sábado, 28 de fevereiro de 2009

6+5 - baralhar e voltar a dar num velho jogo

Depois de Bosman e do “3+2” que caiu por terra com a decisão do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias há 14 anos.

Depois das posições da Comissão, do Parlamento Europeu, e até da UEFA, as quais, como se foi dando nota neste blogue, se afastaram – em diferentes amplitudes – em relação à regra “6+5” e aos argumentos de Blatter para preservar a identidade nacional em cada um dos campeonatos europeus através desse instrumento.

Apesar das inúmeras manifestações, políticas e jurídicas, condenando a discriminação de tal regra face aos pilares fundacionais da cidadania europeia, a FIFA não desiste dos seus intentos e após ter aprovado o “6+5”, por votação esmagadora, no seu último congresso em Maio, teima em não ceder.

Quinta-Feira foi apresentado, em conferência de imprensa no Parlamento Europeu, mais um trunfo da sua agenda. Desta feita, um estudo encomendado a 5 especialistas do Instituto de Assuntos Europeus considerou que “não existe conflito com as normas europeias”, uma vez que:

"The key aim of the 6+5 rule in the view of the experts is the creation and assurance of sporting competition. The 6+5 rule does not impinge on the core area of the right to freedom of movement. The rule is merely a rule of the game declared in the general interest of sport in order to improve the sporting balance between clubs and associations."

A Comissão já se apressou a reafirmar a sua oposição.

Neste braço de ferro, que a FIFA pretende não circunscrever ao mundo do futebol, joga-se a falência do desporto europeu e se manifesta a preocupação das autoridades desportivas internacionais em preservarem apenas o seu “negócio” num registo de “autonomia e independência” que cada vez mais se aproxima do autismo face às mudanças sociais e politicas no contexto europeu e aos novos desafios e exigências que se colocam à governança desportiva.

Repisando a ideia segundo a qual a matriz de identidade nacional é o fundamento para o equilibrio competitivo, valorização da formação de jovens praticantes e preservação dos laços afectivos com os clubes locais e as selecções nacionais, marginaliza-se uma efectiva regulação dos problemas prementes do futebol profissional na União Europeia, que se agravam na conjuntura actual.

Ao contrário de Blatter, Platini e outros lideres de organizações desportivas mais interventivos no cenário europeu, já se aperceberam destas tendências e procuram mudar o seu enfoque para problemas mais estruturantes que minam os princípios solidários do modelo europeu de desporto. Oportunamente, disso daremos conta.

quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

O tempo e o modo

O tempo foi excessivo. Mas o governo acabou por reconhecer que os efeitos da bolha especulativa e que a recessão económica se iriam fazer sentir no nosso país a ponto de pôr em causa alguns dos objectivos estratégicos da política económica e financeira. O aumento do desemprego, o aumento da dívida pública e a recessão da economia interna são dados adquiridos. Pode-se discutir o que ”importámos” e o que é da nossa responsabilidade. Mas o facto é que a”crise” está aí e não sabemos quanto tempo veio para ficar. Em 2008 o défice externo ultrapassou 10% do PIB o valor mais alto desde 1982! O governador do Banco de Portugal admite já que a previsão deste ano para a economia poderá ser pior que o previsto .Mesmo descontando que como economista está, muitas vezes, mais perto dos meteorologistas, que nem sempre acertam nas previsões, os seus receios são inquietantes.
Um dos efeitos desta situação no âmbito das organizações desportivas irá ser o da progressiva depauperização e emagrecimento dos seus orçamentos no que concerne às transferências públicas. Bem sei que se anunciaram aumentos das dotações para o corrente ano. Mas basta consultar a execução orçamental do IDP em finais de 2008 para se constatar o que em tempo previmos: sobreavaliação da receita, cabimentação em linha e crise de tesouraria porque os valores arrecadados ficaram aquém dos estimados. Custa reconhecer que assim é para quem anunciou mundos e fundos. Mas todas as engenharias financeiras têm limites. E o silêncio sobre o resultados financeiros alcançados também. E com eles sofrem um forte abalo a probidade e o valor da palavra.
Perante a crise da economia privada e a quebra do poder aquisitivo das famílias, que tradicionalmente libertam alguns meios para apoio ao desporto, a tendência é para se acentuar uma ainda maior dependência do financiamento público. Mas as políticas públicas não têm por onde se esticar.
O modo de enfrentar a situação e o posicionamento das organizações desportivas perante esta realidade ditará muito do seu futuro. O momento pode ser aproveitado para realinhar lógicas e prioridade de despesas, deixando cair o que é supérfluo ou dispensável. Ou manter a mesma lógica e o vírus da crise infectará tudo: o que é essencial e o que é acessório.
Percebe-se a inquietação que se vive nos meios federativos. Em 2006 a chegada à administração pública desportiva de mais recursos financeiros com origem na nova distribuição dos jogos sociais fez disparar a despesa em todas as direcções. As dificuldades de tesouraria em 2007 e 2008 reflexo das quebras nas receitas das transferências dos jogos sociais deveriam ter alertado para o que aí vinha. Fez-se o contrário: insistiu-se na mesma lógica e tentou blindar-se a informação para que não chegasse cá fora o conhecimento da realidade.
Em ano de eleições resta anunciar o anunciado como grandes projectos, gerir a comunicação como agenda de eventos e governar o financiamento associativo sem agenda e com critérios apertados que escondam as dificuldades que a tesouraria vai sofrer para manter os níveis de financiamento anteriores.
O silêncio é o preço a pagar pelas organizações desportivas expectantes sobre o modo como a que a”crise”lhes vai bater à porta e perante uma administração pública desportiva cansada, mansa e mole. É perigoso e não recompensador discordar. Para já resta viver das boas recordações governamentais amplamente anunciadas: em 2009 o orçamento de Estado contempla um aumento no orçamento público para o desporto. Aguardemos então!

domingo, 22 de fevereiro de 2009

As palavras e as normas III

Continuando a nossa viagem pelo novo regime jurídico das federações desportivas e da concessão do estatuto de utilidade pública desportiva, vejamos agora o terceiro destaque do preâmbulo do RJFD2008.
Aí se afirma, como inovação, que se estabelece “que a representação na assembleia geral das diversas estruturas e agentes desportivos seja feita por intermédio de delegados, os quais apenas representam uma única entidade e têm um só voto.
As assembleias gerais das federações desportivas deixam de ser integradas por organizações que exprimiam votos corporativamente organizados para passarem a ser compostas por pessoas indicadas ou eleitas previamente, mas que apenas podem dispor de um voto.”

Um delegado, uma entidade, um voto. As assembleias gerais deixam de integrar organizações – que manifestavam vontades corporativamente – e passam a ser compostas por pessoas indicadas ou eleitas previamente, titulares de apenas um voto.
Sem emitir outros juízos sobre o bem fundado das afirmações, as normas começam bem, em termos de coerência com as palavras (artigo 35º).

Todavia, logo no artigo seguinte, quando se referem aos delegados nas federações desportivas de modalidades individuais (nº 4), num discurso algo confuso, acaba-se por mencionar os delegados representantes de clubes ou das respectivas associações distritais e regionais.

E, por último, no artigo 37º, possibilita-se uma «representação por inerência».
Conforme o seu nº 1, os estatutos ou regulamentos federativos podem conferir às associações territoriais de clubes ou às ligas profissionais o direito de designar um delegado, por cada entidade, para integrar, por inerência, a representação dos clubes das respectivas competições na assembleia geral.
O mesmo se aplica às associações de clubes não referidas nesse número, bem como às organizações de classe representativas ou juízes, cujos delegados integram a representação dos agentes desportivos das respectivas categorias (nº 2).

Em suma, como é hábito, sim, mas…

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

O "pronto-socorro"

Os números de diversos estudos sociológicos sobre a governação local reiteram aquela que é uma opinião do senso comum sobre a realidade autárquica. Grande parte dos recursos municipais estão afectos e são aplicados em tarefas de cariz rotineiro e burocrático, ou na resolução de problemas imediatos.

As tarefas de diagnóstico, avaliação e planeamento têm uma expressão ínfima no quotidiano municipal.

É normal que assim seja se tivermos em consideração o percurso histórico do municipalismo em Portugal, onde se enraizou uma certa tradição assistencialista do Poder Local junto da comunidade autóctone, nomeadamente no alvor da democracia e do precário contexto sócio económico de então. O desporto não esteve á margem desta tendência. Uma leitura do pensamento dos autores de referência da época assim o confirma.

Criou-se uma imagem do município como um agente público próximo das populações, conhecedor das dinâmicas do território local e o mais apto a proteger os seus interesses e dar resposta efectiva aos seus problemas.

No entanto surgiram derivações espúrias dessa perspectiva, e do que era uma lógica de desenvolvimento multipolar, fundada no estímulo e mobilização dos agentes locais, a concepção da acção do município foi reconvertida, em diversas circunstâncias, em algo como um “pronto-socorro” local. E isso faz toda a diferença.

Desde logo pelo facto das tarefas de planeamento, coordenação e diagnóstico – ainda que infimas, mas da maior importância - perderem o seu capital no sentido atribuido às demais tarefas e ao desenho das políticas municipais. O processo reconverteu-se e os instrumentos de gestão estratégica foram sendo – quando o foram - cada vez mais um móbil de ratificação de opções políticas monistas, verticalizadas, arbitrárias e casuísticas, não geradoras de valor para o território.

A partir daí, quando os instrumentos de orientação estratégica deixam de presidir à construção de políticas de desenvolvimento desportivo local, inúmeros são os sintomas.

A começar, internamente, pela sobreposição de tarefas entre serviços que operam com o desporto (desporto, educação, juventude, acção social, etc.) numa perspectiva atomizada e desintegrada.

Passando pela replicação, ano após ano, de planos de actividades sem reflexão crítica e valorização dos seus projectos. Carentes de uma matriz estruturante que os enquadre e procure dar resposta aos desafios nos diversos eixos de desenvolvimento desportivo municipal.

Cultiva-se uma trajectória de enclausuramento de cada técnico em torno do seu projecto, em relação ao qual são meros operacionais de um produto pré-concebido, por vezes até desfasados do contexto real do movimento associativo, sempre ávido da oportuna parceria com o município em campos de férias, AEC’s ou no consagrado torneio anual. Parcerias amiúde sustentadas numa curiosa criatividade no cumprimento da lei.

Para o exterior, e mantendo-me apenas cingido ao associativismo local, não é assim, também, de estranhar que surjam profundos desequilíbrios nos mecanismos de financiamento, suportados em regulamentos inócuos e frágeis processos de avaliação, incapazes de destrinçar claramente um trabalho eficiente e valorizador dos recursos municipais, daquele que se limita a sorver bens públicos num percurso anquilosante.

Esta órbita disfuncional coarcta o potencial de uns e reproduz as deficiências de outros. Em última instância, a autarquia “pronto-socorro” tem de intervir quando o paciente está comatoso e apoia a construção de uma sede, ou a requalificação de um espaço desportivo, por vezes até com fundos estaduais e comunitários. É natural que a proximidade afectiva às cores do município seja nestas ocasiões privilegiada.

Alguns aproveitam a oportunidade, mas para muitos o "pronto-socorro" não é mais do que apagar um fogo com gasolina e apenas dá guarida a um processo de acumulação de dívidas exponencialmente geradas pela incapacidade de administrar os encargos de um património desproporcionado em relação às dinâmicas de gestão que obstinadamente não se renovam.

Claro que se está a focar parte de um problema que é também, e talvez em primeira ordem, um problema de liderança e um problema político. Claro que se joga aqui com o aprisionamento numa lógica em torno de interesses instalados que ganharam o estatuto aproximado a direitos adquiridos. Claro que há inúmeras políticas municipais nas antípodas deste cenário. Mas claro que há muito “pronto-socorro” por aí.

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

Arranjando uns trocos

É uma lei da vida: a longa permanência no poder cria uma espécie de usura do cargo. E o que de positivo se alcançou corre o risco de ser anulado pelo que um excessivo exercício tem de menos positivo. Por outro lado, essa longa permanência, quando sujeita a uma contínua exposição pública, cria desgaste e com ele o aumento do número dos que se opõem. E os que se opõem, podem ser até antigos aliados nada garantindo que no futuro os opositores de hoje não voltem a ser os aliados de amanhã. No desporto, na política, na vida das empresas sobram os exemplos. Porque muitas vezes não se trata da defesa de valores ou de princípios ou de programas ou até de uma eventual ética da razão, mas tão só de negociar/dividir o poder. E o poder tanto pode servir para o exercício de uma estratégia, como para a defesa de certo tipo de privilégios corporativos ou até de algum contributo financeiro directo ou indirecto que o exercício de certas funções permite. Muita da dificuldade na renovação de quadros dirigentes desportivos não tem só como explicação o carácter desgastante e benévolo do trabalho realizado. Pelo contrário. São os benefícios pessoais ou materiais dela resultantes que explicam o “estar agarrado” ao poder. Que não será sempre assim não é difícil de demonstrar. Difícil será provar que o não é, em elevado número de casos.
Este arrazoado todo para chegar a um tema que de tão maltratado merece alguma reflexão: o do benevolato no dirigismo desportivo. Não sem antes sermos perfeitamente claros que nada temos quanto à profissionalização do dirigismo desportivo e à remuneração dos seus dirigentes. Que o sejam de forma transparente, legal e decorrendo essa profissionalização não dos dinheiros públicos, o que seria uma ”funcionalização encapotada”, mas apenas da gestão de recursos próprios das organizações desportivas. Será, neste caso, um percurso natural de crescimento das organizações e um sentido natural da sua especialização.
Mas uma parte significativa do tecido associativo e do funcionamento das organizações desportivas continua a ser assegurado pelo dirigismo benévolo. Trabalho sem qualquer contributo remuneratório. No passado houve várias tentativas de legislar para este tipo de agentes voluntários. Protegendo a sua acção e estimulando o respectivo exercício. Por uma ou outra razão essas iniciativas não vingaram. Se no passado fazê-lo era importante, no presente continua a sê-lo.Com uma razão acrescida que justifica a sua oportunidade: o de ter aumentado o número dos que invocando o voluntariado desportivo se servem do seu valor socialmente relevante para cobrir acções que de voluntárias nada têm e que se transformaram em verdadeiros empregos. Que o sejam na plenitude dos seus direitos e obrigações. Mas que deixem de integrar o “choradinho” do dirigente carola, que o não são.
Tocar neste assunto é mexer com parte do “coração” do funcionamento das organizações desportivas. Para muitas,sobretudo as organizações de topo, é assunto tabu. E por uma ou outra razão prevalece a gestão do silêncio. Que não serve a profissionalização do dirigismo desportivo que, quando as condições o permitem e justificam, deve ser claramente assumido. E que também não serve o dirigismo benévolo contaminado por aqueles que à sua custa”vão arranjando uns trocos”em nome da sua "paixão"pelo desporto.

sábado, 14 de fevereiro de 2009

As palavras e as normas II

A primeira das inovações do RJFD é justificada pelo primeiro dos 10 considerandos do preâmbulo do diploma.
Aí se afirma que “a reforma assenta na distinção entre federações das modalidades colectivas e federações das modalidades individuais, uma vez que são muito diversos os problemas de umas e de outras. Com efeito, nas modalidades colectivas o clube desportivo assume uma particular importância (enquanto suporte orgânico das equipas), ao contrário do que sucede nas modalidades individuais, nas quais o que sobreleva é o praticante desportivo. Nas modalidades colectivas a competitividade gera-se, sobretudo, entre clubes; nas modalidades individuais assenta nos resultados obtidos pelos praticantes individuais. E, porque assim é, as regras organizacionais devem ser necessariamente diferentes.

A organização e o funcionamento das federações desportivas ocupam um espaço considerável de normas: do artigo 26º ao 57º.
Ora, se as mirarmos devidamente, onde se encontra essa diferença de regras organizacionais?

Vejamos:

· Os órgãos estatutários são os mesmos, artigo 32º
· O regime eleitoral é o mesmo, artigo 33º
· A competência da assembleia-geral é a mesma, artigo 34º
· A composição da assembleia geral é a mesma, artigo 35º
· A competência do presidente é a mesma, artigo 40º
· A competência da direcção é a mesma, artigo 41º
· A competência do Conselho Fiscal é a mesma, artigo 42º
· A competência do Conselho de Disciplina é a mesma, artigo 43º
· A competência do Conselho de Justiça é a mesma, artigo 44º
· A competência do Conselho de Arbitragem é a mesma, artigo 45º
· O funcionamento dos órgãos colegiais é o mesmo, artigos 46º e 47º
· O regime dos titulares dos órgãos é o mesmo, artigos 48º a 51º
· O regime disciplinar é o mesmo, artigos 52º a 57º


Onde estão, pois, tais diferenças de organização e funcionamento?

Só – e é um só bem sozinho – no agrupar dos clubes e sociedades desportivas, denotando que muito do tratamento diferenciado é ditado pela organização do futebol e pela existência de competições desportivas profissionais.
Assim fala o preâmbulo e assim determinam as normas do RJFD.

terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

As palavras e as normas I

Não vinculativo na interpretação das normas, o preâmbulo dos diplomas surge, contudo, como um texto que, por via de regra, dá conta ao destinatário de algumas das ideias fortes que enformam um acto normativo, procedendo mesmo, em alguns casos, ao destaque das principais inovações que carrega para a ordem jurídica.
O novo regime jurídico das federações desportivas (RJFD2008) apresenta um texto preambular dotado de alguma expressão, bem mais extenso e potencialmente esclarecedor do que o constante do “velho” diploma de 1993.

Todavia, como sucede em tantos outros diplomas, este concreto preâmbulo, pleno de palavras bonitas, mais ou menos coerentes entre si, vê-se desmentido, por completo ou em parte, pelas normas que pretende justificar.
O RJFD2008 tem um texto preambular onde nos oferece 10 destaques das “principais inovações”.
10 parágrafos que sublinham as razões e o sentido das normas.

Todavia, antes dos destaques, vem uma afirmação sobre o sentido da reforma.
Permita-se-nos uma breve paragem neste local:

A reforma que ora se empreende parte de uma concepção unitária de federação desportiva, enquanto organização autónoma dotada de todos os órgãos necessários para reger a respectiva modalidade desportiva, incluindo os relativos à disciplina da arbitragem e à aplicação da justiça.
Não se perfilharam soluções que se traduzissem na atribuição a órgãos exteriores às federações desportivas da competência para decidir em matérias de arbitragem ou de justiça, em nome da garantia de independência das decisões. Tais soluções, para além de não serem conformes ao disposto no artigo 46.º da Constituição da República Portuguesa, violam as normas das federações internacionais, de acordo com as quais aquele tipo de decisões deve ser cometido, em qualquer caso, a órgãos próprios das federações nacionais.
Para garantir a independência das decisões, a estratégia por que se optou passa, assim, pela democratização interna das federações e não por soluções de ingerência externa no seu funcionamento.”(os destaques são nossos)

Aqui, de que fala e para quem fala o RJFD2008?
Fala apenas, como é bom de ver, de futebol e dos segmentos da arbitragem e disciplina nas competições profissionais. Fala da FPF e da LPFP. E fala para a FIFA. Não dirige as suas palavras ao sistema desportivo nacional, ao desporto português.
Em que termos é que fala?
Usando a fraude.
Com efeito, a que propósito se invoca o artigo 46º da Constituição da República Portuguesa?
Mais, que sentido faz “agitar” a liberdade de associação a este respeito, quando tal liberdade é postergada totalmente aquando da suspensão da actividade desportiva das federações desportivas?

domingo, 8 de fevereiro de 2009

Associações Regionais

A história organizativa do associativismo desportivo, como é do conhecimento generalizado, teve na data longínqua de 1856 o seu marco referencial com a fundação do seu primeiro clube desportivo, a Real Associação Naval. Seguiram-se cerca de vinte anos depois outros clubes em Lisboa e no Porto, mas foi sobretudo a partir dos anos de 1920 que se começaram a formar clubes em número significativo, e até a chegada do Estado Novo se tornou impotente para travar tal crescimento apesar de ter engendrado diversos mecanismos de controlo do movimento associativo.
Assim, surgiram no desporto as primeiras associações regionais de modalidade e as primeiras federações desportivas como resposta organizativa institucional a partir das células primárias do desporto, os clubes desportivos. E foi esta estrutura hierárquica organizativa que durante o século XX caracterizou na generalidade as diversas modalidades desportivas, quer individuais, quer colectivas.

Diga-se, contudo, que já há alguns anos a esta parte em diversas modalidades se começou a questionar o papel das associações regionais, a tentar reestruturar e reagrupar algumas destas entidades em âmbitos geográficos mais alargados e a extinguir outras, apesar de no artigo 14.º da Lei de Bases da Actividade Física e do Desporto continuar a referência expressa que as federações são constituídas por associações de âmbito territorial.

Quando se começou a aventar um novo regime jurídico das federações desportivas logo se ouviram ecos de medidas de menorização para as associações regionais, e o certo, apesar de movimentos e acções resistentes de muitas destas organizações, é que neste novo regime a sua representatividade baixou significativamente na assembleia geral federativa.

Aguardava-se, por conseguinte, as primeiras alterações estatutárias federativas e eis que em estatutos recentemente aprovados se consigna o seguinte: as associações regionais dessa modalidade são associados extraordinários, com direito de assistir às assembleias gerais sem direito a voto e aos quais é exigido o pagamento de uma quota anual.
Se novos tempos podem impor na hierarquia associativa uma nova era organizativa, estou contudo, céptica quanto a tais resultados traduzirem mais praticantes, mais treinadores e mais árbitros em todas as regiões do país, assim como mais recursos para os clubes desportivos. A ver vamos!

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

Repensar o modelo

Pensemos o mercado desportivo segmentado em três clusters. Classifiquemo-los como “desporto amador de competição”, “desporto de alto nível” (englobando o desporto profissional e de alta competição) e “desporto, saúde e lazer”.

Definam-se quatro tipologias de fontes de financiamento - O Estado, as autoridades locais, as empresas e o consumo dos agregados familiares -, e tome-se em consideração as prioridades destes actores face aos segmentos de mercado desportivo anteriormente definidos, da seguinte forma:

· O Estado privilegia o financiamento do “desporto de alto nível” através das federações desportivas, com um importante contributo dos jogos e apostas sociais.
· As autoridades locais – no caso português, as autarquias locais – apontam as suas prioridades para o “desporto amador de competição” através do apoio ao movimento associativo local e edificação de espaços desportivos.
· O consumo das famílias privilegia a compra de bens e serviços no segmento “desporto, saúde e lazer” e no “desporto de alto nível” (consumo do espectáculo desportivo).
· As empresas financiam o “desporto de alto nível”, nomeadamente as modalidades e eventos desportivos com maior exposição mediática e retorno publicitário.

Salvaguardando as especificidades da governação desportiva de cada Estado membro e a simplificação, porventura excessiva, mas indissociável a uma abordagem superficial, este foi, em traços gerais, durante várias décadas, o quadro de referência sobre a estrutura e dinâmica do financiamento do desporto na UE

Porém, importa ter uma perspectiva compreensiva sobre estes mecanismos no contexto sócio-desportivo actual. Aqui são várias as tendências que questionam a sua sustentabilidade no âmbito do modelo europeu de desporto, entre elas:

· A evolução das receitas dos jogos sociais como um dos pilares de financiamento do desporto europeu;
· A explosão do segmento “desporto, saúde e lazer” nas suas diversas vertentes de “fitness”, “desporto na natureza”, “desporto e turismo”, etc;
· A concentração do financiamento privado apenas nos desportos mais mediatizados;
· A insuficiência e o plafonamento do financiamento estatal, agravada num cenário de crise financeira;
· A fragilidade do trabalho voluntário no desporto.

Este cenário inevitavelmente reconfigura as estratégias e o papel dos vários actores que dão corpo ao modelo europeu do desporto, evidencia as debilidades e as potencialidades por explorar nas políticas públicas desportivas e instrumentos de governação que têm vindo a ser comummente utilizados, desde logo o abuso da via legislativa como fim em si mesmo, sem cuidar de avaliar ex-ante e ex-post o impacto das normas reguladoras no desenvolvimento dos vários segmentos desportivos.

É bom ter-se a noção que os constrangimentos orçamentais irão condicionar cada vez mais a acção financiadora do Estado, o que exigirá uma maior dinâmica e proactividade dos demais actores do sistema desportivo, bem como um maior rigor e “value for money” no desenho e na gestão das políticas públicas, caso se pretendam gerar impactos duradouros e criar valor desportivo na sociedade.

Num contexto de risco e instabilidade, as abordagens verticalizadas e sectoriais de comando e controlo, circunscritas numa lógica de mera racionalidade económica e rigidez normativa, onde o Estado se limita a distribuir acriticamente envelopes financeiros, reproduzem as disfuncionalidades criadas durante anos e em nada contribuem para mudar a trajectória de depredação do modelo europeu de desporto. Estados há que já o perceberam e inflectiram esta tendência.

Perceberam a urgência de novos instrumentos de governança e regulação financeira do sistema desportivo. Viram o Estado como um mediador de interesses na comunidade. Um agente capacitador dos demais, ao focar a sua acção na procura de novos recursos e correcção dos desequilíbrios gerados pelas tendências acima mencionadas, através de processos de regulação flexíveis, positivos, multi-laterais e interdependentes.

A urgência de maximizar a eficiência das politicas públicas através do desenvolvimento dos diversos segmentos desportivos e rentabilização dos seus recursos - suportado na parceria entre o Estado, as autoridades locais, comunitárias e desportivas, com o envolvimento de parceiros privados -, na edificação de uma estrutura solidária entre os vários níveis de formação desportiva não se compadece com meras palavras de circunstância, mas exige a definição de propostas políticas concretas.

Enquanto não surge uma abordagem com uma análise de dados mais consolidada - que se prevê para este ano com o estudo encomendado pela Comissão sobre as bases de financiamento do desporto europeu -, o trabalho coordenado pelo professor Andreff, apresentado durante a presidência francesa, avança com um leque de medidas de suporte e financiamento público e privado com vista a reposicionar o modelo de desporto europeu face aos desafios que hoje enfrenta, num conjunto de sete factores críticos. Procura apresentar soluções para o problema transversal do desporto na Europa em reter e fixar na sua órbita as receitas que gera.

Ainda que o Estado assuma uma posição axial no desenvolvimento desportivo de cada país, as múltiplas consequências da fragmentação do conceito de Estado-Nação tornam cada vez mais relevante equacionar as suas limitações e considerar o potencial de outras esferas de regulação, não estatais e supra nacionais. No desporto, a intervenção da UE, que se prevê mais acentuada após a ratificação do Tratado de Lisboa, apenas vem dar corpo ao vaticínio seminal de Daniel Bell: “o Estado a que chegámos é, ao mesmo tempo, pequeno demais para os grandes problemas da vida e grande demais para os pequenos problemas da vida". E o desporto tem grandes problemas que exigem instrumentos e estratégias de acção que transcendem os limites de cada Estado.

Os heróis do Olimpo não são deuses

Michael Phelps foi apanhado a fumar marijuana. Pediu perdão pelo acto. E o Comité Olímpico Internacional aceitou o pedido de desculpas. E enfatizou, não fosse alguém esquecê-lo, que Phelps é um grande campeão olímpico. Tudo está bem quando acaba bem. E a estória podia acabar aqui. Mas se puxarmos um pouco o fio à meada algumas perguntas ficam por fazer: o que tem o COI a ver com o facto do atleta fumar ou não marijuana? E se tem qual seria a sua reacção caso o interveniente não fosse “um grande campeão olímpico”? Podemos especular. Não mais do que isso. Mas o “incidente da passa” vale mais algumas reflexões.
Uma primeira tem a ver com a medicalização do rendimento desportivo, a prescrição farmacológica e os limites legais ao que é permitido, ao que é possível de ocultar e às técnicas de despistagem e controle da dopagem. É como a fruta. Tem a sua época. Tão depressa está na agenda mediática e política como de repente sem darmos por isso hiberna como se deixasse de existir. Um qualquer caso positivo ou escândalo lá o acorda. A tendência para “adormecer” é no entanto tão grande que a letargia prevalece sobre acção. E até, a circunspecta e severa “asae” da dopagem, a Agência Mundial Anti-doping, não se pronunciou sobre a cachimbada do Michael.
Uma segunda tem a ver com a dimensão e responsabilidade social do “campeão”uma construção ideológica que tem muito de alvorada do fascínio pelo homem/mulher sobredotados e que as diferentes ideologias políticas, mesmo as de sinal oposto (fascismo/comunismo), incorporaram à sua maneira. A crescente comercialização do desporto e a politização do rendimento desportivo remetem essa responsabilidade social, salvo honrosas e poucas excepções, para o domínio das lógicas comerciais dos patrocinadores travestidos de “acções de responsabilidade social”.Observo com a maior das reservas e dúvidas a genuinidade das “desinteressadas” visitas dos “nossos campeões”,a hospitais e instituições que acolhem crianças com doenças graves e outras patologias sempre a coberto da presença da comunicação social.
Uma terceira reflexão tem a ver com o facto de o “grande campeão”, não é por ser talentoso que deixa de ser uma pessoa. Há vida para além do desporto. O atleta porventura gosta- mas não pode tudo quanto gostaria- de beber uns copos, em alguns casos de fumar uns “charritos”e provavelmente de participar numas “raves”( de acordo com algumas noticias Michael Phelps aos 19 anos teria sido condenado por conduzir sobre o efeito do álcool).
Ser tão igual, quanto a sua vida desportiva o permite -e não permite muito – aos da sua geração parece normal. Sobre esta matéria poderemos fazer juízos de valor e em defesa dos bons princípios avançar com a condenação moral. Mas vida é o que é. E não será por a negarmos ou a escondermos que ela se altera. Uma perspectiva ou explicação monista do comportamento dos campeões é um reducionismo. E entre o ascetismo e o hedonismo cada um que escolha.
Tudo para dizer que os heróis do Olimpo afinal não são deuses. Mas herois mitificados.São seres humanos.Cujos comportamentos merecem o cuidado de os não categorizar com precipitação.Para não nos perdermos.Afinal pertencemos a uma geração que à esquerda lutou contra o modelo burguês de casamento.E hoje se tornou “progressista” ao alargar,o que antes se criticava,aos homossexuais e às lésbicas.Não sabemos o que nos espera daqui a uns anos quanto ao consumo de substâncias hoje catalogadas como “drogas”.Para já ,nós por cá,vamos sancionando.Desta feita um saltador à vara.
Maradona,Comaneci,Ronaldo e tantos outros, cada um à sua maneira, viveram os prazeres da vida.Não deixaram de ser grandes campeões.Tinham também de ser bons exemplos sociais?
Um bom poeta é apenas uma pessoa que escreve bem poesia.E por escrever bem poesia não tem que ser uma boa pessoa.Pelo menos um exemplo a seguir pelos outros.Por que razão com os desportistas terá de ser diferente ?

domingo, 1 de fevereiro de 2009

A Federação Universitária

Não sou conhecedor do estado do desporto universitário. Vislumbro, apenas baseado no senso comum, uma situação com contornos de dificuldades no seu quotidiano e no seu desenvolvimento.
Um dos sinais que me conduz a esse juízo simplista prende-se com o facto de, no final do ano passado, a FADU ter envidado sérios esforços para levar a efeito um congresso. Tive o prazer de ser convidado para tal evento, que se pretendia de balanço de alguns anos e de alavanca para o futuro, incluindo na vertente regulamentar.
O Congresso, com programa definitivo assumido, não se veio a realizar pela ausência de inscrições em número apropriado e que o dignificasse.

A FADU é uma federação multidesportiva, dotada do estatuto de utilidade pública desportiva. Confesso que não sei avaliar se este tipo de organização do desporto universitário é ou não o mais adequado. Espero que os associados e visitantes desta colectividade me auxiliem nessa ponderação.
Já sei, contudo, o que o regime jurídico das federações desportivas lhe destina.
Ou melhor, sei e não sei.

Com efeito, toda a normação constante nesse regime jurídico dirige-se, em primeira mão, às federações unidesportivas. Depois, tal qual sucedia no anterior regime, uma norma vem torná-la aplicável às federações multidesportivas.
Dispõe, a esse respeito, o artigo 3º, nº 4: a aplicação do presente decreto-lei às federações multidesportivas faz -se com as adaptações impostas pela sua natureza, atendendo às exigências específicas da organização social em que promovam o desenvolvimento da prática desportiva.

Ora, independentemente do juízo que se tenha sobre a razoabilidade das concretas soluções normativas constantes do diploma, ninguém contestará que o novo regime é bem mais complexo do que o anterior.
Por outro lado, ele assenta numa diferenciação entre modalidades individuais e colectivas.
Se nas federações unidesportivas se começam a pressentir algumas dificuldades na efectivação de todos os comandos legais, com a FADU redobra-se o número de zonas cinzentas, como é bom de ver.

Contudo, porventura são as federações desportivas multidesportivas que gozam de maior espaço de liberdade na conformação dos seus estatutos e na sua reestruturação orgânica.
Na verdade, seguir o novo regime jurídico das federações desportivas “com as adaptações impostas pela sua natureza” pode representar – atendendo ainda à permanente omissão da Administração Pública na fiscalização destes aspectos –, na economia do diploma, uma situação quase de excepção, face à rigidez que vigora para o outro tipo de federações desportivas.