segunda-feira, 31 de março de 2008

Descubra as diferenças…

Nos próximos dias discorrerei algumas considerações acerca da participação portuguesa nos Jogos Olímpicos, com particular enfoque na participação das raparigas e mulheres que, como é sabido, intervieram pela primeira vez em 1952 nos Jogos da XV Olímpiada, Helsinquia, isto é, 40 anos depois da primeira participação dos homens portugueses (1912). Imortalizaram-se, deste modo, as três ginastas então estreantes, Dália Cunha, Natália Cunha e Laura Amorim.

De então para cá, a participação feminina registou uma evolução progressiva, ainda que, sublinhe-se, tais desenvolvimentos tenham sido muito lentos, recheados de escolhos e estereótipos que só a determinação e a perseverança humana, e sobretudo a de muitas mulheres, têm permitido derrubar.
Este não é, infortunadamente, um problema sócio-desportivo apenas de foro nacional!
Contudo, outros países e continentes já despertaram, e há muito…, para a busca de soluções, para a convergência de interesses e para a concretização de planos concretos para minimizar as diferenças de oportunidades e as muitas discriminações ainda existentes no plano desportivo entre homens e mulheres. Portugal, mais uma vez, e também neste domínio, se apresenta anémico e pouco consequente nas políticas públicas transversais a ele respeitantes, seja ao nível do desporto, da juventude, da educação, da reabilitação, do turismo, entre muitos outros...
Não subestimamos, igualmente, os maiores investimentos e esforços que deveriam existir por parte das organizações desportivas privadas no sentido de garantir e preservar um acesso e desenvolvimento do desporto em igualdade de oportunidades entre rapazes e raparigas, mulheres e homens.

Contudo, tem o Estado português, tal como consignado na Constituição da República Portuguesa (conjugue-se a leitura, entre outros, dos artigos 9.º, 13.º, 64.º, 70.º, 71.º e 79.º) e reforçado na Lei de Bases da Actividade Física e do Desporto (vide, artigos 2.º, 3.º, 6.º da Lei n.º 5/2007, de 16 de Janeiro) cumprido as suas incumbências nesta matéria?

Não será difícil responder a tal questão. Vejamos, a contraponto, e a título meramente exemplificativo, o clip que anexamos a este texto, para retermos preocupações de outros países neste domínio, assim como o apoio expresso pelo governo inglês à Women's Sport and Fitness Foundation.

Depois desta visualização, recreemo-nos “procurando as diferenças”…


Piscinas cobertas e saúde pública

As actividades em meio aquático são normalmente aconselhadas por clínicos a pessoas com diversos problemas ao nível das vias respiratórias.
Paradoxalmente é comum os gestores de piscinas de uso público serem confrontados com reclamações de utentes sobre a irritabilidade que o sistema de tratamento da água provoca na pele e nas vias respiratórias, nomeadamente nas piscinas cobertas onde se utilizem sistemas de desinfecção mais antigos, como é o caso do cloro.

A exclusão das águas destinadas a piscinas, do âmbito do Decreto-Lei n.º 236/98, de 01 de Agosto – nesta matéria de saúde pública predominam apenas meras recomendações do Conselho Nacional de Qualidade (23/93) – obsta à responsabilização das entidades gestoras no que respeita à qualidade e conforto da água nas piscinas (e também do ar), apesar da contratualização com empresas de manutenção e laboratórios de análises certificados as proteger de alguma forma.

Pontualmente surgem trabalhos académicos e projectos de investigação, no domínio da engenharia e arquitectura, sobre a programação, planeamento e gestão de instalações desportivas, os quais se revelam de grande utilidade junto de gestores de espaços desportivos, não tendo a devida publicitação e/ou publicação de outras áreas cientificas que se cruzam com o desporto.

O estudo realizado pela Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto em quatro piscinas cobertas do Porto, integrado no projecto europeu SWIM, traça um cenário preocupante e avança com um conjunto de recomendações sobre o controlo da concentração dos produtos derivados do cloro, que teriam grande utilidade se não ficassem apenas retidas num laboratório ou biblioteca universitária.

quinta-feira, 27 de março de 2008

Os blogues de Pequim

Devo confessar que me sinto confundido com tudo o que roda em volta dos próximos Jogos Olímpicos. O boicote pleno, a diversidade de boicotes, a natureza apolítica do movimento olímpico internacional, o posicionamento da maioria dos atletas neles participantes – favorável à realização dos Jogos –, a violação dos direitos do Homem, e tantos outros temas e fundamentos, e seus múltiplos ramais, desarmam-me quase por completo na busca de uma posição bem sustentada sobre a matéria.
Há momentos em que se deve afirmar, sem receios, que não se tem opinião final (formada).
É mais preferível do que, como fez Almeida Santos (então Presidente da Assembleia da República), aquando da visita oficial de um alto dignitário da República Popular da China, afirmar que “os direitos humanos são uma questão relativa”.

De todo o modo, uma coisa temos por bem provável, se não mesmo por adquirida: haverá atletas e outros participantes que irão aproveitar a realização dos Jogos para oferecer ao Mundo – e é mesmo ao Mundo – o seu desagrado sobre a situação dos direitos humanos na República Popular da China, acompanhado ou não de manifestações de solidariedade com o povo tibetano.

Aqui chegados, nos Jogos Olímpicos da «era das novas comunicações», os blogues podem ganhar uma projecção particular.
O Comité Olímpico Internacional já conta com as suas regras próprias, as Blogging Guidelines for Persons Accredited at the Games of the XXIX Olympiad, Beijing 2008.

O COI encara os blogs como uma forma legítima de expressão de uma pessoa e não como espécie de jornalismo. E, dir-se-á, estas normas nasceram tendo em vista a protecção dos media e dos seus (bem pagos) direitos exclusivos de transmissão (e retransmissão) do evento.
Se essa foi uma das razões ou a principal razão da edição destas normas, certo é que as mesmas se irão projectar no domínio de que agora nos ocupamos.
Veremos até que ponto, tomadas de posição – expressas em blogues – virão a ser sancionadas e em que termos pelo COI.

terça-feira, 25 de março de 2008

O IVA que desce e o IVA que sobe

Depois de muita celeuma e muito músculo, incluindo a intervenção do braço armado do Ministério da Economia e da Inovação (vulgo ASAE) ,o assunto ficou em banho-maria. Mas longe de estar resolvido. Referimo-nos ao impropriamente designado IVA nos ginásios. Sempre estranhei o silêncio a que sobre este assunto se remeteram os responsáveis pelas finanças afinal quem, sob a matéria, tem a respectiva tutela. Uma recente informação dos serviços do IVA vem relançar a questão. E, salvo melhor opinião, lançar a confusão.
A Direcção Geral de Impostos em 2006 (e que continuou em 2007) entendia que ”as prestações de serviços consubstanciadas na utilização de recintos ou pavilhões destinados à prática desportiva nomeadamente a utilização de piscinas municipais, pavilhões e polidesportivos (independentemente de quem utiliza as instalações) beneficiam da aplicação da taxa reduzida de 5% (despacho do subdirector geral de Impostos de 26.09.06)
Na Lei nº 67-A/2007, de 31 de Dezembro (Lei do Orçamento para 2008), cuja entrada em vigor se verificou a partir de 01.01.2008,a verba 2.13 da Lista I anexa ao Código do IVA, (taxa reduzida) passou a ter a seguinte redacção: “Espectáculos, provas e manifestações desportivas, prática de actividades físicas e desportivas e outros divertimentos públicos”, alargando, supunha-se, a aplicação da taxa reduzida não apenas ao acesso mas também à prática independentemente de ter ou não enquadramento técnico das actividades desportivas. A medida foi apresentada com o objectivo de facilitar, pela redução de custo, o acesso à prática do desporto.
Entretanto os serviços do IVA, após consulta, respondem com o seguinte entendimento:
“1. A prática de actividades físicas e desportivas bem como o seu ensino, quando facturadas directamente aos seus praticantes, com ou sem recurso a monitores, professores, ou outros, beneficia do enquadramento na verba 2.13 da Lista I anexa ao Código do IVA e, consequentemente passível da taxa de 5%.
2.Relativamente à cedência de espaços a terceiros, designadamente a Clubes, Associações Desportivas, Colectividades, Escolas Públicas, Colégios Particulares e outras entidades privadas, ainda que esses espaços se destinem à prática desportiva de qualquer modalidade (p.ex., piscinas e pavilhões) ou a actividades culturais (Teatros) ou ainda destinados a outros eventos (seminários, conferências e congressos), por falta de enquadramento na citada verba 2.13 da Lista I é tributada a 21%.
3.Do mesmo modo, as actividades complementares da prática física desportiva, designadamente sauna, banho turco, jacuzzi e massagens, por falta de enquadramento nas diferentes verbas das Listas anexas ao Código do IVA, são passíveis da taxa de 21%.”
O ponto 2 é espantoso. Cedência a terceiros! Introduz uma diferenciação entre pessoa singular (utilizador directo) e pessoa colectiva (utilizador indirecto ou terceiro). Se dez pessoas alugarem um pavilhão e forem emitidas dez facturas /recibos o IVA é de 5 %. Mas se for uma entidade (clube,escola,autarquia) a proceder ao pagamento do aluguer, o IVA é de 21%.Faz sentido esta disparidade? Como conciliar o objectivo político de reduzir o custo de acesso à prática desportiva com o aumento da facturação do IVA em relação a entidades, que são a maioria dos que enquadram práticas desportivas, que em 2006 e 2007 estavam abrangidas pelo regime de taxa reduzida? Não dá para entender! Admito que não era esta a vontade política de quem tutela o desporto. Baixar o IVA nuns casos e aumentá-lo em outros. Mas então é necessário que essa vontade prevaleça sobre a interpretação que a administração fiscal quer fazer.


segunda-feira, 24 de março de 2008

Reabilitação? Até onde?

O polémico regresso do velocista Dwain Chambers às competições, após dois anos de suspensão por consumo de esteróides em 2003, tem sido um tema que vem dividindo a opinião pública desportiva britânico e o mundo do atletismo.
Chambers foi seleccionado para fazer parte da equipa britânica nos recentes mundiais de Valência, após ter vencido as provas de selecção para aquela competição - onde viria a obter a medalha de prata nos 60 metros - ainda que o comité de selecção da UK Athletics tenha sido unânime na sua intenção de não o convocar, tendo-o feito porque não havia alternativa face às regras da modalidade naquele país.
Veio-se ainda a saber que os dirigentes britânicos quiseram-no banir das provas de selecção, mas a Federação Internacional de Atletismo viria a indeferir as suas pretensões.

O regresso de Chambers não passou indiferente a importantes figuras do atletismo de terras de Sua Majestade, e não só, em particular, Sebastion Coe, Kelly Holmes e Roger Black, que se manifestaram contra o facto de Chambers voltar a competir. Já outras figuras como Tyson Gay, Kim Collins e John Regis apoiaram o retorno do velocista.

Este caso levanta questões importantes sobre a reabilitação, social e desportiva, de atletas após terem cumprido penas por consumo de substâncias dopantes.
Caso Dwain Chambers mantenha a sua determinação em competir no Jogos Olímpicos de Pequim, este será um assunto com maior impacto, dado que as regras da British Olympic Association proíbem para sempre a participação olímpica de atletas condenados em casos de doping.

Ainda que o desporto livre de drogas e a valorização do mérito sejam principios essenciais da “especificidade desportiva” e o interesse geral na protecção de tais principios “puramente desportivos” possa justificar medidas desproporcionais na restrição da concorrência e de liberdades fundamentais – como ocorre com a suspensão permanente de atletas profissionais em competições desportivas. A teoria do fim das penas tem como matriz estruturante reabilitar o indivíduo para reintegrar-se na sociedade com os mesmos direitos de cidadania dos seus pares.

Será que os diversos argumentos “puramente desportivos” caucionam uma excepção a este pilar de organização social e - após o cumprimento de uma pena – as autoridades desportivas podem cercear direitos, liberdades e garantias, coarctando a possibilidade do prevaricador se redimir, limpar a sua imagem, voltar a exercer a sua profissão e, quiçá, alcançar a glória olímpica?

Se sim. Quais os limites? Com que legitimidade?
Esta é uma matéria - espera-se - que ultrapasse o interesse do debate meramente jurídico ou os fortes interesses económicos da indústria farmacêutica por onde tem (des)andado.

quarta-feira, 19 de março de 2008

Bases para uma politica conjunta do desporto na UE - mais um passo?

A passo e passo o processo de consolidação de uma política comum para o desporto na União Europeia (UE) começa a ganhar peso político.
A Declaração Conjunta sobre o Significado Social e o Diálogo no Desporto, saída da primeira reunião informal de ministros do desporto da UE a 27, sublinha a necessidade de manter o desporto em lugar de destaque na política europeia e assim – ao valorizar a sua dimensão social – contribuir para que o desporto permaneça no centro da competitiva agenda política e mediática da UE.
Na senda de outros documentos, já aprovados e discutidos em diversas instâncias comunitárias no final de 2007 e inicio deste ano, volta a sublinhar o quadro de orientação instituído pelo Livro Branco sobre o Desporto:

A colaboração entre os poderes públicos e a sociedade civil na valorização social do desporto.
O reforço do papel dos organismos desportivos na promoção e organização das suas modalidades desportivas e o diálogo (concertação na esfera da high politics) entre os ministros do desporto da UE, a Comissão e os presidentes dos comites olímpicos nacionais tendo em vista as implicações da autonomia e especificidade do desporto.

Estes documentos, ao contrário do que muitos possam pensar, não devem ser encarados como textos inócuos sem dimensão estratégica que se esgotam no seu conteúdo escrito, limitando-se a repetir o elencar de um conjunto de considerações políticas mais ou menos óbvias e irrelevantes.
Constituem marcos de referência na gestão política no quadro das especificidades do modelo de governação multilateral da UE, o que equivale a dizer que se tratam de importantes trunfos conquistados na arena política por actores com diferentes perspectivas sobre o desenvolvimento do desporto na Europa e um eventual programa comum de acção neste sector.
A ênfase nas dimensões sociais e na importância do diálogo entre actores governamentais e não-governamentais aponta, ao apelar ao debate, para um compasso de espera até à ratificação do Tratado de Lisboa sem deixar ainda de piscar o olho ao Ano Europeu do Diálogo Intercultural, contribuindo – neste ano olímpico - para que o desporto não deixe de ser um assunto prioritário para os responsáveis políticos europeus.

terça-feira, 18 de março de 2008

A insustentável leveza dos Jogos Sociais do Estado

Definir, com rigor, objectivos, níveis de competência e meios de financiamento do desporto pela Administração Pública central, regional e local
(in, Programa do XVII Governo Constitucional)

É um mérito do actual governo. A decisão de alterar os critérios de distribuição das receitas de exploração dos Jogos Sociais do Estado teve uma consequência muito positiva: um significativo aumento dos recursos financeiros públicos para apoio à actividade desportiva. Nunca antes tinha ocorrido na história da administração pública desportiva. Em apenas um ano (de 2005 para 2006) o orçamento da administração pública desportiva através das receitas próprias com base nos referidos Jogos cresceu 130% (de cerca de 20 para 47 milhões de euros). E 2008 como vai ser? Apesar de a entidade promotora dos jogos (SCML) ter previsto um abaixamento das receitas (de resto já verificável em 2007) certo é que o orçamento com que a administração pública desportiva partiu para este ano prevê uma arrecadação recorde (49 milhões e oitocentos mil euros). O orçamento do ano anterior foi curto para a despesa contraída e houve, no final do ano, que solicitar uma antecipação de créditos á custa da receita deste ano. Mas isso não obsta a reconhecer que, a confirmar-se, o valor previsto para este ano é um crescimento invulgar. E conseguido numa ambiente geral de contracção financeira. O responsável governamental fez questão de enfatizar o aumento de mais 8% no orçamento do Estado para o desporto. Mas não explicou, pelo menos que tivéssemos conhecimento, que esse aumento era conseguido através do crescimento das receitas próprias, que estão consignadas ao desenvolvimento desportivo e com uma redução do peso das receitas gerais com origem em transferências do orçamento do Estado. O que suscita uma dúvida: qual das previsões está certa. A da entidade gestora dos Jogos ou a do governo? No final do ano o relatório de execução orçamental esclarecerá.
Com uma folga financeira tão significativa o que muda nos critérios de aplicação destes recursos públicos? Não conhecemos a vontade governamental. Mas existem riscos.
Um deles é o do aumentos das despesas com custos de funcionamento da estrutura tornando legíveis “facturação” de mero conforto pessoal, de “turismo de passeio” ou corporativas e ao contrário do que publicamente é definido e defendido pelo governo. Outro, o de não alterar substantivamente objectivos e prioridades, mas apenas procedimentos burucrático-adminstrativos, colocando mais dinheiro e mais controle onde antes havia menos. Outro ainda o de orientações erráticas ao sabor de lógicas casuísticas ou de mera agenda mediática ou partidária.
A invisibilidade de muitas decisões e a partidarização do aparelho de Estado reforçam os riscos de uma crescente opacidade no modo como os recursos são utilizados, parte dos quais nem sequer são, como estão obrigados, publicitados pelos meios legalmente estabelecidos.
O “ethos” reformista do governo, descontado o nervosismo que dele se apodere sempre que existem resistências ou opiniões diversas, mas que são normais num processo de mudança, seguramente que, mais cedo ou mais tarde, corrigirá esta situação, explicando critérios e formas de distribuição. E os apoios serão publicitados. Pode parecer redundante ou espúrio afirmá-lo. Mas a teoria e a prática nem sempre coincidem no tempo. Neste particular o governo conhece bem a lição e seria imprudente não a aplicar. Em tempo de novas oportunidades seria difícil de compreender que não houvesse arte e engenho suficientes para desaproveitar o tempo e perder a oportunidade
.

segunda-feira, 17 de março de 2008

Financiamento do desporto - Justiça social, eficiência económica e sustentabilidade desportiva?

Os contornos pouco claros da rábula em torno da transferência do futebolista Tiago Gomes para o Málaga são o exemplo mais recente – por certo não o último - do impacto cada vez maior do envolvimento de grupos de empresários e fundos de investimento no negócio da compra e venda de direitos desportivos de futebolistas profissionais.
Ocorre que muitas destas empresas e agentes não têm qualquer vinculo ao mercado desportivo, pelo que a sua actividade não é regulada pelas autoridades do futebol, como no caso de sociedades desportivas ou agentes de atletas. Tratam-se de grupos empresariais que procuram rentabilizar os activos financeiros associados aos direitos desportivos dos jogadores, assumindo uma posição negocial cada vez mais relevante no mercado de transferências. A regulação da sua actividade encontra-se no domínio dos mercados financeiros.
A transferência do jogador, durante o mercado de Inverno, foi sempre assumida pelo presidente do clube como uma prioridade para colmatar as dificuldades de tesouraria e regularizar os salários em atraso do plantel profissional de futebol.
Neste momento, após uma estadia conturbada em Espanha, o atleta regressa à Amadora e o clube, vendo gorada a transferência e respectivo o aporte financeiro, enfrenta a possibilidade de rescisão de contratos dos seus futebolistas profissionais.
Aqui chegados importa questionar, no âmbito de um desporto globalizado e cada vez mais atraente ao investimento de sociedades financeiras e empresas sediadas em domicílios fiscais off-shore, quais os instrumentos que as autoridades do futebol encontram para preservar a tão propalada especificidade do desporto e proteger os atletas da especulação de interesses económicos de actores externos ao mundo do desporto?
O financiamento do desporto profissional não é um tema novo, tendo sido, no passado, matéria de intervenção reguladora de instâncias da União Europeia (UE).
No entanto, as autoridades do futebol - guardiãs do seu valor social - parecem distantes de assumirem uma estratégia clara sobre a monitorizarão e controlo dos fluxos financeiros no futebol profissional, hesitando em definir e implementar um quadro de acção para reter o dinheiro gerado pela capitalização dos activos desportivos no mercado do futebol.
Ao invés - agitando o perigo de crise da identidade nacional - parecem mais preocupadas com epifenómenos circunstanciais de financiamento de grupos empresarias, particularmente no futebol inglês. A propósito da identidade cultural e do futebol inglês, num dos últimos jogos do Arsenal na da Liga dos Campeões, não deixou de ser curioso constatar que dos 6 jogadores de formação local inscritos pelo clube (Clichy, Senderos, Fabregas, Bendtner, Hoyte e Walcott - jogadores que tenham passado pelo menos 3 anos, entre os 15 e os 21 anos, no clube ou num clube do mesmo campeonato) de acordo com as recentes regras da UEFA para reforçar a identidade cultural, apenas dois eram ingleses.
A dimensão económica do desporto é um dos três capítulos do Livro Branco sobre o Desporto, cujo Plano de Acção “Pierre de Coubertin” é uma prioridade na política desportiva comunitária e marca a agenda política, animada com as disposições do Tratado de Lisboa, no caminho de um “Programa de Desporto da UE”.
A necessidade de uma avaliação profunda da importância económica do desporto e dos seus mecanismos de financiamento, em particular no debate sobre a implementação de contas satélite no desporto (fundamentais para um novo paradigma de prestação de contas numa lógica de “value for money” que não nos cansamos de sublinhar), saída das conclusões da Reunião Informal dos Directores Gerais do Desporto da UE é uma manifestação de liderança da esfera política comunitária no sentido de maior regulação dos fluxos financeiros no mercado desportivo face à impassividade das autoridades desportivas, mais entretidas em envidar os seus esforços na distorção de princípios de Direito Comunitário para a utópica senda da preservação da identidade nacional através do desporto.
As conclusões da reunião informal, de hoje, dos Ministros do Desporto da UE poderá ser mais um sinal no reforço do lançamento de uma agenda europeia do desporto onde o financiamento do desporto é um tema decisivo e prioritário ao nível do plano de acção.

domingo, 16 de março de 2008

Oposição na desportiva

Na passada sexta-feira o Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português promoveu uma audição parlamentar sobre o “Regime Jurídico das Federações desportivas”.
Numa nota afirmava-se que “ [N]uma altura em que o Governo se prepara para fazer aprovar um Decreto-Lei para esse Regime, à margem da discussão da Assembleia da República, o Grupo Parlamentar do PCP entende que não deve deixar de intervir numa matéria tão fulcral para o desenvolvimento desportivo, como é a estrutura federativa e associativa desportiva em Portugal.”"O PCP está contra a delimitação da representatividade por parte do Governo. No nosso entendimento, o movimento associativo é soberano na forma como se organiza e não pode nunca o Estado delimitar a representatividade de uma Assembleia Geral", referiu Miguel Tiago.Para o deputado comunista, a alteração da representatividade nas reuniões magnas das federações desportivas "tinha de ser negociada, nunca imposta" ao movimento associativo.
"Esta é uma legislação que preconiza um modelo único de federação desportiva, estejamos a falar de futebol ou de atletismo".·Para Miguel Tiago, o Regime Jurídico "é um golpe no associativismo e no Desporto", acrescentando que, se só se ligar ao futebol profissional, "que é o desporto medida desta lei", se vai "prejudicar o verdadeiro desporto, que não é estar no sofá a ver futebol".

Este posicionamento – tardio, a nosso ver – do PCP, força-nos a reafirmar, uma vez mais, a ausência de uma oposição parlamentar de valor no domínio do desporto.
Já foi assim no passado com os Governos PSD/CDS, em que muito pouco ou nada nascia, como alternativa, nas bancadas do PS, PCP ou outras.
Na actual (X) legislatura, nas suas três sessões legislativas, contabilizam-se 14 iniciativas parlamentares, de diferente natureza: três da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira, três do PSD, duas do Governo, duas do PS, duas do PCP, uma do BE e uma do PEV.

A última destas iniciativas é da responsabilidade do PCP e consiste na apreciação parlamentar do Decreto-Lei nº 315/2007, de 18 de Setembro – criação do Conselho Nacional do Desporto” –, requerida em 17 de Outubro do ano passado e sem qualquer debate até à data.
A este desolador panorama, há que aditar o espaço concedido ao desporto no “debate parlamentar sobre diversos segmentos de política”, ocorrido a 4 de Maio de 2007, e que contou com a presença do Ministro da Presidência e do SEJD.
No «hemiciclo» (adoro esta expressão), os governantes, como já o haviam feito no passado, faltaram à verdade quanto baste. A oposição (?), essa, ouviu e quedou-se, desde então, pela inércia quase total.

O PCP parece agora despertar para o “movimento social”; o PSD, desde logo, com o deputado Hermínio Loureiro, não conta. O BE não me parece que goste muito da matéria, a avaliar pela sua performance neste âmbito. O CDS, também não conta. O mesmo se diga do PEV.

Em suma, o ciclo repete-se à exaustão, sem aparente alternativa: (a) uma vez na oposição aguarda-se o que o Governo faz; (b) não se adiantam propostas credíveis; (c) se não houver contestação de maior às intenções do Governo, permanece-se no imobilismo; (d) contudo, aos sinais sociais de desacordo com o projectado pelo Governo, tocam-se as sirenes ou os sinos da aldeia e, como qualquer corporação de bombeiros (também gosto muito desta expressão), sai-se para a rua numa derradeira tentativa de pôr cobro “à calamidade”, por via de regra, tarde de mais.

Com bombeiros destes não precisamos de incendiários.

quinta-feira, 13 de março de 2008

Blatter: 6+5 e (ou) mais quantos anos?

Portugal debate, aqui e acolá, a duração do mandato dos dirigentes das federações desportivas. Não olha, contudo, com a atenção devida, para além do seu reduzido território, dessa forma perdendo essa discussão argumentos e, acima de tudo, estratégias bem congeminadas.

Em Espanha, o presidente da respectiva federação de futebol, confronta aberta e agressivamente o Estado, tendo por base, não a limitação de mandatos mas a data definida para a realização do acto eleitoral federativo, estabelecida, em conjunto com outras normas procedimentais eleitorais, por acto público.
Os tribunais já foram chamados a intervir, em sede cautelar, e têm-se pronunciado em sentido contrário às pretensões do presidente da federação espanhola. Este, por sua vez, à semelhança, aliás, do que por cá vem sucedendo, procurou (e de certa forma obteve) o amparo do presidente da FIFA.

E, já que chegámos à FIFA, veja-se como Sepp Blatter, o paladino dos valores do futebol universal, traçou uma via bem inteligente para falecer no exercício do cargo.
Aproveitando o seu recente 72º aniversário, Sepp Blatter reafirmou, uma vez mais, a sua crença na “regra 6+5”, que quer ver aprovada até 2012.
Essa regra, foi já aprovada pela Comissão de Futebol da FIFA, a 4 de Fevereiro passado e expressa-se nos seguintes termos: uma equipa deve iniciar um jogo com pelo menos 6 jogadores que podem ser seleccionados para a representação nacional do país onde compete o clube.
Tal regra é manifestamente contrária ao direito comunitário, desde logo na sua vertente de afirmação da livre circulação de trabalhadores e julgava-se “enterrada” desde Dezembro de 1995, aquando da prolação do famoso Acórdão Bosman.
É sua intenção apresentar esta “regra” no próximo Congresso da FIFA (29 e 30 de Maio, Sydney).

Contudo, um porta voz da Comissão Europeia (já parece não ser necessário, nesta matéria, chegar ao Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias), veio já afirmar que Blatter está “a combater numa guerra que não pode vencer”.
Mas qual é a guerra a vencer?
Será o combate pela imortalização do poder?

quarta-feira, 12 de março de 2008

Visto de fora

Não é um fenómeno recente. Nem é um problema exclusivo do futebol. Há vários anos que se assiste, na generalidade das modalidades desportivas em que compete ao mais elevado nível, a uma perda da capacidade competitiva do Benfica. Dantes era raro perder. Agora é raro ganhar. Essa perda de capacidade competitiva foi, em tempos mais recentes, atribuída à frágil situação financeira e às vicissitudes directivas. Actualmente é atribuída a quê? Muitos avançam com a ideia que tudo tem a ver com a organização do clube. Em defesa desta tese é invocado o exemplo do F.C.Porto e da sua liderança onde inclusive têm sucesso os que no Benfica o não tiveram. Esta tese só em parte é verdadeira. Se tudo se resumisse à organização do clube e ao talento do seu líder não haveria treinadores com insucesso. E o FCP também os colecciona. Talvez seja mais ponderado ligar as duas coisas; a organização do clube e o talento de quem o dirige, seja a nível da gestão desportiva, seja a nível técnico. Liderar é uma coisa, gerir é outra, treinar uma outra coisa ainda. É consensual que as organizações são, em parte, aquilo que valerem os seus recursos humanos. José Mourinho recordava, recentemente, que sem ovos não se fazem omeletes e que no supermercado há ovos de tipo 1,de tipo2 e de tipo3.Mas se a qualidade dos recursos humanos de que uma organização dispõe é uma condição necessária e um factor crítico de sucesso, não é ó único nem é suficiente para que o sucesso seja alcançado. Não basta ter pessoas e ter pessoas com vontade, conhecimentos e competências. A possibilidade de sucesso é determinada pelo modo como o conjunto das competências, capacidades e conhecimentos são colocados ao serviço dos objectivos da organização. Esse modo é definido pela liderança e executado pela gestão. E, por isso, as organizações não podem vencer só com gestão ou apenas com liderança. Um bom técnico será penalizado num clube com deficiências e carências organizativas. Mas um mau técnico não vencerá por melhor que seja a organização. O problema do Benfica é de ambos os domínios. Vive de memórias. O clube chegou tarde ao comboio dos tempos actuais e das exigências que a organização desportiva requer. Não procurou a qualidade, o conhecimento e a organização. Pensou que bastaria ter instalações, história, glórias,museu massa associativa, uma águia amestrada, kits para sócios, construção civil, merchandising e o Eusébio. E começou a sobrar em discurso, o que faltava em êxitos desportivos. Perante as dificuldades optou por um arrogante populismo. E num cenário de crise de resultados pelo anuncio de uma nova contratação.  O resto - a ambição, a organização, a capacidade e competência de dirigentes e de treinadores – faria parte do seu código genético. Não era preciso seleccionar, nem investir na escolha dos melhores. O resultado está á vista. E era previsível.

terça-feira, 11 de março de 2008

O impacto social do desporto na comunidade

A responsabilidade social das empresas é um conceito que progressivamente vem penetrando no universo empresarial, ao alertar para as preocupações sociais na interacção entre clientes, fornecedores e agentes da comunidade local.

As actividades desportivas promovidas junto dos colaboradores, o apoio material em eventos e projectos desportivos de ONG’s e entidades públicas, ou até o voluntariado em manifestações desportivas são exemplos impressivos de como o desporto constitui um importante instrumento de afirmação de valores sociais no ethos empresarial, bem distinto do envolvimento no desporto em actividades de marketing, publicidade ou outras de natureza comercial.

Quem opera ao nível do desporto municipal - em particular junto de zonas com um tecido empresarial consolidado – por certo já se confrontou com o progressivo interesse e participação de empresas em projectos desportivos locais, em particular na área do desporto para todos, do exercício e condição física, ou desporto para populações especiais (idosos, cidadãos deficientes e comunidades étnicas socialmente excluídas).

Do enorme potencial de integração do desporto existem diversos estudos que o atestam. O recente relatório do International Business Leaders Forum acrescenta aqui um singular contributo ao apontar um conjunto de oportunidades por explorar na gestão do desporto como estratégia de valorização de objectivos de desenvolvimento social, com particular destaque na catalisação de sinergias entre empresas, ONG’s e autoridades governamentais, perspectivando o mundo empresarial para além de uma mera fonte de financiamento.

Estas responsabilidades sociais estão também bem presentes no mundo desportivo, em especial no desporto profissional, como dá nota o relatório lançado no passado dia 28 de Fevereiro pelo G-14, no qual se listam as inumeras intervenções sociais dos clubes daquele agrupamento, piscando o olho à bandeira política da especificidade dos valores sócio-culturais do desporto, disseminada no Livro Branco do Desporto.

Já outros casos - bem perto de nós - apelam à responsabilidade social da comunidade e espelham as inúmeras limitações de quem quotidianamente se confronta com a precaridade de condições de vida de alguns praticantes desportivos, ao realçar uma vez mais o papel estruturante e vital das autarquias locais no desenvolvimento desportivo nacional. Tudo isto bem longe das parangonas desportivas...

sábado, 8 de março de 2008

8 de Março: as associações na rua?


Mais do que o Dia Internacional da Mulher, em Portugal, este 8 de Março fica marcado pela manifestação dos professores, num impressivo movimento de contestação à Ministra da Educação e à política educativa deste Governo.

Não é tema sobre o qual nos caiba, neste espaço, analisar ou tomar posição.
Contudo, ele pode servir de mote para a colectividade desportiva discorrer sobre um paralelismo – ou, porventura, apenas uma sua miragem – sobre o que vem sucedendo e pode ainda ocorrer no desporto federado. E é esse, e só esse, o objectivo deste texto.

Também hoje, em Fátima, teve lugar uma reunião de associações distritais e regionais de modalidades, contando com a representação do futebol – verdadeiro motor da iniciativa –, mas ainda, do andebol, do atletismo, do basquetebol, do ciclismo, da ginástica, da patinagem, do judo, do ténis e do voleibol num total de 35 associações.

surgiram «ameaças» de "parar todas as provas e actividades desportivas de âmbito distrital e regional, nos fins-de-semana de 5 e 6 e de 12 e 13 de Abril”, a aprovação da realização de "uma concentração, a nível nacional, do desporto não profissional, junto da Assembleia da República, em Lisboa", caso não sejam "efectuadas as alterações sugeridas" e, ainda, a decisão da possibilidade “de entregar as chaves ao secretário de Estado [Laurentino Dias] “.

Esta movimentação e contestação de base ao projecto governamental de um novo regime jurídico das federações desportivas têm razões, já amplamente publicitadas. Umas temos por legítimas; outras, nem tanto.
Em todo o caso, não é isso que se deseja agora colocar a debate, como atrás deixámos expresso.

Olhando o suceder de reuniões deste tipo, mirando ainda o relativo afastamento das respectivas federações desportivas – para não dizer mesmo, em alguns casos, a condenação da postura associativa de base –, que paralelo se pode fazer – se é que se pode –, por exemplo, com as movimentações espontâneas dos professores, bem para além do quadro de referência sindical?

Aproximam-se essas federações da confederação das associações de pais, que apoia a política educativa do Governo e que é por este subsidiada?

Será que, como dizia acertadamente uma nossa associada, nos primórdios desta colectividade, o desporto é como um Joker num jogo de sueca, de nada valendo?
Estaremos perante uma mera espuma ou, pelo contrário, em face de uma “notícia com futuro”?

terça-feira, 4 de março de 2008

Heterodoxias desportivas(III).Para os crentes o Estado está no principio das coisas

O paradigma normativo-regulamentador tem sido o caminho adoptado pelas políticas públicas para o desporto. Assenta na virtude da “lei” e na boa competência do Estado para a sua criação. Supostamente se atingirá por essa via a modernização do sistema desportivo. É um caminho possível. Mas não creio que os resultados sejam distintos do que têm sido atingidos por anteriores governações. Embora possa alimentar a retórica do tipo como foi “possível deixar a situação chegar a este ponto” .Ou da lamentável caos “antes de nós” para o radioso presente “connosco”. Mas os resultados efectivos serão bem escassos. O tempo o dirá. De resto, o facto é que, nas matérias em que o Estado tem competências próprias e estão a montante do sistema desportivo -políticas de educação e de juventude - o desporto (ou a educação física se preferirem),se mantém num estado de clara agonia. E que se passa no 1º ciclo do ensino básico é elucidativo. O que porventura revelará que, apesar de tudo, é mais fácil ”legislar” do que cumprir bem o que está legislado. Mas qualquer que seja o caminho - e o melhor será sempre o que atingir os resultados definidos previamente como os “objectivos de política desportiva pública”-é natural que uma parte das medidas públicas se destinem às organizações desportivas.
Quando as associações distritais de algumas modalidades se dispõem a discutir e a “combater” um novo regime a ser aplicado às federações desportivas é bom que se não alimente qualquer ilusão a respeito dessa “luta”. No essencial, o que está em causa não é discutir qual deverá ser o papel do Estado no seu relacionamento com o movimento associativo federado e se esse papel deve ir até ao ponto de definir o modo como as organizações desportivas devem estar organizadas. Ou se a lógica associativa ganha ou perde com um outro tipo de organização e de representação. É basicamente defender e conservar o poder actualmente atribuído. Passa ao lado do debate (para o desporto como para um certo número de outras áreas sociais) de qual deve ser o papel do Estado – central e local - na configuração e modelação das politicas públicas no âmbito das políticas desportivas. E não fazê-lo é sempre correr o risco de termos legislação a mais e doutrina a menos. Ou então vivermos com os lugares comuns da “realpolitik” europeia do tipo do Livro Branco sobre o Desporto: basta pouco para impressionar muito.
Os governos têm entendido, e os opinadores oficiais e oficiosos aplaudem, que as federações desportivas devam obedecer a uma formatação de tipo único que esteja para além do que configura o regime previsto no Código Civil e as normas próprias das organizações desportivas. Dir-se-á que o facto de receberem competências públicas delegadas que importa acautelar justifica uma ”normativização” para além daquele regime. Que a situação actual nem sempre reflecte as dinâmicas associativas que no plano formal representam. Que o tradicional conservadorismo destas organizações se traduz numa clara paralisação para qualquer mudança que o desporto requer face aos seus desenvolvimentos recentes. Que por regra estas organizações desportivas são conservadoras e pouco regeneráveis a partir de si próprias. Que outros países até são mais intervencionistas. E que por tudo isso e muito mais, que por economia de espaço se não refere, o Estado deve intervir porque é detentor de uma legitimidade e de uma “razão” (divina?) a quem cabe “pôr ordem” onde ela escasseia. Esta visão “salvífica” coloca, contudo, uma elementar questão: como se demonstra que o Estado é apto e competente para o que pretende? Apto será, competente está por demonstrar. O que não envolve qualquer crítica a quem tecnicamente prepara as"leis" mas tão só à avocação política por parte do Estado dessa competência.
O conservadorismo e perenidade associativos são de ordem conceptual,comportamental e cultural. São uma característica geral. Não desta ou daquela instituição, nem exclusivamente nacionais. Não são alteráveis ou reformáveis por decreto. Mas apenas quando o grau de exigência social os obrigar á mudança. Sem isso a mudança que certo tipo de agentes introduz nas dinâmicas associativas é mais de ordem formal do que substantiva. O seu grau de representatividade em alguns casos é nulo. O desporto não muda por a representação das associações ser diferente da actual. Por o associativismo de “cúpula”ser substituído ou mitigado por um “associativismo de base”.Por o presidente do sindicato ter mais poder e o presidente da associação ter menos. Os dirigentes sindicais, os dos treinadores ou do “associativismo de base” têm tanta tendência à “eternização” no poder como os restantes dirigentes. São tão “modernos” como os outros. E “ouvem” tanto as bases como os dirigentes das associações. Muitos que hoje “dirigem”já assumiram no passado outros papéis no sistema desportivo. O que mudou?
O Estado tem tendência à deriva normativa. Assenta na ideia (iluminista?) de que faz tudo bem, incluindo o modo como as organizações desportivas se devem reger. O Estado quer ir a todas. E para isso é muitas vezes empurrado, até pelas próprias organizações desportivas. Acredita que é na legislação que está o factor crítico para o sucesso. Ou pelo menos é preciso começar por aí. E que o sistema desportivo se formata exclusivamente a partir do que for o enquadramento definido e regulado pelo Estado. Acredita num determinismo normativo. Coloco sérias reservas a esse entendimento. Reconheço que, nesta matéria, Portugal não é o único país a proceder deste modo. E provavelmente se tantos copiam o modelo é porque sou eu que estou enganado. Ou então o modelo que se copia. O que valem os exemplos dos outros? Estádios de desenvolvimento distintos, graus e expressões associativas diferentes, politicas desportivas com outra dimensão pediriam políticas desportivas públicas e respectivo ordenamento jurídico também diferentes. Ou não?
Uma nota final. Os dirigentes desportivos não gostam dos políticos que se “intrometem” na “autonomia” do movimento associativo”.Exceptuam-se aqueles que para terem alguma representação associativa carecem da “boleia” do poder político porque não tendo capacidade reivindicativa e nunca tendo liderado qualquer luta em nome dos que representam só desse modo conseguirão algum” poder” na lógica associativa. Mas uns e outros, alinhados e desalinhados, estão condenados a “entenderem-se”.Uns (dirigentes desportivos) não sabem viver sem os outros (dirigentes políticos). Está escrito nas estrelas. E sempre assim foi, mesmo em pleno Estado Novo.Com veneração e muito respeitinho. E por isso ninguém se pode vir a queixar.

domingo, 2 de março de 2008

O modelo bicéfalo e os inesquecíveis

Viver a cerca de três centenas de quilómetros da macrocefalia institucional e organizativa do desporto nativo tem, como tudo na vida, convenientes e inconvenientes assinaláveis. Mas, para quem da vida procura carrear optimismo e boa disposição, a tendência é maximizar os convenientes e minorar os inconvenientes. Como tal, este meu (aparente) distanciamento da centralidade e da concentração de determinado “poder político e organizativo” das hostes desportivas, tem-me permitido, ao longo dos tempos, estabelecer uma relação saudável com inúmeros agentes desportivos e uma leitura equidistante da morfologia e da dinâmica organizacional desportiva.
Foi para mim, confesso-o sem tibiezas, um regozijo ter sido vice-presidente da direcção da Confederação do Desporto de Portugal no período de 2000-2003 e um desencanto ter sido relatora do Conselho de Justiça desta mesma entidade no período de 2003-2007. Regozijo pela acção e inovação, desencanto pela inoperância!
Podemos e devemos reflectir, e escusado seria dizer, mas por ora recomenda-se - de forma intelectualmente séria -, o modelo bicéfalo que existe entre nós relativamente às organizações desportivas que se situam na cúpula organizacional desportiva: a Confederação do Desporto de Portugal e o Comité Olímpico de Portugal. Podemos contribuir para a clarificação histórica, para a leitura estatutária e para a determinação da missão e vocação de cada uma destas instituições desportivas. Podemos contribuir para a avaliação, objectiva e subjectiva, do trabalho e da importância que cada uma delas tem tido no desenvolvimento desportivo nacional. Contudo, o verdadeiro debate de ideias e o esgrimir de argumentos relativamente ao merecimento ou desmerecimento deste modelo bicéfalo, à sua continuidade ou remodelação, pertence, em primeira instância, ao movimento associativo desportivo, designadamente às federações desportivas nacionais.
E aqui chegados, eis, para mim, o nó górdio da questão, ou seja, as federações desportivas se não têm fugido desta questão como o diabo da cruz, também não a têm promovido em sede própria, com elevação, com argumentos substanciais e desprovida de interesses particulares e individualistas. A congregação de esforços e de motivações para a existência de uma intencionalidade política de cunho estratégico por parte do associativismo desportivo deveria ser entendida como uma prioridade de todos e para todos. Com honrosas excepções, ao invés, vamos assistindo a reacções por impulsos, destes ou daqueles, movidas ora por interesses de militância político-partidária, ora por interesses corporativos agastados, ora ainda pelas pretensões virulentas de garantir e manter o poder já exercido há anos e anos.
Nas últimas três décadas de democracia portuguesa será difícil encontrarmos nos 24 ministros responsáveis pelo desporto, nos 13 secretários de Estado e nos 14 responsáveis pelos serviços da administração pública desportiva, dirigentes políticos que daqui a cem ou duzentos anos sejam recordados pelo mérito dos seus feitos. Contudo, estamos também em crer que dos milhares de dirigentes desportivos que indubitavelmente têm, a grande maioria de forma benévola e graciosa, dedicado a sua vida, ou grande parte dela, à promoção e desenvolvimento do desporto, e particularmente os que têm assumido funções de destaque nas cúpulas organizativas do associativismo desportivo, poucos registarão o seu nome na lápide da memória colectiva pela sua capacidade de mobilização e liderança de projectos desportivos nacionais e de congregação e representação dos interesses e reivindicações colectivas.

Anacronismo

O jornal oficial do passado dia 26 de Fevereiro publica um interessante despacho dos ministros das Finanças e da Presidência, datado de 7 de Dezembro de 2007, o qual autoriza, ao abrigo da Lei das Finanças Locais, a celebração de um contrato-programa entre o Instituto de Desporto de Portugal e a Porto Lazer - Empresa de Desporto e Lazer do Município do Porto, cuja minuta se encontra em anexo.

O objecto do contrato-programa visa conceder uma comparticipação financeira de € 400.000 relativa à organização pela Porto Lazer do Evento Desportivo Internacional “Racing Festival — WTCC Porto 2007 — Circuito da Boavista”, que se realizou em Portugal, na cidade do Porto, nos dias 6, 7 e 8 de Julho de 2007.

Sendo a Porto Lazer uma empresa municipal, o financiamento do Estado não se pode enquadrar no âmbito do regime dos contratos-programa de desenvolvimento desportivo, uma vez que o artigo 4.º deste regime não reconhece o sector empresarial local como possível beneficiário de comparticipações financeiras.

Por outro lado, salvo melhor opinião – e a fazer fé no acervo normativo disponível na Internet – , desconhece-se o reconhecimento de interesse público da iniciativa desportiva em causa, conforme estabelece a Lei de Bases da Actividade Física e do Desporto (LBAFD - art. 46.º n.º 1) como condição necessária para o financiamento público.

Nesta conjuntura, e ancorado na janela de oportunidade que é o artigo 47.º da LBAFD - sobre o qual já nos pronunciámos em outros locais - o Estado contorna aquele que parece ser um principio elementar da gestão financeira desportiva pública ser titulada por contratos-programa de desenvolvimento desportivo (LBAFD - art. 46.º n.º 3) – o qual remonta às anteriores leis de bases - e elabora um contrato programa ao abrigo do DL n.º 384/87, de 24 de Dezembro, que permite resolver os condicionalismos supra mencionados.

Curiosamente, da leitura do contrato programa, o lapsus linguae da cláusula 9.ª é bem revelador dos propósitos em causa.

Ainda assim, em qualquer dos regimes de contrato programa referidos a iniciativa contratual depende da apresentação prévia, pela entidade candidata, de proposta de plano ou projecto com um conjunto de elementos a serem analisados pela entidade pública concedente, pelo que a celebração contratual deverá anteceder a realização do investimento.

Admitindo que juridicamente pode ser uma matéria discutível, a prévia celebração de um contrato para regulação das responsabilidades de agentes sociais sobre o financiamento de uma actividade, parece ser um acto de gestão normal e responsável para salvaguarda dos interesses das partes.

Este não é o entendimento do Estado que autoriza, por despacho de 7 de Dezembro de 2007, a celebração de um contrato programa que visa comparticipar uma iniciativa desportiva já realizada nos dias 6, 7 e 8 de Julho de 2007.

“Há coisas fantásticas, não há?”