quarta-feira, 31 de março de 2010

Eurobarómetro - Desporto e Actividade Física

As conclusões do inquérito Eurobarómetro relativo ao desporto e à actividade física apresentado pela Comissária Vassiliou confirma - numa primeira e superficial análise - as tendências do inquérito realizado em 2004 e um conjunto de traços sociológicos de longa data sobre a expressão do desporto e do exercício físico no espaço europeu: A prática desportiva assume maior prevalência no sexo masculino e nos países nórdicos, tem uma relação de proporcionalidade com os níveis de escolaridade, e a indisponibilidade de tempo é o argumento mais comum para a falta de empenho nestas actividades.

Com o alargamento a 27 os resultados de Portugal aproximam-se, naturalmente, da média europeia - dado os valores reduzidos para os novos estados membros -, ainda que seja de assinalar alguma evolução em diversos parâmetros face ao inquérito de 2004.

A falta de empenho das autoridades locais, a oferta de espaços desportivos e os preços dos serviços desportivos não parecem ser em Portugal, tal como na maioria dos países europeus, factores relevantes e com expressividade heurística para explicar os elevados níveis de inactividade reportados.

De assinalar os dados preocupantes sobre o voluntariado desportivo do nosso país, os quais nos colocam na cauda da Europa, quando se institui para o próximo ano o "Ano Europeu do Voluntariado".

A análise e discussão dos dados deste inquérito irão suportar as iniciativas futuras da Comissão para a consolidação de uma política desportiva europeia que o Tratado de Lisboa confere, conforme anteriormente assinalado, nomeadamente através de uma comunicação ao Parlamento Europeu e ao Conselho, na qual constará uma proposta de um programa europeu para o desporto destinado fundamentalmente a apoiar projectos nacionais e iniciativas políticas dos Estados-membros.

Assim, será, por certo, um documento a analisar com profundidade e rigor neste e em outros locais.

sexta-feira, 26 de março de 2010

Onde estão eles?

O Luís Leite queixa-se que nunca conseguiu discutir as actividades da sua federação com a administração pública. Pelo menos com a profundidade que entende que merecia. Não é difícil imaginar que outros dirigentes, de outras modalidades, pensem o mesmo. E têm razão. Mas o problema não está nos dirigentes da administração pública desportiva. Neste ou naquele em particular. A disponibilidade e o interesse podem ser maiores ou menores. Mas o problema é outro. Está no modelo que a todos empurra para aquele tipo de comportamento. Não se discute o desporto e o modo como o organizar e desenvolver. Mas os procedimentos formais de prestação de contas.
Há algum tempo, provocatoriamente, perguntei o que prejudicava o desporto se acabasse a secretaria de estado e encerrasse o IDP, garantido que fosse, por uma outra qualquer repartição pública, o financiamento ao movimento desportivo. A pergunta não envolvia qualquer crítica às pessoas. Os actuais dirigentes estão tão reféns deste modelo como os anteriores. A crítica dirigia-se a um modelo de administração pública e ao direito administrativo a que está submetida. E não me refiro apenas ao modelo de financiamento.
Qualquer organização privada que gerisse recursos financeiros próprios, e não dinheiro do povo, não resistia mais de um mês a coisas patéticas e absurdas como o sistema de avaliação de desempenho da administração pública (SIADAP) ou ao código da contratação pública (CCP) para falar de duas pérolas da moderna administração pública. A que não faltam seminários, conferências e acções de formação para conhecer as “melhores práticas” e os melhores “balanced scorecards”.Os contratos – programa de desenvolvimento desportivo são filhos menores de uma obediência normativa cuja responsabilidade não é de quem prepara tecnicamente os diplomas, mas de quem politicamente os aprova.
É este quadro que leva uma instituição, que deveria acima de tudo pensar no desporto, a proteger-se e a cuidar de si própria, desde logo, acautelando o bom cumprimento dos procedimentos. A eventual censura por a administração pública desportiva não adoptar politicas que evitem a quebra de praticantes nesta ou naquela modalidade é suportável. Mas não tem forma de escapar a uma avaliação, e correspondente responsabilidade financeira, que detecte um ou outro procedimento formalmente incorrecto associado ao financiamento público. A obsessão pelo cumprimento da lei é tanto, resultado das constantes penalizações que ao longo da sua história foi alvo, que tudo o resto é menor. Enquanto este estado de coisas se não alterar é pedir à administração pública o que ela não está, por muita vontade que tenha, em condições de oferecer. E, por isso, os técnicos desporto que a servem têm de esgrimir e trabalhar não com o desporto, mas com o direito administrativo e a contabilidade.
Num quadro de degenerescência ética e moral, a que quotidianamente se juntam novos episódios, é impossível abrandar este regime. O que está a dar são as bizarras campanhas contra a corrupção, que valem, para o problema que querem combater, o mesmo que o dia sem carros para a poluição automóvel ou o limpar Portugal para o esterco em que o país vive. Só havia uma solução: libertar parte deste ónus do financiamento público da máquina da administração pública desportiva. E em vez de ter interlocutores individuais (federações) ter uma única entidade que garantisse a subvenção às restantes. Mas esta solução não é politicamente simpática. Nem para quem apoia. Nem para quem é apoiado. Perdia-se a lógica clientelar que funciona nos dois sentidos. A solução encontrada para o projecto olímpico subsistiu um ciclo. E sei o que, na altura, os actuais responsáveis políticos disseram do modelo adoptado. Que posteriormente aplaudiram. Depois albardaram-no. Aguardemos por quanto tempo mais.
Concordo, por isso, com o Fernando Tenreiro quando afirma que é necessário” libertar o Estado de funções de nível inferior, para o dotar de funções de nível superior”e que é “necessário desconcentrar essas funções para órgãos privados”. Com um problema: onde estão eles? Admitamos que o Estado tinha vontade de desconcentrar essas funções de financiamento público para ganhar tempo e espaço para se dedicar a outro tipo de tarefas. Falava com quem? Organizações sei que existem. Mas, com o devido respeito, têm liderança, independência e capacidade para fazer melhor que o Estado?


quinta-feira, 25 de março de 2010

"Experiência não é o que acontece com um homem; é o que um homem faz com o que lhe acontece"

As primeiras duas leis promulgadas por Luiz Inácio Lula da Silva quando chegou ao poder referiam-se ao desporto. Com este gesto simbólico a "Lei da Moralização do Futebol” e o “Estatuto do Torcedor” serviram ao presidente brasileiro para clarificar a visão do seu governo sobre o impacto do desporto na sociedade. O desporto é um elemento - ainda que limitado - de mudança e transformação social, cujo potencial reside nas oportunidades que confere à melhoria das condições de vida e redução das desigualdades entre grupos sociais, em aspectos concretos como a esperança de vida, a pobreza ou as tensões entre comunidades locais através da capacitação dos cidadãos. A rotura com o discurso politicamente correcto sobre os valores promovidos pelo desporto assumia lugar a uma visão lúcida e pragmática sobre o seu contributo para o desenvolvimento do país.

Foi com esta visão que a candidatura do Rio se apresentou nos mais diversos documentos oficiais ciente que o desporto, e em particular os seus grandes eventos, não se pode medir apenas pelo valor de mercado, existindo todo um conjunto de benefícios intangíveis a explorar. Mas também sem ignorar desvantagens usualmente atenuadas como as derrapagens orçamentais, mau uso do solo, planeamento inadequado e instalações subaproveitadas, conforme, aliás, o FMI alerta no seu recente boletim num artigo que desmistifica várias das quimeras lançadas por muitos dos que pretendem promover estas realizações. Existem relativamente poucas evidencias objectivas sobre o impacto económico de grandes eventos desportivos quando analisados em investigações académicas, revistas por pares, à margem dos interesses das candidaturas. “Os ganhos económicos são modestos, ou talvez inexistentes”.

Os valores, princípios e direitos universais que as autoridades desportivas professam ao serviço do desenvolvimento humano nos seus códigos de ética, a começar na Carta Olímpica, aos quais se ancora o poder político e as organizações intergovernamentais, traduzem-se num percurso que os contradiz em diversos momentos ao longo da história. O legado de um grande evento tanto pode ser um catalisador como um depressor do desenvolvimento local.

O recente relatório da brasileira Raquel Rolnik para o Conselho de Direitos Humanos da ONU - que não se furta a apontar falhas à organização do seu país -, ilustra a deterioração das condições de vida e o aumento da discriminação em relação a franjas sociais desfavorecidas na realização de Jogos Olímpicos e Campeonatos do Mundo de Futebol. A redistribuição das eventuais mais-valias e benefícios é fracturante e contribui em inúmeras ocasiões para agravar as desigualdades existentes.

O desporto, o recreio e a actividade física que sempre se assumiram como elementos fundamentais no direito à cidade e à valorização do espaço público em várias escolas de planeamento urbano, no entanto, é também o precursor, através destas competições, de processos de gentrificação e deslocalização, com as profundas consequências de desfragmentação social da malha urbana que isso acarreta, comprometendo desde logo um direito essencial como é o direito à habitação. Acresce que o discurso em torno do potencial económico do desenvolvimento de infra-estruturas, de redes de transportes e comunicações e de outros investimentos – públicos claro está –, pressurosamente rotulados de enormes benefícios, ajuda a esbater estes fenómenos, bem actuais.

Esta é uma realidade, e objecto de estudo, que preocupa o COI no âmbito da vertente social do desenvolvimento sustentável, tal como os aspectos ambientais abordados no post anterior. As oportunidades oferecidas ao acolher os Jogos Olímpicos devem ser optimizadas não apenas para responder aos requisitos necessários a receber o evento, mas também às necessidades e expectativas das futuras gerações. Esse é um elemento vital nos procedimentos e questionário lançado em 2008 paras as candidaturas às olimpíadas de 2016 e seguintes. Qual o contributo e de que forma se insere o desporto no planeamento estratégico da cidade e da região a longo prazo?

Responder a semelhante desafio passa por assumir o diagnóstico, o planeamento e a avaliação do impacto de grandes eventos desportivos para além de meros requisitos e procedimentos funcionais de monitorização, controlo e ajuste que normalmente se esgotam após as competições. São processos incrementais - disseminados pela comunidade e negociados com os seus representantes - envolvendo múltiplas dimensões e equacionando o contributo do desporto em outras políticas públicas, focalizados na criação de valor para a cidade/região/país em torno de uma visão clara sobre o seu futuro e resumida em breves palavras e padrões objectivos.

Não são as barreiras que nos separam de interiorizar esta lógica nos mais diversos sectores da sociedade portuguesa, a começar pelo desporto, nem tão pouco a ausência de um vínculo claro nesse sentido pelas elites que preocupam. Algo que se manifesta na aversão de responsáveis políticos e desportivos em situações tão pacíficas em contextos desportivos mais evoluídos, como seja a definição de objectivos desportivos para os Jogos , bem como a avaliação do impacto do desporto e o seu valor (não o seu custo) para a sociedade.

Inúmeros países há que mantendo estas mesmas debilidades, e com recursos equiparados aos nossos, conseguiram incrementar a sua situação desportiva em diversos indicadores, quer ao nível da procura desportiva de base, como em níveis de competição, rendimento e excelência. O inverso – países com mais recursos sociais e económicos, mas com indicadores desportivos mais débeis – é um exercício semelhante a encontrar uma agulha no palheiro e coloca-nos em níveis de iliteracia desportiva no panorama europeu.

Aquilo que hoje se apelida de planeamento estratégico mais não foi nos seus primórdios do que sistematizar processos em algo tão simples como recolher e reflectir sobre os ensinamentos da experiência a partir da tentativa/erro. Ainda que longe dos instrumentos, potencialidades e competências de outros para desenvolver este mecanismo, existe um capital acumulado de experiências no país desportivo - com sucessos e insucessos - suficiente para os seus responsáveis perceberem, no mínimo, e sem necessidade de suporte científico, que tentar igual é persistir no erro e que a política de pequenos passos traz resultados mais duradouros do que efémeras ambições desmedidas desligadas da realidade.

Quantas mais repetições são necessárias até se corrigir o erro? Preocupa não vislumbrar resposta a esta questão.

terça-feira, 23 de março de 2010

Amor à camisola

As expressões “extra-mile” ou “I always go the extra mile” são geralmente utilizadas para caracterizar os colaboradores que ‘vestem a camisola’ da organização onde estão inseridos, seja profissionalmente seja de uma forma voluntária.

A falta de visão e missão nas organizações ou na ‘umbrella’ – nome atribuída à entidade em alguns países que supervisionam todas as restantes – leva claramente à indefinição na tomada de decisão indo de encontro a um qualquer objectivo estratégico ou operacional previamente definido.

Não existem muitas formas de analisar ou avaliar o 'amor à camisola' das pessoas perante as organizações ou projectos. Alguns tópicos são transversais nessa mesma averiguação:

. identificarem-se com a visão e missão da organização ou projecto;
. proactividade;
. identificarem-se com os valores e objectivos;
. a liderança e que estilo mais apregoa à existência dessa cultura de provocar e estimular mais 'extra-miles';
. e o mais importante para vestir a camisola na minha empresa, se é quem lidera (personalidade, carácter), a tarefa que desempenho (objectivos a alcançar), a equipa (processos de grupo) ou o contexto (realidade em que se insere).

A falta de uma definição, um goal totalmente definido e assumido por todos como de...todos, faz com que toda uma missão se vá 'definhando' no caminho até atingir o seu goal. O compromisso de todos não implica que concordem...mas o aceitem como seu. Para além dos tópicos que referi, a falta de bom senso de quem (supostamente) lidera afecta em muito o 'amor à camisola' das pessoas ou colaboradores.

Todos os dias somos confrontados com a falta de bom senso, quer em termos de gestão quer em termos de consequências das acções. Constantemente estas decisões apelam à nossa capacidade de suportar o ego em função das prioridades das organizações e de causas sociais, desportivas, organizacionais, laborais, etc.

"No more extra-miles" é o que se vai vendo por aí. Reacções que as pessoas tomam face ao apelo das organizações e dos seus gestores/líderes a mais esforços e sacrifícios dos seus colaboradores recebendo em troca decisões que têm de tudo menos a sagacidade de quem deve liderar: foco nas pessoas que lidera e não o seu ego. Aos nossos líderes ou gestores ou outro nome que lhes queiram atribuir, para o bem da nossa causa, a nossa organização, o nosso País...pensem mais no core business e nas pessoas.

segunda-feira, 22 de março de 2010

Poderes ou podres públicos?

É um erro clássico no meu Word.
Compartilho hoje com os associados e visitantes uma leitura francesa recente (não em termos de publicação do escrito). Não mais do que isso. De todo o modo, não deixa de fazer pensar.
Numa revista francesa dedicada ao Direito Administrativo (AJDA, nº 17/2008, de 5 de Maio), REMI KELLER, questiona de forma impressiva a natureza de serviço público do desporto (“Argent, violence, dopage: le sport est-il vraiment un service publique?”).

O quadro de partida, que em muito ditou a construção jurídica portuguesa, no que se refere às federações desportivas e seu relacionamento com o Estado, é que, em França, desde 1974, uma célebre decisão do Conseil d’Etat, estabeleceu que as principais federações desportivas exercem uma missão de serviço público, o que Remi Keller questiona.

Seja-nos permitido elencar algumas das suas razões:

As federações desportivas são uma criação privada, bem anterior à intervenção do juiz e do legislador;

Elas não precisam da «delegação pública» para organizar as suas competições, nem para dispor de um monopólio (tudo isso e muito mais, provem das federações internacionais);

A delegação de poderes é apenas uma ficção jurídica. Indispensável?

A violência, a dopagem, os valores económicos cada vez mais presentes (e sempre em crescendo), parece que tornam ainda mais incongruente a ideia de serviço público ou de delegação de poderes públicos.

Não se tratando, conclui o autor, de propor uma «retirada total» da intervenção do Estado (deverá manter o seu espaço em matéria de segurança, de saúde, de controlo e regulamentação), deverá contudo permanecer o Estado «ligado» – mesmo que indirectamente – às derivas das competições desportivas?

Ou devem as actividades desportivas «retornar» ao que sempre foram, uma actividade privada organizada por pessoas privadas sob o olhar atento da autoridade pública, no que concerne à saúde e à segurança dos agentes desportivos e espectadores?

domingo, 21 de março de 2010

Limpeza do país

Durante alguns dias foi anunciada, com toda a pompa e circunstância, uma jornada de limpeza do país. A ressonância da propaganda foi tanta que até o Senhor Presidente da República cuidou de ser lesto a associar-se à iniciativa, a saudá-la e a atribuir-lhe um simbolismo muito particular.
Que o país está imundo e atolado num pântano de indecência e sujidade, raramente visto – eis uma realidade abundantemente funesta, óbvia e pesada que a maioria das pessoas suporta com ansiedade, desalento e amargura. Tal como não tem dúvida de que o negrume da conjuntura requer, com todo o carácter de urgência, uma barrela extensa e profunda que deixe a quadratura limpa e asseada por fora e por dentro, no corpo e na alma. Não há nisto qualquer assomo de exagero. O país tornou-se uma feira de exposição de incontáveis e inconcebíveis formas de lixeira e cloaca a céu aberto, fede mesmo; está nauseabundo e irrespirável.
Por este motivo era compreensível, legítima e enorme a expectativa de que a iniciativa ontem realizada atingisse um grande impacto e largo alcance. O dia marcava o começo da Primavera, a saída de um tempo escuro, cinzento, feio, frio, húmido, nebuloso e triste, a entrada numa estação de luz, de ressurgimento da vida, da beleza, do sol, da alegria e do canto. Logo o contexto era deveras propício para emprestar ao evento um significado e uma força de irradiação com consequências e efeitos manifestos muito para além dele. Como seria bom que assim fosse!
Nesta conformidade ficamos à espera de que o milagre acontecesse, com o credo na boca e o desejo no coração. Sonhamos com o advento da alvura, da brancura, de caras e paredes tingidas das várias cores da confiança e esperança. Esperávamos acordar e sentir o calor de um tempo luminoso e radioso a entrar, generoso e estimulante, pelas janelas da necessidade que dele temos. Desejávamos que o previsível sucesso da operação desencadeasse uma mobilização cívica, à procura da moral perdida e visando a sua reposição.
Mas isso foi ontem. Passadas algumas horas, somos forçados a poisar os pés na terra; não se vêem pretextos para alimentar semelhante crença, muito menos possibilidades para ela se concretizar. Afinal hoje não é um dia novo, não amanhecemos com o ânimo transfigurado, a transbordar de euforia, razão e paixão justificadas. No horizonte pairam apenas nuvens por demais ameaçadoras da harmonia do nosso viver colectivo. A desilusão teima em nos atormentar e envolver como uma segunda pele; recrudesce na exacta medida do descaramento dos actores da tragicomédia demagógica e populista. A cada passo e instante surgem dados e revelações a desmoralizar e matar a nossa vontade de fé na vinda da decência, do decoro e da sensatez.
O que a corte diz é só embuste e do mais grosseiro; tudo não passa de faramalha e de empáfia velhas e relhas. Com estes protagonistas e o projecto que os anima o país escusa de confiar em dias melhores ou em curas de salvação; pelo contrário, deve contar com o agravamento da doença. A imundície vai continuar a crescer e a ofender os olhos e princípios éticos, estéticos, cívicos e republicanos.
Os tartufos persistem em encenar uma farsa de péssimo gosto; são incapazes de se ver ao espelho e reconhecer que são parte do problema e não da solução. E nós, seja por cegueira ou inconsciência, seja por cobardia ou omissão, seja ainda por apatia ou erosão da sensibilidade e dignidade, vamos dando azo a que eles ponham e disponham do nosso destino a seu bel-prazer, nos salpiquem de bosta, se entretenham em jogos de poder em que nunca perdem, porquanto pertencem a um circo que garante a todos os seus membros sempre índices de crescimento, de acumulação e aumento. Ao passo que a maioria dos cidadãos é condenada à atrofia, a estiolar, secar, mirrar, sumir e desaparecer na dor do anonimato, do silêncio e esquecimento.
Não se invertam os papéis e visões, nem se coloque o secundário e periférico no lugar do principal e central! Para limpar o país é preciso tomar medidas contra aqueles que o emporcalham, contra a respectiva sostrice e trafulhice. Enquanto gastarmos tempo, energias e atenções a fazer, em cima do nosso olhar, espuma de sabão e distracção, nós e o país ficaremos cada vez mais afectados e sujos pela alienação e desolação. A lama e a trampa serão tamanhas que dificilmente lograremos abrir um caminho limpo.

sábado, 20 de março de 2010

As torres inúteis

Um novo texto de Luís Leite e o agradecimento da Colectividade Desportiva.
Aos nossos visitantes: não hesitem em enviar as vossas leituras do desporto.
Quando se fala em equipamento desportivo, um dos casos que sempre mais me intrigaram e para o qual nunca encontrei uma explicação, aceitável ou não, é o da construção das torres de iluminação do Estádio Nacional.
Por uma razão muito simples: é que não servem para nada, embora e curiosamente, por vezes estejam acesas.
No que respeita ao Futebol, que eu saiba, nunca houve nenhum jogo internacional nocturno. Os treinos das Selecções Nacionais são sempre diurnos e quase sempre de manhã. Só se realiza neste estádio a final da Taça de Portugal de Futebol, em Junho e à tarde, quando a luz é suficiente.
Quanto ao Atletismo, a pista está completamente degradada já há cerca de 15 anos e é impossível lá treinar com condições mínimas. Entretanto, como é óbvio, perdeu há muitos anos a homologação para competições.
Sendo estas as únicas duas modalidades para as quais o Estádio de Honra foi concebido, poder-se-ia pensar na utilização nocturna em outros eventos, mas que me lembre, só lá foi realizada uma ópera, há bastantes anos.
Assim e como não consigo encontrar na “net” rigorosamente nada sobre este fenómeno de dinheiro supostamente mal gasto, gostava que alguém me esclarecesse:

1) Por que razão foram projectadas e construídas aquelas torres de iluminação?
2) Quantas centenas de milhares de euros custaram ao erário público?
3) Quantas vezes foram úteis para jogos, competições, eventos ou treinos de atletas de alto rendimento?
4) Qual a relação preço final+manutenção/utilizador?

quarta-feira, 17 de março de 2010

Em contra-ciclo ao mainstream

Que critérios objectivos foram utilizados para definir o vencimento do Presidente do Tribunal de Contas? E de um técnico superior da administração pública? E de um informático? E de um motorista? E das ajudas de custo de todos eles? E para definir as bolsas de estudo? E para definir o apoio ao Dakar, à Meia Maratona de Lisboa, à Volta a Portugal em Bicicleta, ao Rock in Rio, ao Figo ou ao Tiago Monteiro? Podíamos continuar, num perguntar infindável.
As perguntas anteriores podem ser respondidas com o clássico princípio de que os salários são determinados pela lei da oferta e da procura. De pouco nos adianta. É inaplicável em muitas situações. Há nos valores fixados algo de aleatório e que não é possível de fundamentar. E há um histórico. Um valor de partida que depois sofreu sucessivas alterações. E há ainda a massa global disponível para certo tipo de despesas. E depois uma decisão política. E nos outros tipos de apoios que critério funciona? O critério da vontade do concedente. Que pode ou não estar previamente definida. Mas que deve estar.
Estes exemplos servem-nos para chegar aos critérios de distribuição dos apoios financeiros públicos ao movimento associativo. E para comentar, em contra-ciclo às ideias dominantes, a obsessão que por aí anda de descobrir a fórmula mágica que permita, com os célebres parâmetros objectivos, matematizar os apoios concedidos. E essa febre só pode conduzir à asneira.
Os apoios públicos ou subsídios, como já se chamaram, envolvem sempre uma componente subjectiva e aleatória. A forma como se repartem pelas diferentes entidades disponibilidades orçamentais contém uma margem de discricionariedade. Que pode comportar erros. O que não é sinónimo de abuso, opacidade ou menor vontade de rigor na utilização dos recursos públicos. Apenas a gestão de realidades complexas que se não compaginam com as teorias e os manuais da gestão pública.
É óbvio e sensato que se procure reduzir essa margem de discricionariedade e de subjectividade nos apoios concedidos. Que se construam critérios. E que os critérios sejam públicos e explicitados. É positivo que se procurem modelos de avaliação que aumentem o grau de rigor, de equilíbrio e de proporcionalidade no apoio às diferentes entidades. Mas qualquer critério incorpora uma valorização de indicadores que não são apenas números. E os critérios não podem incidir apenas sobre projectos, programas e intenções mas têm se fundar na percepção da entidade concedente quanto à capacidade do concedido realizar o que se propõe. A mesma verba pode, para uma mesma realidade desportiva ou acção, ser excessiva para uma entidade e escassa para outra.
Essa uma das razões porque os critérios não podem ser apenas a aplicação técnica de fórmulas matemáticas. Incorporam uma componente política que resulta da apreciação e da vontade da entidade concedente. Negar esta realidade pode ser sedutor e politicamente agradável. Mas não é realista.
Questão distinta, mas importante, é o controlo da aplicação dos apoios concedidos. A tentação de desvios é um risco. E desvios todos praticam. A engenharia financeira não é uma prática exclusiva das entidades associativas apoiadas. Do estado central, aos institutos públicos à administração local todos a ela recorrem. Mas os desvios, por vezes, são o resultado de contingências que até podem beneficiar o interesse público. Depende da circunstância Um desvio não é necessariamente um erro. Mas pode acontecer o contrário. E, portanto, é indispensável encontrar meios de avaliação e controlo sobre o modo como os recursos públicos são aplicados. E, face a eventuais desvios, avaliar se eles prejudicam ou não o interesse público. Considerar qualquer desvio como uma irregularidade grave é um perfeito disparate. Como pensar, que as conformidades significam boa aplicação dos recursos públicos .Um apoio financeiro que foi aplicado naquilo em que se previa pode não vir a acrescentar qualquer valor à acção ou projecto apoiado. E, por isso, mais importante que a conformidade/desconformidade da aplicação do apoio, coisa de burocratas, é a avaliação do seu correcto aproveitamento para o interesse público. E isso cabe fazer aos decisores políticos.

segunda-feira, 15 de março de 2010

O mérito desportivo de Reguengos de Monsaraz

Num tempo devorado por muitos, a imprensa deu conta dos resultados de recente auditoria do Tribunal de Contas (a 30 de autarquias do continente) que apontou “descontrolo, arbitrariedade e, nalguns casos, ilegalidade nos apoios financeiros concedidos pelas câmaras municipais às instituições sem fins lucrativos”.
Aí se encontra, em plano de destaque, o desporto como beneficiário.
Nas nossas aulas, na área da Gestão do Desporto, temos insistido na necessidade de as autarquias locais se munirem de normas regulamentares públicas sobre os apoios ao associativismo desportivo. Manda a verdade que se diga que no Diário da República vai ganhando espaço a regulamentação sobre esse e outros domínios do viver desportivo local.

Para mera ponderação, e registe-se o facto de se regulamentar – o que desde logo tende a afastar os vícios apontados por aquele órgão jurisdicional –, dê-se conta do Projecto de regulamento de atribuição de bolsas de mérito desportivo, agora em apreciação pública, do Município de Reguengos de Monsaraz, e publicado no passado dia 8 de Março, na 2ª série do Diário da República.

Segundo rezam as palavras preambulares “Os principais objectivos do Município na atribuição de bolsas de mérito desportivo passam por incentivar, valorizar e premiar a dedicação e o desempenho dos atletas locais que contribuem para a promoção desportiva do Concelho de Reguengos de Monsaraz e, ainda, motivar todos os munícipes à prática desportiva para uma melhor qualidade de vida, visando, essencialmente, colmatar as deficiências e as lacunas em matéria de equipamentos desportivos”[!!!].

Abra-se o apetite para a leitura:

Artigo 1.º
Objecto
O presente Regulamento estabelece as normas de atribuição de bolsas de mérito a atletas, a título individual, amadores residentes no Concelho de Reguengos de Monsaraz ou regularmente inscritos em Associações desportivas ou Entidades com sede no Concelho de Reguengos de Monsaraz.


Artigo 2.º
Âmbito de aplicação
1. Ficam abrangidos pelo presente Regulamento os atletas amadores residentes no Concelho ou regularmente inscritos em Associações desportivas ou Entidades com sede no Concelho, cujos resultados desportivos e representação internacional, nacional e ou regional seja relevante para a divulgação e promoção do Concelho de Reguengos de Monsaraz.

Artigo 6.º
Valor da bolsa
1. O valor das bolsas a atribuir é variável, sendo apurado de acordo com os seguintes pressupostos:
a) Atletas presentes em Jogos Olímpicos — 1.500,00 €
b) Atletas presentes em Campeonatos do Mundo — 1.000,00 €
c) Atletas presentes em Campeonatos da Europa — 750,00 €
d) Atletas seleccionados para equipas representativas da Selecção
Nacional — 600,00 €
e) Atletas portadores de Título Nacional — 500,00 €
f) Atletas portadores de Título Regional/ Distrital — 300,00 €
2. Não são permitidas cumulações de valores na atribuição das bolsas acima referidas.
3. No caso do atleta se enquadrar em mais do que um dos pressupostos estipulados no número quatro do presente artigo, será atribuída a bolsa com o maior valor.

Artigo 7.º
Número de bolsas a atribuir
O número máximo de bolsas a atribuir é de dez.

sábado, 13 de março de 2010

A Carta Desportiva Nacional

Um texto de Luís Leite que a Colectividade Desportiva agradece.

A propósito de um texto de João Almeida publicado no Colectividade Desportiva em 10 de Março, não posso deixar de, em breve síntese, deixar alguns apontamentos que resultam da minha experiência pessoal de sete anos (2002/2009) na Federação Portuguesa de Atletismo.
As considerações que agora apresento, a título pessoal, dizem respeito unicamente à modalidade Atletismo e foram objecto de divulgação no âmbito dos contributos dados pela FPA no âmbito do Congresso do Desporto, no início de 2006.
No entanto podem e devem ser tiradas ilações sobre a credibilidade da Carta Desportiva Nacional em execução.

Deste modo:

1) Os diversos trabalhos que têm sido feitos na tentativa de procurar localizar e quantificar as instalações desportivas em Portugal padecem de graves falhas na definição das tipologias a considerar e no estado de conservação das mesmas, o que leva a quantificações em área completamente distorcidas da realidade específica e temporal;

2) Essas falhas resultam, fundamentalmente, da total ausência de diálogo e consulta entre o Instituto do Desporto de Portugal (IDP) e as Federações sobre este tema;

3) Na verdade, tanto os responsáveis do IDP, como o ex-responsável pelo QCA/QREN revelam e revelaram um desconhecimento absoluto e uma enorme desactualização sobre a especificidade das muitas tipologias existentes no Atletismo, e consideram uma única tipologia (pista de atletismo), que não se sabe exactamente o que é;

4) As diversas tipologias de equipamentos destinados ao Atletismo têm características muito diferentes, em função dos objectivos pretendidos; por exemplo, uma pista de 400m à corda e 8 corredores não tem nada a ver com uma pista simplificada de ar livre (ou coberta) nem com uma área especial para lançamentos ou uma pista com relvado sintético que inviabiliza os lançamentos;

5) As tipologias definidas pela FPA estão há vários anos disponíveis no seu “site”
www.fpatletismo.pt em “Regulamentos” no anexo ao “Regulamento da FPA para Homologação de Instalações de Atletismo”;

6) Além das diferentes tipologias, não são tidos em consideração o estado de conservação das instalações (muitas estão destruídas), a natureza (muito diversa) dos pavimentos, nem a existência (ou não) do indispensável apetrechamento, sem o qual para pouco (ou nada) servem.

Tanto quanto me tenho apercebido, a incúria do IDP tem levado a que os vergonhosos resultados comparativos tanto entre os referenciais de “quantificação de unidades” como entre os de “área a construir face aos indicadores de referência” e a “área construída” estejam muitíssimo distorcidos e não tenham qualquer valor como base de dados para estudos minimamente sérios.

Em muitas outras modalidades, os dados sobre tipologias e estado de conservação também se encontram muito desactualizados ou são ignorados, o que leva, inevitavelmente, a resultados globalmente sem sentido.

sexta-feira, 12 de março de 2010

Plano Integrado para a Actividade Física e Desporto

Como é que um governo pode melhorar a promoção da actividade física e do desporto no seu país? Como é que todos os agentes de desenvolvimento deste sector podem trabalhar na mesma direcção? Como coordenar este processo à escala nacional?

Estas foram as três questões centrais a que o Governo de Espanha deu resposta no documento “Plano Integrado para a Actividade Física e Desporto”, recentemente divulgado na página Web do Conselho Superior de Desporto de Espanha e que pode ser consultado em http://www.csd.gob.es/csd/noticias/plan-integral/. Neste documento estiveram envolvidos mais de 100 investigadores e especialistas de Universidades, Comunidades Autónomas, Municípios, Federações, Clubes, Ministérios e Entidades Privadas. O referido documento pretende ser um instrumento de trabalho para os próximos 10 anos e define objectivos, eixos estratégicos, programas, medidas e indicadores de para o desempenho do desporto e da actividade física no País vizinho.

Em termos estratégicos, a coordenação geral, a necessidade de colaboração e lealdade institucional entre todos os agentes envolvidos, são considerados factores críticos de sucesso do Plano. A visão dos Espanhóis está assente numa co-responsabilização de todos os agentes envolvidos no processo de desenvolvimento desportivo, com a finalidade de alcançar metas que foram definidas para uma década.

No âmbito dos Programas a desenvolver, é notória uma segmentação da população, dando-se grande importância a determinados públicos alvo, que por norma, são esquecidos nas políticas e programas de desenvolvimento da actividade física e desportiva. É também dada grande importância aos grupos escolares, quer seja no ensino básico quer seja no ensino universitário. Por fim, o documento elenca e identifica 100 medidas enquadradas em 14 programas.

O Plano torna-se ainda mais valioso pelo facto de quantificar metas a longo prazo, ou seja, está registado onde é que Espanha quer estar em 2020. Fixam desta forma uma série de metas, comparando-as com os índices actuais. Estabelece-se uma meta central neste Plano, ter 50% da sua população entre os 15 e 75 anos a praticar actividade física e desporto de forma regular face aos actuais 37%.

Era excelente que este tipo de acções nos pudesse influenciar em termos de aprendizagem, e sobretudo, dar-nos a coragem de escrever o que queremos da actividade física e do desporto para o nosso País, fixando metas para nos podermos medir e alterar o que for necessário em benefício de toda a população.

Todos sabemos que problema do desenvolvimento desportivo em Portugal não é certamente uma questão de dinheiro, mas sim, da falta de coordenação e de coerência entre os diferentes agentes que actuam no desporto e da ausência de objectivos e metas a alcançar. Temos em Portugal gente capaz de analisar o nosso cenário de forma séria, que conhecem exemplos de sucesso noutros países e que são capazes de elaborar um plano à medida da nossa realidade. Temos que definitivamente acabar com um sistema, quase sempre perverso, que poucos favorece e do qual a maioria não beneficia.

Uma herança verde

Quando se aborda o legado de um grande evento desportivo, ou se pretende projectar uma realização deste tipo, é comum associar aos aspectos de ordem desportiva elementos de cariz económico (emprego, promoção turística, atracção de investimento, etc.) para fundamentar posições favoráveis ou desfavoráveis a esse propósito. Não é necessário grande esforço de memória para recordar que também por cá foram estes os argumentos invocados, que se juntaram ao sempiterno prestígio nacional, quando se pretendeu discutir a organização deste tipo de competições.

Porém, a preparação dos recentes Jogos Olímpicos de Inverno e do jogos de Londres trouxeram para a ordem do dia o planeamento urbano e a eficiência ambiental como factores críticos na avaliação da sustentabilidade destes eventos desportivos. A sustentabilidade, para além de vectores económicos, cruza também dimensões sociais e ambientais.

É certo que a partir do congresso olímpico do centenário de 1994 em Paris o ambiente juntou-se na Carta Olímpica ao desporto e à cultura como o 3.º pilar do olimpismo e, desde essa ocasião, o COI desenvolve um vasto trabalho nesta área, em cooperação com as Nações Unidas, autoridades desportivas e governamentais, ONG’s e patrocinadores, organizando em cada dois anos uma conferência mundial sobre desporto e ambiente, onde discute o estado da arte, produz manuais e guias sobre boas práticas ambientais no desporto e desmultiplica-se em acções de sensibilização. É certo que os requisitos dos cadernos de encargos à organização dos jogos são cada vez mais exigentes neste item. Mas a partir de 2009 deu-se um impulso significativo a estas questões, assumindo um lugar de destaque na agenda do movimento olímpico sem precedentes.

Não foi por acaso a escolha de Copenhaga para a 121.ª sessão do COI que viria a atribuir à smbientalmente simbólica cidade do Rio de Janeiro a organização dos jogos de 2016. Meses depois realizar-se-ia na capital dinamarquesa a Cimeira do Ambiente. Não foi também por acaso o forte empenhamento da candidatura brasileira na eliminação de emissões de carbono, como antes havia sido Londres. Aliás, os Jogos Verdes foi um slogan que saltou para a ordem do dia em Vancouver, pois os praticantes de desportos de inverno têm bem a noção da factura energética paga para preservar o gelo em instalações cobertas, e transportar e produzir neve artificial quando as condições climatéricas naturais não o propiciam, conforme veio a ocorrer.

O comité organizador de Vancouver 2010 apoiou a criação de dois instrumentos com vista a tornar o desporto e seus grandes eventos mais sustentáveis, reportando anualmente - antes e durante a realização dos jogos – o grau de compromisso com metas de sustentabilidade. Rapidamente o COI e várias federações desportivas se associaram ao desenvolvimento destas iniciativas, replicando as guias de acção em eventos de grande dimensão nas modalidades de atletismo e hóquei no gelo.

Foi o primeiro comité organizador que incluiu a sustentabilidade na sua declaração de intenções e no planeamento do evento, através de um portfólio com vista a neutralizar a emissão de 300,000 toneladas de dióxido de carbono, o qual previa um conjunto alargado de soluções de eficiência energética, em particular na construção de instalações e seu aquecimento. Tal só foi possível através da implementação de um conjunto de medidas ambientais que vinculassem patrocinadores, empresas, público e atletas na redução da sua pegada ecológica. Os resultados ficaram disponíveis ao público em tempo real e foram auditados em vários momentos.

Nem todas as metas foram atingidas, para tal muito contribuiu a falta de neve em alguns dias. Mas o balanço final sublinha a importância da exposição mediática dos jogos para sensibilizar a consciência ambiental dos cidadãos, bem como o legado que deixa para o futuro da região na redução da emissão de gazes com efeito de estufa e do valor da factura económica e ambiental da comunidade. Após o evento olímpico os edifícios de apoio tornar-se-ão residências permanentes, com centros comunitários e jardins de infância, uma escola e jardim comunitário previstos.

Depois de Vancouver não houve qualquer candidatura vencedora sem uma aposta forte num plano de sustentabilidade para o antes, o durante e o depois dos jogos. Como dizia recentemente Juan Antonio Samaranch no seu painel em um dos grandes fóruns do desporto: «O COI está cada vez mais interessado no "porquê" que uma cidade quer organizar os Jogos do que no "como" os quer organizar».


Continua…

quinta-feira, 11 de março de 2010

O complex

Os organismos desportivos que pretendam receber apoios públicos estão sujeitos a uma bateria de procedimentos de ordem administrativo-financeira. E as entidades concedentes seguem o mesmo caminho. Ano após ano complexificam-se as exigências burocrático – administrativas. Neste domínio não há qualquer simplex. Pelo contrário funciona o complex. Em nome da transparência, da equidade e do bom uso dos dinheiros púbicos. E ninguém pode fugir a elas. É condição necessária para quem recebe e para quem concede. E assim gastam uma parte significativa do tempo. No meio de papeis. Não a pensar no desporto e como o desenvolver. Mas nos procedimentos a que estão sujeitos.
São estas exigências adequadas e proporcionais à natureza e missão das organizações desportivas? Não. Prevalece o formalismo e o legalismo que geram rigidez e ineficiência. E em que o direito administrativo dominante conflitua com a gestão. A condição necessária, a formalidade administrativo-financeira, transforma-se em suficiente. O resto, como se trata o desporto e que se faz para o desenvolver não interessa. Reconheço que este problema, face aos paradigmas dominantes em matéria de administração pública, não tem condições para ser debatido. E as tendências dominantes nas escolas da nova gestão pública vão aumentar este tipo de cultura administrativa. Mas que vão desvitalizar a gestão. Como as novas pedagogias fragilizaram o ensino. A escola é a mesma.
Matéria distinta é a avaliação ao grau de eficiência das organizações desportivas. E o controlo sobre a respectiva missão. Uma avaliação que interessa às próprias e a quem as apoia (poderes públicos e privados).
É neste âmbito que reside uma das maiores fragilidades dos sistemas desportivos. Se os poderes públicos devem ser um factor adjuvante no aumento da competitividade e da sustentabilidade das organizações desportivas precisam de ter um indicador de avaliação. O desígnio de “mais desporto e melhor desporto”tem de ser monitorizado. Ora não é a verificação das conformidades administrativa/contabilística/fiscal/financeira que responde a esse desiderato. Pelo que a razão de ser das organizações e o seu objecto (o desporto) não são escrutinados.
As organizações desportivas, nessa ausência, invocam muitas vezes o quantitativo de filiados, como factor que deveria hierarquizar os apoios. Mas é pouco. O número de filados é um indicador importante sobretudo no âmbito dos apoios de manutenção. Mas esse indicador precisa de ser cruzado com indicadores de qualidade, de distribuição geográfica, de género, de grupos etários, de curvas de crescimento, de custos de prática desportiva (os praticantes/modalidades têm custo diferenciados), etc.
O modelo de auditoria financeira é conhecido. O modelo de auditoria desportiva não. Porquê? Por insuficiências no estado actual do conhecimento e das prioridades públicas em matéria de apoios ao associativismo. Conhece-se o problema mas não se tem a solução para ele. Sabe-se o que se quer, mas não se sabe como lá chegar. Conhece-se o destino mas não se domina o caminho.
A investigação e os estudos que são feitos no âmbito das organizações desportivas bem poderiam investir neste tópico. Ajudando a criar uma matriz e um modelo de avaliação que fornecesse elementos que permitissem a sua monitorização. Que permitisse conhecer quem aproveita bem os recursos públicos. E quem os desaproveita. Para se poder premiar os primeiros. E penalizar os segundos.

segunda-feira, 8 de março de 2010

Formação vs Realidade

Quase todos nós já passámos pela experiência de participar numa formação sobre comportamentos, processos ou atitudes relacionadas com o nosso local ou equipas de trabalho, gostar, superar as expectativas, alterar alguns pensamentos pré-concebidos, voltar para a nossa organização, e mais dia, menos dia, tudo voltar ao que era.

As formações podem ser um motivo de preocupação mesmo quando correm bem. Parece contraditório, mas não o é! A expectativa que se cria nos colaboradores pode catapultar para níveis superiores de exigência e a posterior constatação que a incapacidade de mudança por parte da organização para outros patamares dificilmente se concretizará.

Das primeiras vezes que tive oportunidade de participar enquanto formando em acções relacionadas com a mudança, coaching de equipas, liderança visionária e reconhecida, facilitação de processos, etc., ouvia com alguma frequência no efeito ‘foguete’. A formação corria bem, o formando apercebia-se das vantagens de alterar as suas atitudes e comportamentos, determinava-se em mudar, chegava à sua organização e dava de ‘caras’ com chefias que não estavam receptivos a tais comportamentos ou alterações na forma de trabalho. O efeito passa rapidamente e apenas brilha por momentos.

De uma forma transversal, e não querendo colocar qualquer culpa ‘apenas’ nas directorias ou chefias de algo, reconhecidamente, existe por vezes um tampão de boas intenções na mudança de processos, proactividade, empreendorismo por parte dos seus colaboradores. Se por um lado proporcionará mais ideias, mais-valia, possivelmente mais produtividade, o outro lado ‘obrigará’ a um acompanhamento por parte de quem chefia em termos de capacidade de inovação, liderança, descentralização e o lidar com a falta de confiança quando se observa que alguém pode acrescentar mais valor numa determinada área técnica.

O mercado e o sistema das organizações desportivas não são excepção e se retirarmos uma percentagem muito mínima, são muitos os exemplos de organizações (federações, clubes, associações, autarquias, institutos, etc.) em que quem lidera não possui pelo menos a capacidade de reconhecer quem pode melhorar, escolher experts nas áreas sem que isso signifique que o seu papel deixou de ter a importância que ele necessita, rodear-se de espírito crítico e inovador e não apenas de ‘yes man’. Algo assim facilitava e muito o aparecimento de mais e melhores projectos para alterar a actual situação que o sistema desportivo apresenta.

Falta uma visão, faltam valores, falta liderança, exige-se sem se criar condições para tal, formam-se técnicos (mal?) mas não se dão oportunidades para actuarem. Dia após dia (e apenas naquilo que vai aparecendo na imprensa desportiva) consegue-se coleccionar casos atrás de casos. Nas federações, associações, autarquias ou institutos vemos um agarrar ao lugar independentemente da estratégia que apresentam (?) ou dos seus objectivos relacionados com a organização. Como se costuma dizer ‘apenas somos uma mais-valia quando nos desprendemos do nosso ego’. Ficamos a aguardar.

sábado, 6 de março de 2010

De novo, os municípios e o desporto profissional

Esperarmos que os municípios adoptem regras de conduta comuns de forma a responderem uniformemente à questão do financiamento público ao desporto profissional, será o mesmo que esperarmos um contacto marciano em noite de lua cheia.
Pensar-se que “a autonomia e independência do poder autárquico nas opções políticas, no actual enquadramento jurídico, prevalece sempre” no que respeita ao financiamento dos clubes profissionais, é desconhecer a realidade normativa que interdita o apoio financeiro das autarquias locais aos clubes desportivos participantes em competições desportivas de natureza profissional (n.º 2 do art.º 46.º da LBAFD e princípio consagrado igualmente no diploma dos contratos-programa de desenvolvimento desportivo).
Pressupormos que a problemática da legalidade ou ilegalidade do apoio público é exclusivo do desporto profissional pátrio é voltar as costas a diversas realidades internacionais.

A diferença é que em vários países esta é uma questão reflectida e debatida por muitos e há muitos anos. Quem não sabe dos vários recenseamentos em cidades americanas a propósito do suporte financeiro a instalações desportivas de privados ou dos inúmeros debates e estudos acerca do apoio financeiro das autarquias territoriais francesas ao desporto profissional (nos últimos anos mais acentuado em modalidades como o rugby, o andebol, o voleibol ou o basquetebol e menos no futebol)?
O Estado português poderia, precisamente, atender à realidade regulativa francesa que sumariamente se caracteriza por permitir a celebração de convenções entre as autarquias territoriais e as associações ou sociedades que elas constituam, no que respeita a subvenções públicas ao desporto profissional. Estas estão fixadas com montantes máximos devidamente regulamentados e são admitidas em duas vertentes: missões de interesse geral (formação, o aperfeiçoamento e a inserção escolar ou profissional dos jovens desportistas integrados em centros de formação certificados pela tutela do desporto, assim como a participação da associação ou sociedade em acções de educação, de integração e coesão social) e prestações de serviços (entre outros, compra de lugares, compra de espaços publicitários).

O nosso sistema jurídico-desportivo mantém, há quase 20 anos, o princípio da interdição do apoio financeiro das autarquias locais ao desporto profissional, sem que, efectivamente, a realidade demonstre a aceitação e o respeito por tal princípio. Como tal, urge a criação de um quadro jurídico renovado que permita maior clarificação e transparência deste patrocínio público auxiliando a tomada de decisão dos políticos e a acção dos dirigentes que solicitem tais apoios.
A realidade, nua e crua, tem demonstrado que não é possível a existência de desporto profissional sem o apoio do poder público, e que o poder público o encara com benefícios e externalidades que justificam tal apoio. Frequentemente são invocados alguns deles que passam pela promoção da imagem local, pelo reforço da coesão e integração social, pelas contrapartidas económicas geradas no comércio local, pela perspectiva de carreira profissional que pode desencadear nos jovens atletas enquadrados em centros de formação qualificados, ou simplesmente pelo reflexo e influência que pode gerar no desenvolvimento do restante desporto nacional.

Contudo, existe pouca doutrina acerca desta matéria entre nós, a reflexão e discussão públicas são nulas, e a intervenção política tem-se pautado como um pau de dois bicos: por um lado interdita legalmente o financiamento público ao desporto profissional, mas por um lado vive numa cumplicidade permanente e íntima com os seus agentes e as suas organizações.
Vejamos se o relatório sobre “Competições Profissionais no Sistema Desportivo Português” a ser apreciado no próximo dia 16 em reunião do Conselho Nacional do Desporto comporta algum acrescento, não só para o esclarecimento do que são competições profissionais e de qual é a sua verdadeira realidade, mas também para a elucidação das suas fontes de financiamento.

terça-feira, 2 de março de 2010

Os guarda-portões

O sucesso das organizações depende, em grande parte, da qualidade dos que as servem. São as pessoas e os princípios que as orientam que determinam as boas práticas.
A qualidade envolve capacidades técnicas no que respeita à missão das organizações. Mas as boas práticas requerem igualmente características pessoais. O que é mais importante? As competências técnicas ou as características pessoais?
Costuma-se dizer que há pessoas a quem não comprávamos um carro em segunda mão. O risco de sermos enganados é, nestes casos, grande. Há situações em que o carácter é bem mais importante que as capacidades. Até se diz que é preferível uma pessoa de que se discorda mas que é frontal, do que uma outra que muda de opinião em função do interlocutor.
Uma pessoa poder ser muito competente. Mas se não inspira confiança nos que dirige e a quem se dirige, o seu trabalho será sempre prejudicado nos resultados que alcança. É isto também transferível para a avaliação das organizações desportivas?
Para quem acompanha a vida destas organizações, designadamente as do topo do sistema desportivo onde existe estabilidade programática e lideranças prolongadas, não é difícil de constatar uma inconstância de posições, que podem ser atribuíveis tanto a mudanças de opinião, como a mudanças de contexto. Mas que também podem cair numa órbita de natureza mais compreensível à luz da condição humana. Por vezes pecadora, frágil, adaptável e maleável.
As organizações desportivas passam pelos mesmo ciclos e climas organizacionais que outras.Com duas singularidades: uma grande resistência á mudança; uma crescente presidencialização. A primeira bem patente no facto das mudanças serem quase sempre resposta a exigências exteriores: de “casos” ou de imposições do poder político. A segunda de as organizações se tenderem a moldar ao “estilo” e ao ritmo do seu líder.
Isso explica, entre outras coisas, que alguns lidem melhor com as exigências do poder político, de que aceitam depender, do que com a crítica. A indulgência que concedem a uns é bem contrastante com a severidade com que usem para com os outros. E a solidariedade inter-pares é fácil quando todos aparentemente esperam ganhar. É fratricida quando o poder, a distribuir ou a receber, o não é de forma igual. E, normalmente, são as que melhores resultados alcançam, que são as mais “invejadas”.Porque têm mais “apoios”, porque são mais “lobistas “, por isto ou outra coisa.
O risco de generalização é enorme. Mas enganador. Porque seguramente existem excepções. Mas tradicionalmente cada modalidade vive para si. E os êxitos alheios poucas vezes são atribuíveis à competência. E mais a factores de contexto: os apoios que uns têm e outros não. O que é uma explicação redutora e falsa. Mas que permite que as lideranças nunca sejam avaliadas pelos resultados que alcançam. Há sempre explicações e atenuantes. Normalmente do lado das políticas públicas. O que resulta que quem persistentemente viva de inêxitos, por eles não responda. E que quem alcança o sucesso o seja por causas externas ou conjunturais. Raramente ao mérito e à competência.
O facto é que, nas organizações desportivas, há êxitos que resultam da capacidade de quem as dirige; e insucessos que reflectem má orientação.
Para a perenidade directiva o insucesso é irrelevante. Mantém-se quaisquer que sejam os resultados alcançados. E a explicação não está em qualquer dimensão afectiva ou ausência de alternativa. Mas numa lógica de profissão: gosto do que faço; e o que faço compensa-me com o que eu não alcançaria se não estivesse a fazer o que estou. E o poder e a sua perpetuação transformam-se num fim em si mesmo E a organização passa a ser instrumental. E o que gerem uma espécie de propriedade. De que se assumem como os guarda-portões. Controlam as entradas. E não pretendem ver o seu trabalho externamente avaliado. Basta que essa avaliação seja feita internamente. Por autoavaliação. Sempre justificada.
Por mais legislação que se publique nada disto se alterará. A boa governação continuará a depender das pessoas. Mas quando as pessoas não são responsabilizadas pela má governação o sistema colapsa .Porque atinge todos: os que têm sucesso e os outros.A menos que acreditemos que às organizações desportrivas se pode aplicar a lei de Gresham...

segunda-feira, 1 de março de 2010

Geopolítica desportiva - percurso para o desenvolvimento

A mobilização da comunidade desportiva no apoio a países devastados pela guerra, conflitos étnicos ou catástrofes naturais reverte o impacto mediático de um fenómeno global como é o desporto na provisão de recursos essenciais à reconstrução e desenvolvimento destes territórios. Vários exemplos têm sido dados nos últimos tempos, porém, e paradoxalmente, são também muitos desses exemplos mais mediatizados, que ao alertarem para a necessidade de auxílio em cenários de crise, desviam o foco político das reais prioridades no que concerne ao papel do desporto nos países em vias de desenvolvimento.

O desporto é reconhecido como uma via de combate à pobreza e promoção do desenvolvimento; porém, a sua acção neste domínio está muito longe de se esgotar na gestão mediática dos seus intervenientes e dos eventos pontuais que, à distância de milhares de quilómetros, se realizam com propósitos solidários. Rapidamente se dissipa na voragem da torrente informativa. Pouco mais são do que um impulso reactivo solidário e uma resposta, por certo importante, a uma situação de emergência devida a um acontecimento extraordinário que salta para a ordem do dia. Foi o Sudão, o Ruanda, Santa Cruz, o Zimbabué, ou o Haiti mais recentemente. Diria até que se tratam de epifenómenos que ocorrem em complemento de um longo processo de consolidação de hábitos de vida elementares em estados frágeis e regiões desfavorecidas do planeta, onde o desporto se assume, entre outros, como um instrumento socioeducativo estruturante da vida em comunidade, inserido em planos educativos e de saúde pública destas populações e concretizados no terreno por uma ampla rede de parceiros, dos quais, de tempos a tempos, nos chegam breves ecos noticiosos.

Desde a década de 70 que as Nações Unidas se empenham em integrar o desporto na cena política internacional. Numa primeira fase, consagrando a educação física e o desporto como um direito para todos os cidadãos em documentos fundadores e condenando discriminações a esse direito em várias resoluções, através do labor da UNESCO (nomeadamente do CIGEPS e estruturas intergovernamentais associadas). Mais recentemente, no quadro de acção dos Objectivos do Milénio, tem vindo a ser desenhada no seio da ONU uma estratégia alargada de integração do desporto nas políticas de desenvolvimento, coordenando a intervenção de vários dos seus organismos. Poderá ter-se aqui uma noção mais apurada desse percurso que visa criar uma parceria global para o desenvolvimento e para a paz através do desporto.

Também na Europa, o Parlamento Europeu e a Comissão têm tomado iniciativas importantes, a par do Conselho da Europa. O reforço da cooperação com as autoridades desportivas internacionais, as organizações empresariais, o movimento olímpico, as diversas redes e plataformas não governamentais para o desporto e o desenvolvimento e as organizações políticas regionais vem produzindo intervenções relevantes em projectos locais e acções humanitárias, nomeadamente em África, consolidando instrumentos de trabalho para monitorizar os progressos alcançados através de programas desportivos em áreas como a erradicação da fome e da pobreza, a igualdade de género, ou o combate a doenças infecto-contagiosas.

Nesta óptica, para os governos nacionais a cooperação desportiva internacional com os países em desenvolvimento encontra-se cada vez mais condicionada na mediação de instâncias intergovernamentais ou supranacionais. O que se ganha em coordenação e economias de escala, perde-se na celeridade e politização dos processos, daí que nos acordos bilaterais - estabelecidos à margem do chapéu destas instituições – reste pouca margem de manobra e se focalizem predominantemente na formação de técnicos e dirigentes, na melhoria das condições de treino e no intercâmbio de recursos desportivos. A concepção e o desenvolvimento de programas desportivos e de educação física para as populações locais encontra, também por esta via, uma porta fechada.

Se por um lado são conhecidos os obstáculos que os países em vias de desenvolvimento, ciosos da sua soberania, colocam à intervenção e aos planos de acção de organismos internacionais no seu território, ainda que em parceria com organizações locais; foram esses mesmos países que, em acto contínuo à independência dos seus estados, se filiaram em federações desportivas internacionais como manifesto de soberania - amiúde com o incentivo das antigas potências coloniais (e o desejo de capitalizarem activos desportivos a preço de saldo) - sem terem sequer quadros competitivos organizados em várias modalidades desportivas. Não deixa de ser curioso a FIFA ter mais membros que a ONU. Quase me atrevo a afirmar que a existência de uma selecção nacional de futebol é um elemento, com a maior relevância - a juntar ao território, à população e ao governo -, na definição de Estado.

São inúmeros e delicados os desafios que se colocam à comunidade internacional no centro das suas opções político-desportivas para estes países, ainda que a profusão de eventos e manifestações desportivas de solidariedade, às quais a esfera política se “associa”, possa confundir emergências com prioridades. Não é de todo despiciendo que a ONU envide esforços para sistematizar informação sobre a forma como os seus estados membros utilizam o desporto e a formação desportiva para gerarem mecanismos de mudança social e promoverem o desenvolvimento, ou reconheça ao COI o estatuto de observador da Assembleia Geral das Nações Unidas.

É certo que a instrumentalização do estatuto político-ideológico do desporto é um elemento condicionante – foi no passado e será no futuro -, ao qual todas as partes jogam mão no intuito de protegerem os seus interesses, quer ao nível político ou ao nível desportivo. Não há que escamotear, bem pelo contrário.

Mas do passado recolhem-se também vários ensinamentos sobre a intervenção social do desporto em comunidades subdesenvolvidas, algo em que o nosso país fez escola por várias das suas mais destacadas referências. Em semana de visita governamental a Moçambique, a Experiência do Caniço (região suburbana de Maputo onde viviam mais de 450 mil negros), publicada por Noronha Feio, continua, ainda hoje, a fornecer pistas sobre a materialização deste percurso.