quinta-feira, 31 de janeiro de 2008

As apostas de Rui Costa

Na passada terça-feira uma pequena notícia do Público dava conta de que o número de apostadores portugueses na Internet quadruplicou num dos maiores sites mundiais de jogo.
Aditava-se que, apesar do "apostador português ter ainda uma grande tendência para apostar no futebol, na ordem dos 80%, começou a arriscar noutros desportos, como as corridas de cavalos e o basquetebol".
No final da semana passada pouco eco teve na imprensa o facto de Rui Costa promover, no respectivo site, de forma inequívoca, uma nova "casa de apostas on line".
Se, num primeiro momento, parecia ver-se ao longe o iniciar de um tsunami noticioso sobre o caso, rapidamente se constatou que estávamos perante uma mera miragem, sucedendo-se um simpático (e conveniente) silêncio sobre essa postura daquele praticante profissional de futebol.
Não estando agora em causa a ideia generalizada- de que também partilho - de que o mencionado atleta é um «homem bom», nem a duplicidade de critérios da FIFA (uma resposta para alguns agentes desportivos e outra diversa para clubes e ligas), a verdade é que o agir de Rui Costa constitui uma infracção ao artigo 15º do Código de Ética da FIFA, com repercussões disciplinares.
Também percorreu o espaço infomativo que tal actividade de promoção das apostas iria cessar. Ora, tal não sucedeu até agora.
Ainda confio no Rui Costa para que tal aconteça.


Heterodoxias desportivas (II) - o futebol

De acordo com o ultimo relatório publicado sobre o número de praticantes desportivos federados (2004) cerca de um quarto dos praticantes desportivos federados pertenciam ao futebol. E destes, mais de 60% eram jovens até aos 16 anos (escalões de juvenis). O total destes jovens correspondia ao triplo do número de praticantes desportivos da modalidade que a seguir ao futebol (andebol) tinha mais praticantes filiados. O número de mulheres a praticar futebol era superior ao número total de praticantes desportivos em 47 das 69 federações recenseadas, ou seja 68%. Entre 1996 e 2003 nenhuma outra modalidade desportiva cresceu tanto como o futebol. Não sei qual é hoje a realidade. Mas provavelmente, no essencial, este quadro não se alterou. O contributo que o futebol dá à prática desportiva nacional é indiscutível. A relação de custo por praticante, a partir do financiamento público do Estado, é a mais baixa de todas as modalidades desportivas. Alguns méritos hão-de ter os clubes, as associações e a federação respectiva. O trabalho que desenvolvem não é despiciendo ou negligenciável. Sem esse trabalho o desporto português seria bem mais pobre. A prudência aconselha a avaliarmos sem preconceitos a importância que o futebol tem no desporto nacional e não cairmos na tentação fácil de o responsabilizar por tudo quanto de negativo ocorre. Não para o ilibar mas para contextualizar a sua realidade. Nem tudo é negativo. A monocultura do futebol e o carácter hegemónico que por força desse facto tende a exercer sobre a realidade desportiva nacional não são culpa do futebol. Os dirigentes desportivos do futebol não são uma espécie de gente de moral inferior. Pode-se não gostar de futebol ou entender que tem um peso excessivo na vida do país (o que a meu ver é verdade) sem a necessidade de responsabilizar o futebol por algo que é transversal ao desporto e á sociedade. Nem todo o desporto é futebol. Mas muita da “futebolização” mora em outros desportos. Os desvios a uma certa moral desportiva (corrupção, mercantilismo, dopagem, viciação de resultados, etc.) não são pertença exclusiva do futebol. Muita da diferença é de escala. E com ela a visibilidade.

quarta-feira, 30 de janeiro de 2008

Outros tempos

Caramão, Caselas, Passos Manuel, Encarnação e Boa Hora foram clubes que durante décadas marcaram presença nas competições de topo do andebol nacional, formando gerações de atletas internacionais, técnicos e dirigentes.

Recordam-se com saudade os tempos em que enchiam o Pavilhão da Ajuda ou o Pavilhão da Tapadinha em jogos empolgantes. Para além do jogo em si estava também em disputa a identidade dos adeptos com os bairros de Lisboa que aqueles clubes representavam.

Com o desenvolvimento da modalidade tudo se foi mitigando e apareceram novos protagonistas com melhores condições financeiras. O Boa Hora, ainda assim, foi o clube que ao nível sénior mais tempo resistiu no topo; fruto, entre outros aspectos, do notável trabalho do seu presidente Fernando Tavares, cujo nome honra o pavilhão do clube, e constitui o exemplo de um dos maiores dirigentes desportivos do andebol português.

Neste momento difícil , onde a extinção é uma forte possibilidade, não posso esquecer que devo os primeiros passos na vida desportiva a todos aqueles que fizeram do Pavilhão da Ajuda uma "catedral" do andebol nacional. O Boa Hora foi sem dúvida uma figura maior naqueles tempos.
...
E de outros tempos é também a informação da Administração Pública Desportiva na internet.

terça-feira, 29 de janeiro de 2008

Uma mulher do Direito do Desporto

A Maria do Carmo Albino concluiu hoje a sua licenciatura em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. A Maria do Carmo Albino é uma funcionária pública com uma carreira de muitos anos na Administração Pública Desportiva. E, na sua actividade profissional, tem demonstrado um carinho e uma competência muito especiais pela documentação jurídico-desportiva.
A ela se deve - como sempre afirmo aos meus alunos - o melhor das páginas web do Instituto do Desporto de Portugal e agora também da Secretaria de Estado da Juventude e do Desporto: um cuidadoso e exaustivo registo da mais importante legislação desportiva em vigor.
Trata-se de instrumento de trabalho de valor incalculável e que, estou certo (sem desprimor por todos os que eventualmente congreguem ou venham a congregar esforços nesse trabalho), não será o mesmo (se e) quando a Maria do Carmo Albino deixar de o fazer.
A Desporto&Direito. Revista Jurídica do Desporto, também conta, desde o seu primeiro número, com a crónica de legislação da Maria do Carmo Albino e, por essa razão, tem um valor acrescido.
Hoje foi um bom dia para o Direito do Desporto pátrio.

Tributação, mas não só!

Tal como prometido, voltamos ao tema relativo à fiscalidade e o seu impacto na captação/retenção de árbitros.
Recuando um pouco no tempo, ainda antes do englobamento destes rendimentos em sede de IRS, já se assistia a alguma dificuldade na captação de novos elementos. As solicitações extra futebol são muitas e os actrativos poucos.
Pode ser candidato a árbitro, entre outras condições, indivíduos menores emancipados, ficando com o estatuto de árbitro jovem, ou maiores de 18 anos ficando como árbitros estagiários.
Na verdade, começa aqui a tentativa (desesperada) de atrair mais jovens para esta actividade. È verdade que a idade de 14/16 anos é algo precoce para início desta actividade. No entanto, por um lado apenas actuam como árbitros assistentes nas camadas jovens resguardando-os um pouco, por outro tenta-se assim incutir mais cedo a apetência para esta tarefa. Mas é também claro que esta decisão assenta em larga medida na falta de árbitros existente.
Quais as dificuldades sentidas pelos jovens árbitros? Desde logo pelo curso. Em média dois meses de aulas duas vezes por semana. Uma em pós laboral e outra ao sábado. Como é óbvio, nenhum dos formadores que as Associações Distritais tem é profissional, e como tal é este o horário possível. Bom, e aqui há a primeira “taxadela”. Estes formadores não profissionais, que se disponibilizam para formar os jovens árbitros, e que recebem uma ninharia (os que recebem) que não chega sequer para o jantar, vêem essa compensação ser englobada nos seus rendimentos. Quando digo ninharia aponto para valores máximos na ordem dos 7,5€. Isto para, a seguir a um dia de trabalho, estar das 20h ás 23h30 ou um sábado das 9 ás 17h30, o dia inteiro em pé a dar formação.
Voltando às dificuldades, e deixando para trás a tarefa de dizer a um adolescente que em vez de sair sexta-feira à noite com os amigos e dormir até ao meio dia no sábado, tem sim que descansar para sábado de manhã ir receber a dita formação, está também a questão da condição física. Este tema, tão caro hoje em dia, coloca-se também aqui. A componente da preparação física é uma exigência para os árbitros. Diga-se a um adolescente que tem que se preparar fisicamente para as provas físicas sem as quais não obterá aprovação. Uma coisa é a preparação em conjunto num clube, ou num ginásio, ou uma “futebolada”, outra coisa é a obrigação de correr, muitas vezes sozinho sem um objectivo muito claro à vista. Começa aqui a força de vontade. Aqui começa talvez a perceber-se porque é que quem é (foi) árbitro, não consegue largar este “vício”. Já passou muitas dificuldades e não será de certeza alguém que desiste á primeira dificuldade.
Haverá muitas outras “pequenas” dificuldades exaustivas demais para serem aqui enumeradas. Desde o tempo “roubado” à família, aos custos dos insultos, passando pelos “sustos” em campo ou pelas lesões mal acompanhadas.
Finalmente, e como “prémio”, surge então a aplicação da taxa de IRS sobre os rendimentos.
Como é possível pedir a um adolescente que vá ás finanças abrir actividade para poder passar recibos verdes? Como é possível a um pai (ou mãe) dar esse aval correndo o risco de poder perder bolsas de estudo, abonos de família, a troco de quase nada?
Não se pense que aquilo que se pretende seria um estatuto de “imunidade total”, se bem que grassam os exemplos de pequenas alíneas que isentam tudo e todos os que possam trazer “má publicidade” a quem decide estas matérias, mas antes um olhar cuidadoso sobre assuntos que têm um impacto mais além do que parece.
Volto a repetir, neste momento, os árbitros e outros agentes da arbitragem, declaram e englobam nos seus rendimentos profissionais, TODOS os valores auferidos no seu hobbie. E aqui incluem-se os valores referentes a refeições e deslocações, mesmo sendo esse valor abaixo do montante referência para englobamento (valor pago na administração pública). È este tratamento diferenciado (pela negativa) que não está correcto. Qual o papel da arbitragem na formação desportiva dos jovens? E na condição física? E o seu impacto na actividade competitiva/desportiva de outros jovens enquanto jogadores?
Nota: Em cerca de 400 árbitros filiados na AF Lisboa, cerca de 60 foram afastados no final da época passada por “desinteresse”, ou seja, 15% numa época só na variante de futebol 11.

segunda-feira, 28 de janeiro de 2008

A ética da responsabilidade

A prestação de contas é um procedimento financeiro, mas fundamentalmente é um valor democrático que equilibra a liberdade onde assenta este sistema político, uma vez que "tudo quanto aumenta a liberdade, aumenta a responsabilidade". Por outro lado, a prestação de contas é difícil implementar em sociedades sem uma cultura de administração por resultados.
A accountability (termo sem uma tradução feliz no nosso léxico), é muito mais que o reporte contabilístico da gestão de uma organização. Trata-se de responder perante os cidadãos, e perante as instituições que os representam, pelo desempenho alcançado pelas organizações dotadas de poderes públicos na implementação e no impacto das suas estratégias de gestão, com os recursos que têm ao seu dispor.
Nos sectores auto-regulados em regime fechado, onde a supervisão pública é incipiente e a intromissão do poder político se revela arbitrária, acentuam-se as dificuldades neste domínio da propalada ética da responsabilidade.
Se associarmos uma sobre-regulamentação, que tende a ser uma das principais causas da sub-regulação, no desporto e não só, a responsabilidade dilui-se numa pluralidade de agentes e dificulta, em muito, a prestação de contas, e o escrutínio dos resultados.

Não é, pois, de estranhar que raramente se assista a agentes, políticos e desportivos, que respondam junto dos cidadãos, pelos seus actos de gestão e politicas desportivas. Aliás, a proliferação de comentários anónimos neste espaço é disso um sintoma. Da dificuldade, por motivos vários estou certo, em responder pelos seus actos. Indo às raízes etimológicas da palavra, em arcar com o ónus de algo. Mas repito, este não é um problema apenas do desporto, mas acentua-se em domínios da sociedade auto-regulados, onde se confunde o fazer bem com o fazer segundo os procedimentos.

Não será por acaso que o labor do Tribunal de Contas (TC) gera profundas discussões, quase sempre que publica uma auditoria. Precisamente por a sua missão estar relacionada com o apuramento de responsabilidades (políticas, financeiras, disciplinares, civis e criminais) na boa gestão da res pública.
Este órgão de soberania com competências no controlo externo da administração financeira do Estado submete ao escrutino dos cidadãos e dos eleitos parlamentares as auditorias que realiza junto dos organismos que gerem dinheiros públicos.
No que ao desporto diz respeito não é a primeira vez que se pronuncia. Já aqui se referiram anteriores documentos daquele tribunal, com manifesto interesse para aqueles que estudam a gestão pública desportiva neste país, em diversas áreas do saber. Do Direito à Economia, passando pela Gestão, até á Sociologia.
Recentemente o Relatório n.º 15/2007-FS/SRMTC vem avaliar o grau de cumprimento por parte do Instituto do Desporto da Região Autónoma da Madeira a anteriores recomendações formuladas pelo TC.
No ensurdecedor silêncio do mundo desportivo a mais um momento de produção daquele órgão registam-se duas anotações.

Uma primeira, mais conceptual, no domínio da gestão financeira, para as limitações da contabilidade nacional em estabelecerem uma avaliação do custo de efectividade. Isto é, nos constrangimentos que uma contabilidade de caixa (baseada nos inputs) provocam numa avaliação da performance que tornem claro o custo, em termos orçamentais, do impacto social de uma politica, neste caso desportiva. Qual a proporção do investimento financeiro no desporto da RA Madeira face ao valor desportivo gerado na região? Enquanto a nossa contabilidade privilegiar o primado do custo sobre o primado do valor, apenas será possível saber o custo dos recursos necessários (inputs) para implementar uma política e nunca os custos do impacto social das políticas (value for money). No sector privado, e em grande parte dos países europeus, bem como na União Europeia a contabilidade funciona em regime de acréscimo (accrual) e não numa lógica de “abrir e fechar torneira”. Desenganem-se aqueles que pensam que este é apenas um problema contabilístico. Trata-se, em ultima instância, de não haver coerência entre a macroeconomia e a microeconomia. E as auditorias do TC são disso reveladoras. Não conseguem ir mais além. Não chegam aos resultados (outputs), muito menos os impactos (outcomes)…As reformas de nova gestão pública que este e outros governos têm vindo a implementar no caminho de uma Administração de resultados serão sempre superficiais se a Reforma da Administração Financeira do Estado não se concretizar, uma vez que é impossível uma tradução orçamental do desempenho das politicas públicas, numa conjuntura onde elas são cada vez mais integradas e moldadas em rede. Relembre-se que o modelo de administração financeira do Estado é o quadro de referência da reforma de 1935 de Oliveira Salazar. Como refere um célebre autor das ciências da gestão trata-se de separar o folclore dos factos.

Uma segunda anotação, mais concreta, no domínio jurídico, resulta da conclusão do relatório de auditoria (p. 16), com a qual se termina este escrito:

"Se compararmos a Lei de bases do sistema desportivo (Lei n.º 5/2007) com as bases do sistema desportivo regional (aprovadas pelo DLR n.º 4/2007/M), constatamos que o normativo aprovado pela Assembleia da República proíbe o financiamento público da actividade desportiva dos clubes que participam em competições profissionais, “sob qualquer forma, salvo no tocante à construção ou melhoramento de infra-estruturas ou equipamentos desportivos com vista à realização de competições desportivas de interesse público, como tal reconhecidas pelo membro do Governo responsável pela área do desporto” (cfr. o n.º 2 do art.º 46.º da Lei n.º 5/2007) enquanto a segunda o admite de forma explicita. Além disso, o referido art.º 46.º da Lei n.º 5/2007, estende o seu âmbito de aplicação não só às Autarquias Locais mas também às Regiões Autónomas).
Sem pôr em questão os poderes constitucional e estatutariamente conferidos à RAM para produzir legislação na área do desporto (cfr. a al. a) do n.º 1 do art.º 227.º da CRP e a al. s), do art.º 40.º do Estatuto Político-Administrativo da RAM), a coexistência daqueles dois diplomas no ordenamento jurídico nacional faz suscitar dúvidas quanto à legalidade e mesmo constitucionalidade de algumas normas do citado DLR n.º 4/2007/M e, bem assim, do DLR n.º 12/2005/M, de 26 de Julho. "

domingo, 27 de janeiro de 2008

Marcelo Rebelo de Sousa e o GPS

Marcelo Rebelo de Sousa é presença constante na página web do Instituto do Desporto de Portugal. Há dois meses que, todos os dias, é novidade a sua presença na inauguração do primeiro relvado em Celorico de Basto. Lá está o professor, antigo presidente da Assembleia Municipal daquele município, lado a lado, com o recém (re) nomeado presidente do IDP - na altura ainda não nomeado - e o eterno presidente da Assembelia Municipal de Fafe, actualmente, por circunstância política, Secretário de Estado da Juventude e do Desporto.
Peço desculpa, mas como diria o Bruno Nogueira este início era só para "prender" o leitor.
O que eu verdadeiramente queria frisar é a louca e perigosa corrida encetada pelo combate à dopagem no desporto. O Público de hoje dá conta da defesa da utilização da técnica GPS nos controlos fora de competição (um emissor num objecto pessoal de um praticante), com vista à localização dos atletas.
Uma atleta foi ainda mais longe: propôs que fosse colocado um chip debaixo da pele do atleta para uma maior eficácia na localização dos praticantes.
A questão que se deve colocar é a de saber até onde é legítimo - nesta difícil compaginação entre os direitos do praticante desportivo como pessoa (desde logo o respeito pela sua dignidade humana) e os interesses e valores desportivos a preservar (lealdade e igualdade na competição, desde logo) - os poderes públicos e privados desportivos jogarem mão de um conjunto de medidas que se intrometem crescentemente no espaço ( que deve ser bem reservado) da vida privada dos atletas.
Não haverá limites, tal como para o Buzzlighter?

sexta-feira, 25 de janeiro de 2008

Crepúsculos desportivos (III) -o comendador

Um dirigente desportivo permanece no exercício do mesmo cargo durante dezenas de anos. Vê o seu trabalho reconhecido pela assembleia da república, pelo governo, pelos clubes, pela associação, pela federação e pela confederação. Jorge Sampaio, enquanto Presidente da República, eleva-o à categoria de comendador. Já não é apenas o reconhecimento da sua corporação e dos seus. É o reconhecimento do País. O reconhecimento da mais alta figura do Estado. Passava a estar na galeria dos melhores. Dos notáveis. Dos comendadores. Antes do seu nome a respectiva referência: Comendador e segue o nome. Até o título académico, obtido em condições naquela altura pouco ortodoxas - mas hoje perfeitamente aceitáveis à luz do novo paradigma da Universidade Independente - deixava de ter importância. É claro que há comendadores e comendadores. Mas ele teve inclusive direito a o ser, fora da época dos comendadores que, como se sabe, é o 10 de Junho. O mérito não tem data, nem hora marcada. Na apreciação ao mérito do seu trabalho esteve sempre presente os muitos anos dedicados á causa desportiva no exercício das mesmas funções. O que se destacou não foi o que fez durante todos esses anos. Foi o facto de ter estado durante tantos anos a fazer a mesma coisa. É isso que foi relevante e é isso que sobressai e é distinguido em termos curriculares. Como qualquer distinção, a prebenda ao distinguido é ao mesmo tempo o enaltecimento do seu exemplo. Aos seus e ao país. Muitos anos como dirigente desportivo. Como presidente, mais de duas décadas. É obra. Neste caso o que se valorizou junto da sociedade portuguesa, muitos anos a presidir a um organismo desportivo, não vai mais ser possível no caso das federações desportivas .O que ontem era motivo de distinção é hoje motivo de reserva.Para todos os organismos desportivos? Não, apenas para as federações desportivas.O que surpreende não é o facto de se entender mudar. Tão pouco o de durante tanto tempo se ter permitido não haver limite a esse tempo. É querer, agora, mudar com os argumentos que no passado serviram para distinguir e louvar. É fazer e refazer com a vulgaridade de quem não tem que dar explicações do que fez.Ou de quem nunca explicou porque não fez.Do actual governo e do anterior. Assim se faz Portugal. A política é também uma arte. A arte de contar e gerir silêncios. A memória emigra e é enorme a facilidade com se esquece.

quinta-feira, 24 de janeiro de 2008

Arnaut 2.0

Quando esta quinta-feira a sessão de Inverno da Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa discutir e votar a proposta de resolução exposta no relatório “A Necessidade de Preservar o Modelo Europeu de Desporto” elaborado por José Luís Arnaut, marca-se mais uma passagem do périplo da UEFA pelas diversas instâncias do sistema multilateral de governação europeia. Aqui com a presença especial de Michel Platini, presidente da UEFA, que irá dirigir-se àquela assembleia.

Arnaut tem sido o cicerone da agenda política da UEFA sobre o desporto europeu, desde o Estudo Independente Sobre o Desporto Europeu (Relatório Arnaut), encomendado em 2005 pela presidência britânica da União Europeia (UE), com um forte suporte da UEFA e incidência sobre a regulação do futebol.
O estudo tinha como principal missão salientar o valor social e cultural do desporto, que caracteriza o seu modelo europeu, e dá corpo à especificidade do desporto face a outros sectores de actividade. Avançou com a necessidade de definir um quadro estável e seguro sobre a aplicação das normas comunitárias ao desporto que preservasse tais valores. O documento sublinhou a autonomia e independência das autoridades desportivas na regulação do desporto e propôs um acordo formal entre a UE e a UEFA.

aqui se referiu não ter sido esse o entendimento da Comissão Europeia ao elaborar o Livro Branco sobre o Desporto onde privilegia uma abordagem “caso a caso” ao invés do ambicionado quadro estável e delimitador dos campos de acção dos reguladores desportivos e dos reguladores comunitários. O desporto claramente submete-se ao acquis comunitário e as excepções, quando se justifiquem, são analisadas de uma forma proporcional em cada situação especifica, de acordo com a recente jurisprudência do Tribunal de Justiça das Comunidades.

A solução minimalista adoptada em Lisboa com a introdução do desporto no direito primário europeu através da nova redacção do artigo 149.º do Tratado, ainda que aplaudida pelas autoridades do futebol por incluir a especificidade do desporto, ficou também aquém dos seus interesses numa excepção alargada para o futebol e de todo o esforço de lobbying protagonizado em Bruxelas e nas capitais europeias ao longo de uma década.

A especificidade do desporto, permanentemente reclamada por Arnaut, não é mais do que a expressão política da excepção jurídica, na forma como está veiculada nos documentos produzidos pela UEFA.

Mudando de palco, no Conselho da Europa (organismo com importante missão na preservação dos valores culturais europeus) a gestão desta paleta de interesses ficou marcada, desde logo, pela Resolução CM/Res(2007)8 onde se estabelece o Acordo Parcial Alargado sobre o Desporto. Com o objectivo de estabelecer uma plataforma intergovernamental de cooperação no domínio do desporto, este acordo procura alinhar as estratégias de política desportiva europeia em torno de referências comuns, o que poderá vir a constituir-se como mais um pólo de mobilização de interesses do mundo do futebol. Neste momento 18 Estados já o assinaram.

Assim, não é com surpresa que o relatório submetido hoje à votação exorta os Estados a aderirem àquele acordo. Não é, também, com surpresas, que o relatório realça as dimensões sócio-culturais do modelo europeu de desporto para justificar uma forte autonomia das suas organizações. Reincide-se numa análise redutora do desporto europeu em torno dos problemas do futebol profissional e das modalidades colectivas economicamente mais relevantes. Posiciona o discurso na tónica de “o influxo de dinheiro do desporto e o “laissez-faire” do ambiente regulador – também resultante de uma aplicação das leis da UE ao desporto – está comprometendo a capacidade dos clubes mais pequenos (financeiramente menos poderosos) de competirem e assim distorce o Modelo Europeu do Desporto.”. E dá a receita esperada...: “Para ultrapassar a situação actual deve ser reconhecida a especificidade da actividade desportiva”, ao que acresce a “necessidade de reconhecer e proteger a autonomia das autoridades desportivas”, pelo que “urge os governos dos Estados-membros a suportarem o Modelo Europeu de Desporto ao reconhecerem a especificidade do desporto e protegerem a autonomia das federações desportivas”.

Portanto, os argumentos mantêm-se, bem como a estratégia de acção, mas muda-se o cenário para abrir portas ao Relatório Arnaut 2, ou se preferirem, ao Relatório UEFA 2.

As limitações deste espaço não dão azo a ir mais além, mas várias inquietações (para os que se inquietam) podem ser deixadas à discussão:

- A compatibilidade da estrutura piramidal do modelo de desporto europeu, não só com as regras comunitárias, mas fundamentalmente com a diversidade de formas de organização, regulação, governação e promoção do desporto;
- A instrumentalização do modelo europeu do desporto pelo mundo do futebol na gestão de uma agenda marcadamente política. Qual o seu futuro enquanto modelo social de desporto?
- As consequências de um maior alinhamento das políticas desportivas do Estados europeus com vista à emergência de um quadro de referência europeu em política desportiva com base em indicadores de desempenho, como ocorre com outras políticas onde a acção da UE é supletiva, tal como as políticas de emprego, por exemplo.

Por fim um lamento, talvez habitual, para o alheamento da sociedade desportiva portuguesa sobre estas questões. Dos poderes públicos, aos organismos desportivos, passando pelas universidades. A Europa, também no que ao desporto se refere, continua bem longe...

quarta-feira, 23 de janeiro de 2008

O Governo e os mínimos olímpicos

A Comissão de Atletas Olímpicos (CAO) foi ontem recebida pela Comissão de Educação, Ciência e Cultura, da Assembleia da República.
Nuno Fernandes, o presidente da CAO veio mesmo a operar um balanço sobre a acção do Governo, de que dá conta a imprensa de hoje.
São suas as seguintes palavras. " Estão a passar os meses, o Governo está em funções há três anos e os resultados são francamente fracos".
E, mais adiante, remata: " Quisemos ainda dizer à Comissão que não se percebe - o que nos deixa frustrados -, sendo de quatro os anos de legislatura, como é que apenas a um do fim se começa a mexer nas coisas. Há um desrespeito total pelas leis. Põe-se uma Lei de Bases cá fora e sabe-se que existem seis meses para elaborar os decretos-lei que a complementam. O limite é ultrapassado e ninguém diz nada. Quando queremos ir aos Jogos Olímpicos temos de fazer a marca naquela altura e não pode haver desculpas. Gostaríamos que isso também se passasse com os políticos."
Eu nada acrescento a estas palavras. Apenas as recolho, se me é permitido, como minhas.

terça-feira, 22 de janeiro de 2008

Problemas de Arbitragem

“Vítor Pereira foi eleito para liderar o comité de arbitragem da Associação das Ligas Europeias de Futebol Profissional”.
O futebol profissional é o centro das atenções do “fenómeno futebolístico” de todos os países com aquela competição. É normal.
E por isso é normal também que a arbitragem daquela competição seja o rosto da arbitragem nacional. Todo o mediatismo envolvente bem como a canalização de recursos se centram ali. É assim no futebol, tal como em muitos outros desportos, bem como em diversas outras actividades.
Fazendo um paralelismo com um qualquer organismo público, as atenções estão naturalmente centradas no que concerne ás relações/serviços prestados ao público/cliente/utente. Até aqui tudo normal.
O problema existe quando nos esquecemos que para fornecer um bom serviço, temos que prestar a devida atenção aos recursos internos existentes. Facilmente nos virá à memória um qualquer organismo cuja preocupação é manter um bom volume de transferências e subsídios, para esconder a falta de políticas de médio/longo prazo que permitam uma menor dependência dessas mesmas transferências ou subsídios.
Voltando ao tema central, é isso mesmo que por vezes acontece com a arbitragem nacional. Alguém está preocupado com o que se passa nos Concelhos Distritais e com a realização de inúmeros jogos onde já não há árbitros para nomear? Alguém noticia que num Distrito como Lisboa também semanalmente existe um número enorme de jogos onde já não são nomeados árbitros? E que houve necessidade de “inventar” um sistema de arbitragem, já há alguns anos, estilo andebol onde só vão dois árbitros em vez de um árbitro e dois assistentes? Alguém se preocupa em fazer cumprir os regulamentos em que qualquer clube inscrito deve indicar elementos para frequentar um curso de árbitros? Alguém com responsabilidade política sabe as consequências que a fiscalidade está a ter na captação / retenção dos árbitros? (sobre esta questão voltaremos em outro post).
É verdade que estas questões não são mediáticas. É verdade que, por enquanto, os jogos afectados ainda são, na sua maioria, os das camadas jovens.
Mas não é menos verdade que, tal como o desleixo com as questões internas naqueles organismos públicos irá inexoravelmente levar a que mais cedo ou mais tarde existam reflexos na qualidade do serviço prestado, também na arbitragem o mesmo se irá (estará?) passar.
A responsabilidade deverá ser de todos. Federação, Liga, APAF, Conselhos Distritais, etc.
Devem ser todos estes intervenientes numa estratégia comum (pois a todos deve interessar), a deslocar o foco das “Ligas Europeias”, para o “Pelado Nacional”.

segunda-feira, 21 de janeiro de 2008

Crepúsculos desportivos (II) -o "perssunal"

Está na moda ter um “perssunal”. Um amigo meu apresentou-me o seu “perssunal” que me dizia que tinha sido meu aluno. Não me recordava dele. Só passado algum tempo percebi o que ele fazia. Trocado por miúdos: trabalhava num ginásio e acompanhava os clientes que querem ter um treinador pessoal prescrevendo o respectivo programa de actividades físico-desportivas. Suponho que também acompanha o modo como o programa é executado e deve dar as respectivas indicações técnicas. Calibra as cargas, define as intensidades e a duração das tarefas. Só aí percebi que o “perssunal” era afinal um “personal trainer”.Coisa que teria sido evitado logo à partida se o meu inglês fosse melhor e o meu amigo me tivesse dito que a pessoa em causa era o seu “personal trainer” e não apenas o seu “perssunal” assim a modos como aqueles homens que não dizem “a minha mulher”, mas apenas “a minha”. O resto um tipo que adivinhe. O jovem dava sinais de muita saúde. Explicou-me que trabalhava em vários ginásios incluindo unidades hoteleiras e que trabalho era coisa que não lhe faltava. Iniciava o dia a uma hora em que meio Portugal ainda dormia e acabava-o quando a outra metade já estava a divertir-se. Mostrou alguma preocupação com a nova legislação para os ginásios, mas sosseguei-o: somos dos mais avançados da Europa a legislar. Mas vem tudo isto a propósito de uma moda que está repleta de anglicismos em práticas de ginásio. Que começa por não se chamar de ginásio mas de “health club”.E vai por aí fora. Confesso a minha ignorância para saber a que se referem algumas das actividades anunciadas que vão desde o “step”-coisa que fui obrigado a perguntar o que era, quando há uns anos me apresentaram uma requisição de “steps”-e que passa pelo body balance, body jam, body pump, localizada, pilates, o RPM entre muitas outras designações que, repito, não sei do que tratam, mas que me dizem já tinha tratamento universitário antes de Bolonha e continuarão a ter após Bolonha. Se têm tratamento universitário é porque têm suficiente dignidade científica, coisa que não posso contestar porque, para mal meu, elementarmente nem sei o que estaria a contestar. Mas que deve ser importante lá isso deve, porque o meu amigo, que gosta de obrigar o corpo a correr e de acompanhar tudo quanto é moda, já teve dois “perssunales”. O primeiro não era um, mas uma “perssunal”, por sinal brasileira, toda giraça e claro, treinou-o tanto, que começaram no ginásio e continuaram cá fora. Para que se não imagine que o treino se esgotou pelos prazeres do corpo importa dizer que a coisa foi de tal modo que esse meu amigo, que nunca tinha feito desporto, começou a correr na passadeira e acabou a fazer meias-maratonas sempre com a sua “perssunal” ao lado e com um aparelho preso a um elástico à volta do peito para medir os batimentos cardíacos. Claro que depois teve que parar porque nestas coisas a idade não perdoa e ele não conseguiu acompanhar o ritmo. E agora tem este “perssunal”. Meto as mãos no fogo pelo meu amigo e sei que, desta vez, não vão passar do ginásio. A minha única dúvida é esta: por que é que esse meu amigo em vez de me apresentar o seu “perssunal” não me apresentou o seu treinador?

domingo, 20 de janeiro de 2008

Subsídios às deslocações: Sai FPF - Entra LPFNP

A longa rábula dos subsídios públicos relativos às deslocações de equipas desportivas do continente às Regiões Autónomas para disputarem competições do campeonato nacional e Taça de Portugal em diversas modalidades teve, desde cedo, um interveniente sui generis - a Liga Portuguesa de Futebol Não Profissional (LPFNP).

Recentes notícias dão nota que o Governo vai actualizar em 10 por cento os valores de comparticipação das deslocações dos clubes do continente às regiões autónomas da Madeira e Açores, valor actualmente fixado em cerca de dois milhões de euros/ano, após uma reunião de duas horas entre o secretário de Estado da Juventude e do Desporto e a LPFNP.

Segundo a Lusa: “O presidente da LPFNP explicou ainda que as verbas não serão canalizadas directamente para os clubes, mas sim distribuídas por intermédio da Federação Portuguesa de Futebol, um processo que foi sempre defendido pelo organismo liderado por Dias Ferreira”.

Ao longo deste trajecto, iniciado com o previsto fim dos subsídios, passando pela sua retoma após as ameaças dos clubes de futebol, até ao recente aumento em 10 por cento, não deixam de causar surpresa alguns epifenómenos na gestão deste dossier:

1. Se o dinheiro é canalizado pela Federação Portuguesa de Futebol (FPF) e os campeonatos nacionais e a Taça de Portugal daquela modalidade são por ela organizados não teria esta entidade uma palavra a dizer na referida reunião? Não é esta entidade que tem poderes públicos, reconhecidos pelo Estado para regulamentar a modalidade? Ou será a LPFNP?


2. Quando os clubes de futebol da série E da III Divisão manifestaram-se indisponíveis para participarem naquele campeonato, caso não fosse reposto o subsídio de deslocação para a Madeira e Açores, conforme carta enviada à FPF e posteriormente remetida ao Governo, foram estas as palavras do inquilino da marginal de Algés:
"Conhecemos o assunto, mas ainda não recebemos as cartas (que os clubes afectados enviaram à FPF). Na próxima semana vamos falar com a Federação sobre isso. Não vai haver nenhum problema", afirmou Laurentino Dias.

3. Qual a legitimidade da LPFNP para posteriormente avocar este processo e se reunir com os poderes públicos? Está mandatada pela FPF? É reconhecida por aquela federação? É reconhecida pelo movimento associativo do futebol? È um actor com uma representatividade no mundo desportivo para ter o protagonismo que lhe vem sido atribuído em diversas normas e actos públicos recentes, que outros actores consolidados no nosso sistema desportivo não têm?

4. No entanto, é indiscutível que as reclamações dos clubes foram ouvidas e o Governo viria a emendar a mão através do Despacho n.º 22932/2007, de 3 de Outubro. No disposto no artigo 8.º deste acto administrativo é consignada uma verba para despesas de viagem às regiões autónomas em contrato-programa de desenvolvimento desportivo a celebrar entre o IDP e as federações. Não será melhor aqui, à semelhança de outras, abrir uma excepção para o futebol?

5. Que conclusões se podem retirar da acção do poder político na forma como conduziu este processo e tem privilegiado os contactos com esta Liga? Será que a aludida falta de entendimento e impassividade das associações distritais e da FPF para resolver esta e outras situações legítima que sejam ignoradas e se “chame” outra entidade para dialogar, em seu nome, os problemas o futebol? Será que a política desportiva deste país aderiu à teoria da folha em branco?

Melhores ou piores, competentes ou incompetentes, democráticos ou ditadores, os actores que existem na agenda desportiva são aqueles que temos e não outros, é a partir destas organizações que se estruturam as políticas. Emergiram da sociedade civil e são autónomos em relação ao Estado, pelo menos de acordo com a lei.
Se as práticas sociais podem ser normalizadas e normativizadas, já as estruturas sociais não se mudam por decreto. As estruturas determinam as práticas e representam a sua institucionalização.

Suportar novos actores, abrindo portas ao dia seguinte, por via administrativa e legislativa, ou forçando uma posição politico-institucional que não se revê na realidade, não é mais do que adiar os problemas e recalcar o perfil intervencionista e futebolista do Estado, ratificando a ideia de ingovernabilidade naquela modalidade e reconhecendo a incapacidade de reformar o seu modelo organizativo com as instituições existentes.

Então, nada melhor do que mudar as estruturas, uma vez que as actuais não cooperam e não colaboram, estão ultrapassadas ou são o foco principal dos problemas do futebol.
Se esta fosse uma opção para estancar o esbanjar de dinheiros públicos e introduzir maior independência e rigor na gestão do desporto federado, intervindo numa modalidade estruturante como é o futebol, via-se um objectivo na acção impositiva do Estado, ainda que dele se discordasse mais ou menos. Mas ao olhar para esta LPFNP, para a sua actual projecção nas dimensões politica e normativa do sistema desportivo rapidamente se adensam as dúvidas.

Por último, uma dúvida. A actualização de 10% nas comparticipações às deslocações foi apenas para o futebol? ... ...

sexta-feira, 18 de janeiro de 2008

Legislação a mais?

A imprensa dedicou, ao longo de toda esta semana - e veremos se ficamos por aí -, um espaço bem significativo ao denominado "Caso Meyong".
Não é este o local adequado a uma análise técnica do sucedido.
O que nos leva a aditar algo a esta colectividade, situa-se num plano diferente.
Do "Caso Meyong" ressalta, independentemente do exacto alcance das normas regulamentares em causa e das responsabilidades a apurar quanto à eventual irregular utilização do atleta, que o desporto federado é um domínio altamente normativizado.
Na verdade, não me canso de o afirmar, quando nos reportamos à problemática da lei no desporto, existe a errada tendência para considerar apenas a vertente pública normativa.
E chega-se a sustentar que o desporto (no caso, o federado), viveria melhor sem o Direito.
Como se não tivessemos que contar com as normas (estatutárias e algumas regulamentares) dos clubes, com as normas das associações distritais das diferentes modalidades desportivas [estatutos, regulamentos gerais, regulamentos internos(?), regulamentos disciplinares, regulamentos de competição, etc,], com as normas das federações desportivas nacionais (na mesma profusão estatutária e regulamentar), com as normas das ligas profissionais ( outra vez na mesma profusão estatutária e regulamentar) e, por fim (?) com as normas das federações desportivas internacionais (ainda uma vez mais na mesma profusão estatutária e regulamentar).
E tudo isto, acompanhado de divergências entre normas, diferentes interpretações e conflitos entre instituições.
O desporto federado é, sem margem para dúvidas, um dos segmentos da vida social mais normativizado e tal deve ser nítido para todos os seus agentes e organizações.
O desconhecimento ou o erro, nesta matéria, têm custos bem elevados.

quinta-feira, 17 de janeiro de 2008

Crepúsculos desportivos (I) - o jovem campeão

Algarve. Um atleta, sempre apoiado por uma autarquia no seu percurso de alta competição, distinguido com várias prebendas, ao ser convidado para estar presente num evento local respondeu que o assunto deveria ser tratado com o seu agente. Este, informado do convite, mandou dizer qual era o preço para que o atleta em causa estivesse presente. O presidente da autarquia, chocado com a resposta, lamentou-se daquilo que considerava ser uma enorme falta de gratidão. A sua autarquia sempre apoiou o desporto, sempre prestou apoio ao atleta muito para além do que seria razoável supor e sempre tinha recebido dele a contrapartida de responder positivamente aos convites da autarquia para estar presente neste ou naquele evento desportivo, quando as condições de treino ou de competição o permitiam. O que mudou então? Mudou o sucesso desportivo internacional do atleta, aumentou o dinheiro ganho, apareceu o agente e o atleta não é mais o rapaz simples, simpático e sempre disponível para apoiar as iniciativas desportivas. Dei comigo a pensar, quando me contaram esta ocorrência, que existe um pensamento desportivo que com relativa facilidade anatemiza os dirigentes e absolve os atletas. Sempre que existe um qualquer desvio às normas que supostamente deveriam ser obedecidas lá estão os dirigentes para receber a nota de culpa. É um pensamento que desresponsabiliza os atletas e os infantiliza porque, no limite, lhes transfere as eventuais responsabilidades do que ocorre. O fraco seria sempre o atleta, perante o poder do forte protagonizado pelo dirigente. É um raciocínio simplista e que se não pode aplicar a todas as situações. Em muitas delas os dirigentes não têm qualquer participação e tudo se circunscreve ao atleta e, neste caso, a ele ao seu agente. Bem sei, também, que o exemplo não pode ser generalizado. Mas não é caso único. E por isso serve para reflectir sobre o que se está a passar entre atletas e respectivos agentes. No passado, reduzidos ao futebol. Hoje em muitas modalidades desportivas, designadamente individuais, numa lógica de ganância ao dinheiro em termos e condições -na generalidade dos casos, de clara clandestinidade fiscal quer de atleta, quer de agente - não olhando a meios para receberem(muitas vezes sem facturarem) e ignorando por completo as responsabilidades sociais que têm para com a comunidade. Esta prática está a alterar a realidade desportiva nacional em modalidades onde outrora o dinheiro não era o móbil das condutas e das opções desportivas numa profissionalização encapotada e que, como sucede nestes casos, se reclama de profissional quando ela traz vantagens e se invoca a sua ausência quando ela impõe obrigações. Num outro plano as entidades formadoras e enquadradora, clubes e federações, estão completamente marginalizadas neste processo, assistindo, sem quaisquer meios para contrapor, a uma clara vampirização do sucesso desportivo num processo em que são parte. Talvez não fosse pura perda de tempo a Comissão de Atletas reflectir sobre este tema. Até porque mais tarde, vão ser confrontados com problemas similares enquanto dirigentes desportivos ou adjuntos de políticos que, seguramente, muitos deles, um dia serão.

A sustentabilidade da permanência dos "efeitos permanentes"

A tão propalada reforma da rede nacional de Centros de Alto Rendimento, anunciada por este executivo em diversos actos públicos, e alvo de uma medida de financiamento especifica para o efeito, tem finalmente publicada uma data prevista para a sua conclusão, esclarecendo, na 2.ª série do jornal oficial, as dúvidas que se vinham levantando entre vários responsáveis desportivos e demais cidadãos interessados por estas matérias.
Assim, pelo n.º 2 do Despacho n.º 1742/2008, de 03 de Janeiro, ficamos a saber que a implementação das infra-estruturas desportivas prevê-se concluída em Outubro de 2009.

Aplaude-se o compromisso com uma calendarização de tão importante medida (em termos económicos, ou melhor, em termos financeiros) para o desenvolvimento desportivo deste país, uma vez que nas palavras de Laurentino Dias: "Quando conseguirmos ter um CAR para cada modalidade, o desporto português não voltará a ser igual, pois ficará dotado de muito melhores condições, com a vantagem de terem efeitos permanentes", seja lá quais forem esses efeitos e essa vantagem, porque sobre a permanência não restam muitas dúvidas.

Curiosamente, no mapa de Centros de Alto Rendimento disponibilizado no sitio da Secretaria de Estado da Juventude e do Desporto, apenas o Centro de Alto Rendimento de Sangalhos está adjudicado. Todos os outros, a construir ou a remodelar, encontram-se em fase de projecto.
De acordo com a informação ali prestada crê-se ser apenas um problema de actualização dos dados, uma vez que as coisas em Montemor-o-Velho até já estão mais avançadas. Se assim for será um problema de mais fácil resolução, o qual, a fazer fé na recente estratégia de maior divulgação de informação daquela fonte, contribuirá para suprir as lacunas por certo já identificadas pelos responsáveis na gestão da informação da página de internet.

quarta-feira, 16 de janeiro de 2008

Negociação + Regulação = Democratização?

Após recentes noticias de aproximação do G-14 às autoridades do futebol eis que se assinou ontem um acordo entre os clubes representantes daquele grupo e a FIFA e a UEFA.
O acordo negociado dissolve aquele agrupamento de interesse económico formado inicialmente por 14 dos maiores clubes europeus (entrando posteriormente mais 4) e cria uma nova Associação Europeia de Clubes, resultante do alargamento do Fórum dos Clubes Europeus, com representatividade nos órgãos de decisão das autoridades europeia e internacional do futebol.

Da negociação surge a retirada das queixas nos tribunais contra a FIFA e a UEFA, comprometendo-se estas a contribuir financeiramente pelas participações de futebolistas em fases finais de campeonatos da Europa e do Mundo, entre outros compromissos.

Daqui resulta um interessante reequilibrio estratégico no mundo do futebol. O qual, como se sabe, tem um contributo decisivo sobre a estrutura do modelo europeu de desporto e a produção política e normativa das instituições comunitárias.

Se os clubes vêem a sua posição reforçada no seio das autoridades do futebol, alargando o campo de discussão e maior democraticidade no processo de tomada de decisão. Estas conseguem estancar um perigoso foco de rotura do modelo piramidal da organização do futebol - um dos pilares do modelo social do desporto europeu - que a existência do G-14 preconizava, com as permanentes ameaças de organização de um quadro competitivo autónomo e paralelo, com objectivos marcadamente comerciais.

É interessante constatar a via negocial que as autoridades do futebol sempre adoptaram como mecanismo privilegiado para gerir a sua agenda política. Esta estratégia assume especial acutilância no incómodo manifestado sempre que as suas regras são sujeitas à regulação pelas normas comunitárias, através da acção da Comissão, mas particularmente do Tribunal de Justiça das Comunidades.
Importa referir que um dos casos a ser retirado do tribunal com este acordo poderá ser o badalado caso Charleroi, relacionado com o pedido de indemnização do clube belga Charleroi à FIFA devido a um dos seus jogadores, Abdelmajid Oulmers, ter regressado lesionado de um jogo particular da selecção de Marrocos, disputado a 17 de Novembro de 2004, frente à selecção do Burkina-Faso. Este caso veio a ter um forte apoio do G-14 e encontra-se em apreciação pelo Tribunal de Justiça das Comunidades sobre eventual violação de abuso de posição dominante e restrição à concorrência e liberdade de circulação, de acordo com a questão preliminar que lhe foi submetida pelo tribunal daquela cidade belga, após o fracasso das negociações de indemnização, entre o clube e a FIFA.

As conclusões do recente acórdão Meca-Medina põem fim num dos argumentos mais fortes das autoridades desportivas para excepção à aplicação das normas comunitárias – as regras puramente desportivas. Abrem espaço a uma nova forma de regulação judicial no desporto, que provavelmente seria aplicada no caso Charleroi, com previsiveis prejuízos para a FIFA.
O Tribunal veio a considerar naquele acórdão que:
a simples circunstância de uma regra ter carácter puramente desportivo não exclui do âmbito de aplicação do Tratado a pessoa que exerce uma actividade regulada por essa regra ou o organismo que a instituiu
Entendimento também corroborado em documentos da Comissão, em particular no Livro Branco sobre o Desporto:
a noção de «regra puramente desportiva» como irrelevante para a questão da aplicabilidade das regras comunitárias da concorrência ao sector do desporto”.
Deste modo estabelece-se um principio de proporcionalidade na análise, caso a caso, dos efeitos restritivos da concorrência inerentes à especificidade das competições desportivas.

Tal significa que não existem orientações que delimitem à partida uma excepção à aplicação das normas comunitárias sobre a lex sportiva conforme sugeria o Relatório Belet do Parlamento Europeu, e ambicionava o Relatório Arnaut patrocinado pela UEFA. Isto põe em causa uma suposta "segurança" e "estabilidade" que as federações tinham no seu dominio de acção.

Seja pela negociação com actores emergentes no mundo do desporto que põem em perigo o seu monopólio, ou através do labor dos juizes no Luxemburgo, as federações desportivas começam a perceber a necessidade de mudar de paradigma organizacional e cederem espaço a uma gestão mais aberta, solidária, democrática e respeitadora das normas públicas. Afinal o fundamento do modelo europeu de desporto onde desempenham um papel central na promoção de um bem público, para o qual estão dotadas de poderes públicos e responsabilidades sociais perante os seus sócios, mas também perante o Estado e os cidadãos.
Os mecanismos de fuga a esta tendência, habilmente geridos pelo mundo do futebol, começam a esgotar-se...

segunda-feira, 14 de janeiro de 2008

O sonho de Oscar Pistorius

Se do poema de António Gedeão retiramos a mensagem sublime de que sempre que o homem sonha o mundo pula e avança, é duro quando enfrentamos organizações, regras e acontecimentos que aniquilam os sonhos de quem neles deposita a sua história de vida.
Em 2003, num congresso internacional partilhei três dias com atletas olímpicas que haviam participado por diversas vezes nas maiores competições internacionais. Entre elas, Natalie du Toit acalentava o sonho de, sem uma perna, conseguir os mínimos para competir nos Jogos de Atenas. Fiquei rendida à bravura e à capacidade hedonística desta jovem sul-africana de 19 anos e passei a estar mais atenta e apaixonada pelo desporto adaptado.
Entre outros atletas portadores de deficiência, fui acompanhando o percurso de Oscar Pistorius e foi com grande decepção que hoje li o comunicado da Federação Internacional de Atletismo (IAAF). Andamos nós a apregoar a inclusão dos deficientes para uma sociedade mais justa e equitativa, a comemorar anos internacionais e europeus da deficiência, a clamar por políticas sociais que combatam a discriminação em razão da deficiência e eis que surge a decisão da IAAF, assente em argumentos técnicos de um determinada investigação biomecânica, que inviabiliza a participação de Oscar Pistorius, um amputado às pernas dos joelhos para baixo desde os onze meses de vida, nos próximos Jogos Olímpicos.
Naturalmente, não será o estudo invocado que colocamos em causa, apesar do atleta apresentar dados contrários fruto de outros estudos, o que nos parece inverosímil é reduzir toda a argumentação, e aniquilar o sonho do Oscar, a restritivos e não conclusivos resultados de ordem biomecânica, quando o ATLETA e a sua performance desportiva apelam e resultam de múltiplas condicionantes, sejam de ordem fisiológica, técnico-táctica, psicológica ou social.
Contudo, como dizia um dos treinadores da Natalie, a tragédia da vida não está em não alcançarmos os objectivos, mas sim em não termos objectivos para alcançar, e destes não desistirá Oscar Pistorius que certamente irá recorrer da decisão da IAAF e continuar a sua carreira desportiva, nem tantos outros com tantas outras histórias de vida exemplares.

Heterodoxias desportivas (I)

Em 2007,Portugal ocupava a 29ª posição no relatório referente ao desenvolvimento humano. Á frente de Portugal estavam os 17 países que compunham, antes do alargamento, a União Europeia, mais a Eslovénia. Os indicadores de prática desportiva, quando comparados com aqueles países europeus, correspondem ao mesmo posicionamento ou não? Ninguém, com segurança, é capaz de responder. Não existem disponíveis estudos que, com o rigor exigível, quantifiquem os indicadores da prática desportiva nacional. André Seabra explica o que valem os estudos publicados, incluindo o do Eurostat, (cf. Níveis de actividade física e práticas desportivas na população portuguesa – uma visão crítica dos factos, in Em defesa do desporto, mutações e valores em conflito) e a disparidade dos resultados encontrados. Como o país não dispõe de qualquer indicador credível sobre quantos praticantes desportivos tem (os únicos indicadores certificados são os licenciados nas federações desportivas) e um estudo da Marktest sobre os utilizadores de ginásios, o melhor é, sobre esta matéria, ser prudente quanto à enunciação de quaisquer valores. Como responder então à questão seguinte: tem ou não aumentado o número de portugueses que praticam desporto? Os investimentos e programas aplicados para esse objectivo têm ou não obtido os resultados pretendidos? Uma observação, mesmo desprovida de rigor científico, levará a dizer que o número de pessoas que pratica desporto e actividades físicas aparentadas é maior do que há dez anos atrás. Apontam nesse sentido os equipamentos construídos, ainda que com diferentes graus de rentabilização, as iniciativas autárquicas, o crescimento do sector privado ligado aos serviços de ginásios e similares. A própria participação desportiva internacional, em muitas modalidades, melhorou em termos quantitativos e qualitativos. Não há um autarca que diga que o seu concelho não cresceu desportivamente - e não devem estar todos a mentir até porque muitas cartas desportivas concelhias confirmam-no - pelo que seria um verdadeiro fenómeno a justificar um “estudo de caso”compreender como é que o todo nacional não reflectiria essa tendência. Resta saber, porque ninguém sabe e era importante conhecê-lo, se a distância para os outros países aumentou ou diminuiu. Uma outra questão necessita de resposta: a de saber se o nível desportivo nacional atingiu o chamado “efeito de tecto” ou seja alcançou o limite que os recursos disponíveis no país e colocados ao serviço do desporto (económicos, financeiros, demográficos, culturais e educacionais) permitiam. Ou se, pelo contrário, eram expectáveis resultados bem mais promissores. Na ausência, uma vez mais, de qualquer estudo credível a resposta vale o que valer a experiência de cada um de nós. E aí é possível constatar que o modo como se têm abordado alguns dos pontos críticos do edifício desportivo nacional limitam o alcance de muitas das medidas: a ausência de qualquer orientação estratégia articulável com objectivos de política desportiva em matéria de infra-estruturas e equipamentos desportivos; a prioridade a programas de promoção do activismo físico em detrimento de programas de promoção do desporto; a ausência de quaisquer opções em matéria de prioridades para a prática desportiva de alto rendimento; a incapacidade para estabilizar um modelo de promoção e participação desportiva na escola; a sobrevalorização do edifício normativo como eixo estruturante das políticas públicas; a inexistência de uma relação sinérgica entre as politicas locais e a política nacional; o carácter errático de muitas políticas associativas; a qualidade da formação dos quadros técnicos superiores de desporto têm sido males crónicos da situação desportiva nacional e, porventura, ainda constrangem e limitam os resultados alcançados. É preciso também reconhecer que muitas das medidas de política desportiva estão condicionadas por outras políticas globais. Desemprego, economia adormecida, escola em crise, não são propriamente parceiros adequados para as políticas de desenvolvimento desportivo. A conjugação de todos estes factores prevalece sobre o voluntarismo das análises que enfatizam como factores críticos a perenidade dos dirigentes federativos (que não é uma circunstância nacional ou exclusiva do desporto e que é mais consequência do que causa do estado da nação desportiva) ou os níveis de investimento público nas federações desportivas (cuja evolução qualitativa e quantitativa é iniludível, malgré tout).

domingo, 13 de janeiro de 2008

“People may learn from my mistakes”

Quando li a condenação da ex-velocista americana Marion Jones, logo de imediato relembrei o perjúrio cometido por Bill Clinton no seu envolvimento com Monica Levinski e, no sector desportivo, tantas outras mentiras sustentadas durante anos por diversos atletas negando o uso de substâncias dopantes e confessadas ulteriormente por alguns deles, como por exemplo o ciclista dinamarquês Bjarne Riis. Relembrei também o recente relatório do antigo senador dos EUA George Mitchell acerca da realidade o doping na liga profissional de basebol, e que confirma o que muitos de nós já não ignoramos, isto é, que o desporto americano de alto rendimento está atulhado de esteróides.
Bem sabemos que a sentença do tribunal de Nova Iorque que determinou uma pena de prisão efectiva de seis meses, mais dois anos de pena suspensa e 400 horas de trabalho comunitário, está para além do plano desportivo e reporta-se a crimes de perjúrio e fraude bancária cometidos por Marion Jones. Porém, não os podemos dissociar do problema de fundo que é a malha negocial sem fim, dominada por máfias de droga e industrias farmacêuticas, que vive dos êxitos desportivos urdidos estrategicamente em teias complexas, envolvendo organizações desportivas, treinadores, dirigentes, médicos, investigadores, empresários e, claro está, os praticantes desportivos que, de uma forma geral, são os que acabam na fogueira.
Marion Jones, a rainha da velocidade, teve pés de barro, mas a sua saga desportivo-criminal, na qual estiveram envolvidos directamente treinadores e maridos, aponta para já apenas uma responsável. O rei vai nu e continuará a seu maravilhoso passeio, porque, provavelmente, até nós espectadores já só nos aconchegamos no sofá para nos extasiarmos com provas, jogos e espectáculos que muito dificilmente estarão “inteiramente limpos”. Por isso e por muito mais, começa a ser urgente debater o doping sem demagogias nem falsos moralismos.

Os Lobos e a disciplina

O Record retoma hoje o tema da declaração de indisponibilidade de jogadores do Direito para representar a selecção nacional de râguebi. Independentemente da valia das razões quanto aos factos que ditaram a intervenção do Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Râguebi e do acerto da sua decisão, a reacção destes Lobos apresenta-se como resposta ao facto de um seu colega poder vir a ser sancionado numa alargada suspensão de actividade, por alegada agressão "ao fiscal de linha da final da Taça Ibérica".
"É a única maneira que temos de chegar à FPR", afirma um dos atletas. "Alguma coisa tem que mudar" e o conteúdo do relatório do árbitro é "mentira, são outras afirmações que pretendem localizar o diferendo e justificar a indisponibilidade para a selecção nacional.
A atitude destes Lobos - «entidade» que, como se sabe, é um repositório de virtudes desportivas e de nacionalismo sem paralelo -, só pode ser entendida - frise-se de novo, sem avaliar agora o acerto ou não da actuação do árbitro e da instância de disciplina federativa -, de uma de duas maneiras: ou estamos perante um gravíssimo caso de fraude desportiva ou face a uma ilegítima pressão perante os órgãos federativos competentes.
Certo, no entanto, é que, se se mantiver a situação, o Hino nacional perderá algum fervor nos próximos confrontos internacionais.
Certo é, ainda, que se vigorasse já o projectado regime jurídico das federações desportivas, proposto pelo Governo, tudo seria bem mais fácil de resolver.
Alguma coisa mudaria ou poderia mudar, com relativa facilidade. Por exemplo,o presidente da FPR, no uso da suas competências, substituiria os membros do Conselho Disciplinar quantas vezes fosse necessário, até que esse (seu) órgão lhe fornecesse a decisão que mais lhe fosse conveniente, independentemente da sua conformidade com os regulamentos da FPR ou com a lei.

sábado, 12 de janeiro de 2008

Music for a New Society

aqui se escreveu sobre as medidas mais relevantes em matéria desportiva contidas na Lei do Orçamento de Estado de 2008.
Foi alvo de alguma expectativa a redução do IVA de 21 para 5% nas facturas dos serviços de actividade física, nomeadamente nos ginásios.
Sobre o “contributo objectivo para o alargamento da prática desportiva a mais cidadãos” desta relevante medida de política desportiva deu conta a posição do Secretário de Estado da Juventude e do Desporto:

«"As taxas de IVA vão descer e os cidadãos que são utentes desse tipo de instalações serão os primeiros a perceber se, por parte das instituições, há alguma aplicação perversa desse princípio.
O princípio é claro, por via da redução do IVA facultar serviços a preços mais baratos aos cidadãos e é isso que terá de acontecer", afirmou. Ainda assim, o Estado, através do Instituto do Desporto de Portugal, "vai acompanhar a situação", para que "não haja interpretações lesivas dos interesses dos cidadãos".
»

Ora, uma breve viagem sobre as noticias recentes dá nota de que em Janeiro de 2008 o preço dos serviços dos ginásios não baixou, tendo até aumentado em muitos locais, conforme recente reportagem da RTP.
Os utentes já começaram a utilizar os mecanismos ao seu dispor para reclamarem sobre esta situação. Os livros de reclamação estão a ser preenchidos e a DECO recebeu na semana passada 15 queixas. Segundo Paulo Fonseca, jurista daquela entidade:

« no contrato celebrado com o ginásio está definida a mensalidade a pagar e que por isso os ginásios não podem unilateralmente definir novas taxas que não estejam previstas nos contratos.
"A criação de novas taxas seria um aproveitamento ilícito da medida [anunciada pelo secretário de Estado do Desporto], que aplaudimos uma vez que com ela se pretende promover o direito à saúde e angariar novos clientes", lembrou o jurista. Ou seja, um ginásio que aplicasse uma taxa de 21% no ano passado teria automaticamente que baixar o preço da mensalidade em Janeiro, uma vez que a taxa agora é de 5%
»

Neste sentido questiona-se se «o Estado, através do Instituto do Desporto de Portugal, "vai acompanhar a situação", para que "não haja interpretações lesivas dos interesses dos cidadãos"», ou se, como «o mercado é livre» a fixação de preços também o é, e assim se dissolve o efeito da redução do IVA e a suposta diminuição do preço, com a facturação de serviços adicionais como o “uso de máquinas” ou as “aulas em grupo”?
Deixa-se o mercado auto-regular? Ou exerce-se um pouquinho de supervisão e se "vai acompanhar a situação"?
Curiosamente alinham-se estas palavras no doce torpor de um fado antigo “John Cale – Music for a New Society”

quinta-feira, 10 de janeiro de 2008

A tomada de posse do membro do Governo



Na sequência de um gentil convite do presidente cessante da Assembleia Geral da Confederação do Desporto de Portugal, estive ontem presente na cerimónia de tomada de posse dos novos órgãos sociais dessa organização desportiva, congregadora da maioria das federações desportivas.

Devo confessar que, em geral, este tipo de eventos, dentro e fora da esfera desportiva, me deixa algo deprimido, ou dito por outras palavras, não sou pessoa que se sinta bem nestes espaços. Trata-se, apenas, de um traço da minha personalidade. Nada mais do que isso.

De todo o modo, sabido isso, lá fui eu. Só que, desta vez, o que veio a suceder, foi bem mais para além daquilo que possa afectar a minha pessoa.

Depois das palavras do novo presidente da Assembleia Geral – cerca de dez minutos de discurso – e do reeleito presidente – cerca de cinco minutos –, seguiu-se um improviso de mais de 30 minutos do Secretário de Estado da Juventude e do Desporto, antes do encerramento da sessão.

Há algo nesta ordem de intervenções que não joga com o tão reclamado espaço de autonomia do associativismo desportivo. E esse algo localiza-se logo no facto de um membro do Governo tomar a palavra num acto de tomada de posse de uma organização desportiva privada.
Compreende-se que seja convidado e que esteja presente. Já não posso aceitar que tenha direito a intervir neste momento de afirmação de vigor associativo.

O que ontem ocorreu, no entanto, ultrapassou todas as balizas possíveis da compreensão.
O Secretário de Estado da Juventude e do Desporto “tomou posse” da cerimónia, falou para as federações desportivas, auto elogiou-se, propagandeou, explanou “política desportiva”, passou mensagens e recados.
Tudo isto durante mais de 30 minutos e sempre referindo o “meu amigo Carlos Cardoso” ou “ o Carlos Cardoso”.

Em bom rigor, revistas as coisas esta manhã, fica-se com a ideia de que quem tomou posse foi, efectivamente, o membro do Governo.

terça-feira, 8 de janeiro de 2008

Ainda a limitação de mandatos

Em comentário anterior abordamos a questão da limitação de mandatos dos dirigentes desportivos nos termos previstos no novo regime para quem exerce funções directivas nas federações desportivas. E procuramos defender essa limitação, lamentando que tenha de ser o Estado a impô-la, não sem antes chamar-mos a atenção que a situação actual não é uma exclusividade do desporto e muito menos de Portugal. Poderíamos de resto, recolher o exemplo do próprio proponente, o actual secretário de estado do Desporto, que de acordo com o seu site oficial exerce funções num cargo público há 25 anos, o de presidente da Assembleia Municipal de Fafe, não se sentido abrangido, pelo menos no plano do rigor ético, por qualquer das razões que estão na origem de entender que um dirigente numa federação desportiva, e não apenas o presidente, devem ter limitação de mandatos no exercício do mesmo cargo. Retomamos este assunto por considerarmos que esta questão, que seria uma questão lateral num regime de auto regulação cívica e democrática, não é uma questão central no posicionamento estratégico das organizações desportivas. A renovação só terá alguma utilidade se a alteração de protagonistas for acompanhada de uma mudança de ideias e de projectos que lancem as organizações desportivas em lógicas de trabalho que organizem e melhorem o desporto praticado. O facto de se impedir que certos dirigentes permaneçam na mesma função para além de um determinado período não garante absolutamente nada. Nem assegura que os que entram sejam melhores que os que saem. Pelo que insistir na questão da limitação dos mandatos não nos deve desviar do que é essencial: a necessidade de renovação de estratégias e de projectos com que muitas organizações desportivas estão confrontadas e uma redefinição quer das suas missões, quer do seu posicionamento face ao Estado. O modo como o Estado se sente na necessidade de regulamentar e definir os termos e condições do exercício do dirigismo desportivo e das federações desportivas, em termos pouco comuns no espaço europeu, deveria de resto estar na primeira linha das preocupações dos dirigentes. Por que razão se chegou a este ponto? A meu ver é o resultado de políticas desportivas erráticas em que uma parte significativa do movimento associativo se deixou arrastar exigindo do Estado, muitas vezes com razão, mas cuidando menos da qualidade do seu trabalho, da sua atitude, da sua unidade e da sua autonomia e, por isso, fragilizando muitas das suas razões. Era sobre estas matérias que os dirigentes desportivos se deviam concentrar. O importante não é quem vai exercer o poder e por quanto tempo, mas o que fazer com o poder que durante algum tempo se tem.

domingo, 6 de janeiro de 2008

Os jogos adiados

Este fim de semana diversos jogos oficiais de competições de topo de várias modalidades desportivas tiveram de ser adiados por falta de condições técnicas nos pavilhões. Aqui fica uma breve lista:

Futsal (Campeontao Nacional I Divisão)
Freixieiro – Sporting
Inst. D. João V – Sporting
Sassoeiros - Olivais

Voleibol (Nacional A1)
Sp.Espinho – CN Ginástica

Hóquei em patins (C.Nacional 1.ª Div)
Valongo – FC Porto


Diariamente sou confrontado com problemas no funcionamento de pavilhões desportivos, a maior parte devido a ausência de cuidados elementares de manutenção das instalações.
Na cultura da “obra feita”, intrincada na gestão desportiva pública e privada, uma vez construídos os espaços desportivos a manutenção é um elemento desvalorizado.
O incumprimento do quadro normativo nesta área é generalizado, nomeadamente nas condições de segurança definidas no DL 100/2003.
Com o avançar dos anos, e em períodos de condições metereológicas adversas, assiste-se com maior regularidade ao espoletar de inúmeros problemas (infiltrações, focos de humidade, levantamento do piso) com importantes consequências na segurança e conforto de atletas, utentes e espectadores.
Por norma utilizam-se rápidos mecanismos de recurso para remediar a situação até ao final da época, porque não existem outros espaços disponíveis para jogar. Depois volta-se a adiar uma intervenção de fundo porque o remedeio até dura mais uns tempos.
Quando já não existe alternativa a uma intervenção de fundo o orçamento apresentado é assustador.
Fazem-se as contas e chega-se à mesma conclusão de sempre. Uma manutenção eficaz e atempada das instalações e equipamentos prolonga a vida da infra-estrutura, reduz a factura de energia e reduz o preço das obras de recuperação.
Acresce que a falta de qualidade dos pavimentos é, ao nível das características técnicas das instalações, a principal causa de lesões nos atletas de competição. Este é um tema que não encontra referências em normas legais ou técnicas, apenas ligeiras recomendações de algumas federações desportivas.
Hoje a carga competitiva sobre os atletas é cada vez maior e mais precoce, diminuindo a duração das carreiras e aumentando as lesões de esforço no aparelho musculo-esquelético.
Quando ainda se assiste a jovens de escalões de formação a treinar em espaços desportivos com piso betuminoso e asfáltico, sem absorção de carga cinética, o futuro da sua saúde não augura nada de bom.
Em Portugal as federações homologam pavilhões desportivos cujas características técnicas são assustadoras. Em Portugal o mesmo piso de um pavilhão acolhe modalidades com tipos de carga tão dispares como o voleibol, o basquetebol, o hóquei em patins ou o futsal.
E se os pavilhões que recebem competições de topo apresentam estas condições e são noticia não é dificil adivinhar o cenário em outros quadros competitivos.

sábado, 5 de janeiro de 2008

As corridas de popós

Quando no ano passado o Vaticano, através do seu jornal oficial L'Osservatore Romano,traçou um cenário macabro da prova rainha de Todo-o-Terreno e considerou que o Dakar, como prova, tem pouco de "sã competição" e lembrava o "rasto de sangue" que cresce, ano após ano, na rota da corrida, como preço da tentativa de "exportar modelos ocidentais" para ambientes humanos e ecossistemas que, de ocidental, "têm muito pouco”,a generalidade da comunicação social e os “amantes dos desportos motorizados”assobiaram para o lado. Coisa de padres. Mesmo quando se lembravam as 49 vítimas da prova a que se juntavam ainda oito crianças e duas mulheres “com uma atitude cínica, que ignora por completo a realidade que atravessam, lançando no deserto automóveis, motos e mesmo enormes camiões, a velocidades loucas, cujos destroços ficam abandonados, muitas vezes, como monumentos à irresponsabilidade", apesar de se dizer tudo isto, nada aconteceu. Eu não gosto de corridas de popós. Era incapaz de sair de casa para assistir a uma competição destas. Considero um atentado cívico colocar corridas de automóveis em estruturas viárias projectadas para servir os cidadãos como, por exemplo,Rui Rio promove no Porto. De todo do “circo”aprecio as assistentes. Mas para isso basta-me olhar para a televisão. Mas reconheço o direito aos que apreciam este tipo de modalidade que de resto tem significativa popularidade. Mas num país em crise e com tantas dificuldades financeiras, onde se encerram serviços públicos por obediência a lógicas economicistas, interrogo-me como é possível que entidades públicas gastem o dinheiro do todos a financiar uma organização comercial em valores muito para além do que seria razoável. Num país onde muitos analistas e comentadores se incomodaram com os dinheiros públicos gastos no Euro2004, existe um estranho silêncio à volta do negócio do Lisboa-Dakar não se explicando qual o retorno que o país e os portugueses têm com o dinheiro que se oferece aos organizadores. Que retorno tem uma entidade como a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa e ao abrigo de que critérios de gestão se justificam a passagem de quase dois milhões de euros? E de um milhão e meio por parte de uma autarquia algarvia? E os apoios públicos incontabilizáveis? E como se sentem as autoridades do país a estimularem uma iniciativa toda ela cimentada no risco, na aventura e nas altas velocidades quando em simultâneo promovem campanhas cívicas de condução dentro dos limites de segurança? Não há aqui uma evidente contradição?

Organizar o futuro sem esquecer o passado

Porque um país pobre, carente de boas práticas sociais e de boas referências humanas, não pode promover a cultura do desperdício e da ignorância dos seus melhores feitos. Porque a história das organizações desportivas faz parte da narrativa do nosso desenvolvimento organizacional a que nem todos atendem, porque não a viveram ou não a estudaram. Porque a reintegração profissional de ex-atletas é um problema que me preocupa e que a ele já me reportei neste espaço, atrevo-me a sugerir a leitura de um texto hoje publicado, clarificador destas e de outras questões, do qual transcrevo dois recortes:

“Assim, as questões que se colocam relativamente à vocação e missão do IDP devem ser analisadas com conhecimento de causa, sobretudo quando se sabe que para além das meras burocracias é a história dos portugueses e do País que está em causa. Ora, as organizações para além da sua eficácia que pode ser traduzida nos mais variados rácios de gestão, representam, antes de tudo, a vida e a dedicação de muitas pessoas que, ao longo dos tempos, se lhes entregaram de alma e coração.”

“Os ex-atletas, são detentores de uma história que deve ser preservada e transmitida. Eles são portadores de uma série de experiências e de situações vividas que fazem parte de um património colectivo que dá pelo nome de cultura desportiva. Divulgar este conhecimento é de fundamental importância não só para generalidade das pessoas enquanto praticantes desportivos potenciais, como para o sucesso das organizações.
Por isso, o enquadramento de ex-atletas em projectos de promoção social só por ignorância ou má fé pode ser visto como uma espécie de caridade, como o discurso da nomenclatura quis fazer passar para a opinião pública. Quando o Estado directa ou indirectamente através das mais diversas organizações “utiliza” grandes atletas para promoção de políticas públicas, não está a fazer caridade está a tirar partido de um investimento em tempos realizado. As medalhas nos Jogos Olímpicos, Campeonatos do Mundo e Europa custam muito dinheiro. Faz algum sentido o Estado realizar avultados investimentos na formação e treino de atletas, para depois, pura e simplesmente, os ignorar? Só um país inculto, desleixado e perdulário, se deixa cair em tal situação.”

sexta-feira, 4 de janeiro de 2008

Os espaços desportivos no direito à cidade

A génese do Bairro dos Olivais teve associada uma ampla discussão e participação, em históricas reuniões públicas entre a autarquia e os moradores, sobre a programação de equipamentos para aquela zona da cidade de Lisboa. É ainda hoje referido como um exemplo em matéria de participação comunitária no planeamento e gestão do território.

Neste sentido, a Piscina dos Olivais foi uma marca impressiva de um conceito que ainda hoje nos diz pouco – o direito à cidade.

Pela centralidade da piscina na vida da comunidade, constituindo-se ao longo de anos como uma referência de espaço público de sociabilidade, lê-se com agrado a noticia da recuperação daquela área desportiva da maior Freguesia de Lisboa, encerrada desde 2005, anunciada, quiçá simbolicamente, numa reunião de câmara descentralizada, com a participação de cerca de 100 munícipes, na Associação Desportiva Cultural da Encarnação e Olivais.

Sendo publicas as limitações financeiras da autarquia deseja-se, ainda assim, que este seja o primeiro passo de um plano de recuperação de alguns espaços desportivos da capital, que são património desportivo nacional e valiosas referências arquitectónicas e paisagísticas da cidade e do país.

Refere-se, nomeadamente, a Piscina do Campo Grande e o Pavilhão Carlos Lopes.

quinta-feira, 3 de janeiro de 2008

As associações distritais

O projecto de regime jurídico das federações desportivas, apresentado pelo Governo, merece-nos, numa primeira leitura global, uma pontuação negativa.
Por ora, daremos apenas conta do projectado quanto à representação dos associados em assembleia geral, tendo as associações distritais por referência.
Como se sabe, e a história do desporto moderno nacional e europeu o comprova, o desenvolvimento do desporto e das suas diversas modalidades, é fruto da conjugação de dois movimentos: um, do local para o nacional (clubes, associações de clubes – a primeira, em Portugal, parece ter sido a Associação de Futebol de Lisboa (1910) – e federações desportivas; outro, seguinte, do nacional para o internacional (das federações desportivas nacionais para as internacionais). Criou-se, assim, ao longo de décadas, uma estrutura hierarquizada, a qual aliás é vista como marca existencial do desporto europeu pela União Europeia e pelos governantes portugueses, defensores acérrimos do modelo europeu do desporto.

De todo o modo, foram as associações, por economia, ditas distritais, que criaram as federações desportivas.
A partir de 1993, contudo, registam-se alterações na vontade deliberativa federativa, por via de intervenção legislativa.
Nesse ano, dos 100% passam a deter, no máximo, 75% dos votos. Em 1997, apenas no caso do futebol, descem para 55%. Agora, na proposta, para as modalidades desportivas colectivas, quedar-se-ão pelos 35%, perdendo, pela primeira vez a maioria relativa e o controlo das decisões em assembleia federativa.

Esta distribuição de votos é levada a efeito em nome da “Proporcionalidade de representação” (artigo 37º).
Que “proporcionalidade”?
O número de clubes filiados nas duas ligas – profissional e não profissional – e nas associações distritais? O número de praticantes envolvidos nas competições desportivas nacionais versus competições desportivas de nível inferior?
Não há qualquer valor de proporcionalidade que se queira respeitar.
Mais valia ser honesto e afirmar que o que se quer mesmo é reorganizar o poder no futebol e (sempre por arrastamento) aplicar o mesmo modelo às restantes modalidades desportivas colectivas.

E prova bastante de que o mal, para a proposta, não reside nas associações distritais em geral, é que quando ela aborda a representação na assembleia geral das federações desportivas nas modalidades individuais, possibilita – mesmo contra a solução vigente que recolhe outras representações (praticantes desportivos em geral, treinadores e árbitros ou juízes) - que elas mantenham os 75%.

Estranhas proporcionalidade e democraticidade.

O desporto na política orçamental

Na Proposta de Lei do Orçamento de Estado de 2008 encontram-se dois artigos com importante referência ao desporto.
Primeiramente o art.º 42.º da Proposta de Lei vem alterar o artigo 12.º do Código de IRS pondo fim à incidência do IRS sobre os prémios e bolsas atribuídas aos praticantes de alto rendimento, e sobre as bolsas de formação desportiva.
Deste tema já muito se escreveu e aplaudiu por vir responder a uma reclamação antiga. Acrescenta-se apenas, no que respeita às bolsas atribuídas aos praticantes de alto rendimento, a insistência na referência ao Comité Paralímpico de Portugal, uma organização desportiva inexistente de momento e criada administrativamente pela anterior lei de bases.
Segundo palavras do actual Secretário de Estado da Juventude e Desporto proferidas em 17.10.2006 na tomada de posse dos órgãos sociais Federação Portuguesa de Desporto para Deficientes:
"Vou ao Parlamento dizer que coloquei na Lei de Bases o Comité Paralímpico e disse à federação que até ao final da discussão na especialidade teriam esse prazo para organizar o comité".
Será curioso saber como se irá cumprir o disposto na alínea a) do n.º5 do referido art.º 12.º, já que da discussão na especialidade não se vislumbrou comité.

Num outro artigo da proposta de lei orçamental, o 51.º, é dada nova redacção ao código do IVA, ao alterar, na lista de bens e serviços sujeitos a taxa reduzida, a verba 2.13, a qual passará a dispor assim:
2.13 -Espectáculos, provas e manifestações desportivas, prática de actividades físicas e desportivas e outros divertimentos públicos.
Sobre esta matéria vieram a lume noticias, nomeadamente de fonte oficial, realçando o contributo desta medida na generalização da prática desportiva.
As abordagens à estruturação da política desportiva feitas neste espaço encontram aqui um bom exemplo da discricionariedade reinante e de medidas avulsas.
Ainda assim aguarda-se o decorrer do novo ano para constatar se os preços irão realmente descer. Estarei atento à factura do ginásio. Mas caso a medida não tenha o sucesso previsto sei desde já que «o Estado, através do Instituto do Desporto de Portugal, "vai acompanhar a situação", para que "não haja interpretações lesivas dos interesses dos cidadãos"». Tinha a ideia que fosse a ASAE a "acompanhar a situação", mas fiquei esclarecido pelo meu lapso.
Ocorre ainda lembrar que esta verba já estava definida no Código do IVA, na sua publicação inicial pelo Decreto-Lei n.º 394-B/84, de 26 de Dezembro, no que concerne aos espectáculos desportivos.
Neste particular pouco ou nada se fez para conter o exorbitar de preços de bilheteira quando intervinham os chamados “grandes”.

Sobre a estrutura financeira e os objectivos estratégicos propostos para o desporto, cuja análise não é possível neste espaço, recomenda-se uma leitura de três artigos recentes do Prof. Gustavo Pires.

quarta-feira, 2 de janeiro de 2008

Desporto para além do futebol

Conhecendo bem a realidade sobre que escreve, Jorge Valdano afirma que o futebol é uma obra de teatro sem libreto, uma guerra por outros meios, uma emoção sectária que contenta o nosso instinto animal. É um jogo, um espectáculo, um negócio. É uma profissão, são muitas profissões. É uma conversação infinita. Por tudo isto, e muito mais, é compreensível o imenso poderio do seu pulsar nas sociedades europeias. Portugal não é excepção a esta regra e é sobejamente reconhecida a paixão, o encanto e o arrebatamento que o futebol, sobretudo na sua dimensão da prática desportiva profissional, desencadeia nas gentes lusas.
Porém, uma coisa é a paixão outra a razão. Por isso parece-nos lamentável que de forma impressiva, ao longo dos anos, muito do formato jurídico-desportivo nacional, tenha sido moldado tendo como principal referência o futebol. Consequentemente, parte significativa da realidade desportiva organizacional teve de incorporar regras e princípios que ao futebol interessavam. Basta retroagirmos à década 80 e atendermos a documentos que estiveram na base da Lei de Bases de 1990, assim como aos vectores essenciais desta lei-quadro e sua sucessiva regulamentação com especial ênfase no regime jurídico das federações desportivas (inclusive com preceitos próprios para o futebol).
Chegados a 2008, algumas das principais indicações reveladas nas recentes iniciativas da Presidência do Conselho de Ministros, designadamente as que respeitam às modificações do regime jurídico das federações desportivas, estão também imbuídas das epifanias do futebol nos últimos anos: a representatividade nas assembleias-gerais da federação com a supremacia decisora das associações regionais e a disputa de sectores muito apetecíveis para as estruturas do poder do futebol, quais sejam a disciplina e a arbitragem.
E assim, pelo mão do Estado, tenta-se resolver problemas que os agentes daquele tecido desportivo não resolveram, ou validar normativamente, e alargar às modalidade colectivas, a existência de associações de clubes não-profissionais, como a já instituída Liga Portuguesa de Futebol Não Profissional (bem evidente do falso problema da representatividade nas assembleias-gerais são as soluções diferenciadas para as federações de modalidades colectivas e individuais). Mais grave será ainda, por exemplo, legitimar-se por via legislativa poderes perigosos, discricionários e antidemocráticos como deixar nos critérios dos presidentes federativos a nomeação e livre destituição dos titulares dos conselhos de disciplina e de arbitragem, ou ainda preceituar-se a perda da autonomia das associações regionais por passaram apenas a exercer as funções que lhes sejam atribuídas pelas federações.
O Conselho Nacional de Desporto, sede do trabalho e reflexão actuais tendentes às reformas que o governo pretende fazer, tem pela frente tarefa árdua se perspectivar o desporto na sua dimensão plurifacetada. É que, inexoravelmente, tal como hoje numa entrevista do jornal A Bola o Prof. Moniz Pereira bem enfatiza, há muito mais desporto para além do futebol.