quinta-feira, 30 de abril de 2009

O estado da arte

A tabela de classificação de domínios científicos e tecnológicos adoptada pelo Eurostat classifica as ciências do desporto como um sub-domínio das ciências da saúde. Equivalente, entre outras à higiene do trabalho ou à saúde ocupacional. Nela não há lugar para as ciências da motricidade ou para as ciências da actividade física.
Este paradigma (epistemológico como lhe chamariam os cientistas) revela até que ponto, e apesar dos avanços ocorridos nas últimas décadas, o desporto e as ciências de suporte vivem ainda sobre uma clara colonização de uma perspectiva biologizante. E como as tentativas de definir áreas científicas alternativas não passaram disso mesmo : tentativas.
A emancipação científica das ciências do desporto, por um lado e a ambiguidade do estatuto científico a outras soluções, deveria obrigar à reflexão da comunidade académica e científica ligada às práticas do desporto. E à definição de uma estratégia que ultrapassasse corporativismos locais e/ou institucionais.
Aquilo a que se vem assistindo é, em parte, à aceitação daquele estado das coisas. Multiplicam-se, em alguns círculos, os projectos de claro pendor sanitário ligados ao sedentarismo e despreza-se, ou desvaloriza-se, a investigação ligada às práticas do desporto. Subsistem ,em alguns círculos, gregarismos científicos que se auto-reconhecem mas que não alargam o seu estatuto à restante comunidade científica. Hipotecam-se recursos públicos para suportar estas lógicas centradas em pequenos grupos de académicos que aproveitam interesses particulares localizados no aparelho de Estado central e local. E as instituições do ensino superior vivem sob os auspícios de uma espécie de “new labour” académico onde há muita “ciência”e pouca “universidade”.
A lógica de submeter o desporto e as ciências do desporto a uma perspectiva salutogénica não tem, bem o sabem todos quantos estudam o desporto, qualquer comprovação ou evidência científica. Torná-lo refém das ciências da saúde é um logro. Pensar que é dessa forma que ganha credibilidade junto da comunidade científica é alimentar equívocos e dificultar o reconhecimento do seu estatuto. Será sempre visto como um parceiro menor de uma coisa maior.
Esta tendência tem também repercussões na formação das diferentes profissões sendo crescente um abandono da promoção das práticas desportivas a favor de formas primárias de exercitação motora e de programas de mobilização física das populações.
As mutações ocorridas no mundo do desporto e o desenvolvimento da indústria do espectáculo desportivo acentuaram as dificuldades de afirmação dos argumentos sobre os quais se formou o desporto moderno. A saída para este problema não é o refúgio para o campo do “higienismo físico” È percebermos e que a evolução da motricidade do homem, a podemos ir buscar e fundamentar numa perspectiva antropológica, mas o aparecimento e desenvolvimento do desporto, só o podemos compreender no quadro de uma dimensão axiológica com uma envolvente histórica, económica, sociológica e cultural.O que pede outros contributos disciplinares.Como escreveu Marcel Mauss “ o corpo é e tem história. E o “corpo desportivo” não é redutível ao “corpo motriz”.

domingo, 26 de abril de 2009

Olhando o futuro entre o designio e a independência

As dinâmicas de socialização entre as diversas esferas do poder político e do poder desportivo assumem nuances de evidente instrumentalização, fortemente marcadas por contingências de agenda de ambos os actores. Quanto maior é o mediatismo da modalidade desportiva mais se torna manifesta esta tendência.

Não é, assim, de estranhar que o “desígnio nacional” e o “interesse público” sejam expressões recorrentes quando se propicia uma estratégia de maior aproximação; ou, o respeito pela “autonomia” e a “independência”, se assumam como palavras chave em conjunturas onde uma estratégia inversa se afigure mais oportuna.

No clima económico actual têm sido avançadas pela Liga Portuguesa de Futebol Profissional e pela Federação Portuguesa de Futebol um conjunto de propostas com o objectivo de procurar responder – no âmbito das suas competências - a problemas endémicos do futebol português, que se agravam no presente momento de crise.

Não se pretende aqui discutir o mérito das mesmas, nem tão pouco a eficácia e sustentabilidade do seu impacto, mas questionar o papel que o poder político deve assumir na reforma da governação do futebol em Portugal, particularmente na sua dimensão profissional, a qual se afigura urgente, a acreditar nas palavras proferidas por diversos responsáveis políticos e desportivos.

Levantada a questão este é o momento oportuno para se jogar mão da “autonomia” e “independência” do movimento desportivo enquanto instituição de auto-regulação desportiva. Ao Estado cumpre respeitar essa autonomia e zelar pela boa aplicação dos poderes públicos que delega nas autoridades desportivas.

Este é o discurso dominante. A realidade, essa, está pejada de exemplos que o contrariam. A começar pelo Estado que faz um uso arbitrário, oportuno e errático na fiscalização dos poderes que delega, passando por um condicionamento cada vez maior da autonomia associativa nas suas opções legislativas, e terminando em dirigentes desportivos que reclamam a mão do Estado - uma mão preferencialmente preenchida com um envelope financeiro - em domínios onde até então era impensável a intervenção pública. Isto sem abordar o que se passa nos bastidores.

Nada de novo, o sistema desportivo limita-se a reproduzir - quiçá com maior impacto -, uma tendência que atravessa a nossa sociedade e se enraíza no nosso percurso histórico, descrita por Eça, Aquilino ou Camilo.

Mais do que nunca é vital que o Estado não se abstenha de tomar uma posição firme em relação às profundas debilidades do desporto profissional em Portugal. Não basta “estar atento”, sem que se procure mobilizar os agentes em torno de uma estratégia clara. É certo que o Governo, num primeiro momento, já veio reconhecer e fez o seu diagnóstico das debilidades, comprometendo-se com uma proposta de trabalho. Mas, desde finais de 2007 até agora, é tempo demais sem um plano concreto e uma proposta de reforma para o desporto profissional que diariamente é assolado com noticias de um cenário de instabilidade profunda.

É evidente que estas noticias não ocorrem apenas em Portugal e afectam também as ligas europeias de maior dimensão. No entanto, como anteriormente aqui se deu conta, diversos estados europeus, em consulta com os diversos agentes desportivos nacionais e europeus, já passaram do diagnóstico às propostas e acções concretas.

Na liberal Inglaterra, onde a crise económica não escapa à maior liga europeia de futebol, uma comissão parlamentar voluntária, constituída por representantes de todos os partidos políticos da Câmara dos Comuns - e pela sua natureza voluntária, sem recursos ou financiamento do Parlamento -, volta a apresentar, no inicio da semana que findou, um relatório sobre a governação do futebol inglês, não “com a intenção de dizer aos que governam o jogo como realizar as suas tarefas (…) mas promovendo uma plataforma que dê a oportunidade a todos de contribuírem para o debate a um nível nacional” olhando para o futuro com base em 27 recomendações concretas, algumas até bastante controversas no espaço de regulação comunitária.

Atendendo ao peso das políticas desportivas na agenda política nacional, não se esperaria um pacote de medidas de estímulo à semelhança do que ocorreu para outros sectores de actividade, conforme desejado - em vão - por alguns dos nossos dirigentes desportivos. Ainda assim, num sistema desportivo onde o Estado assume um âmbito de intervenção enorme, não deixa de ser preocupante a passividade e o autismo (palavra ainda de uso não condicionado neste blogue) das suas instituições políticas nesta matéria.

Se o Governo ainda, poder-se-à pensar, está a estudar a matéria ou - com um elevado esforço adicional e oportunidade política – considerou o problema nos diplomas legais que apresentou. A iniciativa e o debate parlamentar sobre os problemas estruturais que atravessam a governação desportiva no nosso país são pouco mais do que nulos. Passam à margem daqueles que nos representam.

Infelizmente, ao contrário do que muito se pretende fazer crer, este não é só um problema do desporto profissional e com repercussões apenas no desporto profissional.

quinta-feira, 23 de abril de 2009

A Paralímpica e a Presidenta (da prática à liderança)

Nas palavras de Helena Roseta , trinta e cinco anos depois do 25 de Abril, o estatuto social das mulheres mudou, mas os altos cargos políticos continuam no “clube privado” os homens.

Eis o que diria qualquer especialista do desporto se interpretasse a realidade desportiva do ponto de vista da representatividade dos sexos nos órgãos sociais dos organismos desportivos. Como as diversas realidades sociais, no tocante a esta matéria, são idênticas…

Os altos cargos directivos desportivos continuam, maioritariamente, entregues ao reduto masculino. Por exemplo, se observarmos as federações olímpicas, e nos focarmos nas suas Direcções, apenas cerca de 12% dos seus membros são mulheres. Percentagem ainda longínqua daquelas recomendadas pelo Comité Olímpico Internacional em 1996: a integração de mulheres nas federações internacionais e nacionais na percentagem de 10% em 2000 e de 20% em 2005.

Nada que se estranha em demasia, se tivermos em conta que vivemos numa sociedade machista, conservadora, discriminatória, com mentalidades recheadas de estereótipos de género, na qual, por exemplo, uma rapariga que goste de jogar à bola logo é apelidada de “maria-rapaz”, e apontada por se desviar do comportamento-norma, que dita tal preferência desportiva para qualquer rapaz. Por sua vez, se este não revelar esta preferência logo será apelidado de “mariquinhas” e colocadas dúvidas quanto à sua virilidade. Como tal, tanto ao nível da prática desportiva, como da sua arbitragem, organização e liderança, vamos crescendo e vivendo constatando que o desporto é feito pelos homens e para homens, os quais, salvaguardando uns quantos vanguardistas, entendem estes discursos como lamúrias decorrentes de feministas frustadas.

Por tudo isto, dedicamos este pequeno texto a um facto extraordinário no nosso panorama desportivo: a eleição da médica e ex-atleta paralímpica, Leila Marques, para a presidência da Federação Portuguesa do Desporto para Deficientes, realidade que conhece bem assim como muitas situações e casos de duplas discriminações, já que viu e sentiu ao longo de anos o que é ser uma atleta paralímpica e ser uma mulher no desporto português.

Será entre cenários antagónicos como os recentemente presenciados no dirigismo nacional, tais como o total desprezo da tutela do desporto face aos 9 dias de greve de fome protagonizados pelo Presidente do Ericeirence, hoje hospitalizado, ou a presença num singelo acto de apresentação de um livro sobre o percurso de um ex-dirigente, que a Leila Marques desenvolverá e terá de aprender a ajustar a sua acção política de dirigente desportiva.

Não a espera um percurso fácil mas as suas palavras revelam a sua autenticidade e a sua motivação para o novo cargo: "Sinto-me nervosa, tenho consciência da responsabilidade que estou a assumir, mas estou preparada para realizar o meu papel da melhor forma possível".
Bem-haja e muitos sucessos!!


quarta-feira, 22 de abril de 2009

Empobrecimento ilícito

Num momento em que a agenda política é motivada pela discussão sobre medidas legislativas que combatam o enriquecimento ilícito não é despiciendo abordar também o empobrecimento ilícito. Das pessoas, das famílias e do próprio Estado.
A administração fiscal deixou prescrever 3,7 milhões de correcções ao IVA feitas à banca do exercício de 2004. Motivo: falta de recursos humanos. O montante dá-nos uma noção sobre o que o Estado deixou de receber e os resultados e a eficiência da administração fiscal. E como os contribuintes cumpridores são penalizados. Os motivos invocados alertam-nos para o alcance das proclamadas medidas de modernização da máquina fiscal. É um exemplo que infelizmente pode ser replicado.
Como aqui já foi referido a Autoridade da Concorrência mandou arquivar o inquérito relacionado com a aplicação da taxa reduzida de IVA aos ginásios e health clubs. Concluiu «não existirem indícios de práticas restritivas da concorrência susceptíveis de serem imputadas às empresas envolvidas no processo». É claro que o problema era outro. O de supostamente certas entidades não terem feito repercutir no preço a pagar pelo consumidor a baixa do IVA.Com a pergunta feita o resultado dificilmente seria outro. Estamos num domínio onde reina a maior das confusões e arbitrariedades. E onde a realidade conta mais que a retórica política.
Empresas municipais que vendem serviços desportivos e não cobram IVA; organismos desportivos sem finalidade lucrativa que não cobrem IVA mas não preenchem os quesitos para tal efeito; serviços municipais de autarquias que seguem o mesmo caminho; institutos públicos que optam pela isenção; entidades privadas que aplicam a taxa de 5% quando deveriam aplicar 20%.A regra é o que cada um entende, distorcendo as regras concorrenciais do mercado, lesando o Estado e não colocando o consumidor perante condições de igualdade na aquisição dos serviços. O que impera é o silêncio e ninguém se parece incomodar.
Neste contexto só se pode compreender o posicionamento governamental, manifestado com a atitude de muitos operadores dos “ginásios” de arrecadarem a diferença entre os IVAs, como uma oportunidade politica de aparecer aos olhos dos consumidores como seu defensor. Contudo é pouco. E pede-se mais acção e menos crispação. O sector continua por fiscalizar. Cada um faz como quer. Reina a bagunça e o incumprimento fiscal.
Qualquer pessoa ou entidade que consulte a administração fiscal sobre estas matérias, para além da dificuldade em obter resposta, corre o risco de obter uma resposta em função da natureza da secção ou sector que a presta. Os técnicos oficias de contas e as sociedades revisoras de contas defendem-se e receiam opinar de modo conclusivo. E o governo hiberna.
Muito se fala de que os portugueses que vivem na fronteira com a Espanha adquirem produtos e serviço mais baratos atendendo, entre outros motivos, a taxas mais baixas de IVA aplicadas naquele país. Mas não é preciso sair de Portugal. Aqui uma aula de natação ou o aluguer de um campo desportivo podem ter ou não IVA. Depende da interpretação que cada entidade faz do cumprimento das suas obrigações fiscais.
Ganha quem à partida não tem nada a perder: os que vendem os serviços. Perde o Estado. E perde quem mais devia ganhar: o cidadão contribuinte e o cidadão utente.

segunda-feira, 20 de abril de 2009

As palavras e as normas VIII

“Em sétimo lugar, são reforçados os poderes dos executivos federativos, a fim de que possam executar o programa para o qual foram eleitos. Nesta óptica, atribui-se à direcção a competência para aprovar todos os regulamentos federativos.
Esta nova competência da direcção é temperada pela possibilidade de 20 % dos delegados requererem a respectiva apreciação em assembleia geral para suspender a sua vigência ou introduzir alterações.”

O órgão direcção que, relembre-se, pode ser um órgão não eleito, cujos membros podem ser nomeados e exonerados pelo presidente da federação desportiva, é de acordo com o artigo 41º, nº 1, o órgão colegial de administração da federação desportiva.
E na estranha lógica do regime jurídico das federações desportivas, conforme o nº 2, a ele compete administrar a federação, desde logo, aprovar os regulamentos [alínea a)] (?).
Depois, tempera-se.
Vai-se ao órgão deliberativo por excelência, retira-se a competência primária para “legislar” e atribui-se uma espécie de competência de apreciação dos regulamentos da direcção.

Porquê?
Para que a direcção possa executar o programa para que foi eleita.
Em primeiro lugar, se é que foi eleita. Não parece ser essa a via preferencial do regime jurídico das federações desportivas.
Por outro lado, os regulamentos – pelo menos não todos – não são os instrumentos essenciais para a execução de um programa.
Por exemplo, em que medida, verdadeiramente decisiva para a execução de um programa, interferem as soluções regulamentares alcançadas ao nível disciplinar, do combate à dopagem e à violência, racismo e xenofobia?

E nunca se esqueça que o presidente pode ser, no rigor das coisas, o real titular do poder regulamentar.
Claro está, com um cozinhado sempre temperado.

quarta-feira, 15 de abril de 2009

Pensar o território desportivo urbano

A azáfama que se vive, neste período, na construção de novos espaços desportivos torna o momento oportuno a uma reflexão sobre a evolução do território desportivo urbano, por aqueles que têm uma competência técnica para intervirem nesta área.

É natural o entusiasmo daqueles que se empenham, politica e tecnicamente, na edificação de novas infra-estruturas, desde o seu financiamento até à inauguração.

Após essa fase, tudo muda, e saltam à vista diversos problemas relacionados com as carências de planeamento ocorridas a montante, as quais não acautelaram a rentabilidade social, desportiva e económica dos investimentos, comprometendo a sua sustentabilidade.

Poder-se-à dizer que é uma prioridade política responder às necessidades desportivas imediatas e mais prementes dos cidadãos, criar janelas de oportunidade e aproveitar fontes de financiamento que entretanto surgem e não se repetem, como argumento para esbater uma ausência de planeamento cuidado do território desportivo. É preciso o Estado agir e investir. É o soundbyte que ouvimos no contexto actual. “Construa-se e depois logo se vê” .

Olhando para o parque desportivo nos aglomerados urbanos do nosso país encontramos a expressão deste raciocínio nos espaços desportivos de proximidade. Refiro-me aos polidesportivos, pequenos campo de jogos e áreas elementares de iniciação à prática desportiva que proliferam nas nossas cidades.

Muitas destas instalações foram edificadas numa época onde as carências de infra-estruturas desportivas eram acentuadas, onde os padrões de socialização e usufruto dos tempos de lazer valorizavam o espaço público. A iniciação aos jogos desportivos de várias gerações deu-se nestes locais, os quais contribuíam para qualificar a malha urbana.

Hoje sabe-se que muito mudou. O parque desportivo diversificou-se e as ofertas em tempo de lazer também. Procura-se mais conforto, comodidade e segurança nas instalações, o período escolar aumentou e valorizam-se outros processos de iniciação à prática desportiva, o conceito de espaço público habermasiano reconfigurou-se…

Neste trajecto importa equacionar não apenas os novos investimentos, mas o futuro destes espaços desportivos que se degradam visivelmente. Onde a falta de cuidados de manutenção acompanha a ausência de utilização e contribuem para a descaracterização dos núcleos urbanos, quando não constituem focos de marginalidade.

Opta-se, por vezes, por delegar a sua gestão em juntas de freguesia, comissões de moradores e associações locais, as quais, amiúde, transformam estes espaços desportivos em restaurantes, salões de festas ou palcos de missas a céu aberto. Talvez por isso se consiga entender as competências de fiscalização transitadas para a ASAE neste domínio…

É evidente que estes expedientes não resolvem o problema. Um problema que não é apenas de gestão desportiva, mas também de planeamento urbano e entronca, em ultima análise, numa decisão que pondera entre continuar a suportar os custos de manutenção de instalações desportivamente anacrónicas e desadequadas, que se degradam por falta de utilização, abandono e vandalismo, ou, adiar o problema, evitando encará-lo, e deixar o espaço ir-se degradando até chegar-se a um ponto de não retorno.

Mais do que respostas são questões e dúvidas que aqui ficam sobre um tema que apenas foi aflorado, numa outra perspectiva, para as instalações destinadas ao espectáculo desportivo no Euro 2004.
Dúvidas que se acentuam com a disseminação de mini campos desportivos no âmbito das medidas de financiamento público para a sua construção por todo o país.
Dúvidas que a proposta de reforma legislativa para o sector - ainda que com avanços importantes face ao regime jurídico vigente - procura dar resposta, mesmo que longe de se vislumbrar “uma política integrada de infra-estruturas e equipamentos com base em critérios de distribuição territorial equilibrada, de valorização ambiental e urbanística e de sustentabilidade desportiva e económica, visando a criação de um parque desportivo diversificado e de qualidade, em coerência com uma estratégia de promoção da actividade física e desportiva, nos seus vários níveis e para todos os escalões e grupos da população” (LBAFD, art. 8.º, n.º 1)

segunda-feira, 13 de abril de 2009

Como fixar as remunerações dos dirigentes desportivos?

Os ordenados dos gestores públicos são matéria polémica. Pelos valores atribuídos e pelos complementos integrados. E, muitas vezes, pela ausência de qualquer ligação aos resultados de gestão. É possível encontrar empresas públicas ou participadas onde são atribuídos prémios de gestão mesmo com resultados negativos. E nas organizações desportivas qual é o critério? Devem prevalecer na fixação das remunerações dos dirigentes os resultados financeiros ou desportivos? Ou ambos? È defensável aumentos salariais mesmo perante o incumprimento de objectivos de gestão?
Colocadas as questões nestes termos podem ser entendidas como provocatórias ou até descabidas. Mas não o são. Em primeiro lugar porque a remuneração de dirigentes desportivos nos organismos de topo da estrutura desportiva já não é hoje tão raro como o foi há uma década. Em segundo lugar porque quase sempre estão directa ou indirectamente envolvidos recursos públicos. Em terceiro lugar porque é uma zona de opacidade corporativa onde reina um silêncio que não é um bom prenúncio. E finalmente porque a remuneração auferida constitui um crescente travão à renovação dos quadros dirigentes.
O dirigismo desportivo para alguns virou emprego. Não discutimos a mudança, a profissionalização dos cargos e a respectiva remuneração. Mas parece-nos avisado discutir critérios e competências para a sua definição.
Instituir como critério o princípio da actualização regular ou aquilo que os meios financeiros disponíveis permitem não é critério. É abuso. A actualização automática pode ser defensável para certa categoria de quadros que não para os dirigentes. Para estes é impossível desligá-los dos objectivos de gestão E numa organização desportiva eles têm uma dupla avaliação: financeira e desportiva.
Numa empresa as remunerações do conselho de administração são definidas ou por uma comissão de remunerações ou pela assembleia de accionistas. No caso das empresas de capitais exclusivamente públicos pelo governo. No caso das empresas municipais pelas assembleias municipais sob proposta das respectivas câmaras municipais. E as remunerações auferidas e eventuais complementos (telemóvel, viatura, cartão de crédito, etc) obrigatoriamente publicitadas no site da organização ou nos relatórios e contas. Nas organizações desportivas o regime é livre. Cada um faz como entende. E prevalece o entendimento da participação dos próprios interessados da decisão sem necessidade de irem buscar qualquer outra legitimidade que não a deles próprios.
As alterações legislativas já conhecidas são omissas em relação a este assunto. E não cabendo ao legislador público definir critérios ou montantes remuneratórios interrogamo-nos se nas organizações desportivas que têm competências públicas delegadas, esta matéria deve ser deixada ao livre arbítrio das organizações.
Sem ter uma solução em definitivo entendemos que se deve caminhar no sentido de obrigar que este domínio seja discutido e aprovado exteriormente aos próprios interessados. O que tem a vantagem de dar transparência à decisão e permitir que ela se fundamente em critérios discutidos e escrutinados por uma instância de controlo.


quarta-feira, 8 de abril de 2009

A "competição pirata"...

Bem sei que para muito boa gente as considerações que farei de seguida serão menorizadas ou até desprezadas, por atenderem simplesmente aos aspectos técnicos e desportivos de determinada realidade desportiva e menos aos seus critérios organizativos e legais. Contudo, porque entendo que, face a uma dada ordem jurídica só há um caminho a seguir e que se pauta pelo seu cumprimento, mesmo que em parte ou no seu todo não concordemos com ela, atrevo-me a avançar com este breve pensamento ainda que não tenha ouvido ou lido quem quer que seja a preocupar-se com o problema a que aludirei.

Se questionarmos quais são, presentemente, entre nós, as competições desportivas reconhecidas como profissionais, e que como tal devem ser geridas por uma liga profissional de clubes, depois de alguma perplexidade em qualificar a competição da I Liga Portuguesa de Basquetebol, não haverá hesitação em referir a I Liga de Andebol masculino e a I e II Ligas de Futebol masculino. Efectivamente, apenas para estas competições, de acordo com o definido na lei, foi requerido pelos respectivos presidentes federativos os parâmetros e respectivo contudo para serem competições reconhecidas pelo governo como profissionais.

Obviamente, a competição denominada Taça da Liga, instituída pela Liga Portuguesa de Futebol Profissional (LPFP) como um produto desportivo de promoção da sua actividade e de rentabilização de recursos para os clubes integrantes da I e II Ligas, não está reconhecida oficialmente como uma competição de natureza profissional. Daí questionarmos a legitimidade da LPFP para constituir, organizar e gerir uma competição para a qual não tem competência. E, por consequência, levantarmos dúvidas quanto à repercussão que determinados factos ocorridos nesta competição, nomeadamente os disciplinares, possam produzir noutras competições. Igualmente nos suscita inquietação situações que possam ocorrer nesta competição e que venham a ser objecto de decisão na jurisdição comum. A quem os juízes atribuiriam a responsabilidade da organização desta competição?

Será que já ocorreram questões deste tipo os agentes federativos e sobretudo à tutela do desporto, instância pela qual passa a decisão de reconhecer as competições desportivas profissionais no nosso sistema desportivo?

Pensarão alguns leitores: que importância têm reflexões deste tipo se o que preenche páginas e páginas de jornais, programas televisivos, fóruns e convívios são penaltis do tipo daqueles assinalados pelo Lucílio Baptista independentemente da competição em que ocorram estar, ou não, em conformidade com as disposições legais? Ora, pois então, rasguem-se as leis…

domingo, 5 de abril de 2009

As palavras e as normas VII

O regime jurídico das federações desportivas acentua, de forma bem impressiva, o poder do presidente da federação.
A este respeito registemos as palavras do preambulares do diploma.

“Em sexto lugar, consagra-se um novo órgão eleito directamente, unipessoal, e com poderes reforçados – o presidente da federação. Com competências distintas da direcção, à qual preside, o presidente é o último responsável pelo executivo federativo e o garante maior do regular funcionamento dos demais órgãos.”

Sobre as competências do presidente da federação dispõe o artigo 40º sem muito se afastar do regime anterior.
Todavia, dele deveria mesmo afastar-se em alguns aspectos, em particular na competência para participar, quando o entenda conveniente, nas reuniões de quaisquer órgãos federativos de que não seja membro, podendo intervir na discussão, mesmo que não tenha direito a voto [nº 2, alínea f)]. Em causa está a participação nas reuniões do Conselho de Disciplina e do Conselho de Justiça.

Contudo, não é bem aqui que radica o poder reforçado do presidente, mas sim – e não se diz com clareza – no facto de ele poder nomear e destituir – caso os estatutos federativos o consagrem – os membros da direcção.
Mais.
Os poderes não são só reforçados. São duplamente reforçados, pois não se pode esquecer que a competência para aprovar os regulamentos, desloca-se do centro da vontade federativa – a assembleia geral – para a direcção (artigo 42º, nº 2, alínea a)].

O presidente torna-se (pode tornar-se), pois, o cerne do poder executivo e legislativo, numa concentração de poderes sem paralelo.
E é mais fácil, também ao Estado, controlar somente uma pessoa, de que um conjunto, mais ou menos alargado, de pessoas e entidades.

quarta-feira, 1 de abril de 2009

O regime

José Medeiros Ferreira considera que gerações que não passaram por provas de fogo não garantem nada a ninguém. Pretende com isso referir-se, se bem o entendo, à geração que sofreu, arriscou e lutou contra as agruras da ditadura daqueloutra que sempre viveu em democracia.Nostalgismo de um envelhecimento geracional incapaz de perceber os outros num tempo que, felizmente, mudou? Afinal que culpa tem a geração seguinte de ter nascido depois da ditadura? Fiquemos por uma observação mais singela: o de ter presente que as estórias das nossa vidas são marcadas pelas experiências sociais que vivemos e que, por tal facto, viver com e sem liberdade naturalmente que nos dá uma percepção distinta de que vem viveu sempre com ela.
Esta diferença repercute-se também no modo como se entende a política e o exercício de funções públicas. À medida que se processa a natural substituição geracional nos lugares de decisão política, mudam também os valores que se encontram associados a esse exercício. Mas neste vaivém, a juvenialização geracional dos cargos públicos é porventura menos responsável que o envelhecimento político dos sistemas de governação democrática. A crise, a existir, não é, por isso, geracional. É sobretudo doutrinária.
A desideologização, a falência do socialismo, a crise do capitalismo globalizado, a perda de sentido dos grandes sistemas doutrinários funcionalizaram o exercício de cargos públicos promovendo o primado da circunstância. E o que ela proporciona aos seus titulares. A política deixou de ser um lugar onde se pode afirmar a decisão, por uma questão de princípios (morais, éticos ou apenas ideológicos) para o ser por uma questão de oportunidade que o poder confere. A missão de serviço público transformou-se num emprego. E a ”governação” é feita em círculo fechado erigindo uma barreira ente o “nós” e “ eles”. Os “nossos” e os que não são dos “nossos”. A opacidade de muitas decisões, o critérios de selecção dos vários empregos que se oferecem no aparelho do Estado e o temor ao conhecimento público da gestão dos gabinetes são um sinal do clientelismo que o poder alimenta mas que são também explicáveis por uma deterioração dos graus de exigência do serviço público. Bloquear a informação sobre o modo como é gerida a coisa pública passou a ser um objectivo que deveria fazer corar de vergonha qualquer responsável público com formação cívica e democrática. Quando a própria justiça para o poder ser, apela à bufaria anónima, uma insídia inqualificável e baixa para quem viveu e conheceu o regime anterior, verificamos o ponto a chegou a degradação da vida democrática.
As escolhas públicas em matéria de política desportiva não são alheias a este tempo, vivendo na órbita de uma razão e uma autoridade pessoais aparentemente supremas e inacessíveis ao comum dos mortais. Hoje é compatível com o exercício de uma governação que deveria ser isenta constatar que a administração pública desportiva participa em decisões onde há claro e insuspeito conflito de interesses ou acumulando funções e exercícios que, ainda que legais, não são moralmente aceitáveis. Fala-se baixinho nos corredores. Mas a autoridade do Estado fenece perante o situacionismo.
Explicar certo tipo de opções pela circunstância de politicamente se dispor de uma maioria governamental é o lado mais fácil. A degradação da missão de serviço público tem raízes mais fundas e não é sequer exclusivo deste ou daquele governo, desta ou de outra maioria. Tem lógicas e fundamentos na degradação do espaço partidário, na fraca qualidade da formação dos dirigentes e carece de uma refundação do regime republicano e partidário em termos distintos dos actuais. Porque continuar a trilhar os mesmos caminhos é certo e sabido que se vai sair em piores condições do que quando se entrou.