domingo, 29 de março de 2009

As palavras e as normas VI

5º Apeadeiro no preâmbulo no regime jurídico das federações desportivas:

“Em quinto lugar, as eleições dos órgãos federativos colegiais (conselhos de disciplina, de justiça, de arbitragem e fiscal), com excepção da direcção, deve processar-se através de listas próprias, por voto secreto, de acordo com o princípio da representação proporcional e o método da média mais alta de Hondt. Pretende -se com esta regra, por um lado, impedir as listas únicas, com prévia negociação de lugares, e, por outro, assegurar a representação das minorias nos órgãos de justiça e de arbitragem, o que tornará mais transparente o funcionamento desses órgãos de natureza muito sensível e contribuirá para um acréscimo de auto-fiscalização do seu funcionamento. Estas regras são completadas por duas outras destinadas a assegurar que não sejam estabelecidos entraves desproporcionados à apresentação de candidaturas alternativas, estabelecendo um limite ao número exigível de subscritores das listas (10 % dos delegados) e determinando que as listas podem ser apresentadas apenas para determinado órgão.

Diga-se, em abono da verdade, que acompanhamos algumas destas intenções.
Todavia, a sensibilidade atribuída aos órgãos de justiça e de arbitragem é, indiscutivelmente, uma marca de nascença do regime jurídico: o seu ADN futebolístico.
Por outro lado, registe-se que o diploma “recuou” nas intenções governamentais – expressas no anteprojecto de Dezembro de 2007 – em desvalorizar as eleições em prol da nomeação pessoal. Mesmo assim, deixa aberta a possibilidade da direcção não ser eleita, mas antes integrada pelos membros designados por nomeação do presidente (artigo 41º, nº 1).
Aqui, parece ter seguido o exemplo daqueles presidentes que, no futebol, no acto da candidatura da estrutura directiva, exigiam uma prévia carta de renúncia ao cargo aos que integravam a lista concorrente às eleições.
Vamos ver, no próximo futuro, que caminho seguem as federações desportivas quanto a este específico ponto da sua necessária reestruturação estatutária.

quarta-feira, 25 de março de 2009

Um país hipno(penal)tizado

Numa cerimónia realizada há alguns anos na atribuição de um doutoramento honoris causa, o ministro do desporto da altura disse qualquer coisa como isto: o desporto não serve para moldar o carácter dos homens. O desporto revela o carácter dos homens. Não creio que a frase lhe pertença porque posteriormente já a li em qualquer sítio. Mas isso não importa. Confesso que não gostei do que ouvi, formatado como estou a uma geração que foi ensinada a olhar para o desporto como uma “escola de virtudes”.Embora no plano doutrinário bem saiba que a “virtude” é uma visão idílica (e idealista) que a realidade não suporta, não fujo á sua influência. Hoje seria mais prudente na avaliação das palavras do ministro.
Vivemos uma semana marcada por uma grande penalidade que o não foi. Igual a tantas outras marcadas ou por marcar, que todas as semanas acontecem. Mas que passou a ter uma importância extrema, como se o mundo estivesse à beira do fim, a partir do momento em que no mesmo jogo outras marcadas foram defendidas. Fosse outro o resultado final e não estávamos a abordar o assunto.Dir-se-ia, talvez, que se tinha acabado por escrever direito por linhas tortas.
O que se passou, o que se disse e o que se fez, revelam sábiamente o país desportivo que somos e relembram as palavras do ex-ministro: o desporto revela o carácter do homens, pelo menos, palavras minhas, ao os não formar a serem homens diferentes.
Caro, Pedro Silva você não fez nada que de que se deva arrepender, escreveu o director do Correio da Manhã em texto de opinião no jornal Record. Pedro Silva, recorde-se, em reacção a uma grande penalidade que lhe foi assinalada e que ele efectivamente não cometeu, tentou agredir o árbitro, enxovalhou o presidente da Liga de futebol, recusou-se a receber a medalha e depois arremessou-a para longe e no final do jogo não deixou de chamar ladrão ao árbitro. Mais tarde reconheceu estes erros e pediu desculpa. Coisa que um jornalista com responsabilidades na direcção de um jornal entende nada haver no seu comportamento que justifique arrependimento. Ou seja de uma penada procura legitimar comportamentos que tendo origem num erro que penaliza quem não deve, gera um conjunto de comportamentos que são social e civicamente reprováveis em qualquer lugar onde ocorram e também numa competição desportiva. Longe pareciam ir os tempos em que uma agressão a um árbitro por parte de um jogador da selecção nacional era agraciada com a outorga de uma medalha à chegada ao aeroporto. Hoje não há medalha mas para já, à data em que escrevemos, o Pedro Silva lidera a votação para o melhor jogador da competição em que ocorreu o incidente. É de esperar tudo. O elogio público de um comportamento que é inaceitável mas que é entendido dentro dos limites do razoável revela que se consegue escrever o que se pensa baixinho. Ao que chegámos!
Não sou espectador daqueles programas televisivos em que se discute o futebol através de personagens que representam clubes desportivos. Sinto desconforto, para não usar uma expressão mais severa, que aquilo a que profissionalmente estou ligado, o desporto, seja abordado daquela forma. Mas reconheço-lhes um mérito: o de revelador social do país que somos. O que se vem passando nestes dias mostra onde estamos. No meio da trampa moral e intelectual. Para quê abafar esta realidade com o país transformado numa imensa bancada central onde o clubismo agudo e o intelectualismo serôdio dão as mãos num conclave bizarro e pouco recomendável? Como entender que um ex-assessor de um presidente da república transite para porta-voz do presidente de um clube de futebol cujo comportamento nunca foi pautado pela elegância e boa educação? E que de um comportamento discreto e sóbrio passe a um registo taliban, agressivo, conflituoso e desrespeitoso? Como entender que se gastem horas e horas televisivas a ouvir gente alienada pelo futebol e pelo seu clube a níveis sanitariamente não recomendáveis para qualquer pessoa de bem e que tratam uma simples incidência de um jogo futebol como se fosse uma descoberta científica ou a solução para os problemas do país? Sei que o ridículo não mata. Mas cansa.
Esperar ou pedir a mudança é acreditar que os protagonistas são recicláveis. Esperar que se alterem padrões de comportamento e de condutas para níveis socialmente aceitáveis é acreditar em milagres. E por isso as dificuldades que sentimos. Na rua, no circulo de amigos ou na escola. O desporto é um lugar estranho. Diz ser o que não é: um lugar recomendável. Afinal é, o que não diz ser: um lugar nem sempre bem frequentado. Ou não fosse parte do país que somos
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segunda-feira, 23 de março de 2009

A bondade da convicção

A Lei do Orçamento de Estado de 2008, ao alterar a verba 2.13 da Lista I do Código do IVA, procurava estabelecer alguma ordem à tributação daquele imposto em serviços e actividades desportivas, após as tomadas de posição, e esclarecimentos, da Administração Fiscal. Do problema se deu conta, neste espaço, mais do que uma vez.

Na sua bondade, o Secretário de Estado da Juventude e do Desporto (SEJD) considerou que se tratava de “…uma medida, a par de outras tomadas no Orçamento de Estado para 2008, destinadas a diminuir os custos da actividade física desportiva para aqueles que pagam para terem acesso a modalidades desportivas e um contributo objectivo para o alargamento da prática desportiva a mais cidadãos”. Mais acrescentou que “…O princípio é claro, por via da redução do IVA facultar serviços a preços mais baratos aos cidadãos e é isso que terá de acontecer” .

Infelizmente o mercado não foi tão bondoso e os preços dos serviços desportivos, em particular nos ginásios, não diminuíram, conforme esperado.

Nos meses seguintes as reclamações e denúncias dos utentes de ginásios começaram a surgir e o SEJD levantou duvidas sobre a concertação de preços entre os operadores do mercado, pelo que vários organismos públicos com competências fiscalizadoras entraram em campo para acompanhar esta situação.

Após mais de um ano da entrada em vigor da Lei do Orçamento de Estado de 2008, a Autoridade da Concorrência (AdC) – depois de coligir um conjunto de denuncias particulares e informações prestadas pelos organismos anteriormente aludidos -, vem arquivar o inquérito contra-ordenacional que tinha aberto sobre esta matéria, concluindo “pela inexistência de um padrão de comportamento concertado entre os diversos operadores económicos investigados,(…) não se verificando por isso elementos probatórios da existência de um entendimento concertado entre estas empresas”, decidindo arquivar o inquérito, de acordo com o Comunicado n.º 3/2009.

Desta novela importa tirar conclusões sobre a aplicação de incentivos fiscais em politicas públicas.

1. O que seria uma medida que visava aplicar o IVA a 5% - a qual deveria estar em vigor, para diversos serviços desportivos, desde 2006 – com o objectivo de , “por via da redução do IVA facultar serviços a preços mais baratos aos cidadãos", tornou-se um verdadeiro maná para os operadores do mercado que mantiveram ou aumentaram os preços dos serviços, com um bónus de 16% de IVA. Com esta “bondade” não admira o silêncio dos organismos representantes de ginásios deste país.

2. O impacto deste “incentivo fiscal” no consumidor foi nulo e criou uma situação mais lesiva do que à partida também para o Estado.

3. O Estado, que tão pressurosamente vem agora defender os consumidores, esquece-se que durante os dois anos em que os operadores viveram alheados do disposto no Ofício-Circulado n.º 30088/2006, arrecadou indevidamente 16% de IVA.

4. O Estado, enquanto agente do mercado, que isenta de IVA a utilização do parque desportivo público e serviços prestados nas instalações à sua guarda, está, á partida, a viciar a concorrência com os demais agentes.

Se houvesse um bom exemplo de como não se deve desenhar uma política pública e aplicar os seus instrumentos, este seria um bom estudo de caso, o qual, em bom rigor, para ser compreendido na sua plenitude, teria de se juntar um completo autismo face às normas e jurisprudência comunitárias sobre a aplicação de IVA a actividades desportivas.

Face a esta decisão da AdC não resta outra opção politica a não ser declarar que se continua “absolutamente convicto de que quando o Governo decidiu baixar o IVA para os ginásios, o fez para benefício dos utentes dos ginásios e a realidade, de facto, que aconteceu a partir daí, não foi um benefício para os utentes dos ginásios. Por isso, alguma coisa há de errado nesse ponto”.

Pois há algo de errado. Há de errado a incapacidade de avaliar o funcionamento do mercado e saber implementar medidas que incidam sobre as suas falhas, de modo a proteger os cidadãos, ao invés de agravar as disfuncionalidades existentes. Há de errado não perceber que as politicas públicas não são uma questão de "convicção", mas sim uma questão de razão.

O consumidor. Esse sujeito anónimo que paga a factura desta incompetência agradece!

sexta-feira, 20 de março de 2009

Deitar dinheiro fora?

O Correio da Manhã revelou que a areia colocada nas praias da Costa de Caparica já custou 17 milhões de euros e foi praticamente toda levada pelo mar, baseando essa revelação num estudo do geógrafo José Nunes André.
Este especialista entende que "a intervenção que o Instituto da Água está a fazer é tecnicamente incorrecta e corresponde a deitar dinheiro fora". O autor do trabalho de análise do actual estado da costa defende que a "solução deverá passar pelo recuo e pela recolocação das pessoas e bens se necessário, uma vez que depois de tantas intervenções este troço da costa continua ameaçado". Nunes André defende que a deslocalização de pessoas deverá ser para uma área superior a 50 metros, numa medida que não irá afectar um grande número de habitantes. "As intervenções que se vem fazendo no Litoral são politicamente correctas, porque as populações ficam satisfeitas, mas científicas e ambientalmente – e até economicamente incorrectas – pois gasta-se avultadas verbas mas não se resolve o problema". Até ao final de 2010 está previsto gastar-se mais 5 milhões de euros num país que em média cada dia que passa se endivida em 48 milhões.
Não sou especialista na matéria. Não sei se a solução apontada é a melhor Mas uma coisa é certa: a areia colocada desapareceu.
Este exemplo de desperdício de recursos infelizmente não diz respeito a apenas esta situação. Podemos encontrar outros exemplos de dinheiro deitado fora. A decisão sobre a transferência do Museu dos Coches, por exemplo. Mas também no desporto.
E sem ir buscar decisões políticas que só o clientelismo pode explicar, doença que infelizmente é partidariamente transversal quando no exercício do poder, preocupa sobretudo os milhões de euros investidos em infra-estruturas desportivas sem uso adequado ou inadequadas para os fins a que se propunham. O exemplo comparado é excessivo? Talvez! Concedo até essa opinião. Mas se bem atendermos, no essencial, trata-se também de “deitar dinheiro fora”.
O João Almeida já aqui chamou a atenção para a dimensão deste problema. Quem tem uma ligação profissional ao campo das práticas desportivas tem sempre uma estória para contar sobre erros em equipamentos construídos, por vezes tão caricata que até custa acreditar. Mas não são apenas os erros de projecto ou de construção. São as próprias opções tipológicas, a sua localização, os seus custos de manutenção e o baixo aproveitamento desportivo.
Num momento em que o governo central e os governos locais, face à proximidade eleitoral, se desdobram no anúncio de tantos novos equipamentos seria bom que estivéssemos seguros de que não vamos, uma vez mais, hipotecar recursos públicos, que são escassos, sem assegurar a eficiência, a viabilidade e a sustentabilidade destes novos projectos.
Em muitas das decisões de que vamos conhecendo ninguém se dá ao trabalho, que é porventura aborrecido, de explicar qualquer tipo de pensamento político ou ideológico que justifique as opções tomadas ou qualquer estudo ou fundamentação técnica que as suporte. Numa matéria tão sensível e de importância estratégica para o alargamento e desenvolvimento da prática desportiva, correr o risco de decisões que delapidam recursos e, a prazo, hipotecam a possibilidade de responder às necessidades de prática desportiva dos cidadãos, seria continuar uma lógica errada. A menos que se tenha aprendido com os erros. É a esperança que resta.

quarta-feira, 18 de março de 2009

As palavras e as normas V

Cá estamos nós, de novo, a efectuar o percurso do preâmbulo do regime jurídico das federações desportivas.
Eis o quarto destaque:

“Em quarto lugar, quer as federações das modalidades colectivas, quer as das modalidades individuais, devem reservar 30 % dos delegados para os representantes dos agentes desportivos (máxime, praticantes, treinadores e árbitros), sendo os restantes 70 % reservados para os representantes dos clubes (ou suas organizações). Nas modalidades colectivas, acresce ainda que terá de haver um equilíbrio entre os representantes dos clubes intervenientes nos quadros competitivos nacionais (35 %) e os representantes dos que intervêm nos quadros competitivos distritais ou regionais (35 %). Ao invés, nas modalidades individuais, a regra é a de que os clubes (ou as suas associações) devem, em qualquer caso, possuir o mesmo número de delegados.
Estas diferentes formas de ponderação do número de delegados asseguram que nenhum sector, nenhuma área da actividade desportiva, por si só, possa impor a sua vontade ao conjunto da modalidade desportiva.”

Aparte existirem modalidades desportivas que não conhecem – no rigor – a figura do treinador, ou dispõe de árbitros em número bem reduzido – crítica que se poderia endereçar, na mesma medida ao diploma anterior, a crua verdade é que as normas do diploma, mesmo na sua aparente abstracção e generalidade, e neste caso, a par e passo com o preâmbulo, se dirigem ao futebol, cobrindo por arrastamento as restantes modalidades colectivas.

Não se entende, pois, a afirmação final que destacamos, que nesta nota preambular, embora surja em último, é adiantada como o motivo primeiro da redefinição dos componentes da assembleia geral.

As razões que motivam a reforma nas modalidades colectivas como que desaparecem por magia nas modalidades individuais.
Esta é, verdadeiramente, uma real diferença entre esses dois tipos de modalidades e não outra como quer fazer o preâmbulo num momento anterior.

domingo, 15 de março de 2009

Ainda faz sentido?

No domingo passado foi mais uma vez assinalado o dia internacional da mulher, no meu entender cada vez menos como homenagem, consagrada em 1910 numa conferência internacional de mulheres realizada na Dinamarca, às operárias têxteis de uma fábrica de Nova Iorque que entraram em greve em 1857 para reivindicarem a redução de um horário de mais de 16 horas por dia para 10 horas e a diminuição do fosso salarial entre homens e mulheres, mas sobretudo como um dia de alerta para as múltiplas discriminações e desigualdades de género que ainda se constatam no séc. XXI.
Atente-se que hoje, passados mais de 150 anos daquela reivindicação, muitas mulheres continuam a viver a mesma discriminação que aquelas operárias viviam: salários diferentes para trabalho igual. E a diferença não é tão significativa assim, enquanto hoje a disparidade salarial entre homens e mulheres, em Portugal, ronda os 20%, naquela altura, nas 16 horas de trabalho diárias, as mulheres recebiam menos de um terço do salário dos homens.
Continuamos, pois, a assistir neste dia a debates, sondagens, conferências, que assinalam os progressos nos direitos das mulheres, nas suas carreiras, nos seus estatutos pessoal, social e familiar e onde são relevados sobretudo a dignidade da mulher e a matéria de direitos humanos que a mulheres e homens diz respeito, pois tanto elas como eles devem contestar e rever preconceitos e limitações que às mulheres são intoleravelmente impostos.
Se em diversos domínio sociais este dia ainda faz todo o sentido como prevenção, alerta e sensibilização para múltiplos problemas e dramas como, entre muitos outros, a violência doméstica, que continua a ser causa de morte para muitas mulheres, a dificuldade de acederem às posições de top na hierarquização organizacional, as múltiplas discriminações invisíveis que obstaculizam a progressão nas carreiras, o facto de serem as primeiras vítimas da exclusão, da pobreza ou do desemprego, será que também no domínio desportivo fará algum sentido?

Não pararíamos de assinalar as discriminações e as desigualdades de tratamento que as raparigas e mulheres são alvo na utilização e acesso das instalações desportivas, nas remunerações inferiores de muitas treinadoras, na política de aplicação de recursos materiais nas equipas e selecções femininas, na ausência de mulheres nos órgãos sociais das instituições desportivas. Hoje faremos apenas alusão à discrepância intolerável que continua a existir nos montantes de prémios atribuídos aos sectores femininos e masculinos em determinadas provas desportivas.
Duas provas bem recentes ilustram a anormalidade que aqui quero deixar expressa: o XVI Grande Prémio de Marcha Atlética de Gaia, de 21 de Fevereiro passado, apoiado pela Empresa Municipal Gaianima (C. M. Gaia), no qual o valor atribuído aos escalões femininos correspondia, para alguns, a 50% do valor atribuído aos masculinos e só após um protesto da Associação Portuguesa Mulheres e Desporto o valor dos prémios para o escalão sénior feminino foi igualado ao valor dos masculinos, mantendo-se contudo as diferenças para os escalões sub-23 e júnior; e a 19ª Meia Maratona Internacional de Lisboa do dia 22 de Março próximo, cuja tabela de prémios monetários divulgada pela entidade organizadora, explicita valores iguais atribuídos apenas para os 3 primeiros lugares dos escalões masculinos e femininos que correspondem aos lugares do podium. Nas classificações seguintes até ao 10º lugar, com a excepção do 7º lugar, os valores para as classificadas femininas representam 80%, 66%, 75% e 50% do valor atribuído para a mesma classificação masculina.

Que adianta sublinhar que a igualdade entre mulheres e homens é um princípio constitucional, que é uma das tarefas fundamentais do Estado, responsabilidade inequívoca quer da Administração Central, quer da Administração Local?

Que adianta acrescentar que a Lei de Bases da Actividade Física e do Desporto (Lei n.º 5/2007, de 16 de Janeiro) determina, no seu artigo 2º os princípios da universalidade e da igualdade prevendo que «a actividade física e o desporto devem contribuir para a promoção de uma situação equilibrada e não discriminatória entre homens e mulheres»?

Que adianta relembrar que o III Plano Nacional para a Igualdade, publicado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 82/2007, de 22 de Junho, vincula as entidades públicas e todas as pessoas que asseguram o serviço público ao cumprimento da igualdade entre os sexos, chegando mesmo a incluir nas suas medidas a questão dos prémios monetários nas competições desportivas?

Adianta muito…!! Quanto mais não seja constitui a base legitimadora para todas as vozes que não se cansam de apregoar aos quatro ventos as irracionalidades e as aberrações que invadem ainda muitas das mentes humanas e assim pugnar pela sua superação.

sexta-feira, 13 de março de 2009

Pedir ao peru para votar a favor do Natal

O mercado é o mecanismo mais eficiente para controlar a produção de bens e serviços, desde que a distribuição do bem-estar por ele gerado seja suportada num quadro regulador que garanta a sua sustentabilidade e o bem comum.

Ora, se o sistema regulador varia em função das características de cada sector de actividade, existe, a montante, um conjunto de princípios que suportam o funcionamento do mercado. O dinamismo na circulação de recursos como meio de valorização da cadeia de valor talvez seja um dos mais importantes.

As limitações a este princípio de funcionamento do mercado só por motivos de excepção se devem implementar.

O modelo piramidal do desporto europeu, fundado em competições abertas de promoção - despromoção, funcionou durante anos como processo de homeostasia competitiva , uma vez que – em tese – apenas as equipas do meio da tabela classificativa poderiam ficar arredadas de um factor motivacional e de incerteza até ao final da competição.

No entanto o desporto globalizou-se, e diversos foram os fenómenos que puseram em crise este modelo autopoietico. Existe hoje um trade off importante entre a protecção e valorização da formação de praticantes, e a necessidade de regulação na circulação de activos no desporto profissional como mecanismo vital para o financiamento de toda a pirâmide desportiva. Algo que se acentua em contextos de recessão económica.

Desta tendência se aperceberam, mais cedo ou mais tarde, os principais dirigentes das autoridades desportivas internacionais. Variam, no entanto, as suas abordagens para agir sobre o problema.

Tentemos passar a discussão para um plano exploratório, à margem da compatibilidade com o direito comunitário, onde esta se tem esgotado.

No post anterior deu-se conta da abordagem da FIFA, a qual pretende rebuscar as quotas de nacionalidade, considerando a identidade nacional das equipas como o factor decisivo para preservar o equilíbrio competitivo e a matriz solidária que enforma o modelo acima aludido. Blatter balcaniza e arregimenta as federações desportivas nacionais em torno deste objectivo, marginalizando os demais actores desportivos, e procura pressionar, e impor o 6+5 às instituições comunitárias como uma regulação meramente desportiva, no âmbito restrito da autonomia e independência que a UE deve reconhecer às autoridades desportivas.

Platini, que por diversas vezes se distanciou do 6+5, centra a sua agenda no reforço dos mecanismo de transparência, controlo e gestão financeira dos clubes (tectos salariais e intensificação dos requisitos de licenciamento) e, por outro lado, no condicionamento do mercado às transferências internacionais de futebolistas menores de 18 anos.

Os condicionalismos deste espaço não permitem uma análise detalhada sobre estas propostas, a qual, espera-se que se efectue em outros fóruns. Não deixo, contudo, de salientar - à margem das prioridades de agenda - algo que marca a diferença na forma como é conduzida a estratégia da UEFA.

Platini, e outros, perceberam, desde cedo, que a autonomia das autoridades desportivas é tanto mais valorizada, quanto maior for a sua capacidade politica de se envolver no diálogo multi-lateral com as instituições comunitárias a fim de viabilizar medidas que possam conflituar com as normas comunitárias (como será a sua proposta de proibição de transferência a menores de 18 anos).

O sucesso das suas propostas, nomeadamente aquelas que impliquem uma mudança nos padrões de gestão financeira dos clubes - por esse motivo tão estruturantes, quanto controversas -, não mais será atingido com uma abordagem verticalizada; pelo que, como previmos anteriormente, as decisões terão de ser tomadas em coordenação, aberta e estreita, com os demais agentes desportivos (federações, clubes, ligas e jogadores).

Mais do que os instrumentos propostos, talvez a maior diferença e as melhores respostas residam na forma como estes se apresentam e negoceiam.

terça-feira, 10 de março de 2009

Noves fora,nada!

Uma notícia recente avaliava em nove o número de clubes de futebol em situação de incumprimento salarial. Comparado com o que se está a passar na vida das empresas e o assunto mereceria destaque por ser um número relativamente baixo. O problema é, no entanto, bem mais profundo.
O sindicato dos jogadores continua a defender o “mercado real ” mesmo sabendo que ele é virtual. O designado jornalismo desportivo sempre criticou medidas que fossem no sentido de reduzir quadros competitivos profissionais fazendo tábua de rasa de elementares razões de sustentabilidade económico-financeira. O organismo regulador, é por natureza, limitado nas suas medidas contra aqueles que representa e pelos quais foi eleito. Depende da vontade de parte dos infractores. Os governos preferem conviver com este problema a soluções que tragam outros e mais complicados problemas. Todos os protagonistas parecem preferir que o ónus habite outros ambientes, onde, desejavelmente, a culpa da situação possa morrer solteira.
A realidade é que o país não tem economia que estruture e suporte uma tão extensiva dimensão profissional do desporto, seja no futebol, seja em modalidades onde se vive um falso amadorismo ou um profissionalismo encapotado. A falência seria claramente vísivel se as transferências públicas não continuassem a ocorrer por via do apoio de muitas autarquias, pese embora a legislação existente o proíba, incluindo a participação no capital social das sociedades desportivas. Mas este é assunto incómodo para o poder político e para o Tribunal de Contas para quem, parece que no país, ilegalidades no apoio financeiro ao futebol profissional só respeitam à Madeira e a Alberto João Jardim. Em Aveiro, em Setúbal, em Braga, em Vila do Conde, em Guimarães, na Trofa, em Coimbra, em Gondomar, em Matosinhos, na Figueira Foz entre muitos outros concelhos parece não haver financiamento público, directo ou indirecto, ao desporto profissional. Esta constatação revela quanto a situação a que se chegou tem de responsabilidade política. Não só dos governos, mas também dos organismos reguladores dos respectivos sectores.
Encomendaram-se estudos sobre a viabilidade do futebol profissional e o seu redimensionamento. Fizeram-se publicações, conferências e seminários. Escreveu-se e falou-se como se da descoberta da pólvora e de um novo tratamento contra o cancro se tratasse. Resultados? Uma tímida redução dos quadros competitivos do futebol profissional e ia caindo o carmo e a trindade. E por isso lá vamos cantando e rindo levados pela melopeia da “competitividade comparativa”, do “nicho de sucesso”, dos “stakeholders” que o futebol mobiliza, do “cluster” gerador de valor para a nossa economia. O mercado de trabalho é o que é: invasão de mão-de-obra estrangeira, sobretudo brasileira e exportação dos melhores activos. Estudos e opiniões não faltam. Mas falta o resto. E o resto é o mais importante: adequar o futebol profissional à realidade, às condições e às possibilidades do país.
O problema exige soluções que obrigam a um redimensionamento de clubes, de salários e de quadros competitivos profissionais. São soluções que trazem outros problemas. Salários mais baixos, redução da mobilidade e do capital circulante, empobrecimento dos agentes e desemprego. E por isso todos as evitam. Preferem uma medida aqui, outra acolá. O essencial não é atacado.
Não é o ao governo, em exclusivo, que cabe pôr ordem onde ela não existe. E bem pode esperar se tem alguma expectativa na capacidade de auto-regulação do sector. Mas cabe-lhe alguma coisa.Seria suficiente que cumprisse bem o que é sua obrigação: não ser cúmplice com o financiamento público encapotado; ser rigoroso na avaliação do modo como os organismos de regulação do sector profissional cumprem as suas obrigações. Sendo pouco para a dimensão do problema, era muito para obrigar a quem se dedica ao sector a não ter mais olhos que barriga
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sexta-feira, 6 de março de 2009

As palavras e as normas IV

Prossigamos a nossa instrutiva leitura do preâmbulo do novo regime jurídico das federações desportivas e da concessão do estatuto de utilidade pública desportiva:

“Em terceiro lugar, com vista a impedir o regresso a sistemas de votos corporativamente expressos, proíbem-se os votos por procuração ou por correspondência. O que se pretende é estimular a participação dos interessados nos trabalhos das assembleias gerais, fomentar a presença e a discussão dos intervenientes e incentivar a construção de consensos entre os diferentes sectores das modalidades desportivas. As federações desportivas podem optar, salvo se a lei estabelecer regra diversa, por atribuir o direito de ser representada por mais de um delegado; mas, cada delegado apenas terá um voto.”


Não se controverte, num primeiro momento, a motivação que conduz à proibição dos votos por procuração ou por correspondência. Contesta-se, contudo, que a mesma seja imposta para além do quadro das federações desportivas e das ligas profissionais, como determina o artigo 39º, nº 1.
Mas essa é toda uma outra questão.

Agora, o que de todo em todo não se entende é a narrativa que destacámos.
Por um lado, afirma-se que existe uma possibilidade de uma entidade se fazer representar por mais de um delegado; mas, adverte-se, cada delegado apenas terá um voto. Ter-se-á mencionado delegado quando se queria referir «delegação».
Por outro lado, afirmar-se que essa possibilidade existe, desde que a lei não a vede, parece que se está a falar para um muro de lamentações.
Mas que lei, a não ser precisamente esta, se deve ocupar (e se ocupa) desta matéria?
Como já tivemos um ministro responsável (?) pela área do desporto que apresentou na Assembleia da República uma nova “lei de bases” sem a ter lido, não podemos deixar de ser condescendentes com aqueles funcionários que não revêem os textos que lhes pedem para escrever, mesmo que não tenham conteúdo ou sejam absurdos nos seus termos.

quarta-feira, 4 de março de 2009

Suave brisa

Respigo, de um artigo recente de Helena Matos no jornal Público, a citação extraída de um relatório da Ordem dos Engenheiros:”Passámos a discutir direito e não as ciências do urbanismo e do ordenamento do território, sendo por isso cada vez menos importante a intervenção de técnicos especializados nestas matérias, acentuando-se a intervenção dos juristas preocupados com interpretações da lei e dos tribunais para decisão sobre os conflitos”.Se no lugar onde estão “ciências do urbanismo e do ordenamento do território colocarmos “ciências do desporto e politicas de desenvolvimento”é a citação aplicável à realidade desportiva nacional?
O sistema desportivo não pode viver sem normas. Normas públicas e normas associativas. As públicas que devem traduzir uma intencionalidade politica. As associativas conformarem-se ao direito em geral e à especificidade das realidades a que se aplicam. Umas e outras antes de serem “trabalhadas” como um produto normativo são enformadas por uma determinada concepção da realidade que se pretende normativizar.O direito e as ciências jurídicas são um domínio de conhecimento especializado que as ciências do desporto têm obrigatoriamente que acolher. A complexidade crescente do fenómeno desportivo mais justifica essa presença.
O efeito deletério de uma jurisdicização, eventualmente excessiva, inicia-se quando o discurso político emigra. Ou acha que não é necessário dizer ao que vem e para que serve. Que basta viver à sombra de frases de “efeitos rápidos”.Exemplo que podemos encontrar no caso da novo modelo que o Estado pretende que as federações desportivas adoptem se pretendem receber delegação de competências públicas ou nos novos centros de alto rendimento. No primeiro caso sem debater e centrar o papel do Estado no domínio das politicas públicas. No segundo uma espécie de serviço “à la carte”que satisfaz as diferentes corporações desportivas contempladas mas que está longe de constituir uma peça de desenvolvimento do alto rendimento se não articulável com uma estratégia para o sector o que envolve outros factores críticos. Exceptuando a proposta de museu do desporto, não há, no final da legislatura, um texto de intervenção política que consubstancie doutrina e permita perceber o papel do Estado nas políticas de desenvolvimento desportivo. O desporto não tem, por isso, intervenção jurídica a mais; tem intervenção política e debate ideológico a menos.
É esta ausência a par de uma clara desideologização das políticas públicas desportivas que enfraquece naturalmente o debate e o confronto político numa corrente em que seria injusto incluir apenas o governo tal é a incapacidade e impotência demonstrados pelos partidos que são oposição ou por aquilo a que à falta de melhor designação se costuma chamar de “sociedade civil”.
Esta suave brisa que se sente, mas não se traduz em qualquer posicionamento alternativo, permite que quem governa procure demonstrar que o que faz é tornar “perfeito” o que, os que lhe atencederam, deixaram “imperfeito” numa evidência histórica que escolhe a “modernização legislativa”como o elogio da provada competência política. O resto é gestão de tesouraria.E uma boa agenda de contactos das pesssoas do "meio".
Onde está preenchido o campo do pensamento, da doutrina e da pesquisa necessário à exacta compreensão da função social do desporto,aos modelos organizacionais, ás políticas públicas e ao papel que devem desempenhar nas sociedades modernas?
Responsabilizar o governo por tal ausência é excessivo. Ele pode sempre argumentar que não carece de tão nobres propósitos para cumprir a sua missão. E que há outros bem mais vocacionados para esse objectivo. E que o não fazem. O que, em parte, é verdade.