendidos. Este tribunal nem conheceu do recurso, aplicando orientação do Supremo Tribunal Administrativo. Desse modo, parece que se fecharam as portas à FPF para continuar a sustentar, nos tribunais, a legalidade da decisão daquele seu órgão. Sendo assim, o “ caso Boavista” como que nunca foi decidido em Conselho de Justiça, seguindo-se, pois, a necessidade desse juízo. Mas há contas a fazer e só quem está bem por dentro do processo estará em condições de as fazer (o que não é o nosso caso). Terá ocorrido alguma prescrição, não sendo possível uma nova decisão do Conselho de Justiça? Se assim for, o Boavista virá a ser reintegrado na competição de onde foi afastado? Veremos, com atenção, os próximos episódios.
2. O Tribunal da Relação de Lisboa, por seu lado, ocupou-se do “Caso Ruben Michael”, situação que opõe dois clubes madeirenses quanto a um contrato de transferência, direitos federativos e direitos económicos. Confirmando a decisão do Tribunal do Funchal, favorável ao União da Madeira, o tribunal adianta que a transferência de um atleta de uma entidade desportiva para outra, envolvendo direitos de inscrição desportiva ou direitos federativos, direitos económicos e o vínculo laboral inerente à prestação da actividade do atleta, é uma realidade contratual de conhecimento comum, configurando-se como um contrato atípico delineado pelas partes no exercício da sua liberdade contratual.
3. Para o final, porventura, o mais relevante – por que aplicável a todas as federações desportivas -, embora, à primeira vista, possa não parecer em face do resultado concreto do processo.
Referimo-nos a recente decisão do Tribunal Constitucional em que se encontrava em causa norma regulamentar da Federação Portuguesa de Futebol, relativa à transferência de jogadores amadores a partir dos 14 anos, impondo o pagamento de uma taxa de formação pelo clube ou SAD para o qual se transfere o jogador, ao clube ou SAD no qual aquele esteve anteriormente inscrito, segundo tabela a publicar anualmente pela Federação Portuguesa de Futebol, caso os clubes dela não prescindam por escrito. A FPF, porém, veio, a 6 de Junho de 2012, dar conhecimento da aprovação de novo Regulamento para a inscrição de jogadores, no qual foi eliminada a disposição normativa de cuja constitucionalidade o Tribunal iria aquilatar. No seguimento de jurisprudência constante, o tribunal, perante este novo facto – a revogação da norma em crise - entendeu verificada a inutilidade superveniente e, em consequência, não conheceu do mérito do pedido formulado.
4. Ora, não obstante este desfecho – e não é de subestimar a revogação da norma no seio da FPF -, permanecem válidos, a nosso ver, os argumentos do pedido formulado pelo Procurador-Geral da República que, algo me diz, receberiam acolhimento no Tribunal Constitucional.
5. Ora aí está matéria para a qual o actual membro do Governo responsável (?) pelo desporto deveria endereçar a sua atenção, no quadro geral das normas regulamentares de todas as federações sobre transferências de atletas amadores. Mas isso era pedir de mais.

sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

A propensão para a auto-subversão - I *


O trabalho encomendado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos à Universidade Católica Portuguesa sobre a avaliação de duas leis quadro do país representa uma oportunidade importante para reflectir sobre a produção de politicas públicas em Portugal e a concepção que os agentes políticos têm sobre este processo, expressa nas suas práticas e discursos. 

 Salvo casos de excepção, como sejam alguns domínios do ambiente ou do ordenamento do território – e mesmo aí fruto de imposições do direito da UE – não existe no país uma tradição de avaliação do impacto da regulação, seja previamente á tomada de opções politicas, durante o processo de formulação da decisão, ou após a sua implementação, ao contrário do que ocorre em Estados onde tal requisito constitui elemento essencial para a produção ou alteração de uma politica. 

 Ora, quando a isto se junta uma carência de dados sólidos sobre o objecto de regulação, como claramente acontece no âmbito do desporto, cria-se um ambiente favorável às patologias associadas à ausência de fundamentação de políticas baseada em factos, para além das consequências que isso acarreta em depredação de recursos públicos. 

O Estado subverte o seu papel desde logo porque sem informação relevante, tratada e analisada, é impossível justificar a potencial mais valia da intervenção pública, ou avaliar o retorno do investimento, a produção de escala, os benefícios e o valor criado para os destinatários das suas politicas (perdoem-me os puristas da língua pátria mas não temos um conceito que se aproxime do anglicismo “value for money”) chamem-se eles atletas de alto rendimento, praticantes, clubes ou federações. 

O processo de produção de políticas facilmente se confunde e reduz ao processo legislativo – como se se esgotasse e resumisse na produção de normas – e a mecânica legislativa transforma-se, passo a passo, num expediente para mostrar acção, preocupação e trabalho. Os meios confundem-se com os fins, os outputs com outcomes, e assim - pela métrica da produção de leis, normas e regulamentos –, sem mais, se avalia e justifica toda uma política.

O discurso político, mesmo em sede parlamentar, cavalga sobre este tropismo capcioso e recruta cada vez mais acólitos, que também por vezes campeiam neste blogue, ao ponto ridículo de anunciar a refundação do Estado Social em meia dúzia de meses. 

Retomando algo que já aqui se abordou, os actos normativos estão longe de ser o alfa e o ómega de qualquer política, estas avaliam-se pelos resultados e não pelas intenções. Medem-se pelo valor criado a partir do que se investe e não apenas pelo montante das verbas que se despendem ou pelos recursos que se afectam. Medem-se pelo número e fidelização de praticantes e pela qualidade e continuidade dos resultados alcançados nos diversos níveis de competição, dentro e fora de portas, e não apenas pelas eventuais oportunidades que se geram para que isso aconteça ou pela circunstância efémera de episódios mediáticos que se queiram promover sobre o rótulo de “interesse público”. 

Perante tal cenário de desinformação que conduziu a um panorama regulador congestionado e agrilhoante, pouco apelativo à inovação e à iniciativa empreendedora, continuar a saturar o espaço público com este quadro de valores apenas contribui para gerir os egos de um núcleo circunscrito de interesses, promover arbitrariedades justificadas pela urgência do processo de ajustamento, e dispersar a mobilização do tecido desportivo em torno de um debate critico sobre os problemas e desafios que efectivamente atravessa, precisamente num momento determinante na vida desportiva do país, onde se operam mudanças em diversas federações e organismos de topo.

Por isso, iniciativas como aquela protagonizada pela Fundação Francisco Manuel dos Santos, representam uma pedrada no charco para se assumir uma outra perspectiva.

No âmbito das políticas públicas para o desporto existem também oportunidades, por explorar, para uma redefinição de olhares... Delas abordaremos em próximo escrito.


* O titulo deste texto reproduz o titulo de uma das obras de um notável autor cujo pensamento politico nos influenciou e se homenageia. Albert Hirschman faleceu na passada Segunda-Feira.

terça-feira, 11 de dezembro de 2012

Razão e critério




Mais do que ter razão é importante ter critério. E quando se trata da gestão de recursos públicos a existência de critério tem de ser anterior à decisão. Porque é isso que permite fazer o escrutínio público sobre o modo como se gerem os recursos públicos.
Parece que o governo de Santana Lopes através do seu ministro para o desporto assumiu um determinado compromisso com um piloto de automóveis. Compromisso esse que o governo seguinte se sentiu na obrigação de cumprir. Só nessa altura soube que havia um compromisso em trânsito de um governo para outro. E se isso foi afirmado e nunca desmentido admito que seja verdade. Mas nunca tinha ouvido falar do assunto. E depois foi o que se conhece: o modo atribulado como, na altura, um dirigente da administração pública desportiva fez a transferência financeira para uma entidade externa. E sem curar de saber da oportunidade politica e da legalidade do procedimento, matéria que outros já se pronunciaram, a pergunta que fica é esta: qual foi o critério? Havendo uma dezena de pilotos em competições internacionais qual foi o critério do patrocínio público para um e o não patrocínio aos outros? O que tinha de distinto o patrocinado que merecesse a escolha do governo em detrimento dos restantes? Não estou afirmar que não tinha. Estou a perguntar.
Recentemente o governo entendeu contratar dois antigos praticantes de atletismo para apoio junto da escolas a algumas iniciativas do governo. E a pergunta que tem de ser feita é a mesma: porquê estes dois e não outros? Não havia outros antigos desportistas de diferentes modalidades que preenchessem os requisitos de contratação? E quais eram esses requisitos? É aceitável, é admissível que contratações de natureza pública dependam de critérios casuísticos da parte de membros do governo? Ou estamos enganados e os contratados obedecem a requisitos constantes de critérios públicos que os colocaram à partida em igualdade de oportunidades com os restantes?
Este governo e anteriores usam e abusam da atribuição de condecorações de mérito, com esta ou outra designação, a diferentes personalidades. Qual é o critério? Basta enumerar os respetivos currículos para fundamentar uma decisão? Que garantias existem que a atribuição não resulte de apadrinhamentos políticos ou de distinções espúrias à margem de qualquer interesse e avaliação de interesse e mérito públicos?
A definição de critérios e a sua respetiva publicitação é uma exigência de transparência na gestão publica .Porque ela não é propriedade exclusiva de quem governa. A soberania reside no povo e quem governa em seu nome tem a obrigação de justificar e fundamentar as decisões que toma e à luz de que critério. E esse é um modo de se poder avaliar o rigor da sua aplicação. Os critérios de mérito pessoal e profissional são aqueles que socialmente se reconhecem e aceitam. Os critérios políticos, marcados pelas simpatias e/ou influência, desacreditam a gestão pública.
Este governo legislou de modo a esbater os critérios políticos para a designação de chefias de topo e intermédias da administração pública. E determinou um conjunto de procedimentos com esse objetivo. Mas continua, em muitas outras áreas, a não aplicar iguais princípios de publicitação de critérios que permitam reconhecer o mérito e a isenção e a afastar o ónus de apadrinhamento político.
O silêncio (e a prática…) do governo nesta matéria espero que não signifique que considera que os critérios não devem obedecer a regras de transparência e ao princípio da legalidade, mas ao princípio da oportunidade, em que para umas coisas há critérios e para outras há apenas a vontade do governo. Se assim for, então, mais cedo ou mais tarde, vai receber a fatura de volta. Mas já então com elevados juros de mora políticos.

domingo, 9 de dezembro de 2012

Amanhã há jogo!


Texto publicado no Público de 9 de Dezembro de 2012.


1. Tinha pensado escrever algo sobre o Boavista, ou sobre o futuro tribunal arbitral do desporto. Todavia, como diz a voz comum, já não se pode confiar na meteorologia. A chuva em Lisboa galgou o relvado de Alvalade e inundou o cenário regulamentar dos jogos da Liga Portuguesa.
2. Primeiro dado. Por motivos de força maior, o jogo da Liga Europa, a disputar pelo Sporting, marcado para a quinta-feira, e a iniciar-se às 20h e 5 minutos, foi adiado por 24 horas. Tudo de acordo com a regulamentação específica da UEFA.
3. Outro dado. Pelo Comunicado Oficial nº 153, de 13 de Novembro, a Liga marcou o jogo Sporting Benfica para o dia 10 de Dezembro, com início às 20h e 15 minutos.
4. Terceiro dado. O Sporting, perante esta situação, em que “perde 24 horas de descanso”, logo na 5ª feira, através do seu director de comunicação, afirmou com algum grau de inevitabilidade, que não haveria jogo amanhã, havendo que respeitar um prazo de 72 horas entre o final do jogo europeu e o início do derby lisboeta. As razões, contudo, foram-se alterando ao longo das horas e dos dias, o que sugere – apenas isso – alguma perturbação ou insegurança na fundamentação da afirmação. Primeiro, era porque estava nos regulamentos (quais?), depois porque assim impunham os regulamentos internacionais (quais?) e mais tarde por que existia, no regulamento de competições, um caso omisso para os jogos europeus que tivessem lugar à sexta-feira (aqui, concordando com aquilo que, ainda na noite de 5ª feira, fomos adiantando a pedido da comunicação social).
5. As normas a aplicar são apenas as da Liga portuguesa, por se encontrar em causa um jogo por ela organizado. No espaço regulamentar dedicado aos jogos, assume agora relevância o artigo 23º sobre o calendário dos jogos.
6.1. Quando estejam em causa clubes que participem em competições europeias, com jogos à quinta-feira, há que obedecer, na marcação dos jogos nacionais, a algumas condições expressamente estabelecidas nesse artigo.
A primeira hipótese consta da alínea d) do nº 7: quando um clube, participante nas competições da UEFA, tenha de disputar um jogo dessa competição à quinta-feira em território estrangeiro tem direito a um intervalo de descanso de 72 horas, calculado entre o final daquele jogo internacional e o início do jogo seguinte na competição nacional.
Esta norma não se aplica ao caso em análise.
6.2. Segue-se a alínea e) desse nº 7: quando um clube, participante nas competições da UEFA, tenha de disputar um jogo dessa competição à quinta-feira em território nacional tem direito a que o jogo seguinte na competição nacional não se realize na sexta-feira e sábado seguintes à realização daquele jogo internacional.
Também aqui, pelo menos directamente, a norma, no caso concreto, não logra aplicação, uma vez que o jogo europeu do Sporting se realizou na sexta-feira.
Parece que estamos, por isso, perante um caso omisso determinado por causa de força maior.
7. Como resolver?
Entendemos que as razões que se acham subjacentes à solução para que necessitamos resposta se encontram na norma que concede um verdadeiro direito potestativo ao clube quando joga em casa num jogo europeu. Por isso aplicamos, por analogia, o disposto na alínea e): o Sporting tem direito a não jogar no sábado e no domingo para a Liga.
A situação poder-se-ia alterar, aí sim, se o Sporting-Benfica estivesse agendado para domingo.
8. Não tendo esse direito, ao Sporting restavam duas opções.
Não comparecer ao jogo e averbar uma falta de comparência, sancionada, para além de multa, com a subtracção de 2 a 5 pontos, ou tentar accionar o nº 3 do referido artigo 27º, levando a Comissão Executiva da Liga a alterar a data e hora de realização do jogo, devendo, para o efeito, ouvir previamente o Benfica e qualquer outro clube que possa ser afectado pela decisão.










quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

Desporto e Municípios

Eis um bom motivo para quem não está no Porto visitar esta maravilhosa cidade. Para quem está no Porto será uma boa forma de acabar a semana de trabalho e partilhar o fim da tarde com quem gosta de desporto.
Nesta obra coletiva, entre muitos outros contributos, poderá ler:

"O corpo deve ocupar uma posição de centralidade no âmago da política autárquica. As cidades, vilas e aldeias são cenários e estruturas de trato ou destrato dos corpos. Estas preocupações valem em todo o tempo, mas são reforçadas pela crise económico-financeira, que aí está e veio para ficar e durar. Ela atinge de modo grave as vítimas do costume e afeta outras que tradicionalmente ficavam de fora"
Jorge Olímpio Bento

"A criação de condições que permitam às populações comportamentos fisicamente ativos e um estilo de vida, onde esteja incorporada uma forte componente de atividade física e desportiva, deve constituir o mote central das políticas desportivas locais. As restantes dimensões da prática desportiva serão subsidiárias deste objetivo. O que obriga a definir equilíbrios entre o modelo associativo tradicional e as novas formas de organização e procura desportiva onde se inclui uma forte componente de auto-organização desportiva."
 José Manuel Constantino

"Independentemente da justeza ou não dos financiamentos centraisou mesmo da sua ausência, as autarquias são, indiscutivelmente, alavancas do desenvolvimento do desporto no país, apostando na formação, construindo infraestruturas, apoiando o associativismo desportivo e garantindo a todos o acesso ao desporto."
Hermínio Loureiro

terça-feira, 4 de dezembro de 2012

O Estado e o conceito estratégico



Em contextos de fraca qualidade politica e de fragilidade doutrinária a construção da decisão política fica muitas vezes dependente da dimensão técnica. E essa dimensão técnica é determinada pela formação disciplinar dos que estão mais perto dos decisores políticos Depois explica-se esta ou aquela decisão porque supostamente é a melhor. Mas em que o mérito é determinado, ainda que não assumidamente, por critérios técnicos e não por critérios políticos. É certo que a decisão política não pode deixar de estar tecnicamente fundamentada. Mas esse facto não reduz a decisão política a uma mera réplica da decisão técnica.
Os modelos de desenvolvimento do desporto configuram opções e alternativas. Não existe um modelo único no sentido de excluir outras possibilidades. Se o país está preocupado com o nível de resultados de topo pode prescindir das políticas de promoção desportiva. A “pirâmide desportiva” em que a elite surge da massa dos praticantes só é ainda um modelo defensável na perspetiva do acesso do maior número de cidadãos à prática desportiva. Mas, em termos de política desportiva dirigida para o alto rendimento, deixou de ser a condição imperativa que se admitia antes da evolução registada nos processos de deteção, seleção e preparação dos atletas É uma opção. Mas as questões dilemáticas na escolha dos modelos sendo importante não é decisiva. O importante é definir o modo de influenciar os fatores críticos para o sucesso desportivo independentemente do modelo escolhido.
A passagem de um modelo unidimensional (desporto de rendimento) para um modelo pluridimensional (formação, competição, rendimento, recreação, lazer) com a passagem de um foco unipolar (o clube) para um regime multipolar (escola, clube, setor privado, etc.) alterou os termos em que tradicionalmente se pensava o desenvolvimento desportivo. Porque deixou de haver um centro único e tudo passou a funcionar em rede e de forma sistémica Não deixa de ser curioso que seja um governo assumidamente liberal que alimenta a ideia de um Plano para o Desporto como comando e motor orientador do desenvolvimento desportivo nacional, a que deverá reportar toda a estratégia nacional subordinada à ação volitiva do Estado. E nem a crise das finanças públicas, e com ela a de um Estado incapaz de sustentar as suas políticas sociais e distributivas, pondo em risco a própria estabilidade da sua dimensão social, parece impedir a ilusão de um modelo que quer fazer do Estado o centro da racionalização estratégica das políticas desportivas.
O ponto nevrálgico de uma nova política para o desporto, e que reclamaria novas atitudes e uma nova mentalidade por parte de todos os intervenientes – Estado e agentes desportivos – era a transição de uma linha política de desenvolvimento dirigido, em que o Estado é a unidade central e centralizadora, para uma outra de desenvolvimento assistido, em que o Estado deixa às organizações desportivas grande parte das suas competências e iniciativas, mantendo contudo, além da iniciativa legislativa, a cooperação técnica e financeira onde as energias próprias do sistema desportivo não fossem suficientes à prossecução das suas metas. Uma consequência paradoxal do sistema desportivo nacional tem sido, apesar de negado, o reforço e o controlo burocrático dos governos sobre o movimento desportivo, aumentando o grau de dependência deste e criando uma estrutura instável e pulverizada em decisões que dificultam tanto a conceção e discussão de propostas como a tomada de decisão. E nem a crise do Estado parece arrefecer essa vontade. O futuro desportivo do país precisa efetivamente de referências e de objetivos e de um conceito estratégico claro.E essa deve ser função do Estado. Mas tem de ter uma doutrina que o suporte e um consenso com os parceiros desportivos. O resto é louvável, mas cria o risco de insucesso.

 *imagem retirada de publicação Porto 24.

domingo, 2 de dezembro de 2012

Diz-me com quem andas, dir-te-ei quem és.


Texto publicado no Público de 2 de Dezembro de 2012.


1. Estás convidado para jantar, Caro Mestre Picanço, mas espero nunca mais o ver num jantar destes.
2. Devo confessar ao leitor que se há coisa que me dá uma satisfação adicional é o confronto entre dois “companheiros de luta”, entenda-se sempre, na expressão desse meu sentimento, de uma “luta” que não tenho por certa, no hastear de bandeira que julgo ser a errada.
Um destes dias, após o repasto, Mestre Picanço, convidado de Vicente Moura e este, ainda presidente do Comité Olímpico de Portugal, decidiram trocar, antecipadamente, os seus presentes de Natal, rompendo, pelo menos aparentemente – já tenho alguns anos destas coisas – com a “forte relação” que tinham há anos. Relembre-se que Mestre Picanço é membro da Academia Olímpica, conviveu com Vicente Moura a vários títulos e há quem afirme que, pelo menos em parte, deve o seu lugar de governante (?) ao apoio que expressou o presidente do COP.
Relembre-se ainda que Mestre Picanço foi membro da 1ª Comissão Instaladora do Tribunal Arbitral do Desporto do COP, desistiu – após a primeira reunião – de ser membro da Comissão para Justiça Desportiva, que iniciou um processo para um Tribunal arbitral do Desporto, fora do COP (ter-se-á enganado ao que ia). Em breve, Vicente Moura era um suporte e inspirador de Mestre Picanço e este, por seu turno, sempre foi um bom obediente.
3. Pum!
Mestre Picanço terá realizado um discurso de resposta a Vicente Moura por recentes declarações deste em termos do estado da nossa política desportiva: "Até porque, muito recentemente e para grande surpresa do Governo, depois de um ano e meio de intenso esforço, articulação e empenhamento, para criar a melhor relação possível com o COP, ter sido afirmado pelo senhor presidente que este Governo navegava à vista, que não tinha qualquer direcção e que se tinham perdido as ilusões quanto a este Governo"


Indignação total de Vicente Moura: "Foram completamente inoportunas, isto é um jantar, uma festa, eu fiz a despedida do trabalho que fiz ao longo de 15 anos, que me orgulho, e o discurso do senhor secretário de Estado é completamente desinserido. Aproveitou para fazer uma súmula das acções do Governo, algumas positivas, mas outras inconsequentes. Agora vê-se bem que navega mesmo à vista".
Acusando Mestre Picanço de ter proferido "um discurso propagandístico", disse ainda Vicente Moura: ”Eu fico a pensar que disse que conheci muitos ministros e muitos secretários de Estado, uns que gostei bastante e outros apenas gostei, eu tenho de dizer que deste eu apenas desgosto”. Espectacular e olímpica tipologia de sabores.
4. Desta maravilhosa zanga de “comadres” parece resultar, todavia, uma certa concordância.
Mestre Picanço aproveita a última oportunidade para poder dizer aquilo que agora (pode mudar amanhã, pelas 15 horas) pensa de Vicente Moura, em registo final de mandato. Vais-te embora, não é? Então ainda bem e leva isto contigo.
Por seu lado, Vivente Moura também não deixou de apontar a Mestre Picanço o caminho da saída: ”É um bom jurista e acho que devia voltar à sua profissão, deixando o Desporto às pessoas que o amam, que o conhecem e que são capazes de encarar com 'fair-play' as críticas e contrariedades da vida”.
5. Boa! Porque não vão os dois embora e de braço dado?