terça-feira, 30 de outubro de 2012

Financiamento público às federações:alguns mitos


Pode colocar-se em causa as disposições constitucionais no que respeita ao papel do Estado em relação às federações desportivas. Mas creio que ninguém ousa contestar que o serviço que prestam tem elevado interesse público. No entanto dividem-se muitas vezes as opiniões sobre se o apoio público que recebem, designadamente o financeiro, é ou não adequadamente utilizado. E os resultados desportivos alcançados o justificam. Este assunto reveste – se de alguma atualidade num momento em que administração pública, carente de recursos financeiros, é tentada a criar uma agenda em que se pretende questionar o modo como os financiamentos públicos replicam resultados desportivos. Convém sobre este exercício adotar algumas cautelas. E importa, à partida ,desfazer alguns mitos.
O primeiro mito é o de que aquilo que o desporto recebe é maior que aquilo que oferece à comunidade. Não é verdade. E não falo de valores intangíveis ou difíceis de quantificar ligados à características do produto ou serviço desportivo. Falo de valores quantificáveis em termos de produto interno bruto ou de receita fiscal. O balanço é claramente favorável ao Estado e à comunidade.
O segundo mito é o de que esses dinheiros públicos resultam de uma contributo do orçamento do Estado no que ele tem de receitas oriundas de impostos, taxas e outros tipos de esforço financeiro de todos os contribuintes. Também não é verdade. Quem sustenta o financiamento público do desporto às federações desportivas são, no essencial, os apostadores nos jogos que a Santa Casa Misericórdia de Lisboa tem sob sua gestão.
Um terceiro mito é o de que, por norma, os recursos públicos disponibilizados são mal aplicados. Não é verdade. Há casos em que isso ocorre mas a situação geral não essa. O que se passa com as federações desportivas passa-se em igual medida com a entidade concedente. Há melhor exemplo de um Estado relapso que a situação do défice público? Nem mais, nem menos. Importa, por isso, abandonar um raciocínio muito comum: não separar o que é o papel do Estado, com o modo como, esta ou aquela federação desportiva, usa os recursos públicos disponibilizados.
Um outro mito é o de que tem aumentado o financiamento público ao desporto e os resultados têm diminuído. Não é verdade. O aumento público global aumentou, mas diminuiu o apoio da administração central. O aumento foi conseguido com a despesa pública autárquica. E consumido num aumento significativo das atividades e quadros competitivos federados. Por outro lado, o valor médio global do desporto português cresceu nos últimos doze anos. O problema do efeito de financiamento público no desporto é de outra natureza.
O problema é que existe uma desfocagem sobre os fatores criticos do desenvolvimento. A vocação de atividade das federações desportivas, e em certa medida a dos clubes e associações desportivas de modalidade, assenta numa oferta (o desporto de competição) que é uma pequena parte da procura. Esta evoluiu para o consumo de novos serviços e actividades desportivas (manutenção, lazer, condição física), cuja satisfação é procurada em outras entidades. Não se pode esperar que sejam as federações desportivas a responder a necessidades de desenvolvimento desportivo que, em alguns casos lhes escapam. O problema da formação escolar é um deles, mas não é o único.
O modelo público que existe de apoio ao desenvolvimento do desporto foi concebido para uma procura estabilizada, muito em torno dos jovens e do desporto de rendimento, e não se adaptou a uma outra procura, mais diversificada e segmentada, com forte incidência da população adulta e sénior, assente na crescente comercialização de bens e serviços desportivos e em outros motivos para a prática do desporto de que não é despiciendo as novas culturas ligadas aos chamados estilos de vida saudável.
Um exemplo dessa desadequação é que ao aumento muito significativo, da oferta de equipamentos desportivos públicos, não correspondeu um aumento da utilização que esses equipamentos potenciam resultantes do modelo que os inspirou: o desporto formal. Porque por outro lado e decorrente de uma visão higienista das práticas do desporto, aumentaram lógicas de construção e investimento corporal em que o ensino e prática do desporto foram substituídos pelo ativismo físico sem preocupações de educação corporal e rendimento desportivo. O desporto parece não  ter compreendido as consequências desta mudança de paradigma. E desta desadequação todos sofrem: as federações desportivas que não beneficiam do alargamento das práticas do ativismo físico; o País cujas indicadores de nível desportivo se mantêm aquém do desejado. Resultado a prazo: os indicadores de práticas informais tenderão a crescer mais que os do desporto formal. Porque entre estes dois subsistemas não parece existir uma relação de benefícios mútuos. E aquilo que vai suceder serão os indicadores de prática desportiva subirem ao mesmo tempo que os indicadores de prática formal federada estagnam ou regridem mesmo com registos de filiação associativa correspondentes a praticantes precários e/ou praticantes informais.
Culpar ou responsabilizar as federações desportivas por esse desvio é não compreender que o problema não está do lado das federações. O problema reside do lado do Estado que se limitou (e limita) a manter um modelo cujo alcance está prejudicado pelo desenvolvimento de dois subsistemas que não comunicam entre si. E se acrescentarmos a este facto o do financiamento público ao subsistema informal ter uma forte componente de apoio/despesa autárquica compreende-se que não é possível resolver este problema sem articular subsistemas e políticas públicas e associativas.
O problema do financiamento público está, por estas razões, a jusante do modelo de desenvolvimento. Se primeiro, não se alterar o modelo, o esforço financeiro terá resultados sempre limitados. E se isto é verdade em termos gerais, o que dizer em tempos de crise e de carência de recursos?



segunda-feira, 29 de outubro de 2012

TV: um campeonato ao rubro


Texto publicado no Público de 29 de Outubro de 2012.

1. As receitas das transmissões televisivas são uma das principais fontes de proveito dos clubes de futebol. Todo o desporto profissional, por esse mundo fora, conta muito com os valores obtidos pelas transmissões televisivas e seus derivados mais recentes. O futebol nacional, que vive, há muito tempo - porventura há demasiado -, em regime quase fechado, para uns de monopólio, no que respeita à detenção desses direitos televisivos, começa a dar nítidos sinais de "cansaço".

 
2. Com efeito, o modelo português assenta na aquisição desses direitos de transmissão televisiva junto de cada um dos clubes, por uma única entidade. Tal entidade coloca no mercado de operadores televisivos, de que é também parte integrante - dir-se-ia mesmo a mais importante -, tais direitos. Por isso, paga directamente a cada clube um valor acordado, por um prazo decidido caso a caso. Tudo passa, bem vistas as coisas, pela vontade dessa entidade e pelo poder negocial dos clubes, o qual varia, naturalmente, pela sua projecção nacional e apetência para captar o interesse dos consumidores em visionar os jogos.

 
3. Nos últimos dias, porém, assistiu-se àquilo que se poderia denominar de investida - não concertada - a esta situação. O Sporting, sem sabermos se pretende chegar ao já anunciado pelo Benfica, projecta a abertura de um canal televisivo. O Benfica, já noutro patamar, decidiu não renovar o seu contrato com a Olivedesportos. A aposta benfiquista centra-se em transmitir os jogos disputados em casa, a partir da época 2013-2014, na Benfica TV.

 
4. O Governo parece também ter entrado nesta "competição". Ao contrário do que já constituía um "dado adquirido", os jogos da I Liga perdem a classificação de interesse público, o que implicava um espaço obrigatório - mínimo - de transmissão em canal aberto. Foi noticiado que a medida se justifica em face do "actual contexto que o sector da comunicação social atravessa".

 
5. Sem menosprezar estas "movimentações", o destaque vai para a denúncia apresentada pela Liga Portuguesa de Futebol Profissional na Autoridade da Concorrência. A Liga denuncia a violação das regras da concorrência no mercado dos direitos audiovisuais relativos aos jogos de futebol da I e da II Ligas portuguesas. Nesse mercado, segundo a Liga, há um operador que conseguiu criar uma posição dominante, que se encontra protegida por barreiras artificiais à entrada de qualquer concorrente actual ou potencial. Esta posição dominante e a sua protecção, ainda de acordo com a Liga, resultam de uma rede anticoncorrencial de contratos, tecida ao longo dos anos, através da celebração de contratos com cada um dos clubes de futebol, contendo cláusulas de exclusividade e direitos de preferência, celebrados entre esse operador e cada um dos clubes que são caracterizados por uma duração anormalmente longa e por serem desfasados no tempo.

 
6. Estamos assim, para a Liga, perante uma violação do direito da concorrência. A Liga requereu à Autoridade da Concorrência a imposição de medidas indispensáveis à cessação do abuso de posição dominante e dos seus efeitos, designadamente que decrete a contrariedade dos contratos entre o operador e os clubes às normas da concorrência, tendo, como consequência, a cessação dos seus efeitos. Requereu ainda que sejam adoptadas medidas de natureza estrutural necessárias para pôr fim aos efeitos da restrição concorrencial.

 
7. A nosso ver, este "processo" é bem positivo e chega tarde a Portugal (como, aliás, tudo). Tudo o que contribua para o esclarecimento de situações bem dele necessitadas, como é o caso, só pode ser benéfico. Com isso, ganha-se a estabilidade necessária à projecção do futuro, aqui, do futebol profissional.






sábado, 27 de outubro de 2012

5 anos!

Faz hoje precisamente cinco anos que a Colectividade Desportiva iniciou a sua vida na blogoesfera. E fê-lo atendendo a um tema, a profissionalização dos árbitros de futebol, que na altura era um propósito da Liga Portuguesa de Futebol Profissional. O certo é que volvidos estes anos nada se concretizou no âmbito deste propósito, a não ser discussões entre pares, criação de grupos de trabalho, reuniões entre decisores políticos e dirigentes desportivos, mas em concreto goraram-se as espectativas e os objetivos traçados.

Não é, contudo, a análise desta matéria que importa agora focar, mas apenas assinalar os cinco anos de existência de Colectividade Desportiva. Registar tão só, a evolução de algo que partiu da necessidade sentida e partilhada por alguns dos seus fundadores, de escreverem livremente, quando muito bem entendessem, sem amarras, sem imposições, acerca de um tema que os unia: o desporto.

Ao recordarmos estes cinco anos, fomos revisitar textos de 2007 e muitos outros que lhes seguiram ulteriormente. Efetivamente, é com imensa satisfação que damos conta da diversidade de temáticas tratadas, da significativa qualidade de muitos deles e do debate que em muitos foi suscitado pelos comentários de quem nos consulta.

Em suma, da simples necessidade de escrever sobre desporto trilhou-se um caminho recheado de pensamentos livres que deram corpo e alma a uma Colectividade Desportiva que pode hoje ser considerada um espaço criativo, democrático e enriquecedor do viver desportivo coletivo. 

E venham mais cinco...!!

terça-feira, 23 de outubro de 2012

Contra o P.C.(leia-se politicamente correto)

Sempre gostei de bicicletas. E em miúdo fazia corridas de bicicletas com um improvisado guiador feito de arame a imitar o dos ciclistas. Não pedalávamos. Corríamos com o guiador na mão. No ciclismo era do Sangalhos por causa do Alves Barbosa. A primeira bicicleta adquiri-a já adulto. Aprendi a andar de bicicleta pelos nove/dez anos na Colónia Balnear da FNAT na Caparica. O meu pai alugava uma bicicleta durante um quarto de hora e pagava pelo aluguer 1 escudo. Naquele tempo não havia dinheiro para ter uma bicicleta própria. Era coisa de meninos ricos. Mais tarde, já adolescente, andava numa bicicleta que entretanto o meu pai comprou para se deslocar para o trabalho. A bicicleta era então meio de transporte para as classes baixas. E quem passasse por terras de forte implantação operária como a Marinha Grande ou campesina como Alpiarça ou o Couço via, nessa altura, homens, mas também muitas mulheres, em que a deslocação para os locais de trabalho era feita de bicicleta. A bicicleta foi, de resto, elevada à categoria de ícone da resistência dos trabalhadores e do trabalho político na clandestinidade representado na figura do Vaz na obra de Manuel Tiago, pseudónimo de Álvaro Cunhal, no romance, Até Amanhã Camaradas!
A bicicleta era, nesse tempo, bicicleta e não bike. E era material fabricado cá (… na fábrica Vilar) e não importado. Era auxiliar da deslocação para o trabalho e não objeto de culto. E não tinha ainda sido apropriada pela burguesia urbana e pela cultura verde como símbolo de um estilo de vida alternativo. Ou pelas indústrias do bem estar.Ou para imitar os dinamarqueses ou holandeses que usam umas pasteleiras mal paridas e que não reivindicam qualquer estatuto especial designadamente os que preferem andar de carro. Leve, limpa e saudável surge como uma quimera à densidade do tráfego e aos elevados índices de poluição. Eu, que nada tenho contra os que optam por andar de bicicleta, acho piada a este discurso light e assético carregado de radicalismo urbano e fundamentalismo ambiental abrigando uma espécie de superioridade sobre os outros, designadamente os que se deslocam de carro. Mas arrumo-o na categoria das pulsões lúdicas. É da ordem do simbólico. E é divertido. Razão pela qual, no desenho do espaço público, sempre me pareceu mais importante passeios largos para as pessoas andarem, se possível conciliável com pistas cicláveis ou pedonais, mas sem qualquer obsessão por esta ou aquela forma de deslocação.
Bem sei que estou ultrapassado. Em primeiro lugar porque gosto de coisas que o pensamento politicamente correto condena: touradas, caça, caracóis, jaquinzinhos com arroz de tomate, choquinhos fritos, arroz de tordos ou de lingueirão, cozido à portuguesa, havanos e bom vinho. Tudo coisas que os burocratas em Bruxelas, que comem mexilhão com batatas fritas e não sabem o que é peixe fresco que não seja de aquário ou galinha de aviário, ignoram, mas condenam. E depois não dispenso uma beleza feminina que me chama sempre a atenção e dá vida aos meus anos, que já são muitos. E tenho outras reservas mentais: sempre desconfiei do negócio das energias alternativas, das formações importadas sobre competências disto e daquilo, das formações motivacionais, das teorias baratas sobre empreendedorismo, dos coachings e das filosofias de autoajuda que nos ensinam a pensar positivo e a ser felizes. Depois o meu lado conservador briga com o meu lado liberal. Resultado: respeito mas resisto, a um certo totalitarismo invisível que no âmbito da pastoral higienista e das causas fraturantes faz passar a ideia de que pessoas felizes e saudáveis têm de gostar de sushi, dedicar-se a meditações transcendentais, reciclar o lixo, subir escadas em vez de utilizar elevadores, achar que o Bairro Alto é um sítio recomendável, que um homem pegar de empurrão é uma coisa normalíssima, que um partido político dos animais faz falta à democracia, que não possuir o ultimo gadget informático é um atraso tecnológico e entender que uma instalação com um monte de caixotes e de pedras em cima é uma obra de arte. Ou que tenho, em nome da ética da alteridade, de respeitar as religiões incluindo a dos islâmicos cujos prosélitos acham que a sua religião deve mandar no mundo, nem que para isso seja necessário matar quem com eles não concorda. Que é o meu caso e, presumo, de muita gente.
O mundo não teria qualquer graça se tivéssemos que optar entre o folclore transmontano e a música clássica. Por isso, eu que sempre gostei de bicicletas e de andar de bicicleta, eu que tenho na minha história pessoal o de ter pedalado na estrada ao lado de um ídolo de infância, o Alves Barbosa, não gosto que me estabeleçam dilemas existenciais entre esse modo de deslocação ou o carro. Eu, que uso carro, não gosto que me arrumem numa espécie de categoria arqueológica. Ou carregado de culpa. E que me vendam ideologia sobre a forma de ciência. Ou moral sobre a forma de catecismo. Que cada um escolha o modo como se quer deslocar.Com respeito e sem anátemas.



domingo, 21 de outubro de 2012

Os cavalos a galope em S. Martinho do Bougado


Texto publicado no Público de  21 de Outubro de 2012


1. Na semana passada foram as bicicletas. Hoje é dia de corrida de cavalos. Filomena (ficção) foi vítima de acidente ocorrido numa prova hípica integrada no Campeonato Nacional de Corridas de Cavalo a Galope. Tal prova teve o apoio de uma Junta de Freguesia (JF). Um dos cavalos saltou a vedação da pista, na sequência da queda de outros, e veio-a atingir quando se encontrava na zona da assistência. Esse acidente causou-lhe danos que pretende ver ressarcidos. Responsáveis indicados: a entidade organizadora, a Junta de Freguesia, o proprietário do cavalo e a seguradora deste.

2. Em recente decisão, o Supremo Tribunal de Justiça (STJ), ocupou-se do caso. A única questão em apreço foi a de saber se também sobre a JF impendia a obrigação de indemnizar. Independentemente do sentido da resposta frise-se, desde já, o relevo da questão no quadro do desporto autárquico. Com efeito, as autarquias são, a diversos títulos, um motor fundamental do desporto. Daí que todas as suas intervenções devam ser rodeadas de cautelas, também jurídicas.

3. Ponto de partida: uma corrida de cavalos a galope é uma actividade perigosa. “Entra em campo”, pois, o nº 2 do artigo 493º do Código Civil: quem causar danos a outrem no exercício de uma actividade, perigosa por sua própria natureza ou pela natureza dos meios utilizados, é obrigado a repará-los, excepto se mostrar que empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de os prevenir. Com base nos factos provados, o STJ tinha que oferecer resposta a esta questão: a JF tomou as medidas necessárias para evitar o dano? Por exemplo, tem ela responsabilidade no facto da vedação só apresentar 1,10 mts. de altura, quando era sabido que os cavalos, ainda que não preparados, efectuam saltos com alturas próximas dos 2 metros?

4. Para o Supremo, a responsabilidade da segurança da prova residia na outra entidade.
A JF tomou todas as providências que o acto, integrador daquela actividade perigosa, exigia.
Do processo resulta, “no que concerne à observância das exigíveis regras de segurança e definição dos parâmetros geradores de risco, que a Junta não interveio com alguma autonomia, mas sempre sob orientação e controle da Liga, em rigoroso cumprimento directo das instruções técnicas dela recebidas. Demonstra-se que a Junta foi totalmente estranha às opções construtivas da vedação”.
E “as providências que no caso se exigiam à Junta consistiam precisamente em submeter-se à orientação e directivas preconizadas pela entidade técnica e oficialmente reconhecida como competente, implicitamente idónea para tal, que nem deveria contrariar. E essa foi a sua postura.”

5. Conclui (bem?): “Como entidade autárquica por natureza arredada dos conhecimentos específicos e técnicos que caracterizam provas desta índole, […] não lhe era exigível que, tendo procedido à vedação da pista em conformidade com as imposições técnicas definidas pela entidade competente para o efeito, devesse prever que ainda assim uma eventual sucessão de quedas de cavalos e cavaleiros pudesse conduzir à transposição da vedação por um cavalo descontrolado participante na corrida, e à produção de danos em algum dos assistentes, não sendo por tal passível do juízo de censura ético-jurídico que exprime a culpa”.

quarta-feira, 17 de outubro de 2012

Eliminar custos intermédios

Em qualquer organização é sempre possível encontrar soluções que melhorem o respetivo funcionamento e não se traduzam em aumentos de custos. E nos governos e respetiva administração também. Sem que para tanto seja necessário profundas alterações politicas, jurídicas ou financeiras. Por vezes depende apenas da capacidade de perceber que descomplicar é em si mesmo uma poupança. E que a tramitação burocrática e administrativa ou o peso de certa tipo de funções é um custo, uma sinergia onerosa que não acrescenta mais-valias ao produto final. E que o foco na simplificação é um ganho.
O Estado através da administração pública desportiva assina, por ano, em média, 250 contratos-programa com as federações desportivas(1) . Tantos quanto a natureza dos programas. E 115 aditamentos. Em média o número de contratos-programa é de 4,3 por federação (2) mas com aditamentos sobe para 6,6 por federação. Ente contratos e aditamentos mais de 50% das federações desportivas assina 5 ou mais. E destas 75% assina 9 ou mais.
A carga burocrática e administrativa é pesadíssima. As rotinas de procedimento idem. As avaliações são de pura contabilidade financeira. Avaliações de natureza desportiva zero. A maior parte do tempo dos recursos humanos é consumida neste verdadeiro delírio burocrático-administrativo. Qual é o obstáculo legal que impede que a cada federação desportiva corresponda apenas um contrato-programa e que nele se reflitam os diferentes subprogramas que são objeto de apoio financeiro público do Estado?
O Estado através da administração pública desportiva pede tudo e mais alguma coisa às federações desportivas obrigando-as a uma elevada carga administrativa. O furacão inspetivo e persecutório todos os anos acrescentam novos elementos aos anteriores. A razão é conhecida: os dirigentes desportivos não são de confiar. Confiar, confiar, só nos inspetores de finanças. Mas se atacarmos este mito qual é o impedimento legal, que sem prejuízo da devida fundamentação dos pedidos, impede de proceder a uma simplificação de procedimentos?
O Estado através da administração pública desportiva gere refeitórios, centros de estágio, piscinas, complexos desportivos, saunas, campos de futebol, de ténis, pistas de atletismo e demais infraestruturas desportivas. Em Lisboa, em Oeiras, em Coimbra, em Lamego, em Aveiro, no Porto, etc. Qual é o impedimento legal que impede a transferência da sua gestão para outros entes públicos, associativos ou privados garantidos que seja a respetiva missão de serviço público?
O Estado através da administração pública desportiva gasta uma elevada quantidade de meios financeiros em jogos da lusofonia e similares no âmbito da CPLP. Nos jogos, nas reuniões, nas viagens, nos apoios financeiros e atividades conexas. Qual é o problema em se suspender este tipo de eventos enquanto estiver a decorrer o programa de ajuda externa?
O Estado através da administração pública desportiva gere serviços de apoio médico-desportivo. Não existem outras entidades, públicas e privadas, onde se podem encaixar esses serviços libertando custos de funcionamento e alcançando sinergias complementares em exames de diagnóstico presentes em outras unidades médicas e de serviço público?
O Estado através da administração pública carece de estudos que sustentem opções de natureza político-desportiva. Mas não precisa de os encomendar fora quanto tem recursos humanos e técnicos capazes de os realizar. Não existe qual quebra de qualidade da decisão política se, na fase que estamos a viver, se suspender todas as aquisições de serviços externos que podem ser garantidos pelos recursos humanos e técnicos existentes na administração pública.
O governo tem um secretário de estado que para as pastas que detém diz que possui um chefe de gabinete, dois adjuntos e quatros “especialistas”. Não é bem assim, mas adiante. Pode perfeitamente reduzir os custos. Mantém o chefe de gabinete e os dois adjuntos. O resto dispensa. Porque não são especialistas. São comissários políticos. E porque o Estado não pode despedir trabalhadores e ao mesmo tempo servir de lugar para emprego politico. Nas áreas de especialidade de que careça o governo deve recorrer aos técnicos que existem na administração pública. Ganha em competência técnica. Poupa em remunerações, em ajudas de custo, em despesas de representação, em viaturas, em motoristas e respetivas horas extraordinárias.
O que propomos podia ser feito. Era fácil? Não. Era possível? Era. Não seria preciso mudar de governo. Ou criar nova legislação. Ou mandatar um grupo de trabalho para estudar isto ou aquilo. Tudo era realizável no quadro de condicionantes atual. E tudo se traduzia em poupanças na despesa pública.Com vantagens para o serviço público prestado. Infelizmente essa possibilidade esvaiu-se. O discurso do primeiro-ministro a 7 de Setembro acabou com tudo. Resta uma lenta agonia. Não se sabe até quando.

(1)-Dados de 2011
(2)-Universo de 56 federações desportivas



segunda-feira, 15 de outubro de 2012

O que vale o desporto português?

Um texto de Luís Leite que se agradece



Partindo do princípio de que o valor desportivo de um país se mede pela qualidade relativa das suas seleções nacionais nas disciplinas coletivas e dos melhores atletas nas disciplinas individuais nas grandes competições mas também nos RANKINGS MUNDIAIS, decidi fazer uma busca na net e nos sites das Federações Internacionais, a fim de qualquer pessoa interessada poder tirar as suas conclusões.

 
Estando Portugal atualmente em 36º lugar no ranking mundial do PIB per capita e em 41º no Índice de Desenvolvimento Humano da ONU, vejamos as classificações atuais (13 de Outubro de 2012).

 
Nas modalidades coletivas mais significativas e em que existem rankings:

 
Hóquei em Patins: Não há rankings, mas Portugal estaria provavelmente no 2º lugar.

Futebol masculino: 3º

Ténis de Mesa masculino por equipas: 7º

Ciclismo (estrada): 10º

Râguebi masculino: 26º

Andebol masculino: 30º

Voleibol masculino: 38º

Ténis (Taça Davis): 41º

Basquetebol masculino: 44º

Nenhuma modalidade feminina no Top 50.


 
Nas modalidades individuais, atletas no Top 20, em modalidades pluridisciplinares ou várias categorias de peso ou distância (Remo e Canoagem não têm rankings):

 
Telma Monteiro (Judo 57Kg): 3ª

Jorge Caeiros (Karate Kata): 6º

João Costa (Tiro Pist. 10m): 9º

Rui P. Bragança (Taekwondo, -58Kg): 9º

Tiago Monteiro (Automobilismo, WTCC): 9º

Miguel Oliveira (Motociclismo, GP Moto 3): 9º

Rui Costa (Ciclismo, Estrada): 10º

Rui Gonçalves (Motocross, MX1): 10º

Mário Silva (Taekwondo, -63Kg): 10º

Álvaro Parente (Automobilismo, GT1): 11º

Marco Fortes (Atletismo, Peso): 13º

Vitalie Certain (Karate, Kumite, -60Kg): 13º

Ana Cabecinha (Atletismo, 20Km Marcha): 13ª

Patrícia Mamona (Atletismo, Triplo): 14ª

Armindo Araújo (Automobilismo, Rallye): 14º

João Costa (Tiro Pist. 50m): 15º=

Catarina Vilhena (Karate Kumite, -68Kg): 15ª=

João Vieira (Atletismo, 50Km Marcha): 17º

Nuno Moreira (Karate, Kumite, -75Kg): 17º

Sara Moreira (Atletismo, 10000m): 18ª

Cátia Rodrigues (Karate, Kumite, -50Kg): 18ª

Luís Pinto (Ciclismo, Mountain Bike Marathon): 19º

Joana Castelão (Tiro Pist. 10m): 20ª



Nas modalidades individuais simples, atletas no top 50:


 
João Silva (Triatlo): 10º

Marcos Freitas (Ténis de Mesa): 25º

Tiago Apolónia (Ténis de Mesa): 37º

João Monteiro (Ténis de Mesa): 48º


 
Nota: Foram ainda verificados os rankings da Natação, Vela, Ginástica, Ténis, Esgrima, Tiro, Equestre e Badmington.

Nos Desportos Motorizados não existem rankings, pelo que só a classificação nos Campeonatos do Mundo pode ser analisada.

 
Peço desculpa por alguma falha que possa existir nas buscas.
As conclusões ficam ao critério de cada leitor.

domingo, 14 de outubro de 2012

Os polícias e as bicicletas


Texto publicado no Público de 14 de Outubro de 2012.


1. Se o leitor perguntar a um miúdo de 12 anos – quase treze – se existe alguma modalidade desportiva em que a presença da polícia seja determinante para a sua prática, porventura receberá uma resposta semelhante há que me destinaram: o futsal e o futebol.
Porquê? Por causa dos adeptos e da violência que lhes anda associada.
Embora não sendo acertada, esta resposta diz muito da forma como os jovens vêem o desporto que lhes colocam à disposição e como encaram – dir-se-ia como fazendo já parte do ADN de certas modalidades desportivas – o seu policiamento.
Por outras palavras, para os miúdos, já não há futebol sem polícia, o que não deixa de ser um “bom resultado” formativo.

2. Estas palavras vêm a propósito da publicação, no passado dia 9, do Decreto-Lei n.º 216/2012, que veio estabelecer um regime de policiamento de espectáculos desportivos realizados em recinto desportivo e de satisfação dos encargos com o policiamento de espectáculos desportivos em geral.
Em breve, trata-se de uma «actualização» do já longínquo Decreto-Lei nº 238/92, de 29 de Outubro, na sua vida alvo de pontuais alterações em 1998 e 2009. Diga-se, só de passagem, que não se compreende, em termos de técnica legislativa, por que razão se “mantiveram” vivas duas normas e os anexos desse velho diploma.
Mas não é esse o mote de hoje.

3. Independentemente do alcance prático da nova regulação – o que é sobejamente importante para avaliar a bondade das suas normas -, hoje, dir-se-ia quase “uma vez sem exemplo”, elogiamos o Governo.
Com efeito, para usar expressão fina, o recente decreto-lei constitui “uma mudança de paradigma”.
As questões do policiamento, quando relacionadas como desporto, foram sempre encaradas pelo Estado como algo respeitante à segurança pública, à prevenção e combate à violência endógena do desporto, em particular do futebol. E uma fatia dos encargos do policiamento foi – e é – suportada pelo Estado.
Ora, há muitos anos – porventura desde a entrada em vigor do diploma de 1992 – que as entidades promotoras e organizadoras de outras manifestações desportivas, com particular destaque para os agentes do ciclismo, vinham reclamando uma comparticipação pública nos encargos com o policiamento.

4. Bem se compreende esta reivindicação. Com efeito, é essencial à prática do ciclismo em estrada, a presença de autoridades policiais, em nome da segurança estradal e dos próprios praticantes.
Não há ciclismo, pois, usado aqui como exemplo, sem polícia.
Ora o novo diploma vem, pela primeira vez, reconhecer essa realidade.
No discurso redondo da exposição de motivos: “Importa também, por motivos de equidade, integrar no escopo das disposições do presente decreto-lei referentes à comparticipação do Estado, o policiamento de espectáculos desportivos que decorrem na via pública e que, em virtude das suas características, podem merecer um tratamento diverso daquele que lhe vem sendo conferido”.

5. Como atrás referimos, não sabemos onde nos conduzirá esta afirmação. Fica, no entanto, para já, um registo vitorioso para todos aqueles que sempre hastearam a bandeira de que os polícias são vitais para as bicicletas.

quarta-feira, 10 de outubro de 2012

O síndrome da Travessa da Memória


Na vida pública deste país começa a atingir uma dimensão preocupante o número de casos noticiados de responsáveis por organismos, unidades técnicas ou comissões a manifestarem-se publicamente contra a missão para a qual estas foram criadas.


Convenhamos - independentemente dos motivos ponderáveis que levam a estas ocorrências bizarras, nomeadamente por circunstâncias onde porventura a possibilidade de não recusar tais funções, devido a tutela hierárquica, é exígua -, tratarem-se de situações aos olhos da opinião pública, e com o devido respeito, semelhantes a um radical muçulmano a gerir uma exploração pecuária.

A coisa fia mais fino nos casos onde quem preside ou assume a responsabilidade destas missões é convidado para o cargo e sabe, à partida, aquilo que conta. Trata-se, portanto, de uma opção livre, supostamente ponderada e decidida mediante as circunstâncias e os elementos disponíveis.

Ora, em relação a Londres 2012 dois elementos há muito que eram do domínio público:

·        O disposto no regime jurídico dos contratos programa de desenvolvimento desportivo (Art.º 12.º, n.º 1 al. c)) onde se estabelece como um dos elementos do conteúdo de tais programas a “Quantificação dos resultados esperados com a execução do programa”

À luz destes dados como se podem encarar as declarações ontem proferidas do responsável pela missão lusa em Londres de que Portugal deveria «ter sempre como objetivo a conquista de medalhas» e que, para isso, deve «assumir uma estratégia clara, com resultados quantificáveis», com «objectivos bem definidos» ?

Não foi com aquele programa que se comprometeu a chefiar a missão portuguesa, onde, nas suas palavras de então, “não há objectivos quantificados” e a participação nacional "pode não ser um fiasco mesmo sem medalhas…”? 

Como ficamos? Será que a memória é assim tão curta na Travessa da Memória ? Ou o peru já vota a favor do Natal  ?


terça-feira, 9 de outubro de 2012

O estado do Estado

A reforma do Estado está na agenda política, pelo menos, há duas décadas. Ganhou novo impacto no âmbito do conceito genérico de reformas estruturais constante no memorandum de ajustamento orçamental assinado com a troika. E subjacente à reforma do Estado tem estado a questão da sua dimensão. Só que esta variável não pode ser desligada de duas outras: as competências e a respetiva sustentabilidade financeira.
O desporto e a juventude foram apresentados pelo atual governo como um dos primeiros setores de reforma, através da fusão num organismo único de toda administração pública do setor. Em sua defesa a justificação de que dessa forma se ganhavam economias de escala com poupanças na despesa pública. Mas esta operação de redimensionamento não foi uma reforma do Estado. O Estado continua a manter todas as obrigações e competências que tinha agora garantida por um único organismo, quando antes o era por vários. O Estado não abdicou de qualquer das suas missões. E não acrescentou outras. É o mesmo Estado. Apenas difere no modo como se organiza. Não há uma outra visão do desporto ou um diferente posicionamento do Estado. Os procedimentos no essencial mantêm-se. Tudo é igual com diferente modo de se organizar. (1)
Esta conceção minimalista estende-se à Fundação do Desporto. Uma Fundação deveria resultar da existência de um património significativo cujos proprietários decidem colocá-lo ao serviço da sociedade. O que justifica dado esse desígnio social que recolha diversos benefícios fiscais. Pelo que nunca deveriam existir fundações públicas que são uma forma travestida de o Estado passar para elas certo tipo de obrigações utilizando recursos públicos sem o controlo a que habitualmente estão sujeitos. E com isenções fiscais. Nesse sentido muitas fundações estão para a fazenda pública como as “off-shores” estão para os capitais. Servem para fugir aos impostos. As obrigações do Estado devem ser asseguradas por entidades públicas ou outras a quem o Estado contratualiza essa prestação de serviços. Mas não deve caber ao Estado, sozinho ou acompanhado, criar entes fundacionais para lá encaixar competências próprias.
Esta manutenção da Fundação do Desporto a par de uma outra fundação com especial relevo também no desporto (INATEL) é mais um sinal de que não estamos perante uma reforma estrutural do Estado, mas apenas de uma simples reformulação organizacional. Neste momento tão pouco para retomar as suas motivações iniciais- apoio genérico à alta competição- mas para encaixar a gestão e manutenção de equipamentos desportivos (centros de treino a que impropriamente designam de centros de alto rendimento),matéria de onde o Estado central se deveria retirar. É uma grossa asneira na linha da que presidiu à sua construção, sem que se conhecessem estudos ou garantias de viabilidade desportiva e sustentabilidade financeira.
O Desporto ainda não respondeu às reformas estruturais. E as reformas procedimentais vão pelo mesmo caminho. Nesta matéria porque bebe numa cultura de burocracia cujos apóstolos dominam o aparelho do estado e que não acrescentam qualquer valor público à sua ação. (2) Servem apenas para complicar. Com um problema adicional: uma parte significativa dos recursos humanos da administração pública do desporto não sabe de desporto. Nunca o estudou, nem pretende estudar. Muitos seus dirigentes estão no desporto, como no passado estiveram na segurança rodoviária ou nas finanças. É-lhes indiferente a situação do desporto nacional matéria na qual não dispõem de qualquer brilho ou competência intelectual. Basta-lhes, como qualquer burocrata, fazer cumprir os procedimentos. Que são um fim em si mesmo. O desporto que se adapte. Um dogmatismo e o sectarismo que se alimentam de uma falácia: a jurisdicização do ato administrativo como ente soberano. Que ignora coisas complexas, difíceis, por vezes ásperas que são as pessoas do desporto e a realidade desportiva.
E este é o outro lado da reforma que era preciso fazer: uma nova cultura e uma nova mentalidade dos dirigentes da administração pública. Uma cultura que desse a lucidez e fizesse perceber que o Estado e administração pública existem para servir. E que as posições majestáticas e imperiais não são o adequado a um período de crise e de dificuldades. Perceber afinal que o Estado não é propriedade dos seus titulares ou reserva exclusiva dos seus servidores.

(1) Esta situação não é exclusiva do desporto. O jornal Expresso da última semana anuncia que Jorge Moreira da Silva vice-presidente do PSD está a ultimar um relatório para o crescimento sustentável onde insiste na urgência de redefinir as funções do Estado

(2) Apesar do moralismo e da pulsão administrativista o IPDJ surge na lista da Direção Geral do Orçamento em situação de incumprimento na chamada lei dos compromissos (reporte de Agosto).



domingo, 7 de outubro de 2012

Mestre Picanço: padroeiro da ilegalidade ? (II)


Texto publicado no Público de 7 de Outubro de 2012


1. Ontem demos conta de como uma federação desportiva prolongou mandatos para além do que a lei determina, na sequência de violação manifesta – mas não para o Governo – de norma legal imperativa sobre as eleições que deviam ter tido lugar após a aprovação dos novos estatutos. E tudo feito com o beneplácito superior e os aplausos do governante (?) Mestre Picanço.
Vamos hoje um pouco mais longe.

Em primeiro lugar, o que vale para Mestre Picanço vale para o reinado de Laurentino Dias – princípio da horizontalidade da política. Por outro lado, o que se passou no voleibol, já ocorreu, e porventura estará para ocorrer, em outras federações desportivas.
Em Novembro de 2010 denunciámos que a Federação Portuguesa de Remo, não procedeu a eleições: solicitou-se ao invés, à assembleia geral, um voto de confiança para que os órgãos sociais “concluam o seu mandato até ao final do actual ciclo olímpico”.

2. Numa outra perspectiva de análise o que está em causa é o desagrado das federações quanto à lei impor limitação de mandatos e, muito mais do que isso, o não concordarem com muito do que se inscreve no regime jurídico das federações desportivas (RJFD2008).
No acto de tomada de posse, o presidente da federação de voleibol também o afirmou: o regime jurídico das federações desportivas está inadequado (aditou que um dos graves problemas do desporto nacional é a falta de dirigentes, o que, bem vistas as coisas, sempre é uma razão legitimadora para exercer um 5º mandato consecutivo ou exterminar a regra que impõe a limitação de mandatos).
Mestre Picanço, antes de ser Secretário de Estado, criticou asperamente o RJFD2008. Não gosta, também ele, de muitas das suas normas, encontrando-se assim no mesmo patamar das federações.

3. É legítima a discordância. O que é intolerável, num Estafo de direito democrático, é que esse desacordo, neste domínio, conduza algumas federações e o Governo a não aplicar a lei. Como não gostamos das soluções legais, não as aplicamos. Clara manifestação do princípio da birra da sopa: mãe não como sopa porque não gosto!

4. Aproximam-se algumas eleições federativas e, com esta postura, o Governo, o Estado, desde 29 de Setembro passado como que afirma: se assim o entenderem violem o RJFD2008, mas enviem um convite para a tomada de posse. É para estranhar?

5. Claro que não, faz todo o sentido vindo de um membro do Governo (?) que na página Web desse órgão de soberania, na era ACLMR (Antes do Caso da Licenciatura de Miguel Relvas) era doutorado pela Universidade de Edge Hill, no Reino Unido. Todavia, em DCLMR, passou a doutorando. Um mero lapso, a inicial omissão de um “n”, corrigido pelos serviços. Ai, estes serviços que estão sempre a equivocar-se. De quem tem serviços que dão erros deste tipo, pode-se esperar algo mais?

6. É, pois, de enfatizar as doutas palavras do Ministro do Desporto, Miguel Relvas, proferidas após o seu retorno do exílio, precisamente no passado dia 29: uma eventual falta de confiança dos cidadãos europeus quanto à capacidade de alguns dos seus actuais líderes pode conduzir a uma crise do próprio projecto europeu.
Nem mais, Senhor Secretário de Estado do Desporto e Juventude.

sábado, 6 de outubro de 2012

Mestre Picanço: padroeiro da ilegalidade ? (I)


Texto publicado no Público de 6 de Outubro de 2012

1.A notícia. 
No passado sábado, Vicente Araújo tomou posse no cargo de presidente da Federação Portuguesa de Voleibol, para o seu 5º mandato consecutivo (2012-2016).
O «regime desportivo» esteve em peso. E ainda Mestre Picanço, governante (?) deste infeliz país.
Na ocasião, o porta-voz do responsável político (?) pelo desporto, afirmou que a tomada de posse dos Órgãos Sociais da Federação “reveste-se de uma importância muito grande e é um sinal de vitalidade de uma Federação de sucesso reconhecido”.

2. A estranheza. Perante a notícia, veio-me à mente que o regime jurídico das federações desportivas (RJFD2008) refere que há um limite de mandatos consecutivos – 3 – para os titulares de órgãos das federações.
Algo não batia bem, pois o Secretário de Estado até assistiu à tomada de posse, louvando dirigente e federação. Se assim foi, o mal está comigo.

3. A lei.
O RJFD2008 tem regras sobre a renovação dos mandatos dos titulares dos vários órgãos.
No artigo 50º recolhem-se as seguintes normas: (a) o mandato é de 4 anos, em regra coincidente com o ciclo olímpico; (b) ninguém pode exercer mais do que 3 mandatos seguidos num mesmo órgão; (c) excepciona-se o caso em que o titular, na data da entrada em vigor do RJFD2008 tiver cumprido ou estiver a cumprir, pelo menos, o terceiro mandato consecutivo, circunstância em que pode ser eleito para mais um mandato consecutivo.

4. Que alívio! Portugal vive na legalidade e não há lugar a qualquer estranheza neste 5º mandato consecutivo. O RJFD2008 entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2009 e o titular em causa encontrava-se a cumprir o seu 4º mandato consecutivo (2008-2014). Não podes ser assim, Meirim. Confia nos Governos e na sua “atitude de legalidade”.

5. A desconfiança continua.
O diabo insistiu para que caísse em tentação.
Ao ouvido, dizia-me: “ Olha que o RJFD não termina no artigo 50º. Há mais artigos. Vai vê-los.” Larga-me, debatia-me eu com o demónio. E, tanta foi a insistência, que lá fui ler os artigos 64º e 65º.
O primeiro obrigava que as federações adaptassem os seus estatutos ao RJFD2008, até 27 de Julho de 2009, de forma a produzirem efeitos até ao início da época desportiva imediatamente seguinte.
De acordo com os dados da página da FPV, os novos estatutos foram aprovados em Junho desse ano. Portanto, nada a apontar.
Mas – e é um colossal mas –, o RJFD2008 é toda um motim no que respeita à organização e funcionamento das federações. Daí que, com estatutos adaptados a esse regime, fosse necessário realizar eleições, quanto antes.
Reza o artigo 65º: as federações desportivas devem realizar eleições para os órgãos federativos até ao final da época desportiva referida no artigo anterior.
Ou seja, novas regras, nova federação, novas eleições em conformidade com essas novidades. Tudo claro e imposto por lei. Sob pena da suspensão do estatuto de utilidade pública desportiva às incumpridoras.

6. Façamos contas.
No pressuposto de que eram válidos, à era, os limites da época oficial no voleibol, o Regulamento de Provas da FPV estabelece o período compreendido entre 1 de Agosto e 31 de Julho.
A ser certo este dado, a FPV teria que ter realizado eleições entre 1 de Agosto de 2009 e 31 de Julho de 2010.
Se não o fez, a partir dessa última baliza temporal, a ilegalidade afirma-se e impunha-se que Laurentino Dias e Mestre Picanço tivessem actuado, acenando obrigatoriamente com a suspensão do estatuto de utilidade pública desportiva.

7. Concluindo, contra a lei, mas de acordo com o Estado e seus representantes políticos, há razões – não jurídicas – que levam as federações a fazer que 3 mandatos, não cheguem, em situações de transição de regime, a 4, mas a 5. Deve ser matemática. Aí, confesso a minha ignorância.

8. Não perca amanhã a sequela deste texto.

terça-feira, 2 de outubro de 2012

A liderança no Benfica

Luis Filipe Vieira afirmou que, no futuro, o Benfica precisa de comprar menos, formar mais e vender bem. E baixar a massa salarial dos seus ativos, mesmo que isso signifique perda de competitividade. As declarações foram recebidas como uma manifestação de sensatez e realismo, tão reconhecidamente ausentes do mundo do futebol. Penso precisamente o contrário.
Num contexto de elevado grau de competitividade, como é aquele que domina as relações entre clubes de futebol um líder na sua exposição pública deve focar-se nos resultados desportivos. Admitir perda de competitividade é, num clube como o Benfica, sacrificar a sua principal memória e identidade. E num clube que tem paulatinamente perdido essa competitividade, pretender no futuro perder ainda mais é um suicídio. Por outro lado está por demonstrar que, nos clubes de futebol, a despesa seja proporcional aos ganhos de competitividade. Se assim fosse, o Benfica pelo que gasta com o futebol não tinha perdido competitividade para quem gasta menos que ele.
E, no entanto, Luís Filipe Viera, em certo sentido, não deixa de ter alguma razão. Porque a sustentabilidade financeira requer medidas de controlo da despesa. E porque o quadro salarial deste negócio está sobredimensionado. Só que é um negócio que vive de expectativas- precisamente a competitividade –e ao anulá-las estraga o próprio negócio em que opera. E ao acreditar que gastar menos é perder competitividade confirma que não conhece bem o negócio.
O líder de um clube como o Benfica nunca pode baixar as expectativas de competitividade. Ao fazê-lo a mensagem que está a dirigir para o interior é a de que, no futuro, maiores quebras de competitividade até são aceitáveis face à redução da qualidade dos ativos. Uma qualidade que ele mede pelos salários que pratica.
Em qualquer organização, e o futebol não é exceção, a estratégia de gestão financeira não pode ser objeto para grandes intervenções públicas. É um assunto reservado da administração. É impensável ouvir Jorge Nuno Pinto da Costa a fazer considerações públicas daquele tipo. Não porque eventualmente não pense no assunto. Mas porque tem uma sabedoria de gestão de expetativas e porque conhece o negócio do futebol como poucos. E é esse conhecimento que dá ao clube que lidera um indisfarçável ganho comparativo.
O futebol não mexe apenas com ativos. Ou melhor, os ativos do futebol não são apenas os jogadores. São também as massas associativas. E o que consomem não são apenas resultados desportivos. Mas é neles e por eles que se constroem as suas motivações e expectativas. Liderar um clube como o Benfica obriga a estar atento a estes dois tipos de ativos. E perceber que liderar não obedece a nenhum cientifismo ou racionalismo gestionário. Liderar é mediar as expetativas com a realidade.
Contrariamente ao que por aí andam a dizer, a escrever e a fazer cursos para enganar papalvos a liderança é uma coisa completamente diferente da gestão. Ambas são necessárias mas não podem ser misturadas. A liderança lida com a motivação e com contextos de natureza interpessoal. A gestão lida com o planeamento, a organização e a administração. Steve Jobs foi um líder excecional contrariando quase sempre os seus gestores. Isso não o impediu de fazer muitas asneiras. Mas de vencer num meio altamente competitivo. Porque dominava a natureza do negócio. Um negócio que se não resumia a variáveis financeiras. O mesmo se passa com o futebol. Se o negócio futebol s fosse apenas explicado por variáveis financeiras já tinha terminado. É o que é, algo irracionalmente financeiro, precisamente porque desafia toda a lógica financeira.
Se Luis Filipe Vieira percebesse essa diferença talvez tivesse evitado o desconforto e a humilhação da última assembleia geral do clube. Porque aquilo pelo que o julgaram não foi pelas constas que apresentou.Foi pelos resultados desportivos que não obteve.