quarta-feira, 27 de fevereiro de 2008

A violência, A Bola e o CND


Saberão muitos que no passado sábado, em Inglaterra, durante o encontro entre o Birmingham e o Arsenal, Eduardo da Silva, avançado desta última equipa foi alvo do que vem sendo descrito “por uma arrepiante agressão”, em virtude de uma violenta “entrada” de Martin Taylor, jogado do Birmingham.
Desse incidente resultou fractura da tíbia e do perónio do atleta profissional do Arsenal.

Daí podem derivar consequências jurídicas bem significativas, não só para o atleta como para o próprio Birmingham. Não seria a primeira vez que os tribunais (no estrangeiro, particularmente em França) configurariam estar reunidos os pressupostos para o reconhecimento de um direito a indemnização, em sede responsabilidade civil por acto ilícito (veja-se, neste sentido, a recente situação ocorrida na Argentina).

Ora, diz quem acompanhou a transmissão televisiva, nem uma repetição do sucedido veio a ter lugar. Informa o jornal A Bola, de hoje, que todas as televisões – e o próprio Youtube – não passam essas imagens. «Inglaterra censura agressão», é mesmo o título da notícia.

Por cá, a apenas alguns dias de um jogo a disputar entre o Sporting e o Benfica, A Bola “encheu” toda uma sua primeira página com notícias acerca de confrontos que tiveram lugar entre elementos de claques dos dois clubes, na madrugada de domingo. Tais confrontos, ainda segundo o noticiado, foram graves e combinados entre esses dois (?) (quais?) grupos.

A Bola instalou, por assim dizer, um ALERTA VERMELHO.

Hoje, no seguimento dessa “antevisão de violência” para domingo próximo, o mencionado jornal recolhe afirmações de Manuel Brito, membro do Conselho Nacional do Desporto (CND), nesse órgão ainda desempenhando as funções de presidente do Conselho para a Ética e Segurança no Desporto (CESD), uma das secções do CND.
Esta secção é composta por 20 membros.

Permitam-se-me alguns comentários a partir das suas palavras, não estando obviamente em causa a sua “preocupação” e o facto de, a partir de ter tomado conhecimento dos factos, “não mais ter descansado”, tendo, desde então, estabelecido “intensos contactos”, com vista a inteirar-se de todos os contornos do ocorrido.

Em primeiro lugar, Manuel Brito revela-se surpreendido.
Este estado de espírito é, a nosso ver, sintoma da uma leitura errada – de há muitos anos a esta parte – do fenómeno da violência no desporto e do papel das claques, que vem sendo sustentada pelos poderes públicos.
Basicamente, a mensagem, repetida até à exaustão, é a seguinte: em Portugal há fenómenos de violência, há problemas com as claques, mas nada de comparável com o que se passa no estrangeiro.
Daí que, quando sucedem manifestações de violência, como a da madrugada do passado domingo, já recorrentes em outros países, os responsáveis se surpreendam.
Ou seja, o discurso permissivo da actividade violenta das claques que percorre o imaginário português, entidades públicas e privadas competentes, só pode responder desta forma.

Encontrando-se Portugal, em demasiados aspectos, numa situação de atraso estrutural face à Europa, mais valia, neste caso, que se aproveitasse esse atraso (para arrepiar caminhos que percorreremos inevitavelmente no futuro), pois é certo e sabido – até pela “cooperação internacional das claques” e por um mais do que notório fenómeno de imitação –, que o que sucedeu lá fora, vai entrar na nossa casa, mais ano ou menos ano.

De seguida anuncia-se “um acrescento de um ponto” à próxima reunião do CESD, agendada para o dia 11 de Março, em face da gravidade da situação. Espero, sinceramente, que não tenham que se reunir no dia 3.
De todo o modo, convém ter presente, que nada resultará de verdadeiramente significante desta reunião, realize-se ela a 3 ou a 11 de Março, ou mesmo a 25 de Abril ou no dia Santo António.
A composição, competência se forma de funcionamento do CESD, a lei em vigor (e a sua não aplicação) e a nova (?) lei (e a sua futura não aplicação), são dados que nos permitem, com alguma segurança, prognosticar um elevado grau de ineficácia nas decisões ou pareceres do CESD. Aqui, por exemplo, já o país vizinho, não funcionou como “texto a copiar” para a solução nacional.

O exemplo da legislação espanhola conduz-nos à nossa última observação.
Adianta o presidente do CESD, que em elaboração está já a criação de uma comissão permanente, que “visa ser célere e reunir e decidir casos de urgência.»

E informa sobre a sua composição, pormenorizando que “falta apenas o presidente da Federação Portuguesa de Futebol, Gilberto Madaíl, indicar um representante do organismo a que preside para a comissão ficar constituída” (sublinhámos).
Aqui chegados, ganha espaço legitimo uma constatação que fizemos o ano passado no Público – a propósito da composição e funcionamento do CND.

Com efeito, como é que é possível tal indicação de “representante” por parte do presidente da FPF, para a referida “comissão permanente”, se nos termos do diploma de criação do CND (Decreto-Lei nº 315/2007, de 18 de Setembro), a representação da FPF, através do seu presidente, tem natureza pessoal e não pode ser delegada (artigo 4º, nº3)?
Que validade vai ter uma eventual decisão dessa “comissão permanente”, a qual, à partida, se compõe à margem do próprio diploma que criou (mal) CND?
Violenta-se a lei?

Para A Bola, parecem ficar (e bem ajustadas são), as últimas palavras de Manuel Brito: não se apaga fogo com gasolina.

terça-feira, 26 de fevereiro de 2008

A saga dos responsáveis técnicos

Em 1999 o governo em exercício produziu um diploma (decreto-lei nº385/99) que instituiu a obrigatoriedade do chamado responsável técnico. Todas as instalações desportivas abertas ao público, com exclusão das instalações desportivas escolares, passavam a estar obrigadas a ter um responsável técnico. Este diploma continua em vigor. Aplica-se ao sector público, associativo e aos sectores empresarial público e privado. E abrange todo o tipo de instalações desde os ginásios, às piscinas, sejam elas para fins formativos, desportivos, balneares ou recreativos, as pistas de atletismo, os pavilhões desportivos, os campos de futebol, até às instalações especializadas tipo carreiras de tiro, campos de golfe, kartódromos, hipódromos, etc.O responsável técnico de cada uma destas instalações está obrigado a permanecer nas mesmas durante o seu período de funcionamento. Ou então, substituído nas sua ausências por quem o coadjuve. E quem pode ser o responsável técnico (ou quem o coadjuve)? Alguém com formação especifica para o tipo de instalação desportiva ou, em qualquer situação, um licenciado por um estabelecimento de ensino superior na área da educação física ou desporto. Até ao momento quem pode, efectivamente, exercer as funções de responsável técnico (ou coadjuvante)? Apenas os referidos licenciados porque os vários e diferentes membros do governo responsáveis pela área do desporto, em nove anos, nunca produziram a portaria que definisse, em função da tipologia da respectiva instalação desportiva, a correspondente formação. Este processo é exemplar do modo se abordam situações desreguladas que carecem de normas de funcionamento mas em que a solução normativa encontrada se deixa por incompleta e está tão desfasada da realidade, que se torna inócua face ao que pretende regular.
É positivo que se obriguem as entidades proprietárias das instalações desportivas a terem um responsável técnico. Mas já e um absurdo admitir que para todas as situações, desde que a instalação esteja em funcionamento, ele (ou quem o coadjuve) tenha de permanecer no local). Imagine-se, para uma instalação desportiva que abra das 8.00 horas às 23.OO e funcione aos fins-de-semana, os recursos humanos exigíveis e os custos de funcionamento. Num treino, numa aula ou sessão com enquadramento técnico a sua presença é dispensável. Se aplicasse o que normativo obriga não haveria clube que pudesse treinar sem o referido responsável técnico ter que estar presente. Absurdo maior é admitir que o simples facto de se ter uma licenciatura na área da educação física e desporto (são dezenas as existentes muitas das quais sem qualquer conteúdo curricular relativo á gestão de instalações desportivas) seja condição suficiente para todos os tipos de instalações. Mas, mesmo que o fosse, onde existiriam recursos humanos em quantidade e disponíveis para tais funções? E quanto custariam?
É uma falta grave não regulamentar a formação exigida para as diferentes tipologias de instalações obrigando, quem não pretende estar em situação de incumprimento legal, a recorrer a licenciados em educação física mesmo que o sejam para instalações especializadas onde o grau de impreparação técnica é mais do que evidente. Tudo isto, repetimos, está em vigor. No passado, iniciativas adoptadas para corrigir esta situação nunca tiveram tradução legislativa. E o que de imediato se propõe ser objecto de alteração só respeita aos ginásios. Infelizmente, neste aspecto particular dos responsáveis técnicos, mantendo vícios de que padece a actual legislação. Não é, uma vez mais, desejável que para um universo tão distinto e tão diversificado se imponha uma solução tão limitadora.
A legislação existente e a que se propõe são impraticáveis para a realidade do país. Ou então significarão o encerramento de centenas de instalações desportivas. E a melhor prova de inadequação á realidade do país, está no facto de que nem as instalações desportivas que são propriedade do Estado e estão sob gestão de Institutos públicos, cuja tutela depende do membro do governo responsável pelo desporto, cumprem as normas a que estão obrigados ou preenchem os requisitos previstos nas normas que se propõem.

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2008

Federações desportivas - Pensar estratégico e agir democrático?

Os níveis de coesão e solidariedade social, muito baixos e instáveis, apresentados em vários estudos sociológicos sobre o nosso país têm um impacto profundo na construção da cidadania.
Não se trata aqui de ver a cidadania apenas reduzida a um estatuto legal de direitos e deveres, mas – numa perspectiva mais abrangente – na capacidade de envolvimento numa comunidade política e social.
Isto é, a capacidade dos cidadãos e das organizações sociais em mobilizarem-se na definição e implementação de políticas publicas, não sendo apenas os destinatários dessas políticas.
Quando a cidadania democrática não se encontra consolidada, os actores sociais não dispõem de uma perspectiva mais ampla dos interesses em jogo no processo de governança. Não conseguem assim agir para além dos interesses próprios, limitando-se a reclamar, consumir e, se for caso disso, a avaliar as políticas públicas. Abdicam da sua dimensão de cidadania para se tornarem clientes das medidas que os governos implementam para responder às suas exigências. Aqui, tem maior sucesso quem tem mais meios para se fazer ouvir junto dos decisores políticos.
As origens latinas da palavra cliente, que apontam para a noção de dependência e de seguidor, estão bem longe do significado de cidadão. Na governação, os cidadãos não são apenas clientes, eles são “donos”. Os clientes decidem entre os produtos apresentados pelo mercado; os cidadãos decidem o que é importante que os governantes façam com os recursos públicos.
Este resumo de moderna teoria social - agora que é publicada a tomada de posição da SEDES com um retrato impressivo do país social – não deixa de ter no desporto um excelente exemplo, particularmente no desporto federado.
Era há muito conhecida a intenção política de reformar o Regime Jurídico das Federações Desportivas (RJFD). Até à recente proposta do governo, as federações optaram por escassas discussões avulsas - maioritariamente à porta fechada - sobre o eventual diploma. Isto, num domínio vital da sua autonomia.
Ao invés de liderarem a agenda política optaram pela confortável posição de esperar para ver.
No futebol, a emergência da Liga Portuguesa de Futebol Não Profissional (LPFNP) na negociação das viagens às regiões autónomas ia dando sinais da posição do governo face à impassividade das associações regionais e da federação. A Confederação do Desporto de Portugal, em processo eleitoral, mantinha-se num olímpico silêncio...
Quando foi apresentado o projecto de diploma a reacção do movimento associativo não se fez esperar e recorreu ao expediente comum em sociedades pavlovianas e paroquiais - pedir a “cabeça” do responsável político.
O governo apresentava a proposta que satisfazia os seus interesses próprios: Garantir uma intervenção forte do Estado na gestão federativa através do reforço do presidencialismo (medida típica de impor maior responsabilização sem garantir democraticidade e separação de poderes, o que reforça a possibilidade de intervenções arbitrárias dos poderes públicos). Reduzir o peso das associações, cuja inoperabilidade bloqueia a boa governação das federações, e consolidar a importância das ligas (a de futebol profissional e a inefável LPFNP) tendo em atenção o seu capital político. Tudo isto, claro está, num diploma que aponta, naturalmente, para a modalidade desportiva com maior peso e interesse político.
“Trancas à porta” o movimento associativo, importante laboratório de cidadania, vem agora - após organização de um fórum (do futebol, pois claro) onde procurou discutir aquilo que há muito devia ter feito – elaborar um conjunto de propostas sobre o projecto de diploma. Algumas, eventualmente, a serem hoje apresentadas na reunião do Conselho Nacional do Desporto.
Como se diz em linguagem desportiva, resta-lhe “ir atrás do prejuízo” uma vez que abdicou de conduzir a gestão do processo, optando antes por olhar pelos seus interesses clientelares.
O governo, neste paradigma de sociedade - não tendo uma lógica diferente - também optou por olhar pelos seus interesses e veio já reafirmar a “cosmética” disposição para auscultar as propostas ao seu projecto de diploma, sem abdicar, contudo, dos seus princípios estruturantes.
No desporto, como em outros domínios sociais, o caminho que separa o cliente reactivo do cidadão proactivo, a governação hierárquica da governança em rede, ainda está por percorrer.
No passado escreveu-se aqui sobre cidadania desportiva. Até hoje, na gestão da agenda em torno do RJFD, não deixa de ser manifesta a elementar cidadania desportiva de todos os actores envolvidos - públicos e privados.
Talvez um dia se volte a este tema, reflectindo sobre os instrumentos para garantir uma efectiva cidadania desportiva e ir ao encontro de níveis mais evoluídos onde o “pensar estratégico e agir democrático” não seja apenas um assunto de manuais… Até lá, no desporto “é preciso fazer algo para que tudo fique na mesma” e todos darmos uma vista de olhos na última página do documento da SEDES.

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2008

As salsichas e as leis


Aproveitando uma das frases de pedra seleccionada um dia destes, pelo Público («Os cidadãos não conseguiriam dormir tranquilos se soubessem como são feitas as salsichas e as leis», de Bismark), glosemos, uma vez mais, o tema – que é também nosso por deformação – da legislação desportiva, voltando aos projectos de diploma colocados à discussão pública pelo Governo, em Dezembro passado.
A atenção e discussão têm recaído, em grande medida, sobre o diploma respeitante ao novo regime jurídico das federações desportivas e do estatuto de utilidade pública desportiva, deixando mais na sombra os outros três projectos. Contudo, nesta colectividade desportiva, o texto relativo à construção, instalação e funcionamento dos ginásios já foi comentado por mais de uma vez.

Mirando a globalidade dos quatro textos, reafirma-se o que já tivemos oportunidade de adiantar noutro local: os projectos surgem tarde (há muito que se encontra esgotado o prazo injuntivo da Assembleia da República para a concretização da regulação da Lei de Bases) e apressadamente – passe o aparente paradoxo.
Na verdade, denota-se que não foi conferida a necessária atenção ao que se adiantou como iniciativa legislativa. E tempo não terá faltado.

Vejamos três exemplos do que afirmamos.

No texto relativo à “Luta contra a dopagem no desporto“, a proposta refere-se sempre a «alta competição». Fá-lo por cinco vezes.
Ora, não se entende como tendo sido esta denominação substituída pela de «alto rendimento» na Lei nº 5/2007, de 16 de Janeiro, quase um ano após se apresente um projecto de diploma que não recolhe a terminologia já em vigor.
Dirão alguns que se trata de meras gralhas, nada de realmente importante.
Enganados estão, contudo. A utilização indevida de um conceito já inexistente num projecto de diploma que pretende regular a Lei que o fez nascer, não só corre o risco de lá permanecer como, acima de tudo, revela uma falta de cuidado do Governo ao apresentar as suas próprias iniciativas legislativas. É, sem dúvida, um sintoma da pressa.

Um segundo exemplo é, se assim no podemos exprimir, mais grave do que o anterior. Localiza-se no mesmo projecto e toca num aspecto essencial do sistema de sanções disciplinares no âmbito da dopagem.
Temos, assim nos parece, duas normas contraditórias.

No artigo 34º, nº 7, estabelece-se:
Quando requerida a análise da Amostra B as consequências desportivas e disciplinares só serão desencadeadas se o seu resultado for positivo, confirmando o teor da análise da Amostra A, devendo todos os intervenientes no processo manter a mais estrita confidencialidade até que tal confirmação seja obtida.

No entanto, mais adiante, vem-nos dizer o artigo 36º, nº 1:

O praticante desportivo em relação ao qual o resultado do controlo for positivo, logo com a primeira análise ou depois da análise da Amostra B, quando requerida, será suspenso preventivamente até decisão final do processo pela respectiva Federação, […]

No domínio em causa, o da aplicação de sanções disciplinares, os erros legislativos pagam-se caro, desde logo pelas exigências do Estado de Direito. É bom, pois, que se saiba exprimir adequadamente o que se pretende.

Grave, muito grave mesmo, olhando os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, é a previsão do artigo 18º (controlo antidopagem), do projecto sobre construção, instalação e funcionamento dos ginásios.
Com efeito, e sem sequer nos debruçarmos sobre o disposto no nº1 – em boa verdade já presente na legislação vigente –, dispõem os nºs 2 e 3 deste impressionante preceito:

2. As brigadas de controlo antidopagem podem, ainda que sem pré-aviso, inspeccionar as instalações dos ginásios com vista a detectar a eventual existência de substâncias dopantes, devendo ser-lhes facultado o respectivo acesso sem qualquer restrição, incluindo aos cacifos dos utentes.
3. As inspecções serão acompanhadas, querendo, por um responsável do ginásio e delas será lavrado o competente auto.

O sublinhado que operámos, fala por si. Aquela que será a entidade responsável por esses controlos não é uma autoridade judiciária, nem mesmo, sequer, uma autoridade de polícia judiciária. É, tão só, um serviço administrativo.

Que desporto para crianças e jovens?

Com o passar dos anos, a minha paixão pelos/as jovens intensifica-se. A rebeldia, a irreverência, a crença genuína de que podem mudar o mundo, a energia e a vida que conseguem acrescentar aos nossos dias são dádivas que aprendi a preservar através da constante companhia da “pequenada”- alunos/as. Por isso, é com muito agrado e apenas movida pelo prazer/dever de acompanhar e apoiar estes meus “pequenos ídolos” que, após uma overdose intensa de quase 20 anos passados em múltiplos recintos desportivos nacionais e internacionais, retorno ao périplo semanal dos jogos, das competições, da adrenalina ao vivo, agora num papel mais recatado, mas não menos entusiasta.
Não acredito em “gerações rasca”, acredito é que haja “velhos do Restelo” (qualquer que seja a idade) que estigmatizam os jovens para garantirem e perpetuarem o seu poder e que, ao invés de investirem na formação e engrandecimento destes, os repudiam e marginalizam.
Por conseguinte, fico muito satisfeita quando vejo jovens dirigentes, treinadores, árbitros e sobretudo praticantes desportivos a desabrocharem e afirmarem-se no cenário desportivo. Aplaudo-os, incentivo-os e admiro-os.
São sobejamente reconhecidas as enormes valências do desporto para a construção estruturada de personalidades, para o robustecimento do carácter, para o fortalecimento da cooperação, da tolerância e solidariedade individuais e colectivas, para a busca constante pela superação, pelo êxito (que não apenas os resultados desportivos), pelo esplendor, entre muitas outras. Sem menosprezo por outras formas de expressão e fontes de aprendizagem, é sobejamente aceite o potencial do desporto como instrumento da formação e desenvolvimento integrais das nossas crianças e jovens.
Porém, na base deste reconhecimento e destas constatações estarão condutas apropriadas por parte de quem se relaciona directamente com os jovens, sejam técnicos, dirigentes ou árbitros/juízes? Existirão programas desportivos que correspondam às necessidades e características das crianças e jovens das diferentes localizações geográficas do país? Quando se começará, entre nós, a equacionar e a combater problemas tão graves como a contratação precoce, o assédio sexual ou a prescrição, ou sugestão de consumo, de esteróides anabolizantes às crianças/jovens?
Como é possível, em determinadas modalidades, ter-se regredido no que concerne ao tipo de competições e respectivos quadros competitivos ao ponto de crianças de 10-12 anos integrarem campeonatos nacionais em tudo idênticos aos modelos competitivos padronizados para o escalão de seniores? Admiram-se depois do abandono precoce da prática desportiva, da desmotivação progressiva dos atletas e dos conflitos entre os que dirigem e os que praticam? Admiram-se depois que os jovens, quando as exigências escolares aumentam, desistam dos seus sonhos desportivos? Admiram-se depois que os clubes, face a tamanhas exigências financeiras para suportarem viagens frequentes e longas, refeições, custos de arbitragens, de instalações desportivas, de pagamento a técnicos e funcionários (e já não falo dos dirigentes, que na sua maioria são voluntários!) definhem e fechem as suas portas? A este tema voltarei brevemente, com aproximação a realidades concretas e casos específicos.

terça-feira, 19 de fevereiro de 2008

O IVA e os incumpridores

Em 2006 e 2007 aquando do pagamento dos serviços de acesso a um ginásio o Estado recebia o Iva à taxa mínima de 5%.Tributação similar era aplicada no acesso a uma piscina, a um kartódromo, a um hipódromo ,a um campo de golfe,a uma carreira de tiro desportivo,a um bilhar ou a um pavilhão desportivo. Um grupo de amigos que alugasse um pavilhão desportivo para uma “futebolada” ou mesmo uma competição oficial pagava ao Estado os tais 5%.Mas se as mesmas pessoas usassem o equipamento para um treino o pagamento para o Estado já era de 21%.O acesso às instalações desportivas estava taxado a 5%.O que estava taxado a 21% era o enquadramento técnico das actividades ( na terminologia dos serviços do Iva sempre que as actividades efectuadas exigissem o recurso a monitores, professores ou treinadores).
O que mudou em 2008? Passa a não ser apenas o acesso que tem a aplicação da taxa mínima mas “ a prática das actividades físicas e desportivas” ou seja, aparentemente tudo. Um curso de mergulho no mar, uma aula de equitação num hipódromo, um conjunto de lições de golfe ou umas braçadas numa piscina a taxa aplicada é de 5%.A actividade com enquadramento técnico usufrui de um regime idêntico ao que o acesso livre já possuía.
Importa dizer que durante dois anos os consumidores, em muitos casos, pagaram ao Estado taxas de 21% quando só o estavam obrigados a fazê-lo a 5% . As entidades prestadoras de serviços, mal informadas, cobravam os serviços de acesso a instalações a 21% quando deviam fazê-lo apenas a 5%. Tratou-se de enriquecimento ilícito por parte do Estado. Os consumidores foram espoliados e o Estado recebeu indevidamente aquilo a que não tinha direito. Mas também se passou o contrário: entidades que começaram logo a tributarem os 5%, quando o deviam fazer à taxa máxima. Não conhecemos qual foi, nestes casos, o comportamento dos serviços fiscais mas não nos admiraria que fosse também de passividade.
Em 2008,algumas entidades prestadores serviços (e não apenas duas cadeias de ginásios…), perante a redução do Iva na aquisição dos serviços que prestam, mantiveram os preços que já vinham praticando. Isso significa que embolsam mais 16%.Aumentaram indirectamente o custo do serviço que prestavam. Para cobrir a medida acrescentam algum serviço que antes não estava contemplado. O consumidor em nada sai beneficiado desta redução do Iva. Diferente só é a parte que fica para a entidade a quem adquiriu o serviço(que aumenta) e a que vai para o Estado(que baixa).O custo para o utente é o mesmo. Mas esta é só uma parte do problema. Ao impor que as entidades cobrem para o Estado Iva à taxa mínima de 5%, na prestação de serviços de actividades físicas e desportivas, mas ao manter que os sujeitos passivos de Iva na aquisição de serviços especializados nas actividades físicas e desportivas (pagamento a técnicos e monitores se mantenha a 21%) tal significa que em matéria de Iva suportado e Iva liquidado em sede de Iva dedutível haja um diferencial (16%) que vai servir as entidades prestadores dos serviços.As empresas e outras entidades que não baixaram o preço final a pagar pelo consumidor ( algumas já estavam a praticar os 5% em tudo) ganham duas vezes: no custo que fazem pagar ao consumidor e em sede de Iva dedutível. Mas não é menos certo, também, que durante dois anos o Estado recebeu o que não devia. Ou dito de outro modo, os consumidores entregaram-lhe dinheiro a mais. O Governo (e já agora a DECO..) mantiveram-se mudos e quedos como se a responsabilidade fosse apenas das entidades prestadoras dos serviços(sujeitos passivos do Iva) e dos consumidores.
Entre os especialistas é comum a tese que Iva lançado e depois reduzido raramente se traduz em redução da inflação e que, por norma, o mercado adapta-se e oconsumidor continuará pagar o que já pagava. Mas quando hoje o governo pretende contrariar esta tendência e defender, e bem, os consumidores, é preciso perguntar se está disponível para ir mais longe e em coerência com a proclamada defesa dos consumidores devolver o que deles indevidamente recebeu nos dois anos anteriores. Isso revelará a boa fé com que está a agir.
Sobram, entretanto, duas outras questões.
Primeira: qual o valor de incidência do Iva sobre serviços conexos com a actividade física e desportiva e ligados á condição física e higiene corporal: saunas, solários, massagens, jacuzzis e praticas físicas de matriz oriental?
Segunda: o que vai dizer o Tribunal europeu a respeito do principio da igualdade concorrencial no mercado quando o Estado português presta iguais serviços no âmbito das actividades físicas e desportivas, através de institutos públicos, sem imputação de Iva, distorcendo as condições de concorrência com o sector público das autarquias, com o sector das empresas públicas locais, com parte do sector associativo e com o sector privado?

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2008

PIN's no ALLGARVE - Look and see

O Parque de Desportos Motorizados de Portimão, onde irá ser construído o recentemente apresentado Autódromo Internacional do Algarve, é um projecto de capitais privados que esteve parado durante mais de cinco anos até vir a ser desbloqueado pelo Despacho conjunto n.º 665/2005, de 28 de Julho, onde é reconhecido o seu interesse público, tornando-se assim o primeiro Projecto de Interesse Nacional (PIN) algarvio.

Os principais objectivos da infra-estrutura - a qual contempla um conjunto de importantes equipamentos de apoio (um parque tecnológico, um hotel de 4 ou 5 estrelas e 160 apartamentos turísticos) - vão ao encontro das orientações estratégicas para a região, nomeadamente no apoio ao investimento racional em projectos turísticos de qualidade superior, diversificação da oferta turística, redução dos efeitos da sazonalidade e valorização da competitividade regional.

Estes e outros objectivos – vitais para o desenvolvimento do Algarve - justificam o interesse público do projecto, bem como algumas desconformidades com as orientações definidas no Plano Regional de Ordenamento do Território para o Algarve (PROT – Algarve) tal como refere o citado despacho conjunto, não sem antes assegurar as devidas contrapartidas e garantias ao Estado.

Entre estas encontra-se a obrigatoriedade da gestão de todo o parque ser unitária, atendendo à complementaridade das suas valências, no sentido de garantir uma solução coerente ao projecto no seu todo, pelo que bem impõe a inalienabilidade num prazo de 20 anos e a proibição de venda ou fraccionamento, como salvaguarda de interesse público para a construção dos 160 apartamentos turísticos supra mencionados.

Nestes termos veio a ser assinado entre o Estado, a autarquia e o promotor o protocolo que viabiliza a excepcionalidade ao regime de uso e ocupação do solo previsto no PROT-Algarve. Fechava-se assim um acordo equilibrado para ambas as partes, com impacto económico relevante para o desenvolvimento regional.

Mas devido às “dificuldades significativas na execução do projecto” vem o recente Despacho n.º 3777/2008, de 24 de Janeiro - brandindo a inatacável importância estratégica do projecto para a região - retirar o ónus de inalienabilidade e suscitar a adaptação do protocolo a esta nova orientação.

O interesse público - instrumento essencial para justificar a viabilidade do projecto – cede, como habitualmente, aos interesses comerciais. Abre-se portas à especulação turística e imobiliária. Abdica-se da complementaridade e dependência directa dos alojamentos turísticos com os demais equipamentos do autódromo pondo em causa a “garantia de uma solução coerente ao projecto no seu todo”. Tudo no mais estrito cumprimento da lei e a bem do superior interesse do ALLGARVE, com o Estado a dar o exemplo…

Como diz voz amiga: “Grave é eu já nem me preocupar com estas coisas

sábado, 16 de fevereiro de 2008

Os verdadeiros trabalhos de Laurentino Dias


A actual investida do Estado contra a autonomia do associativismo desportivo, em moldes que não tem paralelo no nosso regime democrático, consubstanciada no proposto regime jurídico das federações desportivas e do estatuto de utilidade pública desportiva, apresentado pelo Secretário de Estado da Juventude e do Desporto, é um exercício político-legislativo que, uma vez mais, como sucedeu com tantos governos anteriores, convive com a ausência de intervenção pública naquilo que é verdadeiramente essencial para a vivência do desporto federado: a defesa dos direitos e interesses legítimos dos agentes e organizações desportivos que se inserem nesse sector e que vivem sujeitos ao seu poder regulamentar e disciplinar, ambos qualificados, por lei e há muito tempo, como públicos.

Também há muito tempo, vimos denunciando essa benevolência do Estado, que se recusa a “ler” – a fiscalizar – as normas regulamentares e disciplinares das federações desportivas.
Aí, sim, e com pouco esforço, é que o Estado deveria intervir.

O Público de hoje oferece-nos a história de uma criança de 14 anos, pentacampeã nacional de ginástica rítmica que entendeu renunciar à participação nas selecções nacionais.
A Federação de Ginástica de Portugal – ainda não se conhecem todos os contornos do caso – sancionou essa criança com dez meses de suspensão da actividade desportiva.

Faz algum sentido a aplicação de tão pesada sanção disciplinar, mesmo partindo do pressuposto de que a mesma foi determinada de acordo com as normas federativas – o que neste momento, não é de todo seguro?

Que tem a dizer o Estado, Laurentino Dias, o IDP, quanto a uma disposição regulamentar da mencionada federação desportiva que qualifica como “acção de indisciplina” de um ginasta – que pode conduzir a um “convite para a abandonar a selecção” - «não corresponder ao que lhes é solicitado pelas treinadoras da equipa técnica»?

Brevemente, nesta colectividade, ficaremos a saber como uma federação desportiva ainda obriga ao pagamento de um montante por transferência de uma criança de 10 anos para outro clube, não obstante se afirmar – e a própria federação o fazer – que tais “pagamentos por mudança de clube” forma banidos do desporto federado, quando estão em causa crianças até aos 14 anos de idade.

Era aqui, neste domínio, que eu gostava (e os pais das crianças que praticam desporto federado) – e a lei deste país exige – que o Estado tivesse capacidade (diria antes vontade) de intervenção.

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2008

Onde está o desporto?

A decisão da escolha dos Jogos Olímpicos de 2008 teve uma profunda carga simbólica. Uns interpretaram-na como uma oportunidade única de abertura do regime político chinês. Outros consideraram a decisão do COI um momento importante para solidificar as relações económicas com o gigante asiático. Outros viram a escolha como um negócio de altos dirigentes do COI para se apropriarem das previsíveis receitas da realização do maior evento desportivo mundial num país com mais de um bilião de habitantes, cuja população vive entusiasticamente o desporto.

Neste cenário foram-se alinhando diversas estratégias de mobilização política:

Para além dos incidentes em torno de activistas chineses e das críticas previsiveis de dissidentes, um forte grupo de pressão em torno do boicote da União Europeia aos jogos tem tido Edward McMillan-Scott, Vice-Presidente do Parlamento Europeu (PE), como principal dinamizador, cujas diversas acções e estratégias se encontram detalhadas no site criado para o efeito. A missão visa pressionar as autoridades políticas e desportivas para o respeito dos direitos humanos na China, indo ao encontro dos “princípios éticos universais” plasmados no artigo 1.º da Carta Olímpica. Não é pois de estranhar a mais recente resolução do PE.

Outros preferem gerir o impacto dos jogos de forma diferente. Não tanto sobre o prisma do respeito dos direitos humanos na China, mas sim no Darfur. A China é o principal financiador do Sudão – país ao qual fornece armas em troco de petróleo. A actriz Mia Farrow, embaixadora da UNICEF, sobre o mote dos “jogos do genocídio” tem vindo a atrair atenções para a crise naquela região sudanesa. Os seus esforços têm vindo a produzir alguns efeitos, conforme se viu com a recente tomada de posição de Steven Spielberg – a Leni Riefenstahl dos jogos de Pequim, como Farrow o apelidou -, e a simbólica entrega de uma carta aberta ao presidente Hu Jintao na passada terça-feira, na missão diplomática chinesa nas Nações Unidas.

Também no teatro desportivo se tomam posições:

O Comité Olímpico Britânico irá assinar um contrato de 32 páginas com os seus atletas olímpicos proibindo-os de abordar “assuntos políticos sensíveis”.

Por cá a posição do COP remete para a Carta Olímpica e o respeito pela liberdade de expressão, não sem antes dar nota da regulamentação do COI – já abordada neste blogue -, sobre a publicação de conteúdos informativos pelos atletas na internet, ou em outros meios de informação, a partir da Aldeia Olímpica ou dos locais de competição.

Ultrapassando a utopia da separação entre o desporto e a política - e disso é exemplo maior toda a historiografia do movimento olímpico -, talvez seja importante questionar, hoje, a dimensão e o impacto social, não apenas e só dos jogos olímpicos, mas fundamentalmente da pluridimensionalidade de um fenómeno social total chamado Olimpismo.

Não deixo de questionar o impacto mediático do que acima se escreveu e o contraponto com a forma inadjectivavel como, entre outros, foi (ou não foi) noticiado o recente falecimento de um dos maiores heróis olímpicos de sempre, Al Oerter. Não deixo de questionar, nesta voragem de acontecimentos politicos, jurídicos, económicos e sociais, onde está o desporto? Onde está a religião olímpica de Coubertin neste tempo onde tanto se fala da especificidade do desporto e do seu valor social, educativo e cultural?

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2008

Intelectualmente sério

“Desde sempre que nos perseguimos com veneno e brutalidade”
(Vasco Pulido Valente,in Público,14 de Julho de 2007)


“As actuais alterações legislativas são uma consequência de uma opção de modelo de desenvolvimento do desporto. Foi assim que começou o planeamento desta legislatura dois anos antes de 2005. Quando os então detentores do poder no IDP e no Governo de então exerciam a defendiam um modelo completamente diferente. Basta consultar os textos que publicaram, os relatórios que fizeram da sua acção, os estudos que mandaram pagar e a acção que fizeram. As leis que agora se mudam são uma consequência desse plano de desenvolvimento. O que dói ao Sr. José Constantino e ao PSD foi nem sequer ter imaginado que podia haver um outro modelo de desenvolvimento do desporto diferente do que defendiam e praticavam. Falharam no diagnóstico da realidade desportiva portuguesa e nas mudanças que estavam a ocorrer na Europa e no mundo do desporto. Foi por causa dessa falha que não tiveram soluções. E consequentemente não souberam dizer aos legisladores que leis deviam fazer. Sejam intelectualmente sérios.” (Anónimo, comentando o texto O debate)

Intelectualmente sério, para este habitual “anónimo”, é, continuamente, comentar sobre o que não dissemos ou escrevemos. Intelectualmente sério é acusar os outros (quais outros?) de o não serem e esconder-se atrás do anonimato. Intelectualmente sério não é contraditar uma opinião. É discorrer sobre intenções ou opiniões que supostamente ele entende que o autor tem ou defende. Intelectualmente sério é, perante qualquer opinião por nós expressa, e completamente a despropósito, louvar e beatificar o presente e denegrir o tempo em que desempenhámos funções na administração pública desportiva. Intelectualmente sério é defender um “plano de desenvolvimento” que é consequência de um “modelo”que eu e o PSD jamais imaginaríamos que existisse e que começou a ser preparado “dois anos antes de 2005”.Intelectualmente sério é esta anónima compulsão para acusar e ofender. A obsessão é tanta que o preclaro “anónimo” resvala para o reino do puro delírio solipsista. E o desvelo e zelo com que deliberadamente critica revelam que o país mais do que encalhado está “encanalhado”.
Miguel Real escreveu um livro intitulado a Morte de Portugal em que traça uma imagem desencantada de Portugal e dos portugueses. Aborda entre outras coisas aquilo que designa por “canibalismo cultural” em o que o debate de ideias se transformou. Uma máquina devoradora uns dos outros. Em que quem pensa diferente de nós é um alvo a abater. Na Inquisição queimava-se, no Estado Novo perseguia-se e prendia-se e no Portugal democrático denuncia-se e humilha-se. Desejavelmente de forma anónima. Não é um problema de governo e de quem o acolita. É uma idiossincrasia da governação que está para além da actual maioria e que se desenvolve em espaços de poder que não apenas os públicos, nem apenas à volta do Estado. O desporto não escapa a estes tempos. O facto de sermos, na generalidade dos casos, os mesmos há tempo demasiado agrava a situação. Se há uma crítica, disserta-se sobre as motivações mais profundas do autor. Insinua-se sobre os interesses que serve ou supostamente serviu. Aquilo que fez ou que disse. O poder ou a posição que supostamente ambiciona. Não se avalia e discute a opinião expressa, mas as suas supostas e malévolas intenções. Os seus inconfessáveis interesses e cabalas. Evita-se discutir a mensagem para se começar por atacar o mensageiro. Vale a pena discutir assim? Não são para levar muito a sério parte dos debates que ocorrem sobre os problemas desportivos. Parte deles são inócuos à realidade desportiva que continua a desenvolver-se á margem deste tipo de polémicas. O problema não é o de se contrastarem opiniões diferentes, o que seria, de resto, estimulante. É que muitos desses debates enformam de pessoalismos, de polémicas antigas, onde abundam, com frequência, pequenas invejas, ressabiamentos, agrados clientelares, ajustes de contas, perseguições, erros e disparates. O que se visa, em elevado número de casos, não é contraditar uma tese ou uma opinião, mas humilhar quem a defende ou a expressa. Aniquilar quem diz, para que melhor se destruir o que diz. Em nome de uma certa ideia de sociedade e de desporto? Dificilmente. Em nome de um exercício de cidadania? Não creio. Cumpre-se tão só o desígnio pessoano:”o nosso provincianismo consiste em estar, em viver, numa civilização, sem verdadeiramente fazer parte dela e do seu desenvolvimento”. O auto-convencimento de uma suposta superioridade conduz à arrogância e esta ao desprezo por opiniões diferentes. É curto o limite para o ataque soez. Nunca aprendemos. É azar. Apanhámos o comboio certo no tempo errado, diz Miguel Real. E assim, nunca mais lá chegamos.

terça-feira, 12 de fevereiro de 2008

"moralização do espectáculo desportivo"

A cedência, do uso ou da gestão, de património público a privados deve estar vinculada à salvaguarda do interesse público.
Também o auxílio do Estado a actividades económicas tem como objectivo corrigir as falhas do mercado e garantir a sã concorrência entre os agentes, protegendo os interesses da comunidade.
Estes são princípios elementares da Administração que se encontram vertidos no nosso ordenamento jurídico. A legislação desportiva, à parte de alguns acidentes de percurso em algumas normas públicas, não foge a tais princípios.

A fuga tende a ocorrer na omissão, quando não no oportuno “arranjo” interpretativo das normas, para contornar um principio basilar - A proibição de subvenção pública ao desporto profissional.

As recentes notícias sobre eventuais apoios públicos ao Marítimo (v. direito de resposta do clube) e ao Beira-Mar não são nada de novo neste domínio. Quem trabalha de perto com o desporto profissional já se deparou, por certo, com verdadeiras manobras de engenharia política, jurídica e contabilistica. Talvez até já tenha perdido algumas horas a tentar encontrar uma “escapatória” para justificar aquilo que, por principio, a lei proíbe.

A instrumentalização das normas, por vezes, tende a servir mais as necessidades próprias e conjunturais de gestão política da Administração do que a procurar a eficiência da administração do Estado tendo como missão servir melhor os objectivos do sistema político democrático fundado na cidadania. Disso deu conta quase toda a obra de Max Weber. Mas a sua burocracia (racional-legal) foi pensada para uma ética calvinista... Por cá as preferências católicas jogaram a mão a burocracias mais carismáticas e messiânicas...

Se para muitos carismáticos "a ética da República é a ética da lei", então a salvaguarda do interesse público tende a carecer de eficientes mecanismos de controlo sobre a aplicação das normas na gestão dos bens e dinheiros públicos. Pelo menos enquanto outra ética não vier.

Estes dois casos levam a questionar as responsabilidades do Estado quando delega bens e serviços a entidades empresariais, públicas ou privadas. Levam a questionar a racionalidade na gestão pública.
Os instrumentos de controlo, fiscalização e inspecção do Estado oferecem garantias, não só do cumprimento da lei, mas também da protecção do interesse dos cidadãos, na sua tripla condição de eleitores, contribuintes e utentes de serviços públicos? Estão os cidadãos - accionistas do Estado - capacitados para intervirem de forma eficaz caso se sintam prejudicados?

Não partilho do optimismo de Pinto Monteiro quando refere, a propósito do julgamento do “Apito Dourado”, que "a simples instauração do processo teve um efeito de moralização do espectáculo desportivo" em Portugal, mas considero importante a divulgação e a informação sobre estes e outros casos desportivos.

A moralização e a pedagogia da cidadania constrói-se, passo a passo, no espaço público, com todos os riscos que isso envolve...
A gestão e os efeitos da agenda noticiosa sobre estes dois casos são bons exemplos das vantagens da abertura da discussão. Para um jornalismo mais rigoroso. Para uma Administração mais responsável e esclarecedora das suas opções. Para uma maior informação dos cidadãos e controlo dos órgãos do Estado. Para uma gestão mais transparente do desporto profissional.

domingo, 10 de fevereiro de 2008

A pressão no futebol

Lendo hoje a imprensa desportiva - portadora ainda dos ecos do Forum Nacional do Futebol e de sintomas claros de «pressão» - o que nos chamou a atenção foi uma notícia e uma entrevista. Dir-se-ia, vale o que vale, que são os meus destaques da imprensa de hoje.
Começando pela notíca, ela reporta-se a um jogo da Liga Intercalar, disputado em entre o Sporting de Braga e o Desportivo das Aves.
"Propositadamente", o treinador da equipa das Aves procedeu a uma substituição encapotada. Durante o intervalo, o primeiro nº 14 (Leandro) foi substituído por um segundo nº 14 (Zambujo).
Deste modo, segundo o noticiado, o Desportivo das Aves violou a regra do número de substituições permitidas na competição.
No jornal A Bola, Pepa ("De grande promessa do Benfica a treinador das escolas do Sacavenense"), afirma que já nem chora: " Só sangro por dentro".
Aos 27 anos, este antigo praticante desportivo abre a sua vida.
Eis algumas das suas palavras:
" Hoje, passo-me da cabeça quando oiço ou leio um jogador a falar de pressão... Quer dizer fazem o que gostam, recebem dinheiro por isso, são idolatrados e sentem pressão ? Pressão é ter três filhas e estar desempregado. Pressão é ter contas para pagar e não ter ordenado."
"Gostava de ensinar aos mais jovens tudo o que não devem fazer e quais as consequências, os riscos do deslumbramento. A necessidade de escolherem os amigos, principalmente em tempos de fartura. A obrigatoriedade de estudarem. A minha vida dava um lvro e posso ajudar. É só escolher a página e encontrará um ensinamento".

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2008

O debate


Minhas senhoras e meus senhores, poderíamos ter feito uma lei. Pedíamos a 2 ou 3 juristas que nos fizessem uma lei de bases do desporto, para ser apreciada em Conselho de Ministros e depois na Assembleia da República (…)Preferimos outro caminho : apelar à participação de todos os agentes desportivos.
Pedro da Silva Pereira,Ministro da Presidência


O actual governo, cumprindo um propósito eleitoral plasmado mais tarde no programa de legislatura, está a proceder à alteração de um conjunto de diplomas relativos ao sistema desportivo. É natural que o proposto suscite dúvidas ou até oposição e ao mesmo tempo recolha aplausos. A conflitualidade, a divergência e a resistência são normais num processo de mudança. Sempre assim foi e assim continuará a ser. Isso não é mérito, nem demérito do governo. É uma das vantagens de vivermos em democracia. Ao se publicitar uma alteração legislativa com o objectivo de recolher sugestões e pareceres para a sua formulação final o que se está a dizer é que essa formulação pode ser beneficiada com a colaboração e a participação dos interessados. Ganha quem tem capacidade legislativa, ganham os destinatários das medidas e ganha o país. Os que opinam do lado do legislador não são destituídos de razão e os que criticam o proposto não sofrem de insanidade mental. Dificilmente se compreenderá que qualquer participação por mais polémica ou azeda que se assuma no seu modo de afirmação, possa ser entendida como malsã e mal vinda. O limite é o respeito que é devido a quem critica e a quem é criticado. Independentemente do juízo de valor que se faça sobre a qualidade e oportunidade do proposto, o governo usa de uma legitimidade própria. Que no plano dos princípios é tão respeitável como o é, a dos que pensam de modo diferente.

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2008

Das palavras às oportunidades

A produção de documentos políticos sobre o futuro do desporto na UE não tem cessado nos últimos tempos. Com a inclusão do desporto no Tratado de Lisboa como um espaço político de acção das instituições comunitárias, vários actores posicionam as suas estratégias de forma a marcarem a agenda política.

Assim, até 2009, data prevista para a entrada em vigor do Tratado, prevê-se um acentuar de posições políticas em torno dos aspectos sociais, culturais e educativos do desporto.

Após o relatório sobre o papel do desporto na educação, o Parlamento Europeu volta a marcar o ritmo. Em reunião da Comissão de Educação e Cultura nos dias 21 e 22 de Janeiro foi discutido e apresentado pelo deputado Manolis Mavrommatis um projecto de relatório sobre o Livro Branco sobre o Desporto.
Naquela reunião, Milan Zver, Ministro da Educação da Eslovénia, país com a presidência do Conselho Europeu durante este semestre, deu conta das prioridades da presidência eslovena para o desporto.

Por agora importa reter apenas as palavras com que terminou a sua alocução aos deputados:
There is no doubt in my mind that, if we work hand in hand, we will be successful in channelling the enormous energy and emotions released in sporting events into better understanding, and in this way contribute to achieving the goals of the European Year of Intercultural Dialogue

Como se sabe, 2008 é o Ano Europeu do Diálogo Intercultural. O desporto tem neste domínio importantes atribuições, atendendo à sua dispersão cultural e impacto transversal em todos os estratos sociais, como disso dão nota os resultados apurados no Eurobarómetro “Os cidadãos da União Europeia e o Desporto”, pelo que as palavras do ministro esloveno se revelam, neste momento, oportunas e pertinentes para a definição de um quadro de acção sobre as dimensões sociais e culturais do desporto.

Também Michel Platini, no já aludido discurso no Conselho da Europa, veio sublinhar que “as raízes do desporto são um extraordinário catalizador para a miscigenção e integração étnicas”.

Contudo, e como as palavras valem o que valem, lamenta-se que nenhum dos sete projectos bandeira pan-europeus seleccionados para promover o Ano Europeu do Diálogo Intercultural durante 2008 tenha tido o desporto como ponto de partida.

Alinhamos junto daqueles que defendem que a especificidade do desporto e a valorização dos seus aspectos sociais e culturais, mais do que uma estratégia de acção para a promoção de um modelo social de desporto europeu, tem vindo a servir como um importante instrumento de lobbying junto das instituições comunitárias, para alargar o espaço de não intromissão do Direito Comunitário nas gestão das federações desportivas, de modo a preservar monopólios instituídos e minorar a supervisão dos reguladores comunitários.
Esta ideia, maturada após participação no projecto EDUSPORT, tem vindo a consolidar-se não só pela análise da gestão da agenda política, mas também em diversos projectos partilhados com técnicos da Comissão Europeia.

Estes factos só vêm adensar as nossas dúvidas. Espera-se, e deseja-se, que os resultados da reunião de Directores Gerais do Desporto, a decorrer em Brdo até ao próximo dia 5, bem como a posterior reunião informal dos Ministros do Desporto venham assumir uma perspectiva diferente na coordenação de um programa de acção para o desporto na UE. Não por palavras, mas por acções que valorizem o potencial integrador do desporto. O Ano Europeu do Diálogo Intercultural pode ser um bom ponto de partida, ou mais uma oportunidade perdida...

sábado, 2 de fevereiro de 2008

Um Tribunal desportivo

A resolução de conflitos no âmbito do desporto federado constitui, desde sempre, um domínio rodeado de controvérsia. De um lado, as organizações desportivas, clamando pela automomia e exclusividade dos seus órgãos de justiça. Do outro lado - em crescente protagonismo-, a afirmação do primado da garantia de acesso aos tribunais, também no campo desportivo, para a ultrapassagem dos diferendos.
De tudo se vem jogando mão, em ambos os lados - público e privado -, na busca de soluções mitigadas. A lei portuguesa, à semelhança de muitas outras (e não só localizadas no espaço europeu), tem construído os seus modelos de "justiça desportiva".
Num patamar internacional, assume especial importância o Tribunal Arbitral do Desporto de Lausana, uma criação do Comité Olímpico Interncional e que, na actualidade, a esta entidade ainda se encontra, em certa medida, ligado.
A partir do momento em que o futebol (FIFA e UEFA) a ele aderiu, reconhecendo nele uma última instância para os conflitos surgidos no seu âmbito, o Tribunal conheceu um acréscimo de casos sem paralelo, a maior parte deles relacionados com questões contratuais e de transferências de praticantes.
Paralelamente, o Tribunal constituiu-se no órgão de justiça para as questões de dopagem.
Significa este estado de coisas que o Tribunal Arbitral do Desporto é, sem dúvidas, o tribunal desportivo por excelência. As suas decisões irradiam efeitos bem significativos na vivência desportiva.
O denominado "Caso Andy Webster", agora decidido, é bem elucidativo do peso das decisões deste Tribunal.
Dito isto, não se creia, no entanto, pelo menos de uma forma imediata e simplista, que o futuro Tribunal Arbitral do Desporto, iniciativa do Comité Olímpico de Portugal, venha a ssumir, a um nível nacional a mesma importância.
Não o foi assim, por exemplo, em Espanha. Na verdade, quando as questões a dirimir são de extema relevância - quantos aos efeitos da decisão -, os agentes desportivos e as federações e e outras organizações desportivas espanholas, não procuram o Tribunal Arbitral nacional. Dirigem-se, isso sim, de imediato, para o tribunal de Lausana.
O futuro dirá, como sempre, quais os caminhos que se irão percorrer em Portugal.

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2008

"Acontece com os livros o mesmo que com os homens, um pequeno grupo, desempenha um grande papel"


O Direito do Desporto em Portugal está profundamente ligado ao trabalho de uma pessoa. O seu nome é José Manuel Meirim.

Não vou enunciar a qualidade e quantidade do seu labor de duas décadas sobre esta área do saber, pois as suas obras falam por si.

Para o provar foi publicado mais um livro com estudos, notas e comentários sobre a Lei de Bases da Actividade Física e do Desporto.

Deixo aqui uma palavra de incentivo ao amigo, sempre disponível e atento, para que continue a produzir e a publicar a sua visão do desporto, nos mais diversos locais e nas mais diversas formas, valorizando a formação de todos aqueles que se interessam pelo Direito e pelo Desporto.

Trata-se assim de um importante dever de cidadania desportiva.