quarta-feira, 27 de junho de 2012

Qual corpo, qual mente...Rezo logo existo




Entendo que, nas escolas, se reduza a carga horária da E.F. pois só assim se preserva a melancolia dos alunos e da comunidade por inteiro. Aliás a historicidade das sucessivas reformas dão-nos a todos cansaço que baste, uma depressividade contrária a toda e qualquer actividade.  A tomada de novos poderes sobre a escola pública parece ser sempre feita pela via do ressentimento e, por causa disso, a escola tornou-se o cemitério de todos os entusiasmos, nela jazem todos os projectos, maior parte dos quais incompletos.

A formação que aposta na variedade de performances cria corpos que sabiamente dominam a leitura de jogos que, no campo, na tela, no palco ou no papel, artisticamente se reinventam. Escolas com este tipo de formação almejam um espaço de vitalidade que não só de moralidade, são um território de incitamento, resolvem inibições e, mais do que olhar para trás, estes lugares dão visão e preparam para o futuro. Contrariamente, se a aposta é numa formação que desvaloriza o próprio corpo então vamos tornar todos os jovens herdeiros das nossas frustrações mal vividas, das partes doidas da nossa história colectiva. E, loucura insana, vamos desde já mostrar-lhes que são herdeiros de coisa nenhuma porque nas ansias de tudo querer melhorar reside  a incapacidade de aceitar a parte da equação já resolvida. Este eterno retorno, de tudo apagar até do rascunho, é também um modelo de rebeldia pueril caracterizado pela vontade de vingar por via do esquecimento criador.

E em prol de um iluminismo ressuscitado, que nos mostra uma ciência triste, vamos então todos imaginar que, num esforço colectivo bem sucedido, criamos uma nova elite de sucesso na matemática. Ora, para que necessitam estes génios de EF no seu currículo se para resolver a função lhes basta dúzia e meia de neurónios mal medidos? A mesma questão se aplica ao cirurgião que, na neurologia, dá um apertão a estes neurónios ou ao engenheiro que concebe tão sofisticada aparelhagem usada na operação. Indo mais longe, ao fulcro da questão, pergunto para que necessitam eles do corpo por inteiro se apenas com a mente até prego enfiam na parede? A resposta a todas estas questões encontra-se na fé, à qual qualquer um deles recorre mal seja o sujeito a operar.  E, aí sim, conscientes da falta das rédeas no destino, todos rezam para que a mão do médico não trema, rezam para que este tenha resistência e aguente o stress e o cansaço, rezam para que este consiga gerar em torno do seu acto cirurgico uma energia emocional e uma grande solidariedade por parte de toda a equipa que lidera. É nestes momentos de profunda inquietação que todos descobrem o corpo que são!

Perante a crença disparatada na dualidade “mente sã em corpo são” que tão só alimenta a dúvida sobre o corpo uno que somos, também  pouco mais nos resta do que ter fé. Rezemos então para que a democracia aguente a estalada dada pela elite criada que, impulsionada pelos trampolins privados suportados pelos capitais familiares, é munida de performances polivalentes e, tendo passado com excelência em todos os exames, emigra! E, embalados, rezemos também pela democracia e não nos deixemos cair na tentação  de pensar que são só os que têm maior sucesso nos exames que politicamente nos servem e/ou governam. A tradição sempre foi o que era e, para mandarim, basta nas hostes do partido parecê-lo – esperto – já não tem sequer de sê-lo!

E, pejados de fé, vamos todos a Fátima em procissão rezar por todas as famílias que não têm dinheiro para pagar o inglês do Instituto, a música e/ou o teatro da Academia, as actividades do Clube ou do Heath Club e, com isso, não têm os filhos agraciados com as performances requeridas nas agências de emigração de talentos. Nesta procissão, com andor aos ombros todos nós penitentes que não temos orçamento para explicações e nem esperança no ensino individualizado por causa do aumento de alunos por turma. Este aumento vem alegrar o fulgor e o desassossego da idade, ao qual sempre se junta  o mimo dado por progenitores mal amanhados e, por via disto tudo, dar animo ao tempo  doido gasto no mandar calar ou no exaspero gritado do “já p’ra rua!”.

Oremos também pelos alunos oriundos de famílias descapitalizadas de academia e de economia que rapidamente da escola, reprodutora de desigualdades,  são “postos a mexer”. Evoquemos também aquelas escolas que se empenham a gerar mecanismos de combate ao abandono escolar e, nunca bem colocadas nos rankings do mérito de exame, garantem a inclusão dos desfavorecidos e são exemplo de solidariedade social. Sem preces, deixemos o elogio pronto dado a colégios afamados que, como a equipa do Real Madrid, escolhem aqueles que lhes garantem os melhores resultados marginalizando todos aqueles que têm ou dão chatices.

Rezemos também um terço em prol do crescimento quantitativo das Associações de Mães, Pais e EE, para que os 4 ou 5 (em geral familiares dos melhores alunos a matemática e piores a EF) que, dada a automaticidade democrática, acabam por representar os 300 ou 400 que nunca participam e /ou querem saber (em geral familiares dos alunos pouco dados a matemática mas que muito apreciam EF). Rezemos uma novena por inteiro para que se restrinja o número de mandatos nas cúpulas das respectivas Confederações para, na televisão, aparecerem caras novas com discursos inovadores.

Rezemos, então, pelo retirar da escola pública de quocientes da fé!

O melhor do mundo

Numa modalidade desportiva individual é fácil saber quem é o melhor do mundo. São os resultados individuais alcançados. Numa modalidade coletiva quais são os critérios para essa definição? Como se define o melhor jogador de basquetebol? E o melhor voleibolista? E o melhor futebolista? Essa a razão que explica que na generalidade dos desportos coletivos o melhor do mundo, ou de uma determinada competição, seja decidido por meios eletivos que envolvem subjetividades, juízos e apreciações individuais. Só que aplicar critérios de valoração individual em modalidades coletivas e absolutizar o resultado é uma tarefa muito complexa.
Num campeonato de futebol é possível distinguir o melhor marcador e o guarda-redes menos batido. E fazê-lo assente em dados objetivos. Mas o melhor avançado ou o melhor guarda-redes só o pode ser por critérios subjetivos a menos que se desagregue o que é coletivo em ações individuais e se monitorize cada uma dessas variáveis que, mesmo assim, serão sempre determinadas pela dinâmica do coletivo. Se o problema já é de difícil solução numa mesma modalidade coletiva o que dizer quando se afirma qualquer coisa como o melhor desportista de todos os tempos?
O desporto acolhe vários desportos. E as suas lógicas internas são muito distintas. Atingir com precisão um alvo, como no tiro, é bem diferente de uma ação motora cuja avaliação obedece a um critério técnico-estético, como na ginástica. Nadar em águas abertas é bem diferente que fazê-lo numa piscina. O desempenho motor numa modalidade com oponente é diferente de uma modalidade sem essa interação. E naquelas em que há oponência é distinto haver ou não contato físico. Em algumas modalidades o ambiente físico é estável, em outras é incerto. No desporto, existem elementos comuns –o ato competitivo - mas é distinto o modo com ele se estrutura no plano do desempenho corporal.
Mapear e perceber as especificidades de cada uma das modalidades e as características do apuramento de resultados ajuda-nos a perceber como certo tipo de comparações obedecem a critérios arbitrários e de fraca sustentação com a respetiva lógica interna. E que também nesta matéria um certo tipo de normalização ou pensamento único é enganador.
O ato motor que sustenta o desempenho em situação competitiva é multiforme e complexo. A tentativa de padronização do comportamento motor e a sua hierarquização só é possível no quadro de uma simplificação da complexidade. O que sendo possível em modalidades desportivas individuais em que a ação motora é registada em tempo, distância ou peso já o não é para outras em que a avaliação é distinta. E nas modalidades coletivas essa simplificação é sempre uma ação redutora.
Na febre de quantificação e comparação a estatística (e os rankings) funciona como uma espécie de bengala. Mas pode ser uma ilusão. Porque a estatística é uma presa fácil da má ciência. Serve às mil maravilhas a comunicação mediática. Mas é sempre uma leitura (e não a única leitura) do comportamento desportivo. Não se trata de negar a sua importância como elemento de interpretação do comportamento motor individual/coletivo mas de perceber que não é linear a sua extrapolação para a compreensão da globalidade do desempenho em situação competitiva. E menos ainda para uma classificação de valia ou mérito desportivo em sentido absoluto.
Razão pela qual quando se diz que este ou aquele praticante desportivo de uma modalidade coletiva é o melhor do mundo se deva ter em conta o valor da afirmação. Porque não compete sozinho,carece da cooperação da equipa e o que alcança como performance é em parte determinado pela dinâmica da equipa a que pertence. Numa equipa de fraco desempenho o resultado seria bem diferente!

segunda-feira, 25 de junho de 2012

Como estimular o desporto escolar? A versão da chancela


Entre colocar os valores do desporto na sua vida e colocar toda a sua vida ao serviço dos valores do desporto vai a mesma distância daqueles que tentam pôr Cristo nas suas vidas em relação aos que entregam as suas vidas a Cristo.
Se na vida religiosa a Igreja tem como missão colocar Cristo nas nossas vidas, na vida civil a Escola tem semelhante missão no que respeita à Educação Física e ao Desporto. Duvidas houvesse basta consultar o cânon. A começar pela Lei Fundamental.
Cumpre pois, em primeira instância, ao Estado criar as condições para tal empreendimento através da sua política desportiva e educativa. Dito de outro modo, é pela articulação do conjunto de instrumentos e recursos ao dispor dos poderes públicos que se propicia ao cidadão o acesso à prática desportiva em ambiente escolar e à educação física, de modo a incorporar, desde cedo, esta actividade ao longo de toda a sua vida, enraizando também o vasto reportório cultural que transmite para a sua formação cívica.
Seria inimaginável assinalar aqui todo o manancial de textos científicos, recomendações ou orientações das mais diversas instâncias, nacionais e internacionais, sobre a importância acrescida da Educação Física e da prática desportiva para combater um dos principais problemas de saúde pública mundial, as doenças relacionadas com a obesidade e o sedentarismo, as quais consomem um assinalável montante de recursos públicos.
Se considerarmos os indicadores disponíveis sobre a prevalência de obesidade e excesso de peso em crianças e jovens, que colocam Portugal com as taxas mais elevadas da Europa, conjugados com os 55% de portugueses que referem nunca praticar exercício ou actividade desportiva, bem como a tendência global para estilos de vida cada vez menos exigentes do ponto de vista físico e motor, diria estarmos perante um cenário propicio para o reforço da actividade física e desportiva da população escolar, seguindo as recomendações acima mencionadas.
Semelhante análise parece ser feita pela Assembleia da República quando recentemente “Recomenda ao Governo a adoção de medidas tendentes ao combate da obesidade infanto-juvenil em Portugal”, entre as quais:
8. A criação de um programa nacional de desporto escolar, organizado por regiões e elaborado em conjunto com os professores de educação física”.
O Governo, no seu programa, a páginas 100, “…entende o Desporto como uma componente essencial do desenvolvimento integral dos cidadãos – Desporto com todos e para todos - e pretende criar condições para estimular o desporto escolar…” e estabelece como primeira medida neste âmbito “Realizar um programa que fomente a prática desportiva contínua ao longo da vida, contemplando inicialmente a introdução à prática desportiva e à competição através da dinamização do desporto escolar…” Relembrando nas Grande Opções do Plano 2012-2015 que “O Governo pretende, também, o estabelecimento de uma política de desporto com todos e para todos, recordando, designadamente, que tudo começa na fase infanto -juvenil…
Vejamos pois como se tem vindo a implementar este desígnio prioritário, mirando os seguintes documentos de orientação programática:
Daqui se conclui:
1.     Inclusão, no 3.º ciclo, da Educação Física, em conjunto com disciplinas como Educação Visual (EV), Oferta de Escola e Tecnologias da Informação e Comunicação, na área de Expressões e Tecnologias, à qual se atribui um crédito de minutos a ser gerido pelos órgãos de administração dos estabelecimentos de ensino, tendo apenas a EV um mínimo de 90 minutos dos 300 semanais afectos a esta área;
2.      Redução de 30 minutos semanais da carga horária de Educação Física para o Ensino Secundário (num total de 150, face às 180 previstas no programa da disciplina);
3.   Redução de 3 horas (135 minutos) para 2 horas (100 minutos) da componente lectiva dos docentes destinada à dinamização de grupo/turma de modalidades de desporto escolar (no ano anterior havia-se já reduzido de 4 para 3 horas)
Acrescem ainda as notícias dando conta que a disciplina de Educação Física deixará de contar para a média final dos alunos do ensino secundário, sem entrar em consideração para a nota de candidatura ao ensino superior, com excepção dos alunos que “pretendam prosseguir estudos nesta área” segundo esclarecimentos do Ministério.
Vem de longe a desvalorização da educação física, do desporto escolar e, num sentido mais amplo, da educação para o desporto em meio escolar. Não esquecendo “que tudo começa na fase infanto-juvenil” e se “pretende criar condições para estimular o desporto escolar” o atestado de óbito está por assinar porque ainda moram nas escolas profissionais que colocaram a sua vida ao serviço dos valores do desporto...
Ao contrário de outras obras de cariz edificado, pena não ser aqui possível datar este tipo de medidas com a típica chancela, autista e autoritária, do “Governo de Portugal”, um hábito incorrectamente seguido e até regulamentado ao nível local com a menção “com o apoio da Câmara Municipal”. Como se o Governo não fosse um órgão do Estado e a câmara um órgão do Município. Como se as políticas não fossem cada vez mais transversais e cada vez menos sectoriais, menos dirigistas e mais participativas, dependentes do compromisso e do envolvimento de parceiros externos.


quinta-feira, 21 de junho de 2012

Filhos, crianças, andar, exercício físico e Ed. Física

Fruto dos dois filhos que tenho, é com alguma regularidade que vou comparando alguns aspectos da minha infância com as deles. Para lá das diferenças ‘normais’ do desenvolvimento da sociedade, é na forma de brincar e nas brincadeiras que encontro as maiores divergências.

Passei uma infância constantemente na rua a brincar. Sempre que o tempo deixava e havia o tal tempo livre, era na rua que gostava de estar. Hoje, por inúmeras razões relacionadas desde do acréscimo de carros, a violência, a oferta televisiva e informática, a disponibilidade emocional dos Pais para os deixarem sair para a rua brincar, correr, andar ou saltar deixou de ser natural, excepto quando o mesmo é feito em momentos organizados, sejam formais ou informais.

Isto vem a propósito do decréscimo de actividade e exercício físico que as crianças fazem ‘naturalmente’. Sem ser nas tais escolinhas de qualquer coisa. Porque no jardim infantil, 1.º ciclo em diante, a Educação Física ou Desporto Escolar vai diminuindo ou perdendo a importância que chegou a ter em termos institucionais.

Isto para vos trazer um simples projecto que conheci em Inglaterra numa pequena cidade perto de Londres. Corria o ano de 2005 e num projecto de formação e partilha organizado pela ISCA e Engso Youth, um professor de Educação Física que trabalhava em Londres teve oportunidade de explicar aos restantes formandos um projecto que a cidade dinamizava para aumentar o tempo de actividade física entre as crianças, combater a obesidade infantil e incluir socialmente as crianças na cidade.

Mas em que consistia o projecto? ‘Apenas’ ensinar as crianças a andar na rua. Saber olhar para a rua, passar as passadeiras, respeitar as regras, semáforos, etc. O que isto proporciona às pessoas? Saber movimentar numa simples rua, fá-los estar capacitados para se deslocarem pela cidade, aumenta o tempo que andam a pé em vez dos carros, diminui os carros ou pelo menos, os percursos para fazerem poucas centenas de metros.

Lisboa não é Londres. E poucas cidades em Portugal apresentam o ‘dinamismo’ de trânsito, ruas, espaços como Lisboa. Mas considerando o decréscimo da Educação Física em horas, importância da nota para aprovar o ano lectivo, diria que estas acções mais ‘básicas’ têm de ser dinamizadas o mais rapidamente possível: ensinar e possibilitar que as crianças comecem a fazer a actividade física num espaço…deveras natural, a rua!

terça-feira, 19 de junho de 2012

Jogo de lego

Na sua carta à seleção nacional, José Mourinho, escreve a determinado passo: no último encontro de treinadores que disputam a Champions League, quando questionado sobre o poder dos treinadores nos clubes, ou a perda de poder dos treinadores face ao novo mundo do futebol, sir Alex Fergusson disse (e não havia ninguém com mais autoridade do que ele para o dizer!) que o poder e a liderança dos treinadores depende da personalidade dos mesmos, mas que depende muitíssimo das estruturas que os rodeiam. Clubes e dirigentes fragilizam ou solidificam treinadores.
Poderíamos retirar esta afirmação do contexto de futebol e aplicá-la em outras áreas da vida. Ou reduzi-la à célebre afirmação de Ortega Y Gasset de que o homem é ele e as suas circunstâncias. O certo é que por mais talento que uma pessoa possua, torna-se necessário que o contexto em que opera permita a expressão desse talento. Uma parte é do próprio. Outra é-lhe exterior. E o que, no mundo do desporto, acontece com os treinadores, sucede com os atletas. Não basta ter talento, torna-se necessário condições adequadas ao aproveitamento desse talento. O que equivale por reconhecer que o sucesso desportivo é sempre o cumular de um conjunto de variáveis que permite exprimir o talento ao mais elevado nível. Mas nem sempre assim se pensa quando se avalia um resultado desportivo.
O sucesso é quase sempre atribuível ao talento individual; o insucesso a uma espécie de custos de contexto penalizante do valor individual. Quantas vezes, no rescaldo de uma competição que correu bem se enaltece o valor do atleta ou da equipa; quando corre mal se atribui o insucesso a erros de arbitragem ou, em casos extremos, mas não incomuns, à falta de apoios de uma política desportiva!
Com a liderança passa-se precisamente o mesmo. Pode ler-se e aprender em todos livros do mundo que a abordam o tema. Frequentar todas as ações de coaching. Assistir ao que debitam os gurus. Ouvir os pastores da igreja universal. No final, combinando alguma experiência, com alguma intuição e algum conhecimento concluiremos que não existe nenhuma maneira especial de liderar. E que tudo depende da situação. E como o conhecimento acerca do contexto não é transferível muitos dos líderes que têm sucesso num lugar, falham noutros.
O sucesso pode construir-se em ambientes anteriores de insucesso e um líder talentoso não é necessariamente alguém cuja formação e comportamento sejam irrepreensíveis. As condições de sucesso da liderança sendo em parte, mérito do próprio, são-no também pelas condições contingenciais que pôde disfrutar. Pelo que não vale a pena procurar um modelo ou uma receita mágica para o sucesso.
A liderança é um assunto demasiado complexo para, como refere Henry Mintzberg, seja deixado ao que aparece nas prateleiras das livrarias: formas fáceis e remédios simples. Ou para copiar o que a moda nos impinge. Até porque, está por aparecer um bom líder que tenha tido sucesso numa organização má; e maus lideres em boas organizações são o que há mais!
Muita da liderança,supostamente  exemplar, que animou a bibliografia da especialidade e as conferências de gestão acabaram em buracos negros que são do domínio público! E num tempo em que a liderança (e a gestão!) virou negócio é bom ter presente que muitas vezes o sucesso assenta na qualidade das pessoas e das organizações para as quais nenhuma teoria consegue explicar. Porque, e recorrendo uma vez mais a MIntzberg,a liderança no mundo real está mais próxima de um jogo de lego do que de uma ciência: há sempre uma variedade infinita de maneiras de montar as peças.

domingo, 17 de junho de 2012

O meu pai, Portugal e o EURO 2012


Texto publicado no Público de 17 de Junho de 2012.


 
1. O meu pai tem 86 anos, anda com dificuldade, três vezes por semana vai à hemodiálise e casou pela segunda vez, agora com a Sport TV. Ao pequeno-almoço alimenta-se de treinos da Fórmula 1 ou de snooker — no Eurosport. Almoça ténis, masculino ou feminino, lancha golfe, basquetebol ou futsal e ao jantar vem todo o futebol do mundo. À ceia não perdoa a NBA. Toda esta ementa é renovada com bons espectáculos de basquetebol, voleibol, provas de atletismo e tudo o que o desporto pode fornecer como alimento diário.
2. Miguel Relvas, quando enviou uma mensagem à selecção nacional de futebol, antes do jogo com a Alemanha, entre outras fórmulas de autoelogio nacional, escreveu que mais do que uma simples modalidade desportiva, o futebol é uma escola de socialização [?], de partilha e de esforços, de companheirismo e entreajuda, de superação de obstáculos, de dedicação a um objectivo. Sabendo todos, de antemão, que os troféus só se conseguem quando existe mobilização colectiva e genuína vontade de vencer.

3. Alexandre, Mestre Picanço, não poderia ficar atrás das palavras e do sentir do seu mentor. Por vezes, procura mesmo ultrapassá-lo, como prova da sua dedicação e veneração ilimitadas. Disse, junto ao mar: “Através dos mares fomos conquistadores, espero que através de Paulo Bento sejamos também conquistadores.” E na Madeira: “Estou ansioso que o Europeu comece e que mostremos que somos muito bons. Se temos o melhor treinador do mundo, o melhor jogador do mundo e o melhor empresário do mundo, as expectativas são condizentes com essa realidade”.

E para rematar: “Estamos em condições e tenho a certeza de que os atletas vão atingir o nível brioso que qualquer português em qualquer área de atividade está sempre em condições de desempenhar.” O responsável [?] governamental exemplificou o “espírito de equipa e caráter” que disse ter testemunhado junto da seleção na visita à Fundação Champalimaud, “espaço em que se combate o cancro, em que se investiga, em que se superam dificuldades, em que se convive em grupo para uma superação e uma conquista”.

4. E, depois, veio o Guilherme da botija da Galp escrever uma carta a Portugal. Em breve, o seu futuro, bem como o deste infeliz país, sustenta-se nos pés de alguns profissionais de futebol, num arco-íris de chuteiras. Já não se afirma, como no passado, que o futuro está nas nossas mãos. O seu futuro, caro leitor, está nos pés deles. É uma espécie de vida aos pontapés. Tenha fé ou, quiçá, mesmo certeza. (A não perder o texto de Tiago Mesquita — O anúncio mais idiota de sempre — no seu blogue 100 reféns, no Expresso).
5. Devo confessar que perante este manancial de multivalências da selecção nacional de futebol, admiti que o meu pai, caso Portugal “passe” aos quartos-de-final, recomece a andar sem bengala e os seus médicos assistentes achem a hemodiálise sem sentido, face ao miraculoso rejuvenescimento dos seus rins. Veio-me mesmo à cabeça a eventualidade de as empresas que prestam esse serviço terem de encerrar.
Sucede, contudo, que o meu pai é um convicto admirador de Messi e um antinacionalista primário. Na próxima terça-feira, é certo e sabido que lá vai para as suas quatro horas de tratamento

terça-feira, 12 de junho de 2012

A limitação de mandatos

Um dos problemas que mexe com o funcionamento de uma sociedade democrática é o de saber se no exercício de cargos eletivos deve ou não existir uma limitação de mandatos. E em que cargos? Para todos ou apenas para alguns? Existe quem defenda que a vontade dos colégios eleitorais deve ser respeitada sem quaisquer limitações. E existe quem defenda que deve existir alguma limitação a essa vontade. A questão não tem uma resposta simples.
A limitação de mandatos, como qualquer solução democrática, não é uma solução perfeita. Tem vantagens e tem inconvenientes. Verificamo-lo nas situações em que não há qualquer limitação e naquelas em que essa limitação ocorre. E na avaliação ao trabalho realizado encontramos de tudo. Pelo que se não deve diabolizar quem não coloca qualquer limitação ao exercício dos respetivos mandatos. Nem idolatrar quem o faz. Cada situação concreta e modo como se encara o exercício do poder determinará a melhor solução. O que faz uma vida democrática não são as eleições, nem os mandatos. É sobretudo aquilo que se faz no intervalo das eleições, com o mandato que se tem.
A principal vantagem da limitação de mandatos é o da renovação das lideranças no exercício do poder e o de funcionar como um antídoto a formas de o perpetuar. Porque, mesmo em situações formalmente democráticas, é sempre possível de manter o poder pelo seu uso continuado e sistemático. E desse modo dificultar a eventual alternância democrática.
A principal desvantagem é o de, em nome da alternância, se prejudicar a continuidade de um trabalho de qualidade, ganhando-se no plano democrático formal o que se perde no plano substantivo. No caso dos organismos desportivos de topo, federações desportivas, dá-se igualmente a circunstância de as lideranças nacionais atuarem num quadro internacional onde se não coloca o mesmo problema de temporalidade de exercício o que introduz um fator de que pode não ser útil à estabilidade das redes de trabalho e cooperação criadas.
No balanço, entre vantagens e riscos, sempre defendi a limitação de mandatos no exercício de certo tipo de funções públicas. E como tal entendo qua cabe aos poderes públicos autorregular essa matéria. E também defendo a limitação de mandatos no exercício de cargos dirigentes nos organismos desportivos. E entendo que deveria caber aos respetivos organismos os termos dessa regulação.
O anterior governo entendeu que situações públicas e associativas eram matéria que deveria regular. No primeiro dos casos, por razões óbvias: só os poderes públicos têm essa possibilidade reguladora. No segundo por entender que, no caso das federações desportivas com o estatuto de utilidade pública desportiva, existem competências publicas delegadas e, como tal, esta é uma matéria que no âmbito da organização das federações, o Estado deve intervir. Em outro momento comentámos o modo como o Estado delegou competências públicas, estatizando progressivamente muitas das competências das federações desportivas, através de um mecanismo de expropriação em que as matérias a delegar saíram da órbita associativa para passarem para o domínio público do Estado que por sua vez as restituiu sob forma delegada aos seus proprietários originais. O caso mais evidente é o da organização de competições e a atribuição de títulos desportivos ou as representações nacionais. Mantemos esse entendimento. Razão pela qual, sempre defendemos que a limitação de mandatos o deveria ser por via da autorregulação dos organismos desportivos. Aceitando situações de vário tipo. Quer no número de mandatos, quer mesmo à ausência de qualquer limitação.
A tese da autorregulação, também ela, comporta vantagens e riscos. A vantagem de se adequar a cada situação concreta. O risco do resultado se traduzir numa inalterabilidade da situação.
Legislar, como se fez com os autarcas em que a limitação de mandatos dos presidentes de câmara não é para a função mas para o território, pelo que podem continuar a concorrer para onde quiserem desde que o não seja para o concelho onde acumularam três mandatos consecutivos, essa sim, é uma decisão canhestra. Legislar como se fez para os dirigentes desportivos e agora admitir, na contabilidade do tempo dos mandatos, outras leituras, não parece o caminho desejável. Uma e outra das situações a justificarem uma avaliação sobre se a solução encontrada é a melhor.

domingo, 10 de junho de 2012

Vamos ao parque aquático

Texto publicado no Público de 10 de Junho de 2012.

1. Enlevado, o país aguarda a prestação da selecção nacional no Europeu de futebol. Todavia, os miúdos deste infeliz local anseiam férias e muitos vão para as piscinas e recintos com diversões aquáticas. Daí que se preste atenção, uma vez mais, às questões que se prendem com a sua vida. O caso chegou ao Supremo Tribunal de Justiça. Parabéns à mãe de Vizela.

2. Em Agosto de 2005, uma criança foi a um parque aquático com quatro piscinas, duas com escorregas de água. Sentou-se na plataforma de lançamento a aguardar que fosse dado o sinal de partida. Dada a autorização por funcionário, para se iniciar a descida, o menor, juntamente com o seu irmão e outros, iniciou a descida. Mas, ao efectuar o impulso para iniciar a descida, embateu com a cabeça no assento e devido ao embate, desceu o escorrega sem sentidos e caiu à piscina.

3. O irmão retirou-o da água e transportou-o ao posto de socorros. Porém, não se encontravam no local quaisquer vigilantes credenciados para operações de salvamento e primeiros socorros. Os bombeiros transportaram o menor para o Centro de Saúde da Marinha Grande e deste para o Hospital de Leiria. Veio a dar entrada no Hospital Pediátrico de Coimbra, onde esteve internado 10 dias.

 
A criança sofreu fractura occipital mediana, fractura do rochedo esquerdo e da parede do seio frontal esquerdo, bem como pequeno foco de contusão frontal direito e colecções gasosas intracranianas, contusões hemorrágicas com edema peri-lesional, com localização frontal anterior e fronto-basal, à esquerda, fronto-polar e frontal superior à direita e cortical temporal esquerda, fractura da massa lateral do atlas, temporal posterior retromastoideia à direita com aparente envolvimento do rochedo e mastóide até ao canal semicircular posterior: preenchimento tecidual da mastóide direita e ântero-mastóide direita, à esquerda. Reabsorção parcial dos pneumocelos. Sofreu ainda fractura do atlas, laceração da parótida, infiltração para-faríngea, com desvio lateral direito da hipofaringe.

 
4. Após cirurgia, tratamentos médicos e medicamentosos, ficou a padecer de surdez profunda bilateral. Tem uma incapacidade permanente geral de 60%.

 
5. O Supremo, entre outras questões, ocupou-se em saber se a exploração do parque constitui uma actividade perigosa.
Útil esta qualificação? Muitíssimo. Em regra, para que haja responsabilidade, tem de haver culpa de quem provoca o dano e é ao lesado que cumpre fazer prova da conduta culposa. Não é assim, quando se “parte” de uma actividade que seja considerada perigosa. Aqui, a culpa presume-se e cabe ao lesante fazer prova de que não existiu culpa. É, pois, bem diversa a posição inicial. A seguradora tinha que provar que quem explorava o parque empregou todas “as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de os [danos] prevenir”.

 
6. Diz o Supremo: “Assim, [...], decerto que na maior parte das vezes não se possa considerar perigosa [...] a exploração duma piscina. Mas convenhamos que realidade bem diferente é o funcionamento de um parque aquático, composto por um complexo de piscinas, neste caso quatro, com escorregas de água, com várias pistas, em duas delas, por natureza não especialmente vocacionado para a prática da natação usual e relaxante, aberto ao público com uma frequência que, em regra, excede em muito a ocupação de uma vulgar piscina, por vezes mesmo em sobrelotação e concorrido maioritariamente por jovens em busca de alguma adrenalina, predispostos a condutas irreverentes, bem como por muitas crianças, grande parte das vezes não vigiadas, em actividades aquáticas, elas mesmas de risco, com empurrões, correrias, e brincadeiras nem sempre ajustadas”.

 
7. E a seguradora não conseguiu fazer a prova que a lei lhe exigia.

quinta-feira, 7 de junho de 2012

Os novos conquistadores !!!

As coisas até podem vir a correr bem à seleção nacional de futebol. Oxalá que sim. Mas tem tudo para correr mal. Se isso acontecer vai cair o Carmo e a Trindade. Se não, tudo se esquece. Mais difícil é dizer o que tem ser dito qualquer que venha a ser o resultado. Para uns não será oportuno. Para outros até pode servir com fator adicional de motivação.
Manuel José foi quem primeiro chamou a atenção para o ambiente festivaleiro que rodeou a preparação da seleção nacional. Que deixou de ser apenas um processo de preparação desportivo para se transformar numa operação mediática e comercial. O que aconteceu este ano não é diferente do que ocorreu em situações anteriores. Sobretudo a partir do momento em que operação “estágio da seleção” passou ser a considerada como um negócio. E em que interesses comerciais e autárquicos disputam visibilidade através da seleção. No estágio para o mundial da Africa do Sul mundial, antes da partida, o percurso do hotel para um picnicão no parque integrou uma paragem numa estação de abastecimento de combustível para umas centenas de adeptos soprarem num instrumento inenarrável. Desta feita, o populismo autárquico, ávido de protagonismo mediático, foi ao ponto de em contrapartida aos dinheiros públicos que gastou, fazer os jogadores desfilarem de charrete na deslocação aos Paços do Concelho. É claro que tudo isto mexe com a seleção e exige dos jogadores presenças e disponibilidades que nada acrescentam à preparação desportiva. E os treinos transformaram-se num verdadeiro pagode com romarias de gente a ir ver os seus ídolos. E a comunicação social desdobrou-se em reportagens que, à escassez de matéria desportiva, envolvia o que os jogadores comiam, vestiam, onde e como se equipavam, onde dormiam e outras banalidades. E divulgavam a um país em crise as bombas em que os jogadores se deslocavam à mistura com penteados esquisitos, roupas extravagantes e tatuagens aberrantes. É esta rapaziada, com este ambiente de vedetismo, paga principescamente, que o mestre do leme do nosso desporto designa por novos conquistadores. Excelentes exemplos que se escolhem para o país! E excelente modo de comparar com aqueles que outrora, no meio de miséria e dificuldades de toda a ordem, abriram novos caminhos no mundo.
A preparação para uma competição de elevado nível requer concentração e focalização no objetivo desportivo. As obrigações sociais e institucionais devem ser reduzidas ao mínimo. Obriga a não ceder às lógicas comerciais e mediáticas que envolve uma qualquer participação desportiva do futebol. E exige algo que tem de ser ensinado, porque não nasce de geração espontânea: o sentido de honra e a noção de dever pátrio, o orgulho de servir Portugal que não pode confundir-se com o patrioteirismo saloio que nos querem impingir. E se o futuro da nação portuguesa nada tem a ver com os destinos de um seleção desportiva, do futebol ou de qualquer outra modalidade, o que se deseja é que os competidores portugueses possam ter sucesso. Não por qualquer carência de autoestima, que uma vitória no futebol suprisse, mas porque no desporto procura-se o sucesso e isso constrói-se com vitórias.
Os dirigentes do futebol, onde estão pessoas com profundo conhecimento e experiencia das exigências da preparação desportiva de um seleção nacional, devem retirar ensinamentos das situações vividas. E corrigir o que houver que alterar. E eu que gosto de futebol, mas não gosto do modo como o pensamento dominante quer que se goste do futebol, espero sempre que os jogadores joguem bom futebol e, se possível, que Portugal vença. Dispenso comentários, frases, ditos, reportagens especiais e outras pérolas com que amiúde nos brindam. Dos jogadores e de um sem número de especialistas que, nestes momentos, sempre surgem.

terça-feira, 5 de junho de 2012

Na espuma destes tempos


É louvável a atitude de um clube que recupera e integra um cidadão com limitações funcionais. E o faz ao mais elevado patamar de competição desportiva entregando-lhe tarefas que estão ao nível das suas possibilidades. E é compreensível que a pessoa em causa viva com entusiamo essa tarefa. E que exteriorize esse entusiasmo. É o caso do cidadão Paulo Gama, vulgarmente conhecido por Paulinho, roupeiro da equipa de futebol do Sporting. Que, a partir de agora, tem um livro que lhe é dedicado.
Confesso que não sei se o seu trajeto de vida justifica um livro. Admito que sim. Quem o escreveu e quem o compra o saberão. Mas o que me chamou a atenção foram as suas declarações em relação a um seu ex-superior, concretamente o anterior treinador da equipa de futebol. E se as constantes manifestações de alegria do roupeiro e do carinho com que trata os jogadores, envolvendo-os em abraços e beijos, o compreendia à luz do sentimento que nutre pelo clube, zurzir sobre um ex-treinador e criticar as suas opções parece-me que ultrapassa as marcas. E como a opinião expressa já mereceu comentários de outras personalidades, não sobre a oportunidade do que disse mas sobre o que disse, o assunto justifica que se perca algum tempo de reflexão.
Que o roupeiro entre nas brincadeiras que antecedem os treinos, não é normal, mas pode ser acomodado a um entendimento generoso das particularidades e especificidades da pessoa. Que mereça um carinho especial de todos é meritório. Que aborde as qualidades dos treinadores é um abuso. E que aprecie o modo como por eles era tratado um assunto de foro privado do clube. E não são as suas limitações funcionais ou qualquer outra singularidade que o devem excluir de regras para com a entidade que serve.
O clube tem apoiado a pessoa. Prova disso é o facto de o ter escolhido para aquelas funções junto da equipa de futebol. Se no Sporting houve quem o ajudou importa agora que igualmente o prepare para outras exigências que, de repente, o seu estatuto parece exigir. Alguém vai ter de lhe explicar que as funções que exerce no clube o não habilitam, nessa qualidade, a emitir juízos de apreciação como aqueles que proferiu. E se como cidadão, e sportinguista é livre de emitir os juízos que entenda, deve sopesar as funções profissionais que exerce e avaliar que nem tudo o que se pensa sobre a vida do clube e os que o serviram pode ser emitido para a opinião pública. Porque não é facto de ser alguém especial que legitima que possa publicamente expressar o que lhe vai na alma sobre aqueles que, como ele, servem ou serviram o clube. Se existem críticas a fazer elas devem ser feitas em foro próprio, que são as instâncias internas do clube.
Preparar as pessoas para o exercício de tarefas como as de comunicar são hoje um problema que não pode deixar de preocupar todos quantos dirigem o desporto. E isto é tão válido paa este caso como para o do capitão da seleção nacional de futebol. Só essa preparação pode evitar que casos como o que ontem ocorreu, de Cristiano Ronaldo a tratar o Presidente da República por “você”, sejam evitáveis. Ate porque o talento desportivo não é incompatível com regras e boas maneiras!



segunda-feira, 4 de junho de 2012

A guerra dos tribunais arbitrais para o desporto

Artigo publicado no Público de 3 de Junho de 2102.

1. Em Portugal tudo parece abundar, melhor dizendo, à falta de um, surgem dois ou três, não sendo fácil acompanhar tanta dinâmica. É assim com as iniciativas legislativas a respeito da criação de um Tribunal Arbitral do Desporto. Onde estávamos?

2. Em 16 de Maio de 2011, uma Comissão para a Justiça Desportiva, nomeada pelos secretários de Estado da Justiça e da Juventude e do Desporto, apresentou um projecto de diploma legal – e o respectivo relatório – com vista à instituição de um Tribunal Arbitral do Desporto. Já neste espaço registámos algumas “peripécias” desse procedimento. Mas, neste momento, o Comité Olímpico de Portugal (COP) perdia por 15-0.
Novo Governo e um ex-membro – se valer a participação numa única reunião – dessa comissão chega a secretário de Estado, não da Juventude e do Desporto mas de algo substancialmente diverso, ou seja, do Desporto e Juventude. E é aqui que fica bem marcada a diferença entre o PS e o PSD.

 
3. Mestre Picanço tinha uma encomenda para entregar que o presidente do COP lhe deixou antes de assumir funções governativas (?): Tribunal Arbitral do Desporto só há um, o do COP e mais nenhum.
Vai daí, o Conselho de Ministros aprovou recentemente, para audições, um anteprojecto de proposta de lei. De um resultado negativo, o COP, sem passar pelo empate, passa a ganhar, 22-0.

 
4. Laurentino Dias, atento, não vai de modas. “Pega” no texto da comissão, reúne umas assinaturas dos seus colegas e o PS apresenta o projecto de lei nº 236/XII/1ª, que, pasme-se, cria o Tribunal Arbitral do Desporto. As equipas estão empatadas, se não levarmos em linha de conta que o árbitro é a maioria absoluta no Parlamento.


5. São muitas as incertezas, inconstitucionalidades (?), perplexidades, falta de lógica, que polvilham os dois textos, por vezes em idêntica medida.

Outros já meditaram ou encontram-se a meditar sobre algumas delas. Por ora, neste espaço, abordamos apenas o modelo de partida. E quem lê a exposição de motivos do projecto de lei do PS facilmente constata que o ponto de fricção inicial está na localização do tribunal no COP.
Com efeito, é bem verdade, que o texto do Governo “entrega” o tribunal ao COP. O tribunal é instituído “sob a égide do COP”. É ao COP que incumbe promover a respectiva instalação, bem como o seu funcionamento. É na sua sede que ele funcionará. No entanto, do mesmo passo, o Governo vai dizendo que o tribunal “é independente dos organismos que integram o sistema desportivo”.

 
6. Mais. Como vem assumido pelo texto do Governo, é em redor do COP que se concentram as federações desportivas, integrando a sua assembleia plenária.
Por outro lado, no Conselho de Arbitragem Desportiva, constituído por sete membros, três são designados pela comissão executiva do COP, um pelas federações desportivas olímpicas, um pelas federações desportivas não olímpicas e um sexto pela Federação Portuguesa de Futebol.

 
Ou seja, teremos um Tribunal Arbitral do COP e das federações desportivas. Curiosamente, entidades que estarão em causa em muitos dos casos que ao tribunal se coloquem, alguns de forma obrigatória (sanções disciplinares a agentes desportivos, desde logo a atletas, e a entidades desportivas). Para o presidente do tribunal, vice-presidente do tribunal, conselho directivo, secretário-geral e secretariado, vale o pressuposto.

 
7. Assim não vamos lá e vamos ter mais do mesmo e, o que não é desprezível, suportado – obviamente – pelo Estado

sexta-feira, 1 de junho de 2012

Mas as crianças, Senhor...


Em mais um dia mundial da criança não são nada favoráveis os ventos que correm em seu favor:

-       Recente Relatório da UNICEF afirma que as crianças portuguesas são das mais carenciadas da OCDE, ainda com base em indicadores de 2009, prevendo-se que tal cenário se agrave nos próximos anos devido à nossa situação de falência económica e ao jugo Troikiano;

-    Face à Lei dos Compromissos, diversos municípios irão deixar de estabelecer contratos-programa de desenvolvimento desportivo com os clubes locais. Por via disso, deixarão de apoiar a prática desportiva infanto-juvenil, entre outras formas, através do apoio financeiro direto, do pagamento das inscrições ou do seguros dos atletas. Deste modo, com as famílias estranguladas financeiramente, quais serão as que poderão corresponder às maiores solicitações por parte dos clubes para suportarem, quase na totalidade, a prática desportiva dos filhos?

-   Quem regularmente assiste a competições ou provas de jovens, facilmente se apercebe da fragilidade do corpo técnico responsável pelos mesmos, assim como do clima de violência verbal e até física que reina em muitos desses locais desportivos, protagonizado pelos assistentes e intervenientes diretos.

-  
Valha-nos a esperança (?) de ainda continuarmos a ser um País signatário da Convenção dos Direitos da Criança (vide o art.º 31.º), de termos em vigor uma Constituição da Republica Portuguesa que em diversos preceitos salvaguarda dos direitos da juventude e até de dispormos de uma Assembleia da República que não dorme, tendo há pouco tempo recomendado ao Governo, com vista ao combate da obesidade infanto-juvenil em Portugal um conjunto de ações prioritárias, entre outras, as que a seguir se assinalam e que são de uma originalidade e eficácia surpreendentes:

 - A utilização do serviço público de informação (RTP e RDP) para a difusão de campanhas baseadas em mensagens positivas e de estímulo à adoção de escolhas alimentares saudáveis e de hábitos de atividade física;

- A criação de um programa nacional de desporto escolar, organizado por regiões e elaborado em conjunto com os professores de educação física;

A prática do desporto universitário.


Neste dia, e em muitos outros, recordo-me frequentemente de um poema (Balada da Neve, de Augusto Gil) há muitos anos assimilado:

"(...)
Mas as crianças, Senhor,
porque lhes dais tanta dor
?!…
Porque padecem assim?!…”
(...)