terça-feira, 30 de junho de 2009

Exaltação aeróbica

Uma reportagem sobre um cruzeiro organizado por uma cadeia de health clubs revelava o lado menos vísivel, mas porventura mais aliciante, destes programas de condição físico/marítima. O autor do trabalho, um jornalista, inscreveu-se como passageiro normal e por essa forma “introduziu-se” na dinâmica do cruzeiro. O trabalho que produziu dava conta que o programa de condição física proposto para os dias de viagem incluía uma boa dose de sexo. Ou dito de outro modo: mais de que um programa de treino e de exercício o cruzeiro foi um pretexto para o engate. Os participantes, ou pelo menos parte deles, não se inscreveram no cruzeiro na procura da melhor forma física. Mas na procura de um bom físico para “transarem” e ficarem em forma! Os participantes incluíam de tudo: gente comprometida na busca de novas experiências; pessoas em crise de separação; homens/mulheres sós; divorciado (a)s e outro (a)s. Havia os que repetiam. De acordo com a reportagem, os “personnal trainers” foram muito solicitados não se resumindo o seu trabalho ao ginásio. Tudo numa boa. E um sucesso. Ouvidos alguns dos participantes, prometeram voltar.
O programa de treinos não foi incompatível, para além das práticas do sexo, com muito fumo e álcool. A reportagem era omissa quanto à natureza do fumo e às variantes do álcool. É o menos importante. O que aqui importa constatar - não para qualquer juízo moral mas como facto socialmente relevante -é que o apelo a um estilo de vida saudável com uma forte componente de actividade física e de exercício não é incompatível com outros prazeres da vida .Que desafiam um certo número de verdades “cientificadoras” sobre comportamentos de risco. E que colocam a nu (nunca o termo foi tão apropriado…) a volatilidade de uma certa ética do corpo na sua relação com a saúde. De resto, de acordo com a tradição de uma conhecida discoteca lisboeta que há muitos anos organizava algo semelhante. Nem todos podem fazer como Berlusconi. Ou limitar-se às matinés dançantes nos Alunos de Apolo.
Fenómeno isolado ou tendência? Não há como responder. Escasseiam estudos que permitam sustentar uma tese. Alguns trabalhos jornalísticos sobre massagens e saunas parecem indiciar algumas escolhas afins a certo tipo de orientações sexuais. Mas tudo pode não passar de delimitação de territórios sem relevância social significativa. Embora seja possível afirmar que a procura de espaços de condição física, a sua frequência e hábitos de permanência tem muito a ver com motivações que se Inscrevem em lógicas de interesse e de afirmação individuais onde os ambientes, contextos organizacionais e permutas comunicacionais são importantes.
Quem já frequentou um ginásio ou um health club percebeu que o local não é apenas um lugar especial de tratamento da condição física. É também um espaço social onde se procuram trocas pessoais e emocionais que estão muito para além do treino. São lugares onde se vai e se pretende ver e ser visto. Como lugares de exercício e de exposição dos corpos tem subjacentes linguagens e códigos que não são redutíveis ao activismo físico. Muito do vestuário e da moda da “condição física” é uma linguagem carregada de sensualidade que procura valorizar esteticamente /sexualmente os corpos. Os apelos à desinibição e à fruição sensoriais estão patentes nas coreografias e nas diferentes disciplinas do corpo. As solicitações ao consumo intenso de cosméticos, fármacos, alimentos dietéticos, cirurgias plásticas, avolumam-se na procura de um corpo saudável e atractivo. Migrar estas lógicas para um roteiro de viagem em cruzeiro parece transportar para um patamar superior com os corpos em movimento.E parece que em exaltação aeróbica. Efeitos marítimo/afrodisíacos?

quinta-feira, 25 de junho de 2009

Uma Colectividade renovada

A vida das «instituições» vale também pela sua capacidade de se renovar e apontar a novas metas. A nossa modesta colectividade desportiva que há alguns dias ultrapassou as 100.000 visitas – e não tem um bar de recepção, sorteios ou rifas – vai, a breve trecho, apresentar uma nova equipa para os seus “corpos sociais”.
Cinco novos associados juntar-se-ão a nós. Em liberdade de opinião, expressando visões de outros sectores desportivos. Atletas olímpicos, gestores desportivos, académicos, desporto no ensino superior, desporto na natureza, lazer, formação desportiva, grandes eventos desportivos, são alguns dos dados, subjectivos e objectivos, que passarão a constar da nossa Colectividade Desportiva.
Permanece inalterável, todavia, o “objecto essencial” da Colectividade Desportiva: olhar o desporto de uma forma independente, crítica e manifestamente não alinhada com quaisquer poderes.

terça-feira, 23 de junho de 2009

O mal-amado

O “impedimento legal” do financiamento público ao desporto profissional é daqueles preceitos cujo efeito retórico é bem maior que o substantivo. Sempre houve financiamento público da administração central, regional e local ao desporto profissional muito para além das excepções previstas na lei. E em alguns casos, o que ainda é mais bizarro, com normas habilitadoras que o permitiam ainda que contraditórias de outras que o não autorizavam. Isto sem ir buscar exemplos de práticas claramente profissionais ainda que enquadradas em regimes que formalmente o não são. Basta verificar as bolsas de preparação olímpica a atletas e nela se encontrará com facilidade praticantes profissionais e representantes não de clubes, mas de marcas. Pelo que as peripécias rocambolescas dos procedimentos administrativos, jurídicos e judiciais que rodearam as explicações de atribuição pelo governo português de 4 milhões e 300 mil euros, a um piloto de automóveis e a uma empresa gestora da sua carreira, devam ser reflectidas num quadro distinto. Um quadro que é mais político-programático (os apoios públicos ao desporto profissional) e menos jurídico-normativo (saber o que é ou não elegível enquanto tal).
No nosso entendimento não faz qualquer sentido um lógica proibicionista de apoio público ao desporto profissional ou aparentado. E menos ainda uma tergiversação “normativa”que o proíba o financiamento ao “desporto profissional” para depois o admitir ao “praticante profissional”. Ou exercícios de estilo sobre as diferenças entre um “contrato-programa”e um “contrato”.
O desporto profissional é tão digno e relevante socialmente como qualquer outra dimensão ou expressão desportiva. E não vem qualquer mal ao mundo se as politicas públicas, incluindo as do financiamento, promoverem e estimularem o seu desenvolvimento. O desporto profissional não é menos no plano social que outras industrias culturais e do entretenimento como as artes cénicas ou cinematográficas para buscar dois exemplos de forte componente de financiamento público. O anátema sobre o desporto profissional não faz hoje qualquer sentido. O problema a nosso ver não esta portanto no apoio mas no sentido estratégico (e de valor) desse apoio à luz de uma política desportiva (central, regional ou local) e da necessária definição de objectivos e prioridades.
Bem sei, que ditas as coisas assim, se corre o risco de legitimar o absurdo em que muito do poder público caíu, designadamente a nível local, de desviar recursos financeiros públicos para situações de insustentabilidade financeira e de arrivismo clubista. Mas a sua existência é a melhor prova de que a legislação proibicionista o não evitou e que as engenharias jurídicas encontradas para tornear alguma normatividade têm surtido efeito. Ora, é sempre preferível um sistema aberto que responsabilize politicamente os poderes públicos, que um sistema opaco que irresponsabiliza os actos praticados.
Este tema mereceria ser reflectido sem tabus e sem reservas mentais. Bem sei que o ónus de ausência de credibilidade que está associado a muita da dimensão profissional do desporto não favorece essa abordagem. Que o tema “profissional” não ancorou pacificamente na história do desporto moderno. Mas não vale a pena continuar a fazer às escondidas o que deve ser às claras e politicamente sindicado.
Talvez isso permitisse evitar as cedências de património público a entidades privadas lucrativas sem concurso. Terrenos, bombas de gasolina e sedes sociais por clientelismo político. Equipamentos públicos à borla. E dinheiro, muito dinheiro público, a empresários do meio para organizarem uns “eventos” e dar visibilidade à terra. E os dinheiros para os pópós.
Num país em que o Presidente da República comenta o valor da transferência de um jogador de futebol, mas se não pronuncia sobre a saúde do sistema bancário português e do escândalo dos negócios realizados à sua sombra tudo é de esperar. Incluindo a continuidade de um desporto profissional mal-amado.

domingo, 21 de junho de 2009

Sustentabilidade Desportiva

As elevadas temperaturas que têm assolado o país nestes dias, abrindo portas à silly season, costumam ser motivo para a mediatização dos aspectos relacionados com as alterações climáticas, preservação do ambiente e protecção da natureza.

O desporto enquanto fenómeno social privilegia o seu processo de desenvolvimento em torno de outras dimensões - económicas, culturais, educativas ou políticas – tradicionalmente mais relevantes para o sector.

Por cá, salvaguardando episódios circunscritos relacionados com equipamentos desportivos específicos ou actividades de lazer desportivo e animação turística em áreas naturais, as questões do ambiente e desenvolvimento sustentável raramente se cruzam com o desporto.

Não é de estranhar que estes problemas não sejam prioridade junto de decisores em domínios de actividade com elevados consumos energéticos, como é o caso do desporto, se atendermos ao lento trajecto na implementação em Portugal da Agenda 21 e das respectivas agendas locais saídas da Declaração da Cimeira da Terra do Rio de 1992.

Fora de portas, assumiram-se contornos diferentes. Em 1994, após a participação do Comité Olimpico Internacional (COI) na Cimeira da Terra, o congresso centenário do COI em Paris estabeleceu o compromisso do movimento olímpico com os problemas do ambiente e desenvolvimento sustentável; algo que viria a ser traduzido em 1996 no texto da Carta Olímpica com resultados concretos, desde logo, nas especificações do caderno de encargos aos jogos que viriam a realizar-se em Sidney quatro anos depois. Actualmente as grandes realizações desportivas têm critérios cada vez mais exigentes a cumprir nesta matéria.

Em 1999, o COI em colaboração com o Programa das Nações Unidas para o Ambiente, estabeleceu os 27 princípios da Cimeira da Terra numa Agenda 21 para o movimento olímpico.

Como em muito outros momentos, na Europa, seria o Conselho da Europa a adoptar, através dos seus ministros, uma precursora Resolução sobre o Desporto e o Ambiente seguida do Código para a Sustentabilidade no Desporto: uma parceria entre desporto e ambiente, que viria a surgir em 2002.

O Livro Branco sobre o Desporto da Comissão Europeia acolheu largamente estes problemas e a necessidade de serem tomados em consideração no planeamento de eventos e infra-estruturas desportivas, bem como na provisão dos bens e serviços que lhes suportam. A legislação desportiva de vários Estados membros, entre os quais Portugal, procuram integrar diversos objectivos na protecção do ambiente e promoção dos diversos indicadores que compõem o conceito de desenvolvimento sustentável.

Focando a área específica das infra-estruturas desportivas, com a qual contacto diariamente, não deixo de frisar a preocupação que há anos acompanha a análise de projectos de obra e cadernos de encargos recorrentemente insensíveis e alheados a critérios de racionalização energética, sustentabilidade e durabilidade dos materiais, reutilização e aproveitamento de recursos. Onerando a factura final, os encargos de manutenção e o ciclo de vida dos equipamentos.

Recentemente, num exercício diletante com uma equipa projectista, desconstrui-se um caderno de encargos padrão de um pavilhão desportivo escolar, com o objectivo de optar por materiais mais duráveis, funcionais e racionalizadores de energia, eliminando toda a “gordura”. A diferença em relação ao valor inicial foi de mais de 30%. Conclusões semelhantes - por certo com maior validade científica - são reportadas em diversos estudos académicos e investigações científicas nesta área.

Em termos processuais a recente reforma do regime jurídico das instalações desportivas de uso público procura harmonizar o licenciamento e funcionamento destas instalações com o quadro jurídico geral de urbanização e edificação. Reconhece a importância de um aspecto fundamental no planeamento de espaços desportivos com elevada complexidade e especificidade técnica: o parecer das federações desportivas (art.º 12, n.º 4), dado que, em instalações desportivas especializadas e destinadas ao espectáculo desportivo é muitas vezes aí, e em mais nenhum outro local, onde reside o conhecimento técnico essencial para a sua boa programação.

No entanto, no que respeita aos aspectos aludidos anteriormente: As práticas ambientais (art. 10.º, n.º 4) e os requisitos técnicos e de funcionamento (art. 10.º , n.º 3), são remetidos a ulterior regulamentação. Deseja-se que não aconteça o mesmo que ocorreu com o diploma de 1997, agora revogado, onde não chegaram a ver a luz do dia, apesar de diversas propostas apresentadas.


Antes dos aspectos processuais, a sustentabilidade desportiva joga-se - quando se aborda a programação de espaços desportivos - nas especificidades técnicas e nos requisitos funcionais do projecto. Convem ao legislador orientar prioridades e compreender que as garantias processuais não vinculam projectos sustentáveis e eficientes, essenciais para o bom funcionamento das instalações.

terça-feira, 16 de junho de 2009

Exemplos?

Antonio Barreto, no discurso das cerimónias que assinalaram o 10 de Junho, defendeu que Portugal precisa de exemplos. Exemplos dos seus maiores e dos seus melhores. Ao ouvi-lo ocorreu-me algo que se está a instalar no desporto.
Como explicar que atletas que foram sempre maus exemplos quanto á sua conduta e comportamento desportivos sejam anos mais tarde escolhidos, por organismos de utilidade pública, como embaixadores da respectiva modalidade? Ou para nas escolas mobilizarem os jovens para a prática do desporto? Como explicar que alguns dos que, no plano nacional e internacional, foram objecto de distinções pela sua conduta desportiva tenham nos respectivos currículos castigos precisamente por motivos opostos aos que estiveram na origem das distinções conferidas? Não se tratando de casos bipolares, em que o distinguido por bom comportamento é ao mesmo tempo castigado pela ausência dele, que estranho fenómeno ocorre?
Tudo aponta que na origem esteja o facto de não haver qualquer grau de exigência em relação a estas matérias. A estes “exemplos”. Dos critérios de apreciação o serem por personalidades que têm da leitura dos comportamentos desportivos uma enorme flexibilidade ou pura e simples ausência. Ou porque na hora das avaliações de mérito esse assunto não pesar. Só isso pode explicar que um atleta que agride outro, possa poucos anos depois ser objecto de distinção ou dirigentes, cujo currículo enquanto atleta e dirigente esteja carregado de castigos, possam anos mais tarde ser júri de apreciação de uma qualquer candidatura ao “espírito desportivo”.
O modo como se banalizaram comportamentos reprováveis e se legitimaram condutas censuráveis à luz de elementares critérios de boa educação diz-nos muito sobre a eficácia de muitos programas e campanhas a propósito dos valores e da ética associadas às práticas do desporto. E sobre a sinceridade com muitas entidades abordam estes temas. É um aspecto que retrata bem aquilo a que António Barreto se referia quando afirmava que ”mais do que lições de moral precisamos de exemplos”.
É certo que o “espírito desportivo” faz parte do manual de boas maneiras que acompanha qualquer agente desportivo. É de bom-tom dizer que se defende o fair-play. Todos são a favor. Se pratica ou não é uma outra coisa. Se percebe o alcance do que se diz, outra ainda. Para muitos a ética desportiva é como o Espírito Santo. Não se consegue explicar exactamente o que é, para além de alguma frases feitas tipo respeitar os adversários e ganhar sem batota, mas todos acreditam que opera milagres. Antes fosse assim. Mas não é. Para muitas organizações e agentes desportivos é uma mera operação de marketing que pouco significa.
Sem aprofundar, no plano filosófico e sociológico, os problemas dos valores e da moral nas práticas do desporto e bem assim de um eventual código ético para além do que os regulamentos das modalidades prescrevem, permanece uma dúvida: qual a eficácia dos programas atinentes à promoção do espírito desportivo para além do ritual das suas cerimónias?
É que independentemente dos “fait divers”, que caricaturam muitas das boas intenções destes movimentos, o problema mais importante é um outro. O que fazer para seriar comportamentos socialmente reprováveis? Bem sei que o universo desportivo não detém o monopólio desta contradição (ou incoerência? ou dificuldade?). Ela está disseminada por outras áreas sociais incluindo a da vida pública .Será que o problema só existe para meia dúzia de pessoas? Afinal o desporto não con(viveu) sempre bem com os seus supostos desvios? Será que são desvios ou esses comportamentos estão inscritos na matriz genética do desporto que análises voluntaristas e idealistas pretendem negar? Será um equívoco pretender que o desporto resolva conflitos e antagonismos quando o desporto é precisamente confronto, conflito e competição?
O desporto nasceu e cresceu fora da educação. Esta só o foi buscar bem mais tarde. Com o olimpismo a liderar esse resgate.E com os resultados que são conhecidos.

domingo, 14 de junho de 2009

A procissão vai no adro

Há cerca de 14 meses comentei neste blogue as contradições e desvarios de 2 milhões de €, relativos ao apoio financeiro público ao automobilista Tiago Monteiro. Pelas informações vindas agora a público o montante real ascende a 4, 3 milhões de euros, sendo que, no seguimento de processo judicial, foi acordado o Tiago Monteiro restituir faseadamente à Secretaria de Estado do Turismo 1 milhão de euros.

A respeito desta matéria o Tribunal de Contas considera no Relatório da Auditoria de Seguimento ao Instituto do Desporto de Portugal (exercícios de 2006/2007) a realização de despesas ilegais e pagamentos ilegais e indevidos no valor de 2.000.000€ no âmbito da concessão de apoio financeiro destinado a promover a “Marca Portugal” e comparticipando o desporto profissional, não subsumível nas atribuições do IDP e nas competências do SEJD (p. 8).

Estou certa que nos próximos tempos voltaremos a ouvir notícias acerca desta matéria, basta fazer fé em conclusões deste relatório que atestam o seguinte (p. 66):
- Concluindo, o acto cuja ilegalidade se indicia e a concessão de um apoio sem cabimento prévio da verba, sem norma legal que o legitimasse, fora das atribuições quer de quem autorizou a sua concessão (o SEJD) quer do organismo concedente (o IDP) e sem qualquer outra obrigação para o piloto do que a de participar nos restantes grandes prémios de que se compunha o Campeonato do Mundo de Formula 1, na época de 2006.
(…)
- Nestes termos, reitera-se o enquadramento jurídico constante do relato, sendo a situação susceptível de constituir eventual responsabilidade sancionatória e reintegratória nos termos das alíneas b) e d), ambas do n.º 1 do art. 65.º e dos n.os 1 e 4 do art. 59.º da Lei n.º 98/97, de 26/08, com a redacção dada pela Lei n.º 48/2006, de 29/08.

quinta-feira, 11 de junho de 2009

Os novos estatutos das federações desportivas

Tal como sucedeu num passado para muitos já não reconhecível (1993-1994), com a entrada em vigor de um regime jurídico das federações desportivas – pleno de inovação orgânica e de regras de funcionamento dessas entidades desportivas –, assiste-se na actualidade, a um processo em tudo semelhante.
Com a entrada em vigor do novo regime jurídico das federações desportivas e do estatuto de utilidade pública desportiva, às existentes federações desportivas foi concedido um prazo para concretizar a adaptação estatutária com o disposto no Decreto-Lei nº 248-B/2008, de 31 de Dezembro. Conforme dispõe o seu artigo 64º, essa adaptação deve estar concluída no prazo de seis meses a contar da publicação do despacho referido no n.º 3 do artigo 26.º, para que produzam os seus efeitos até ao início da época desportiva imediatamente seguinte.

O despacho aqui mencionado (Despacho nº 3203/2009, de 14 de Janeiro, do Secretário de Estado da Juventude e Desporto, que determinou quais são as modalidades colectivas e as modalidade individuais) foi publicado no Diário da República, 2ª série, nº 17, de 26 de Janeiro.
Logo, 26 de Julho é a data chave.
Não nos preocupamos, agora, em apurar que efeitos negativos derivam para a federação desportiva que não cumpra tal prazo.

Por ora, desejamos firmar uma séria suspeita quanto à irrelevância, para o Estado, quanto ao concreto estatuto alcançado por cada federação (com a excepção, porventura, da Federação Portuguesa de Futebol, desde logo porque foi para esta que todo o regime foi concebido).

Em 2002 tivemos a oportunidade de analisar os estatutos de todas as federações desportivas titulares do estatuto de utilidade pública desportiva e o resultado, quando confrontado com a lei então em vigor, foi deveras significativo quanto ao grau de incumprimento dos normativos públicos e, visto por outro prisma, em face da permanência da situação por muitos anos sem reparo dos poderes públicos, da omissão do exercício do poder de fiscalização que sempre existiu neste domínio.

O que agora se exige, é que a lei não seja uma vez mais esquecida na sua aplicação geral e abstracta, correndo-se o risco de apenas dela se jogar mão pontualmente – por vezes, no cumprimento de agenda mediática –, com a consequente violação do princípio da igualdade.
Por outro lado, a omissão do Estado, equivalerá à constatação da ineficácia da lei.
O que, bem vistas as coisas, será porventura ainda mais grave, atentos os poderes públicos de que se encontram dotadas as federações desportivas titulares do estatuto de utilidade pública desportiva.

segunda-feira, 8 de junho de 2009

Desporto e Autonomia Insular

Num País em que a produção bibliográfica relativa ao desporto é escassa e no qual, frequentemente, o desporto das regiões autónomas é olvidado e relegado para segundo plano, mesmo quando apresenta modelos e práticas exemplares, é de muito bom grado darmos conta de obra recentemente dada a estampa. Trata-se do livro intitulado “Desporto e Autonomia Insular” e da autoria de Francisco Fernandes.


Fruto do trabalho de doutoramento do autor, a dita obra, essencialmente descritiva, efectua comparações entre o nível desportivo, entendido como um indicador privilegiado do estádio de desenvolvimento desportivo de um país ou região que traduz a relação entre os praticantes desportivos de base e os praticantes de elite, de cinco países - Portugal, Espanha, França, Itália e Grécia - e dez regiões - Madeira, Açores, Canárias, Baleares, Córsega, Martinica, Guadalupe, Sicília, Sardenha e Creta. Foi tido em consideração os níveis de autonomia política de cada região e a partir da avaliação desportiva dos resultados dos “Jeux dês Îles” estabelecida a relação com o nível desportivo das regiões investigadas.


Das várias conclusões apresentadas, relativamente ao período estudado dos dois ciclos olímpicos de 2000 e 2004 e em relação à amostra dos cinco países e dez regiões insulares do estudo, destacamos que a Grécia apresenta o nível desportivo mais elevado (49,49%; 48,33%), seguida de Espanha (32,38%; 31,95%), da França (32,35%; 32,18%) e de Portugal (28,47%; 28,47%), sendo o mais baixo pertencente a Itália (25,19%; 24,98%).
Das Regiões os valores mais elevados pertencem a Creta (entre os 48% e os 49%) e os mais baixos de Sardenha (entre os 25%), sendo que a Madeira (a rondar os 35%) e os Açores (entre 28% e 30%) se situam no meio das regiões estudadas.


Em suma, quem tiver curiosidade ou quiser investigar a problemática do desenvolvimento desportivo terá esta obra como umas das valiosas fontes de informação.

sexta-feira, 5 de junho de 2009

O desporto e as eleições europeias

As inúmeras consequências do fosso existente entre os cidadãos e as instituições europeias dão azo em cada eleição europeia a um elencar de argumentos estafados sobre a representatividade política e legitimidade democrática da União Europeia, por muitos daqueles que analisam a qualidade do debate político nesta ocasião. Constitui, até, porventura, uma almofada de recosto para o debitar de boutades.

Ora, se existe um certo consenso em torno desta realidade, expressa na fragilidade do discurso político e da opinião pública em relação aos desafios e problemas da governação europeia, que percorre todos os paises da UE; poucas – e pouco consensuais – são as propostas para reverter este processo.

Neste âmbito, situo-me próximo dos que consideram o déficit de cultura política europeia - a qual atravessa cidadãos e políticos -, um problema de incapacidade dos governos nacionais e das instituições europeias em clarificar, nas diversas áreas, os problemas cuja dimensão política os impossibilita de circunscrever às fronteiras nacionais e às competências de cada Estado Membro, ofuscando, assim, o código de leitura dos cidadãos. Convenientemente nacionalizam-se problemas europeus e europeizam-se problemas nacionais.

Vários são os factores que contribuem para isso e condicionam, há muito, a integração europeia na sua dimensão política e social acentuando, naturalmente, as opiniões de descrédito e desconfiança. Algo que assume contornos preocupantes quando se esvaziam competências nacionais reforçando o peso da União, se põem em causa pilares de soberania supostamente inquestionáveis exigindo uma capacidade de envolvimento de cada Estado em redes de governação multilateral com dinâmicas bem distintas da lógica de paroquialização política que constitui o quadro de referência da grande maioria dos responsáveis governativos em Portugal.

O desporto - fruto das suas características similares numa grande maioria dos Estados da UE que dão corpo a um conceito denominado modelo europeu de desporto -, é um tema onde não é difícil aplicar-se uma grelha de análise que permita definir domínios cuja governação carece de uma perspectiva supranacional que, no mínimo, considere a necessidade de envolver os programas, estratégias e políticas das instituições comunitárias para o desporto, e assim desenvolver instrumentos de governação que actuem sobre os sintomas da trajectória de crise que aquele modelo atravessa.

Neste período eleitoral, e prevendo-se no Tratado de Lisboa um quadro de competências de suporte em matéria de desporto, é importante conhecer a posição dos vários grupos políticos com assento no Parlamento Europeu sobre as políticas desportivas na União, e os seus programas para o mandato 2009-2014, naqueles que são os desafios onde é incontornável assumir um processo de tomada de decisão a uma escala europeia.

Poder-se-à admitir que a UE desempenha um papel acessório num teatro cujo palco continuará reservado aos actores habituais, produzindo apenas declarações de intenções ou papeis inócuos no seio da sua burocracia. Mas não foi com esta visão, que em vários sectores de actividade os Estados passaram de actores a figurantes com a reforma da regulação europeia? Não foi também nesta lógica de raciocínio que Portugal foi navegando ao sabor de outros parceiros comunitários, com ideias mais claras sobre a sua relação com Bruxelas, e assumiu compromissos e opções políticas cuja factura ainda está a pagar?

O movimento desportivo europeu tem vindo a fazer o seu papel, a posicionar os seus interesses em torno de uma política desportiva europeia que está a consolidar as suas linhas programáticas e vem assumindo contornos cada vez mais claros desde a publicação do Livro Branco. Irá, por certo, ter oportunidade de discutir em breve - no nosso país em finais de Outubro - os seus mais recentes desenvolvimentos.

Já não se trata apenas de abordar o desporto na sua dimensão económica, ou nos problemas financeiros que hoje cruzam a sua vertente profissional um pouco por toda a Europa. É decisivo equacionar o futuro das políticas desportivas, num contexto global, caso se pretenda analisar em amplitude e intervir com eficiência sobre estes e outros problemas que o desporto atravessa, os quais, antes de mais, se focalizam e geram no seio do desporto e das opções tomadas pelos responsáveis na sua governação e regulação, ao contrário do que se pretende fazer crer.

quarta-feira, 3 de junho de 2009

Tudo como dantes,quartel-general em Abrantes

Os “nossos vizinhos espanhóis”, como alguns gostam de chamar, iniciaram por volta dos finais anos 80 um “revolução” no seu futebol. O governo pressionado por uma influência politica transversal às diferentes famílias políticas limpou a zero as dívidas ao sector público dos clubes de futebol e a partir daí iniciou-se uma nova etapa de “credibilização” do negócio do futebol profissional. Houve alguns descarrilamentos com alcaides e ayuntamientos. Mas a coisa lá foi. O modelo fez as delícias de uma economia em crescimento e de um negócio em expansão muito ligado à indústria imobiliária, à especulação fundiária e aos centros de poder regional e autonómico. E iluminou outras paragens. Por cá tentou imitar-se. Elogiou-se a visão do governo espanhol e procurou-se uma solução próxima. O melhor que se conseguiu arranjar foi o chamado totonegócio. E umas bombas de gasolina, uns bingos, uns terrenos, capital público nas sad’s e outros expedientes que o tempo veio demonstrar a respectiva precariedade.
Passados uns anos tudo como dantes, quartel-general em Abrantes! A milagrosa solução espanhola afinal não foi nem solução, nem milagrosa. A situação é agora bem pior que a anterior.
De acordo com dados da Liga de Futebol Profissional os clubes espanhóis devem 2086 milhões de euros. A fazenda pública é a maior credora com cerca de 627 milhões. E estima-se que um valor semelhante ocorra com a dívida à Segurança Social cuja informação é de “carácter secreto”.Por economia de palavras: não se resolveu o que era suposto resolver; a situação agravou-se.
Por cá soube-se esta semana que o passivo acumulado pelas sad’s do Porto, Benfica e Sporting é de mais de 400 milhões, (um valor próximo das dívidas do Real Madrid em Espanha), e que qualquer daquelas sad’s teve exercícios negativos na época que agora termina. E mesmo clubes com reporte desportivo positivo apresentam resultados de exploração negativos. Invariavelmente é a venda de activos que procurará atenuar algum daquele desequilíbrio enquanto o mercado for permitindo valores de venda completamente desligados da economia real do futebol.Um verdadeiro exemplo da chamada "economia de casino".
Exemplos deste tipo poderiam multiplicar-se por esse mundo fora. E perante um quadro desta natureza centrar a discussão e as soluções em salários em atraso é tratar do sintoma sem atacar a doença. O problema já não é do domínio da gestão. É das próprias regras em que assenta o negócio.
O modelo do futebol profissional de há muito que deu sinais de completa falência. Assenta numa (i)lógica em que os custos de produção são superiores às receitas. A prazo é um modelo insustentável. Ou então é preciso inventar uma outra economia rever os manuais para as empresas e explicar como é possível (sobre)viver a gastar mais do que aquilo que recebem.
Numa conjuntura em crise essa insustentabilidade assume maiores riscos. Mas, em bom rigor, é-lhe anterior. E revela que a gestão do futebol não é um problema exclusivamente português. Como o não são as respectivas soluções.
É neste contexto de falência que as propostas apresentadas pelo presidente da UEFA devem merecer alguma atenção. É que não parece difícil de constatar que a economia do futebol precisa de olhar mais para a redução dos custos do que para um eventual aumento das receitas. E que na redução de custos está necessariamente a redução de salários e de custos de transferência de jogadores. Sem uma regulação sobre estes dois factores dificilmente se encontra um equilíbrio na gestão.
As reacções negativas a essa regulação não auguram nada de bom. E fazem prever que, cá como lá, o futebol teima em não querer enfrentar a realidade de um modelo de insustentabilidade em que teimosamente persiste.