terça-feira, 17 de setembro de 2013

A Colectividade Desportiva morreu.

Cabe-me – tem sido sina minha – afirmar o que tem de ser afirmado.

Nascida a 27 de Outubro de 2007, com um texto da Maria José Carvalho, contou ao longo destes quase seis anos de vida com uma presença bem vincada de textos da autoria de José Manuel Constantino, João Paulo Almeida, Maria José Carvalho e da minha autoria.
À excepção do João Paulo de Almeida, os outros foram fundadores da Colectividade Desportiva.
A eles se juntaram, de início e na vida da Colectividade outros autores, incluindo visitantes que deixaram aqui textos de relevo para – como foi o mote deste espaço – olhar o desporto.
O visitante desta nossa sede legitimamente perguntará sobre o porquê do atestado de óbito.
Para mim, assim vejo as coisas, quando um núcleo importante de associados da colectividade deixam, por uma razão ou por outra, de puderem assistir às assembleias gerais, é sinal evidente que a vida associativa terminou.
O melhor é mesmo, para evitar agonias de sofrimento, ter a coragem de fazer as contas e dissolver a associação.
Sei, contudo, que há um espólio bem significativo de opiniões válidas sobre as mais diversas temáticas – os diferentes olhares sobre o desporto – que constam dos arquivos da Colectividade desportiva.
Por essa razão, em eventual benefício de outros, o blogue permanece acessível com esta mensagem fúnebre que nem sequer é um elogio.
Obrigado a todos aqueles que, com interesse, concordâncias ou discordâncias, viajaram connosco.
Os outros não deixam – não podem deixar – saudades.

José Manuel Meirim


17 de Setembro de 2013 (terça-feira)

segunda-feira, 24 de junho de 2013

O treinador que não sabe comunicar… não pode treinar!

Os primeiros episódios, no Chelsea, do treinador José Mourinho a entregar a Tiago um papel para este ir dar a outro colega seu dentro de campo fez destaque na comunicação social. O que seria aquilo? Diria que se tratava de uma forma simples de comunicar com quem estava distante e, acima de tudo, diminuir o ruído que seria dizer algo ao jogador português para que este fosse dizer ao seu colega. Naturalmente, o médio iria sempre introduzir uma palavra a mais ou transmiti-la de forma mais emocional ou racional.


A verdade é que o treinador não joga, mas participa diretamente! E a sua comunicação tem um peso preponderante na ação dos seus atletas. Participa ativamente durante os treinos e nas conferências, lidera os atletas, gesticula, fala com os atletas individual ou coletivamente, aponta, dá o exemplo, mas não pode ser ele a executar os movimentos técnicos ou táticos durante a competição. Logo exige-se que consiga transmitir o que quer de forma muito eficiente.

Porque os atletas, de forma consciente ou inconsciente, também podem estar sempre a observar e a tirar as suas conclusões. E isto passa pela gestão do próprio treinador do seu impacto comunicacional e pela importância que o mesmo assume.

A comunicação é o que as pessoas realizam para trocarem informação entre si, utilizando sistemas simbólicos e processos para alcançarem esse objetivo. O treinador que até possa saber muito de tática, se não conseguir transmitir essa informação que recolhe para os seus atletas ou adjuntos, de nada vale, porque essa informação só será útil para uma pessoa, que não joga, o treinador. Necessita de transformar essa informação em ações e, para isso, tem de explicar aos outros o que é necessário que se faça. Não como ele entenderia mas como os atletas entenderão!

Os treinadores começam a procurar potenciar os denominados mind games. Phil Jackson, ex-treinador na NBA dos Chigaco Bulls e LA Lakers, era um perito. Mais recentemente, José Mourinho utiliza muito a sua comunicação como modo de influenciar o que os outros pensam ou interpretam de algumas das suas atitudes e comportamentos. Mesmo existindo sempre uma distância entre o que o treinador português de facto pensa mas que pretende explicitamente comunicar aos outros. Condiciona, motiva, estimula, amedronta, avalia…só com as suas palavras ou gestos.

Também em Portugal assistimos a uma maior exigência ao nível da comunicação. Observa-se que um conjunto de treinadores é mais eloquente a comunicar. Procura ser mais empático, de forma que a sua mensagem chegue mais clara e rápida aos seus atletas. Vítor Pereira e Jorge Jesus mudaram a sua forma de comunicar para o público em geral. Ambos foram alvo de processos de mudança. Um pelo coaching, outro pelo carisma da pessoa que trabalhou consigo.

Por outro lado, também é interessante verificar que alguns treinadores não mudam a sua forma de comunicar e ainda obrigam que sejam todos os outros a adaptar-se a ele.

Acrescenta-se que numa equipa e num jogo é importante ter presente que todo e qualquer comportamento é comunicação. Qualquer comportamento ou ausência de comportamento irá proporcionar um outro comportamento que bem interpretados são ferramentas muito importantes para quem lidera e também para os próprios atletas no seio das equipas.

Por fim, não nos iremos esquecer de algumas acções bem intensas que aconteceram esta época desportiva. Que grande impacto comunicacional teve em nós. Infelizmente para os seus emissores, certamente, não foi aquela a imagem que queriam transmitir…

domingo, 16 de junho de 2013

Vale mais praticar desporto ou descansar sem ruído?

Texto publicado no Público de 16 de Junho de 2013.


1. Numa “pré-epoca” de litígios desportivos, situemo-nos no quadro da informação jurídica, direito fundamental de todos.
2. Recente decisão de tribunal administrativo superior lidou com tema bem interessante.
Duas pessoas, uma seguida por médico em virtude de perturbação do sono – provocada pelos ruídos mencionados - e outro sofrendo de doença bipolar grave, vieram interpor uma providência cautelar visando o encerramento provisório de um pavilhão gimnodesportivo de uma escola.
A escola autoriza a utilização do pavilhão no período pós aulas, de segunda-feira a sexta-feira até às 24H00, ao sábado até às 22H00 e ao domingo até às 12H00, para a prática de actividades desportivas por pessoas alheias à actividade escolar, recebendo uma contraprestação monetária.
Segundo os requerentes encontra-se “ em causa a violação de direitos de personalidade, designadamente o direito ao sono, ao descanso, à tranquilidade e à saúde, os quais estão constitucionalmente consagrados, são directamente aplicáveis e vinculam entidades públicas e privadas».
3. Julga-se útil dar conta da ponderação de valores concretizada pelo tribunal que, a final, veio a confirmar a decisão de primeira instância favorável aos requerentes: encerramento provisório do pavilhão no período assinalado.
O Ministério da Educação e Ciência recorreu desta decisão, alegando, entre outros aspectos, que a concessão da providência é susceptível de causar grave lesão ao interesse público, em particular no que se refere às actividades que decorrem fora do período lectivo e que se prendem com o Programa do Desporto Escolar.
4. O Tribunal, para além de se pronunciar sobre outras questões, veio a operar uma “ponderação de interesses e danos”, públicos e privados.
 O «interesse» privado, que sobressai da tese dos requerentes cautelares é o da salvaguarda do seu direito ao sossego, à tranquilidade, ao descanso, que se vê afectado pelo ruído da dita exploração comercial do pavilhão gimnodesportivo. Mas este interesse «privado» encontra também eco no interesse «público» da protecção da saúde, mediante a implementação de medidas que evitem a sua agressão.
Para o MEC, em resumo, visa-se prosseguir a exploração das potencialidades desse pavilhão gimnodesportivo através da realização de «actividades desportivas por pessoas alheias à actividade escolar, recebendo, por isso, uma contraprestação monetária». Mas também aqui, se anicha o «interesse público» de promover a actividade desportiva, com tudo o que isso significa ao nível da promoção de uma vivência física e mentalmente sadia.
5. Que decisão?
“Não é difícil concluir que a dimensão qualitativa, pessoal, constitucional e legal, dos danos que resultam da recusa da providência, para a esfera jurídica dos requerentes cautelares, superam os que provavelmente resultam, para os interesses da entidade requerida, da sua concessão.
Mas chamamos a atenção para o facto de o encerramento provisório que foi decretado, e que entendemos confirmar, ter duas limitações, uma temporal e outra pessoal. A primeira, porque se aplica, apenas, de segunda a sexta-feira, no período que vai desde o termo das aulas até às 24H00, na totalidade do dia de sábado, e no domingo até às 12H00. E a segunda porque se aplica, apenas, à prática de actividades desportivas por «pessoas alheias à actividade escolar».
Destas limitações resulta o não impedimento da prática de actividades de carácter desportivo que tenham a ver com  «Programa de Desporto Escolar»  desde que levadas a cabo pelos alunos ou outras pessoas ligadas à actividade escolar.”

domingo, 9 de junho de 2013

O poder central em Mirandela

Texto publicado no Público de 9 de Junho de 2013


1. Viajar quase 900 quilómetros para participar em seminário no âmbito da II Semana da Juventude e do Desporto, organizado pela Câmara Municipal de Mirandela, não é fácil.
Abandona-se o conforto da capital, da centralidade, do metro, da comunicação fácil, para olhar uma realidade afastada, interior, de passos e agir diferentes. Lisboa é o centro da vida; Mirandela, o afastamento rodeado de pedras rudes, uma terra mais de azeite e menos de alheiras, ao contrário da ideia que se carrega à partida da viagem.
2. Perante uma plateia de dirigentes associativos locais e alguns estudantes de Bragança, tentei transmitir o que o Direito “dá” ao dirigente desportivo voluntário e o que dele “exige”. Pouco ou nada e quase tudo, respectivamente.
Mas, para além dessas constatações, comuns a este infeliz País, seja o nordeste, inesperadamente, assumiu-se como centralidade e Lisboa como inevitável periferia.
3. A Federação Portuguesa de Pangration Athlima tem sede em Mirandela, foi fundada em Abril de 2000 e congrega cerca de duzentos praticantes.
Portugal participou, na Grécia, no Campeonato do Mundo de Pangration em 2003, obtendo 3 medalhas de bronze por José Varela (C.A.M.P.A. de Alijó), Ivete Alves (C.A.M.P.A. de Alijó) e Pedro Mores (A.M.A.O. de Mirandela). Colectivamente, a equipa portuguesa foi 8ª classificada.
A representação nacional esteve também presente no Campeonato da Europa, em 2004, igualmente na Grécia, conquistando, em agon, uma medalha de ouro por João Varela, de Alijó; medalha de prata por Sandra Dias e uma de bronze por Cristina Novo, ambas do Mirandela. Em paleismata mais uma prata por intermédio da dupla: Sandra Dias e Cristina Novo. Portugal foi 5º.
4. Pangration? Em Mirandela? Alijó?
“O combate de pankration define-se como um combate entre 2 atletas cujo objectivo é a vitória de um deles sobre o seu adversário. Aos atletas é permitido qualquer tipo de ataque com os membros superiores, inferiores e com a cabeça. As técnicas devem ser as permitidas pelas regras e assim evitar traumatismos. As técnicas podem ser utilizadas com os atletas em pé ou no chão. É permitido qualquer tipo de prisão (agarre) de corpo ou roupa com os pés ou mãos cumprindo os regulamentos. É permitido qualquer tipo de projecção ou prisão e pressão muscular sempre que não leve a um traumatismo sério e duradouro”. Trata-se uma antiga arte marcial e antigo desporto de combate sem armas, que segundo a mitologia grega teve início com os heróis Hércules e Teseu. Uma mistura de boxe e luta olímpica, tendo surgido pela primeira vez na 33ª Olimpíada (648 AC).
5. Num tempo em que para o Estado o dinheiro mede as modalidades desportivas, parecendo privilegiar a diminuição de federações desportivas - contrariamente ao que se julgava ser uma finalidade das suas incumbências -, em Mirandela existem exemplos de pluralidade desportiva, quer o Estado queira ou não queira.

Estou certo, que outras centralidades existirão por este País fora que, com base no apoio público local e no voluntariado, continuam a pugnar pela afirmação do desporto como realidade social que contribui para o desenvolvimento da personalidade humana.

domingo, 2 de junho de 2013

Se cometeres crimes entrega o dinheiro ao clube.

Texto publicado no Público em 2 de Junho de 2013.

1. Se levasse em linha de conta o sentir da “opinião pública” sobre o valor das decisões da justiça desportiva, este texto poderia intitular-se “Lá como cá”.
2. Um dirigente desportivo, quando no exercício de funções públicas, foi condenado, em 1ª instância, em 4 anos e sete meses de prisão, com suspensão de execução da pena por igual período, acompanhada de regime de prova, pela prática de um crime de corrupção e outro de abuso de poder. Em causa encontram-se condutas ilícitas em que, resumindo, o arguido beneficiava empresários da construção civil e, com isso, obtinha para o clube importantes vantagens patrimoniais.
Interpostos recursos, incluindo pelo Ministério Público, o Tribunal da Relação veio a aplicar a pena única de 6 anos de prisão.
Seguiram-se os recursos para o Supremo Tribunal de Justiça (STJ) que recentemente veio a tomar a decisão final sobre o caso.
3. Do extenso acórdão, destaquemos algo que nos marcou, isto é, a pena aplicada: 15 meses de prisão, com a execução suspensa por igual período.
Centremo-nos apenas em informar as razões que determinaram esta concreta pena, bem diversa da alcançada em 2ª instância.
Afirma o STJ que as penas servem finalidades de prevenção geral e especial, isto é, pretende-se não abalar a confiança das expectativas de todo dos cidadãos na validade das norma jurídicas e no “restabelecimento da paz jurídica comunitária abalada pelo crime”. Do ponto de vista da prevenção especial, o critério decisivo é, em princípio, a medida da necessidade de socialização do agente.
Ora, adita o STJ, exige-se um sinal claro de “intransigência” perante a corrupção e a venalidade, desta forma acompanhando os sentimentos de repúdio da comunidade pelo fenómeno da corrupção.        
4. Passando ao caso concreto, o STJ afirma que nada impede que a pluralidade de actos (concretamente oito) e a intensidade com que foram praticados sejam valoradas como factor de agravação da culpa.
Mas (primeiro mas): “Todavia, não será descabido, para a caracterização da medida da culpa, mais uma vez destacar os fins e motivos da actuação do arguido, não directamente ligados ao seu enriquecimento pessoal, uma vez que todas as vantagens, com excepção de uma única situação […] se destinaram ao clube, num contexto de dificuldades económicas e financeiras do clube”.
Assim sendo, 15 meses de prisão.
5. Mas (segundo mas): “Já antes destacámos a elevada dimensão em que se projectam as exigências de prevenção geral quanto ao crime de corrupção e o mesmo não deixa de se poder afirmar, em substancial medida, quanto ao crime de abuso de poder. Não obstante, há especiais contornos do crime de corrupção (aquele que assume, em função da pena parcelar por ele aplicada indiscutível preponderância no concurso) que o afastam dos casos típicos ou normais em que a ganância do agente dirigida ao seu enriquecimento pessoal é o principal fautor do crime. No caso, salvo uma única excepção, as vantagens destinaram-se a um clube desportivo e mesmo a única vantagem directa recebida pelo arguido não se dissocia da “vida” do clube porque foi destinada à campanha do arguido para a direcção do clube.
Os fins e motivos da actuação do arguido no quadro das «constantes dificuldades económicas e financeiras do clube», não podem deixar de interferir na percepção comunitária do crime atenuando as exigências de defesa do ordenamento jurídico que são, por regra e em abstracto, reclamadas pelo crime de corrupção.
Por isso, no caso, a suspensão da execução da pena, se subordinada ao cumprimento de deveres destinados a reparar o mal do crime, não deixará de ser compreensível para o sentimento jurídico da comunidade e para a manutenção da sua confiança no direito e na administração da justiça.”
6. Tudo bem, mas o meu sentimento jurídico não compreende. Sou um insensível, claro está.

domingo, 26 de maio de 2013

Já não há federações no céu.

Texto publicado no Público em 26 de Maio de 2013.


1. No passado dia 20 o Diário da República publicitou os despachos do novel Secretário de Estado do Desporto e Juventude que indeferiu os requerimentos visando a renovação do estatuto de utilidade pública desportivas, apresentados pela Federação Portuguesa de Aeronáutica, pela Federação Portuguesa de Aeromodelismo, pela Federação Portuguesa de Paraquedismo e pela Federação Portuguesa de Voo Livre. O fundamento invocado para tais decisões é o de que as federações não fizeram prova de se encontrarem filiadas em organização desportiva internacional reguladora da modalidade.
Coloquemos de parte, por ora, o fundamento invocado. Não conhecemos o processo e vamos aguardar para outros fundamentos que irão surgir quando o Estado não renovar o estatuto a outras federações desportivas. Dir-se-ia até, para efeitos deste texto, que o acerto do fundamento é algo bem secundário.
Não há nada de escandaloso nesta afirmação proferida por um jurista de formação e deformação. Vejamos porquê.
2. As quatro federações desportivas titulavam o estatuto de utilidade pública desportiva desde 1996!
Durante 17 anos os sucessivos Governos, IDP’s, IDPJ’s e afins, nada se preocuparam com esta eventual ausência de filiação em federação internacional. Não vale o argumento de que é algo que o novo regime jurídico das federações veio a introduzir. Mesmo que assim fosse, a omissão dos poderes públicos – não confundir com podres públicos, erro sintomático do word – perdura há 4 anos.
Anos e anos de contratos-programa celebrados com essas federações, anos e anos de reconhecimento público da actividade desportiva organizada e regulada por essas federações desportivas.
Porquê agora?
3. A meu ver há uma razão fundamental: poupar no financiamento às federações desportivas o que equivale, no quadro em análise, em ferir gravemente essas práticas desportivas.
Por outro lado, este eventual apego à legalidade, por parte do Estado é de um cinismo extremo.
O Estado tem o poder-dever de fiscalizar, nos termos da lei, as federações desportivas. Essa fiscalização deve ser – assim manda o princípio da legalidade - contínua e não algo, como é prática há anos, impulsionado, de quando em vez, por razões que pouco se prendem com o serviço público. O Estado vive na omissão, no laxismo. O Estado actua, perdoem-me as modalidades em voo livre, salta de paraquedas, prosseguindo finalidades por vezes bem pouco confessáveis.
4. Sempre foi assim e sempre será assim. Com Laurentino, Mestre e seguidores. Perante esta certeza, as federações desportivas só têm, como há anos afirmo (mas não sou ouvido), uma postura possível: cumprir a lei e ter o Direito como aliado. Só assim se combate o arbítrio estatal.

domingo, 19 de maio de 2013

Era uma vez um fair play financeiro?



Texto publicado no Público de 19 de Maio de 2013.


1. Uma das apostas mais fortes da UEFA para tentar pôr cobro aos desvarios de gestão do futebol europeu – seguida já por algumas ligas – foi a instituição de regras sobre o denominado fair play financeiro. Garantir a sustentabilidade do negócio e impedir que as competições vejam a sua paridade posta em crise por clubes que se apresentam em nítida situação de favorecimento por via de situações financeiras bem desequilibradas (quando em confronto com clubes cumpridores das suas obrigações).
Tais regras – que já causaram danos e começam a aproximar-se dos clubes portugueses – foram saudadas com júbilo pela Comissão Europeia.
2. Na nação em que os jogos deveriam terminar aos 90 minutos passou algo despercebida a recente notícia que deu conta de um agente de jogadores - Daniel Striani – ter apresentado uma queixa formal na Comissão Europeia contra as Regras de Fair Play Financeiro, adoptadas pela UEFA em 2010 e em vigor desde o início da época 2011-2012. Na Bélgica (sempre na Bélgica?) nasce um perigo para o futebol europeu.
3. De acordo com o noticiado, o que parece estar em causa na queixa?
Para o queixoso a obrigação de os clubes manterem o equilíbrio financeiro pode levar a uma “limitação dos investimentos, das transferências, dos seus valores e do número de jogadores contratados, e a uma pressão deflacionária nos salários”, o que pode ter como consequência “a diminuição dos rendimentos de agentes de jogadores”.
Para a UEFA “o fair play financeiro é totalmente compatível com o direito europeu” e “encoraja os clubes a viverem ‘de acordo com os seus meios’, o que é um princípio económico saudável que visa garantir a sustentabilidade a longo prazo do futebol europeu”.
Adianta a UEFA “Tanto a Comissão Europeia como o Parlamento Europeu, os clubes, as ligas nacionais e os sindicatos de jogadores apoiam plenamente o fair play financeiro e elogiaram a iniciativa várias vezes”.
4. Pode descansar a UEFA? Naturalmente que não.
Com efeito, como se verificou sempre no passado, uma coisa é a política europeia outra o Direito Comunitário. E quando este está em causa de pouco vale o apoio e mesmo o elogio da Comissão Europeia ou do Parlamento Europeu. Quem é o guardião das normas comunitárias é o Tribunal de Justiça.
5. As regras de defesa da concorrência e os princípios da concorrência, a liberdade de circulação de trabalhadores, a liberdade de circulação de capitais e a liberdade de prestação de serviços, são tudo “ achas para uma fogueira” que pode consumir – deixando a cinzas – algumas das essenciais regras do fair play financeiro da UEFA.
6. Temos realmente um “Caso Striani”.

domingo, 12 de maio de 2013

Para acabar de vez com algumas federações desportivas


Texto publicado no Público de 12 de Maio de 2013.


1. Porventura poucos se recordarão de um ministro deste infeliz país ter afirmado, há uns anos atrás, que Portugal só deveria ter pouco mais de 30 federações desportivas.
Se o tempo faz o seu percurso, sem nos ligar muito, a verdade é que algo perdura no sentir dos governantes (?). Todos eles profundos conhecedores da realidade desportiva nacional mantêm essa máxima (de reserva) na sua mente e entendem aproveitar todas as oportunidades para a concretizar.
2. Foi assim que Laurentino Dias e a sua equipa projectaram para a Lei de Bases em vigor, o seguinte “esquema”: de quatro em quatro anos, o Estado publicava uma lista das modalidades em que iria atribuir, às respectivas federações desportivas, o estatuto de utilidade pública desportiva, por um período de quatro anos. Isto é, um menu de federações reconhecidas e apoiadas pelo Estado, vigente para um ciclo olímpico (sempre o ciclo olímpico, mesmo que a maioria das federações desportivas não respeitem a modalidades olímpicas).
Esta solução não passou. Todavia, muitos se deixaram enganar. A lei não consagrou o menu, mas não deixou de atribuir o estatuto de utilidade pública desportiva por um período determinado (quatro anos). Depois, de quatro em quatro anos, as federações desportivas titulares desse estatuto, têm de o renovar, ou seja fazer novo pedido de “acreditação”.
3. Assim nasceu, na dinâmica do estatuto de utilidade pública desportiva, a “renovação”.
No passado dia 22 de Abril, o Diário da República publicitava 37 despachos de renovação do estatuto, ainda pela pena do saudoso Secretário de Estado Mestre Picanço.
Esperámos pelos dias seguintes na esperança de mais despachos e nada. Ou seja, há ainda um significativo número de federações desportivas que não viram o seu estatuto de utilidade pública desportiva renovado. 15 delas reuniram-se há poucos dias, sob a égide do Comité Olímpico de Portugal, em face de pareceres negativos do IPDJ e do Conselho Nacional do Desporto quanto à requerida renovação.
4. Não conheço, diga-se em abono da verdade, os fundamentos de tais pareceres e estou em crer que as situações serão diversas.
De todo o modo, o objectivo final – sempre em reserva mental dos governantes (?) – apresenta-se claro, sendo escusado apelar a um discurso de que “estamos todos do mesmo lado”, não há “nós” e “vocês”, quando se relacionam Estado e federações desportivas, discurso tão do agrado dos poderes públicos (e mesmo de alguns dirigentes desportivos).
5. Firmado que está um princípio da colaboração, entre poderes públicos e privados desportivos, tal não significa, que não existam claras molduras de relacionamento normativo. E essas devem ser respeitadas, em prejuízo da relação pessoal, do “desenrasca” e do telemóvel.

sábado, 11 de maio de 2013

Tempos de Glória

Os tempos de publicação desta imagem da Glória são, aqui e agora, um avulso de possibilidades de entendimento da corrida que está para além da apresentação cronológica dos seus feitos e conquistas.  

Esta é a página da Revista Stadium publicada em 1926 sobre a corrida da Subida da Glória. Este é o registo de momentos de glória das corridas que em Lisboa se faziam nas primeiras décadas do século XX. No meio da multidão está Gil Moreira (1907- 1988) a quem esta corrida marca e lhe acentua o desejo de ser ciclista. É trabalhando como marçano que, com 11 anos vindo órfão para Lisboa, vence na vida e irá cumprir o sonho de ser ciclista e correr com os melhores da época. No ciclismo foi corredor, director técnico da equipa da Iluminante, um dos primeiros projectos de equipa empresarial existentes em Portugal, director desportivo do Águias de Alpiarça (1958), jornalista que acompanha os eventos de ciclismo, entre eles a Volta a França (1946), fundador da SIBAL (1947), escreveu em 1964 o ABC do Ciclismo, um ensaio pedagógico de técnica e táctica de ciclismo e, como epílogo de história de vida, a obra de referência chamada A História do Ciclismo Português. Pelo meio ficam outros escritos e são as narrativas publicadas na Bicicleta, no Tiro Civil e no Sport Nacional que o incentivam a contactar com familiares e ciclistas desse tempo que, prontos para darem o seu testemunho, lhe oferecem outras histórias que ele próprio colige e que anos mais tarde servirão também para ilustrar as suas próprias crónicas no Mundo Desportivo, no Diário de Notícias e no semanário O Debate.


Em 2006, seguindo as pistas de Gil Moreira num trabalho de exploração de fontes para entender a profissionalização do ciclismo português, encontro este registo fotográfico da subida e, cinco anos mais tarde, a imagem é publicada no livro sobre a Volta a Portugal em bicicleta. A imagem é refeita de significado e é evocada para ilustrar um texto sobre a génese do espectáculo desportivo e comercial e, na fotografia, para mostrar o valor da multidão no reforço emocional da mensagem transmitida. Fotografada, a multidão é também um espectáculo, impressiona visualmente, é a objectivação da causa, seja ela qual for. Uma ideia prenhe de significado na necessidade política da afirmação autoritária dos movimentos nacionalistas, que viram na multidão a possibilidade de tornar objectiva a ideia de comunidade, e no espectáculo que ela representa a celebração de si própria, estabelecendo um paralelo com o papel desempenhado pela liturgia na religião. Actualmente, explorada a ideia para a produção televisiva, não faltam exemplos de cenários criados nos quais, na celebração espectacular, o ambiente criado chega a ser mais importante que a causa em si.


Quando este ano se conseguiu, sob apoio da SEJD, realizar a ICHC no Museu do Desporto que agora reside no Palácio Foz, colado à calçada da Glória, veio de novo à memória a imagem anos antes publicada. Volto à BNL à procura desse mote e eis que dou com os jornais desportivos das primeiras décadas em muito mau estado, a desfazerem-se, interditos à leitura. À falta de melhor pega-se então na foto da página do livro e de novo se lhe altera o sentido e, em pouco tempo, é o mote perfeito para convencer os parceiros institucionais a dar apoio à ideia extravagante de, na calçada, repetir o feito da corrida.


E, dito e feito, de novo a imagem circula e pegando nela a Matilha Cycle Crew transformou-a no cartaz que agora anuncia a corrida de 2013. Um design que nos confunde porque a tecnologia criativa consegue o presente parecer passado; é, também por isso, uma obra prima porque consegue baralhar todos os tempos que na imagem se cruzam e misturam.
É este poster que ficará como memória futura, é esta imagem que detém o poder transformativo do tempo. E apesar de serem hoje outros tempos é a multidão que ditará o sucesso do evento e dará visibilidade à agenda em causa: levar para o espaço publico a reflexão histórica sobre o valor do património desportivo; dar visibilidade à causa da bicicleta para em Lisboa termos menos auto-estradas e mais ruas; e, ainda, devolver à cidade a festa do ciclismo menos ligado a quadros competitivos federados e mais a jeito de nos levar a todos à Glória! 


quinta-feira, 2 de maio de 2013

Subida à Glória, um património suado

Fonte - Eco DosSports, AnoI, n39,1926, gentilmente cedida pelo Museu Nacional do Desporto

Em meados de Maio, acontece em Lisboa o Congresso Internacional da História do Ciclismo (ICHC 2013). No âmbito do programa desta Conferência vai realizar-se a corrida da Subida à Glória. Esta corrida foi uma "descoberta", um achado que é descrito na obra de Gil Moreira e cujas imagens já, em parte, se encontram destruídas porque na Biblioteca Nacional os jornais desportivos do início do século XX estão a desfazer-se, não foram a tempo digitalizados e já não podem ser consultados. No Museu Nacional do Desporto, o espólio existente debate-se igualmente com problemas de conservação, preservação e até de comunicação porque está, literalmente, enclausurado no interior do Palácio Foz, ali mesmo junto à Glória. Perguntam, porque é que uma conferência de história leva para a rua uma corrida? Porque a história de Lisboa tem de ser partilhada por todos, porque o património não pode ser destruído e, para ser sentido, nada melhor do que ser com o corpo vivido, suado!

Cem anos depois das primeiras corridas da Subida à Glória, o desafio celebra no presente o legado histórico do passado! Data de 1910 o primeiro registo cronometrado mas é em 1913 que a disputa se avoluma e depressa se torna numa das mais célebres corridas de Lisboa, na qual em 1926 Alfredo Luís Piedade ganha a Glória de um recorde de 55 segundos nunca, até hoje, batido.
A Subida à Glória é uma subida que Tristão da Silva tornou fado cantado, no qual não há glória merecida sem sacrifício suado e, perante esta sina, cabe ao ciclismo enfrentar e vencer a rampa de 265 metros com declive médio superior a 17%. Mas não há corrida sem festa nem euforia e eis que tamanha alegria é também prometida na Subida à Glória do próximo dia 17. Um frenesim que pode ser escutado na canção dos Rádio Macau dedicada ao elevador que liga a Baixa ao Bairro Alto, uma alegoria às ilusões da vida motivadas por subidas rápidas sem canseiras nem fadigas.


Reviver de modo festivo a história da corrida é também uma forma de chamar a atenção para os problemas da cidade no presente. Ora, nas corridas há uma mise en scéne do esforço, da conquista do território, demonstrando que não há na cidade rampas que resistam à glória da bicicleta. Mas, no dia-a-dia, a bicicleta promete melhoria de vida sem tanta canseira e, por isso, as políticas públicas têm de promover formas de mobilidade combinada com os transportes públicos. Em rampas com esta, não basta ao elevador ser Monumento até porque servindo a cidade transforma e transforma-se perante as suas necessidades. Parado, o elevador assiste à corrida histórica, um evento no qual só os mais aptos correm. Mas a história do elevador é feita de movimento, tem de adaptar-se aos tempos e transportar bicicletas para, na rotina, nos levar a todos à Glória!


Figura convite da corrida de 2013 Subida à Glória. Design da autoria da Matilha Cycle Crew



domingo, 28 de abril de 2013

Tribunal Constitucional- 12 - Tribunal Arbitral do Desporto -1-


Texto publicado no Público de 28 de Abril de 2013


1. O Acórdão nº 230/2013, do Tribunal Constitucional, do passado dia 24 de Abril, veio colocar um ponto final na criação de um Tribunal Arbitral do Desporto à portuguesa. Não se quer significar, com esta afirmação, que o desporto nacional não possa contar com uma solução alternativa aos tribunais do Estado. O que fica de fora é um modelo que, na prática, resultava numa exclusão dos tribunais.

2. A decisão do Tribunal Constitucional não curou de todos os aspectos que motivaram algum debate nos últimos meses. Limitada ao pedido do Presidente da República teve a oportunidade de, no entanto, incidir sobre um dos mais relevantes e que reunia o consenso da maioria parlamentar, do Governo e do PS: a imposição de uma arbitragem para a resolução de litígios, em particular aqueles inseridos em ambiente federativo.

3.Tomemos, como exemplo, as sanções disciplinares. Para a Assembleia da República – votos favoráveis da maioria e abstenção do PS –, um acto sancionatório de uma federação desportiva só podia ser “recorrível” para o Tribunal arbitral do Desporto e, da sua decisão, não haveria recurso – quanto ao mérito da decisão - para os tribunais estaduais.

4. Afirma-se na decisão não ser “aceitável, num primeiro relance, que o Estado delegue poderes de autoridade numa entidade privada, operando por essa via uma privatização orgânica da Administração relativamente ao exercício de uma certa tarefa pública, e simultaneamente renuncie também a qualquer controlo jurisdicional de mérito, através de tribunais estaduais, quanto às decisões administrativas que sejam praticadas no quadro jurídico dessa delegação de competências”.

5. E prossegue: ”a circunstância de estarem aqui implicados poderes de autoridade que resultam de uma transferência de responsabilidade no exercício de uma certa tarefa pública, de que o Estado é ainda o titular e por cuja execução continua a ser o garante, justifica que se invoque uma reserva relativa de juiz que proporcione aos tribunais estaduais a última palavra na resolução de litígios que resultem dessa intervenção administrativa delegada. Neste contexto, a irrecorribilidade das decisões arbitrais, tal como previsto na norma impugnada, representa uma clara violação do direito de acesso aos tribunais, não apenas por se tratar de decisões adoptadas no âmbito de uma arbitragem necessária, mas também pela natureza dos direitos e interesses em jogo e pelo facto de estar em causa o exercício de poderes de autoridade delegados […] Ora, a imposição legal de uma jurisdição arbitral quando esteja em causa a resolução de litígios que relevam do exercício de poderes de autoridade com a concomitante proibição de acesso mediato a um tribunal estadual, é, por si, susceptível de afectar a garantia contenciosa dos administrados na medida em que reduz o nível de protecção dos direitos e interesses legalmente protegidos.

6. Só uma conclusão era possível: o Tribunal decide pronunciar-se pela inconstitucionalidade, por violação do direito de acesso aos tribunais consagrado no artigo 20.º, n.º 1, e por violação do princípio da tutela jurisdicional efectiva, previsto no artigo 268.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa, da norma constante da 2.ª parte do n.º 1 do artigo 8.º, conjugada com as normas dos artigos 4.º e 5.º, todos do Anexo ao Decreto n.º 128/XII, na medida em que delas resulte a irrecorribilidade para os tribunais do Estado das decisões do Tribunal Arbitral do Desporto proferidas no âmbito da sua jurisdição arbitral necessária.

terça-feira, 23 de abril de 2013

No campo de jogos, a sala de cirurgia




Se tivesse de expor uma "instalação" sobre o valor das aulas de EF, sobre o valor da prática desportiva, colocaria no meio de um campo de jogos o equipamento de uma sala de cirurgia.

E esta ideia não é nenhuma aberração porque, reparem bem, tanto o espaço como o equipamento escolhidos evocam a dor! Não há ninguém que se gabe de poder escapar à dor e, por isso, é uma experiência por todos nós sentida. Logo, a sala de cirurgia é o lugar ideal para se avaliar o investimento feito nos ginásios e campos de jogos  porque é na situação extrema, no limiar entre a vida e a morte, que empiricamente se observa a eficácia do treino para resistir às dores ali partilhadas.

São várias as questões que se colocam, tanto do lado de quem opera como da parte do operado. Como é que o médico lida com o cansaço de tantas horas em pé e mantém  sem tremer, a sua motricidade fina? Como é que consegue, ao mesmo tempo, liderar e manter solidária toda a sua equipa? Como é que o doente aguenta, resiste e supera as suas dores?

Para ponderar estas questões temos de analisar a relação entre o campo de jogos e a sala de cirurgia. Na sala de cirurgia há tempos e decisões que nos lembram, numa equipa, a diferença entre ter e não ter a bola e, num jogo, a complementaridade entre ataque e defesa. Quem tem a bola tem o poder de, em segundos, decidir a sorte da equipa. Qualquer falha na decisão conduz a uma dor que está tão presente e é tão frequente que dela não falamos, só a sentimos, refiro-me à dor da humilhação!   

A dor remete não para o certo, para a norma, mas para o errado e para o desvio. A dor é um aviso e é, também, um castigo ao desvio daquilo que se espera ser uma boa decisão, uma boa actuação. Há por trás de cada dor uma moralidade associada. Um treino muito duro provoca dores e, com uma certa violência, se ensina aquele corpo a ter prudência, a dosear o esforço no jogo, na corrida, na vida. Mas, paradoxal ou nem por isso, o engenho inventivo decorre de desvios, de erros, de muitas dores já sentidas. As vitórias são uma bebedeira que entorpece os sentidos e, levados no ar, seguimos o soma e segue. As derrotas doem tanto que nos prendem ao chão e, parados, dão-nos tempo para pensar e reflectir.

Na cirurgia, a equipa ataca muitas vezes quem não vê, faz um jogo de cabra-cega com bactérias, com o infinitamente pequeno que compõe o interior do nosso corpo. Ora, nestas circunstâncias, perder é fácil, aprender com essas derrotas é sabedoria. Por isso o paradigma da saúde valoriza os casos difíceis e o bom médico, o bom hospital é aquele supera as piores dores. Na educação todo este paradigma é subvertido e o que se valoriza é, pelo contrário, o colégio que, sem dores, escolhe e acolhe os melhores e sem grande desafio os prepara para as vitórias em exame. E, à margem desta glória vã, ficam aquelas escolas públicas que atacam vários males sociais que ninguém quer ver ou ter. São elas, com grande jogo de cintura, que cumprem o maior dos desafios: não só reparam nos erros e nos desvios como, mais importante, ajudam a reparar vários erros evitando muitos desvios. São estas escolas que, a prazo, nos aliviam de dores maiores porque é com o seu trabalho que se evita a exclusão e se produz solidariedade social.

É no campo de jogos que nas primeiras décadas da nossa vida aprendemos o significado e o valor da dor. Pelo campo de jogos passam todos, jovens comuns e atletas olímpicos, os possíveis doentes e também os médicos. Pela escola pública passam todos, os poucos com posses para contratar especialistas que preparam os filhos para entender o busílis do GAVE e os muitos outros sem posses para enfrentar esse desígnio. A escola é o lugar onde todas as dores são mais sentidas e para as conseguir escutar precisa de sossego, de decisões políticas mais lúcidas que fomentem a justiça social. E quando o campo de jogos é o espaço de ataques políticos cirúrgicos, a prazo, aumenta-se a dor na sala de cirurgia! 



NF: Este texto é inspirado pelos resultados de um estudo realizado pelo grupo de EF, da EB 2,3 Gaspar Correia, sobre o valor da avaliação dos alunos na EF. Grata pelo convite e a todos os que estiveram presentes na sessão. 

domingo, 21 de abril de 2013

O Benfica ainda vai jogar a Alvalade


Texto publicado no Público de 21 de Abril de 2013


1. Há duas formas de ler este título. Uma primeira tenderá a ver algum trocadilho propositado com o jogo de mais logo.
A segunda comentará o recinto de jogo itinerante do Benfica B na competição da II Liga.
É desta que nos ocupamos hoje.
2. Viajemos pela página oficial da Liga Portuguesa de Futebol Profissional.
Vejamos o que nos diz o Comunicado Oficial nº (2012-2013) no que respeita às condições e classificações dos estádios.
Sobre isso dispõe o seguinte: os clubes devem indicar até 10 dias antes do primeiro jogo das competições organizadas pela Liga em que participam, qual o Estádio, sobre o qual detenham título legítimo de utilização, em que se realizarão os jogos por si disputados enquanto visitado, sem prejuízo de, em casos de força maior, serem autorizados a jogar noutro estádio.
2.O estádio que vem publicitado – mal ou bem – como sendo aquele em que o Benfica B disputa os seus jogos, enquanto visitado, é o Estádio Sport Lisboa e Benfica.
Tal significa que, a não ser em «casos de força maior», a Liga não pode autorizar que o Benfica B jogue, nessa condição, em qualquer outro estádio.
Tais excepcionais «casos» prendem-se, naturalmente, com as condições do Estádio indicado à Liga.
3. De repente, nas últimas jornadas, o Benfica B começa a disputar os seus jogos, como visitado, no Estádio da Tapadinha, ou seja, no estádio do Atlético.
Assim ocorreu na 34ª jornada da Segunda Liga, Benfica B- Oliveirense.
Pela nossa parte, não excluindo o nosso desconhecimento, não demos conta de que algo de anormal tenha sucedido no Estádio do Sport Lisboa e Benfica, para que a Liga tenha autorizado a alteração do estádio.
4. Adiante.
Na terça-feira passada, no intervalo das minhas aulas de Direito do Desporto, na Universidade Católica Portuguesa, na fila para o café, dois alunos referiam que o Benfica B ia jogar o próximo jogo no Caixa Futebol Campus!! Repitam lá?
É assim Professor: o jogo de amanhã – dia 17 de Abril – é o Benfica B – Atlético. O estádio do Atlético, como saberá, é o da Tapadinha. “Vai daí” não ficava lá muito bem o Atlético jogar em «casa» como visitante e o Benfica B (como visitado) e o jogo é no Seixal.
5. E assim aconteceu. O Benfica B- Atlético, jogou-se no passado dia 17, tendo início às 16 horas.
Como é possível ter-se chegado a esta situação caricata?
A Liga, já o sabíamos – caso do V. Setúbal – FC do Porto na Taça da Liga – marca jogos em violação das suas próprias normas regulamentares. Agora autoriza que um clube tenha um estádio itinerante.
Não me parecem sinais tranquilizadores para a organização de um competição desportiva profissional, deixando lastros de “precedentes” que nada mais produzem do que violações sucessivas das normas – garantes da estabilidade e correcção da competição – e situações tão anedóticas como a da passada quarta-feira.

domingo, 14 de abril de 2013

Não há racismo no futebol português.


Texto publicado no Público de 14 de Abril de 2013.


1. Em Portugal, mas também em muitos outros países (somos maus, mas não somos únicos), existem dois tipos de leis. Um é aquele que se sedimenta nos procedimentos próprios e que exprime uma vontade política num dado sector da actividade. Por exemplo, o desporto. Outro, bem diferente, é aquele que, ignorando a realidade e a lei escrita, se verbaliza nas afirmações e prática dos responsáveis públicos e políticos.
2. Há não muito tempo atrás o então membro do Governo responsável (?) pela área do desporto, Miguel Relvas, reagindo publicamente às acusações de conduta racista por adeptos do FC do Porto num jogo europeu – pelas quais o clube veio a ser sancionado pela UEFA – ditou verbalmente uma lei: em Portugal não racismo no futebol. Se alguém ousa afirmar o contrário, só pode se mover por inveja e resquícios de imperialismo e colonialismo do passado (Inglaterra). E, Mestre Picanço, naturalmente, um homem da ética do desporto – e ainda do desporto com todos e para todos (tipo bacalhau cozido) - quedou-se pelo silêncio.
3. Recentemente, o Conselho de Justiça da Federação Portuguesa de Futebol, aplicou a sanção de um jogo a realizar à porta fechada a um clube que disputa a II Liga.
Num jogo disputado em 27 de Outubro do ano passado, aquando da substituição de um jogador da equipa adversária, o momento foi acompanhado de um coro “uh-uh-uh-uh”, imitando um macaco, proferido pelos adeptos da casa, durante largos segundos. A mesma atitude repetiu-se após o final do jogo, quando os jogadores, após terem saudado os adeptos, regressavam aos balneários.
4. No debate jurídico, o Conselho de Justiça veio a entender ser aplicável norma do Regulamento Disciplinar da Liga que pune comportamentos discriminatórios em função da raça, religião ou ideologia (artigo 113º), alterando, deste modo, o sentido da decisão do Conselho Disciplinar.
Esta decisão do Conselho de Justiça, que deveria ser publicitada pela Federação Portuguesa de Futebol, por via da interposição de uma providência cautelar do clube sancionado, encontra-se, por ora, suspensa na sua aplicação.
5. Poupando o leitor ao meandro jurídico, o que nos parece ser de destacar é que, a final, há mesmo atitudes racistas em Portugal e também no âmbito do desporto.
Por outro lado, vista a reacção do clube sancionado, vê-se, cada vez mais, a tomada de consciência da defesa dos direitos – junto dos tribunais – perante decisões que não se têm por correctas.
Não há volta a dar.
Por fim, assinale-se o distanciamento, a ignorância, o laxismo, a omissão e o irrealismo das “leis ditadas” verbalmente pelos responsáveis (?) públicos.
De forma algo grosseira, dir-se-ia que, em grande medida, andam cá para ver a bola passar.
PS: Já não se encontra entre nós o pavoneante Secretário de Estado Mestre Picanço. Paz à sua alma. É uma boa notícia para o desporto nacional. Quanto ao novo Secretário de Estado, por ora, não há muito a dizer. Todavia há uma regra que respeito, nos anos que levo disto, e que conta com muito limitadas excepções: não tenho fé.

terça-feira, 9 de abril de 2013

Na queda de um Anjo


Um questionário de Fernando Tenreiro que se publica e agradece.


São sete, as perguntas que se colocam:
1
-    Quantos mais anjos cairão no regaço dos líderes desportivos portugueses?
     Porque é que a política, a economia e a sociedade portuguesa acham que pessoas que acabam por ter dificuldades significativas ou na Justiça ou na opinião pública são os melhores líderes para defender o interesse nacional no seu desporto?
3     Será sina do desporto português ficar sempre com quem não reza a história?
      Pode o desporto prevenir ou defender-se com eficácia de certas desgraças que lhe caem em sorte?
5   Será que a imagem/natureza do desporto é mesmo esta e que há coisas que lhe estão grudadas à pele sem remissão?
    Não será responsabilidade sua começar por saber dar-se ao respeito e exigir um lugar incondicional e condigno no concerto dos mais respeitados e competitivos sectores económicos e sociais nacionais?
7    Como fazer passar para a política, a economia e a sociedade uma postura de seriedade e intransigência perante desconsiderações ou actos falhados próprios e de terceiros que condenam o desporto à falência desportiva, económica e social e ao oblívio civilizacional ainda em vida, com realidades em crise sistémica que atropela o desporto e tantas vezes estropeia as gentes, desvitaliza as suas agremiações e decapita a própria nação?


domingo, 7 de abril de 2013

Obrigado Senhor Presidente


Texto publicado no Público no dia 7 de Abril de 2013.

1. Não nos preocupa, hoje, o destino do Secretário de Estado Mestre Picanço, nem o resultado das assembleias da Liga, ontem realizadas. Não sei se temos ou não Governo. Ou se a troika vai determinar a reintegração ou não do Boavista. Ou o que os especialistas em “Direito Desportivo”, dizem e não dizem sobre tudo e mais alguma coisa, mesmo quando não têm nada para dizer ou tendo, fogem aos temas refugiando-se no inócuo. Hoje, caro leitor, este artigo é, por inteiro, dedicado a um mero jurista, além do mais não cidadão deste infeliz país.
2. No passado dia 10 de Março, neste mesmo espaço público, tive a oportunidade de – segundo um amigo – abeirar-me de um rochedo e lançar ao oceano uma garrafa contendo uma mensagem. Ao fazê-lo, tinha uma secreta – confesso que reduzida – esperança que alguém, do outro lado, a pudesse recolher e dar-lhe um pouco de atenção. Também sabia que não era imprescindível essa mensagem para aquilo que ousei transmitir – e só eu o fiz de forma bem publicitada – fosse alcançado de outra forma. Com efeito, que fique bem claro, não tenho a pretensão de afirmar que o resultado alcançado – pretendido com a garrafa ondulando no mar alto – seja fruto directo do meu grito de alma.

3. Nesse dia, mirada a aprovação da Assembleia da República da criação do Tribunal Arbitral do Desporto, coloquei na mensagem um pedido: o crivo do Tribunal Constitucional, requerido preventivamente pelo Presidente da República.
E concluí: seria bem melhor para o Desporto e para a Justiça que tal juízo, positivo ou negativo, fosse obtido ainda antes do Tribunal Arbitral do Desporto começar a gatinhar. Dessa forma, ganharíamos todos: o Desporto, a Justiça e este infeliz país.

4. O Presidente da República veio, de facto, a requerer a fiscalização preventiva da constitucionalidade do diploma aprovado na Assembleia da República sobre a criação do Tribunal Arbitral do Desporto, focalizando a sua atenção na imposição legal de uma arbitragem necessária.
Agradeço, pois, este seu cumprimento de dever constitucional e legal (como eu já ando, até a agradecer à classe política: a idade não perdoa). E sempre é uma forma saudável de praticar desporto.
Independentemente do juízo que venha a ser alcançado pelo Tribunal Constitucional, e da correcção do mesmo, a verdade é que ficaremos descansados (tanto quanto é possível).

5. Foi para mim, uma grande alegria. Verdade. E, como diz o anúncio da L’Oréal (Paris): sim, porque eu mereço.

sexta-feira, 5 de abril de 2013

Melo de Carvalho, Mirandela da Costa e José Manuel Constantino


Um texto de Fernando Tenreiro que se agradece.


Vamos lá introduzir adrenalina na mecânica!
Melo de Carvalho democratizou a prática desportiva através de um modelo, que sendo possível à data da sua aplicação, foi tolhido pelas forças económicas e sociais nascentes incapazes de reconhecer o que de essência de cultura europeia tal conceito desportivo continha.

Mais tarde Mirandela da Costa transforma a concepção do Desporto a tal ponto que, a ossatura que restou do corpo de princípios, perdurou desde meados dos anos 80 até aos dias de hoje. Inicialmente um dos seus elementos fulcrais foi a competitividade do associativismo. O outro foi a pluralidade do desporto, despojado de arquétipos condicionadores que prevaleciam há décadas. Estes dois elementos foram capturados e esvaziados da sua vitalidade até hoje. Na altura muitas áreas tentavam responder à oportunidade surgida no mercado do desporto ao mesmo tempo que se confrontavam com vectores pesados do passado e com dinâmicas fortíssimas e potencialmente constrangedoras de futuro. Estas últimas deram a volta ao texto conceptual e sobrevivendo dominam hoje comportamentos que condicionam e matam o desporto português.

Ao desporto português já bem entrado no século XXI, a eleição de José Manuel Constantino oferece/exige/suscita uma oportunidade conceptual.

Os quase 30 anos do início de funções de Mirandela da Costa são a prova provada como os anos e as décadas passam e a substância não se concretiza em Portugal. É comum sermos ultrapassados por outros países de condições variadas no desporto, na economia e na cultura. Fazem-se miríades de coisas, porém a essencialidade do que é produzir desporto na Europa fica abaixo, muito abaixo, da média do grupo de países a que por civilização e cultura pertencemos. A definição de absoluto de uma medalha de ouro olímpica, a par do conceito de massificação no desporto português, são falhas desportivas portuguesas que perduram e consomem a esperança de ser europeu. O associativismo desportivo tendo uma renovada oportunidade de conceptualização, não deverá fazer tábua rasa da democracia, da competitividade e da multidisciplinaridade dos tão relevantes como maltratados paradigmas anteriores.

Como ontem foi referido por José Manuel Constantino, acerca do respeito das gerações e líderes pretéritos, a conceptualização do futuro do desporto português será mais forte, assertiva e dinâmica ouvindo e respeitando o que no passado foi criado e experimentado.
Linda-a-Velha, 4 de Abril de 2013

domingo, 31 de março de 2013

Habemus Constantino



Texto publicado no Público de 31 de Março de 2013.


1. No dia seguinte à vitória de JMC nas eleições para presidente do Comité Olímpico de Portugal, a minha mulher, chegando mais cedo ao café, logo de manhã, presenciou a seguinte cena. Um cliente olhava para a televisão e, dando conta da notícia dessa vitória eleitoral, com imagens de JMC, adiantou: este é que tem uma tarefa fácil. Pior do que o anterior não pode ser.
2. Este texto não é fácil de escrever para quem, como eu, nem dele próprio tem uma óptima opinião e, por via disso, não é nada pródigo ao elogio de terceiros.
Difícil se torna também por ter uma relação de respeito e de admiração – há uns anos a esta parte – para com JMC.
Mas acho que devo dizer algo neste momento que, para muitos, se vê como de verdadeira revolução no associativismo desportivo nacional.
Palavras ainda justificadas pelo manifesto desagrado da nomenclatura dominante e do Secretário de Estado Mestre Picanço. Tudo foi tentado, até ao último momento, para que JMC não viesse a colocar em crise a paz podre reinante.
3. Dito isto, será de concordar com o senhor que vive na nossa rua? É assim tão fácil a tarefa de JMC?
Não o creio. Tem razão esse senhor quando estabelece a comparação pois o argumento prova em demasia.
O que se encontra em causa não é o juízo a obter dessa comparação, a qual, se formos rigorosos, nem é possível fazer, tal a diferença abismal entre as formas de encarar o exercício do cargo e o portefólio de competências e saberes dos dois termos da comparação.
4. JMC é um dos pensadores do desporto em Portugal e eles escasseiam. Os seus registos escritos e falados dão conta de um conhecimento profundo e não dogmático de todos os segmentos que compõem o universo desportivo.
É esse capital de conhecimentos, a ser aplicado agora no comando de tão importante instituição que constitui verdadeiramente o seu termo de comparação.
5. Aqui chegados, não antevemos uma tarefa facilitada. Bem pelo contrário.
JMC “entra” em ambiente que que se move num quadro de registos bem específicos, muitos deles que não tenho por positivos. Mas essa é a minha opinião.
De todo o modo, como vejo as coisas, com JMC é uma nova maneira de pensar o desporto que chega ao Comité Olímpico de Portugal e não tenho a certeza que se encontre devidamente interiorizada em todos os seus membros.
6. Não avaliarei JMC pelo número de medalhas alcançadas em 2016.
O meu balanço coloca-se noutro patamar: na evolução da forma de agir, em conformidade ou não com aquilo que é e vale JMC, pelos membros do Comité Olímpico de Portugal.