domingo, 30 de novembro de 2008

Os anónimos desportivos

Durante um ano, esta colectividade recolheu um número bem significativo de participações anónimas no espaço reservado aos comentários. Muitas delas, de grande valia.
Tenho para mim que se deve afirmar um direito ao anonimato, mesmo na vertente do exercício da liberdade de expressão.
Por outro lado, cabendo-me validar os comentários aos textos de minha autoria, não convivo bem com o seu apagar.
Por via de regra, como é prova bastante o conteúdo de certos comentários que se podem ler neste espaço, dou-lhes publicidade.
Com alguns desses comentários aprendi, assumi e corrigi erros. Para outros, coloquei-me à disposição para esclarecer o infundado daquilo que me era imputado. Destes não recebi retorno.

Entendo, agora, que é chegado o tempo, pelo menos no que a mim diz respeito, de alterar os procedimentos e, bem vistas as coisas, dignificar esta colectividade, dela afastando grosserias, ofensas pessoais, manifestas mentiras e todo um rol de manifestações anónimas que apenas significam um arroto de inveja – vá lá saber-se do quê –, mesquinhez, quando não tangem mesmo o cosmos da doença mental.

Bem vindos, pois, os anónimos que discordam de mim e que o afirmam com clareza e sentido.
Para os outros, não nos cabendo apresentar alternativas à sua maneira de ser e de estar no mundo, resta-nos, pelo menos neste espaço, vedar-lhes o acesso à sede.
Para mim, a colectividade desportiva passa a ter, para esses, um bem grande aviso à porta: Reservado o direito de admissão.

sexta-feira, 28 de novembro de 2008

Um esboço

A cruzada que o COP tem vindo a lançar a alguma comunicação social após Pequim teve recentemente mais um curioso episodio.
Dois jornais noticiaram várias citações de um documento produzido pelo COP sobre a Missão aos Jogos Olímpicos de 2008 e distribuído aos membros da Assembleia Plenária no passado dia 25.
No entanto, com inusitada celeridade, na Travessa da Memória tratou-se de emitir um comunicado a repudiar aquelas noticias, referindo que o documento produzido se trata de um esboço, pelo que as citações “não correspondem ao documento final “.
Um dos jornais visados procurou apurar o sucedido junto das federações desportivas, tendo-lhe sido garantido que "O documento que recebemos é o mesmo que está na comunicação social. Não é um esboço"

Ora, toda esta rábula pode apenas ser vista como mais um fait divers nas relações tensas com os jornais, como uma manobra de diversão em vésperas de período eleitoral, ou como disfuncionalidades de comunicação institucional. Mas não vamos por aí.

Não é por um documento estar elaborado em versão provisória que o mesmo não se deve apresentar ao público ou ser reportado pelos órgãos de informação, salvo motivos onerosos onde deve ser garantida a confidencialidade até à sua publicação final, algo que aqui não sucedeu, pelo que nem se pode considerar como uma fuga de informação.

Pelo contrário, consideramos que em democracia o processo de prestação de contas é simultaneamente - e não sequencialmente -, uma responsabilização entre os pares e uma responsabilização pública – reforçada quando estão em jogo dinheiros públicos -; o que significa, neste caso especifico, que os vários momentos de elaboração do Relatório da Missão aos Jogos Olímpicos de 2008 passam pelo escrutínio das federações (o qual tem tido vários escolhos e “tacticismos”, segundo consta) e pelo escrutínio publico, até ao momento final de entrega aos responsáveis políticos. Para tal desiderato é essencial o acompanhamento dos órgãos de comunicação social.

A audiência pública constitui não só uma garantia de transparência, mas também um incentivo à participação e envolvimento de todos os interessados na boa gestão de recursos públicos. Isto aplica-se, salvo excepções relacionadas com poderes de soberania, a qualquer domínio da sociedade e das relações com o Estado, onde o desporto não se exclui. Aplica-se a qualquer fase do ciclo de políticas públicas, nomeadamente nos seus momentos de avaliação.

São estas as orientações e princípios de boa governança, em processos legislativos, administrativos ou executivos. Mais e melhor informação, mais participação e responsabilização. Caso se pretenda uma maior responsabilidade e melhor regulação.

Mas quem quotidianamente opera no sistema desportivo – do seu topo até à base – sabe bem a distância que vai da teoria à prática. É uma distância que é tão imposta pelos obstáculos de dirigentes políticos e desportivos, como é pelo nosso desinteresse no desenvolvimento de uma estratégia sustentada de políticas desportivas, em particular por parte de uma franja crescente do tecido associativo - em déficit de empreendorismo e mobilização cívica - que se alimenta de auxílios casuísticos, mais ou menos legítimos, mais ou menos pontuais, mais ou menos controlados e em maior ou menor escala consoante a dimensão e posicionamento dos seus actores em relação aos decisores políticos. Uma franja que abarca “carolas” e “gestores”.

E não deixa de ser curioso o papel que a comunicação social desempenhou, e pode vir a desempenhar, nesta trajectória de aridez e discricionariedade na agenda político-desportiva, a qual, ela também, tal como o documento do COP, raramente passou de um esboço.

quarta-feira, 26 de novembro de 2008

Tudo tão diferente e afinal tudo tão igual

Primeiro vem o estômago, depois a moral
Bertolt Bretcht

Nada é mais natural a um dirigente desportivo cuja missão é tratar da política desportiva da sua organização, que afirmar que não está ali a fazer politica. Mesmo quando o passado esteja carregado de actos indissociáveis de apoios a projectos políticos quando não mesmo de militância partidária e completamente à margem das obrigações da organização que se lidera, essa sim que deveria obedecer a uma equidistância partidária. Nos períodos eleitorais recolhendo as listas de apoiantes deste e daquele partido encontra-se lá de tudo. Os habituais, os novos e os que mudam. Há ainda os que dizem que não podem estar mas que mandam dizer que “apoiam”.
Quem trata os problemas das organizações desportivas como uma questão apolítica antes de entrar como dirigente deveria pensar duas vezes. Para não copiar os tiques dos “políticos”.E depois de os copiar dizer que não é político.
Para um dirigente desportivo certo tipo de condutas ou até lapsos verbais poderiam em escassos momentos arruinar uma reputação que levou anos a construir. Só que o país é amnésico e quando o não é, pratica a tolerância. Sobretudo quando o que está em causa não são princípios, mas modos de poder ter poder. E por isso é escasso o cuidado com as palavras, com as condutas e com as alianças. Com a atenção ao que diz e ao que se faz. A legitimidade formal de quem dirige não se perde mas perde-se muita da autoridade moral. Pode-se do facto não ser ter logo a respectiva consciência mas a prazo é inevitável. A fragilidade da liderança está fatalmente atingida.
Nos tempos que correm, o dizer uma coisa e fazer outra, é indissociável da qualidade da vida democrática do país. O mudar de opinião não é em si mesmo censurável. Já o é se resultar, não de convicções profundas mas de um tacticismo que esconde projectos e ambições de natureza estritamente individual perante a organização que se lidera. E quando se começa a tentar explicar o que a “comunicação social deturpou” o caldo já está entornado. Nunca lhe ensinaram ou quis aprender o jogo de espelho.
È certo que as organizações desportivas não são diferentes das outras. E num país onde a memória é curta qualquer dirigente desportivo tem as vidas que quiser , faça o que muito bem entender. De um dia para o outro pode passar de um “dinossauro”e ultrapassado dirigente a uma mais valia que o país não apenas deve aproveitar e valorizar como premiar (o caso do ex-presidente da FPAndebol que uma a semana depois de ser convidado pelo governo a integrar o CND, recebe o prémio prestígio da CDP) é disso paradigma. O acusador passa a elogiador. Os defeitos a qualidades. O passado deixa de ser passado. O ex-acusado passa a elogiador do ex-acusador. Adversários de ideias tornam-se militantes das mesmas causas. E neste jogo cíclico de promiscuidades, circunstancial e oportunista, neste cenário em que quem contracena joga vários papéis, se negoceiam interesses e oportunidades, se espezinham valores que fazem a vil miséria moral de muita gente, figurinhas menores que “felizes e com poder “como dizia Alexandre O’Neill são um perigo.
A rotatividade nas mesmas figuras, a ressurreição de uns tantos “mortos” (roubo a expressão a Constança Cunha e Sá) revelam o estado geral de anemia em que caímos e o parque “jurássico-mental” em que nos movimentamos. E tal como a classe politica, temos uma classe dirigente desportiva, que salvo honrosas excepções, não tem classe, não se dá ao respeito, não se nobilita, é pobre de ideias e fraca de espírito.
Naturalmente que existem excepções. Mesmo ao nível do topo. E não é possível comparar o que se passa no topo do dirigismo com agentes benévolos que num clube ou numa associação recreativa dedicam parte do seu tempo a trabalhar para o desporto. E nada ganham. Aí, ainda existe muita carolice, muita pureza, muita dedicação à causa desportiva. Mas esses dificilmente têm acesso ao aburguesamento das cerimónias, à onda das galas e dos casinos que deixaram de ser uma excepção, para se tornar uma prática corriqueira dando das modalidades uma suposta riqueza e disponibilidade de meios que contrasta com o tradicional discurso da penúria.
E quais são as alternativas? As alternativas não estão à mão de semear. Precisam de ideias ,de pessoas e de circunstâncias especiais. Não aparecem só porque alguns as entendem como necessárias. A questão para o sistema desportivo não é portanto o discutir se precisa ou não de um alternativa. É o de saber se ela é possível. Sou céptico perante essa possibilidade.
Com um Estado pobre e um país definitivamente encostado ao lado da história pagamos um preço bem elevado por um sistema desportivo onde o Estado e os governos têm históricas responsabilidades acumuladas mas onde os responsáveis desportivos não estão fora da fotografia. Parece tudo tão diferente, mas é tudo tão igual!

terça-feira, 25 de novembro de 2008

Rogério Moura (1925-2008)

A morte de Rogério Mendes de Moura não é apenas o desaparecimento do decano dos editores portugueses. Daquele que teve a coragem cívica de começar a publicar livros num altura (1953)em que uma parte significativa das edições acabava nas mãos da censura.Com ele desaparece também o mais importante editor nacional de livros de educação física e de desporto.
A história da bibliografia nacional tem na editora que fundou, a Livros Horizonte, a mais extensa lista de autores nacionais e internacionais.
Na colecção Cultura Física, coordenada pelo Alfredo Melo de Carvalho foram editados 50 títulos permanecendo durante décadas alguns deles, com sucessivas reedições, como referências obrigatórias de estudo e de consulta.
Mas foi com a revista de educação física e desporto Horizonte - que Rogério Moura no se espírito arrojado e voluntarioso manteve até aos limites mesmo quando já era um projecto financeiramente insustentável- que terá sido a iniciativa mais marcante nas áreas das actividades físicas e desportivas.
Dirigida por José Teotónio Lima e tendo na origem um grupo de vários profissionais de educação física publicou-se durante 21 anos (1985/2006) e correspondeu à concretização de uma longa luta de quem sempre pugnou pela dignificação da carreira profissional assumida em diversas áreas das actividades físicas e desportivas entendidas como meio de valorização cultural do ser humano. Foram com a revista, os seminários, as palestras, os fóruns, os estágios de verão. Foram os cerca de 630 autores, as centenas de participantes e os muitos milhares de leitores que ao longo daquele tempo e através dela procuravam uma informação e um conhecimento actualizados.
A educação física e desporto nacional devem muito a este homem que formado em filosofia tinha como experiência de um estilo de vida activo a sua longa paixão pelo campismo à semelhança de resto de uma geração de intelectuais que marcaram a fase do neo-realismo.
“Um morto amado, nunca acaba por morrer”, escreveu Mia Couto. O Rogério Moura será sempre amado por aqueles que com ele tiveram o privilégio de trabalhar.

sábado, 22 de novembro de 2008

O Incrível Loureiro

Lemos e julgamos que estamos no seio de uma banda desenhada ou que voltámos ao passado (ou que dele nunca saímos).
O presidente da Liga Portuguesa de Futebol Profissional, precisamente no dia em que recebeu, “em audiência”, o presidente da direcção dos Clube Estrelas da Amadora, um dos responsáveis pelo drama pessoal e familiar de um bom número de praticantes desportivos profissionais, vem à janela da instituição a que preside, olha para fora, pega num discurso impresso e desafia o Estado “a publicar, sem medo, a contribuição líquida efectiva dos clubes profissionais”.
E aditou: “É bom que o país tenha noção e conhecimento dos valores que a administração fiscal arrecada junto dos associados desta Liga”.
Mais ainda:
“Não queremos um regime de excepção, nunca quisemos, mas exigimos ser tratados como pessoas de bem que somos. Temos que estar todos empenhados preventivamente em evitar ao máximo a reincidências destas situações”.
Hermínio Loureiro afirmou que é o garante da “igualdade e credibilidade das competições”, e recusou “compactuar com associados e dirigentes que recusam pagar o que devem, seja ao Estado, seja aos trabalhadores”.
Mas, certo é – pelo menos para Hermínio Loureiro – que no caso do clube da Amadora “o Estado português penhorou bens e receitas, já no decorrer do campeonato, “absolutamente desproporcionais à divida certificada, que ronda os oito milhões de euros”.
Estas palavras de Hermínio Loureiro seguem-se às que o presidente do Clube Estrelas da Avenida prestou no final da reunião, segundo o qual “vai haver dinheiro” para pagar salários mas não sabe quando.
No fundo, o Estado, sempre o Estado como o último e derradeiro responsável pelo gestão dos clubes de futebol, pelo afrontamento a “pessoas de bem”.
Sempre foi assim com os Loureiros, seja Hermínio ou outros.

terça-feira, 18 de novembro de 2008

Avaliar as politicas associativas


“Levei tempo a concluir que (desporto) é uma área sem a nobreza que lhe atribuímos na idade da ingenuidade (que às vezes se prolonga por tempo exagerado) e onde a qualidade do trabalho é totalmente secundária, vencida pela incompetência e interesses reinantes”.
(Sidónio Serpa)


Não lembra a ninguém responsabilizar um governo pelos maus resultados de uma selecção nacional de futebol. Culpa-se o seleccionador, culpa-se a alimentação (quem se não recorda dos 5-0 na então União Soviética?), culpam-se os jogadores, o estado do terreno de jogo ou o árbitro e até se culpa o presidente da federação. Mas não se culpa a “tutela”, o “estado”, o “sistema”ou a falta de “um centro de alto rendimento”.
Procedimento diverso ocorre com a generalidade das outras modalidades. Aí, num significativo número de casos e situações, nenhum daqueles agentes é penalizado e é chamado o governo ou o Estado a ser responsabilizado pela insuficiência das condições que oferece para que o rendimento possa ser outro (melhor). Este comportamento ocorre sobretudo quando é grande a atenção e a expectativa mediáticas como é o caso particularmente das participações olímpicas.
Esta dualidade tem sido alimentada ao longo de muitos anos procurando explicar o insucesso desportivo internacional, com excepção do futebol, pela ausência de “condições”ou de um modo mais elaborado “pela ausência de uma politica desportiva”ou até de não “haver mais desporto na escola”. São ideias antigas e velhas retóricas que teimamos em manter actuais aplicando-as mecanicamente à realidade desportiva.E em que uma parte da razão,passa, quase sempre, a ser a única razão.
Esta “politização” do rendimento desportivo mistura o que é geral, as condições politico-desportivas do país, com o que é particular: o modo como as modalidades se organizam e preparam. E estabelecem entre as primeiras e as segundas uma relação de causalidade de sentido único. Se houver êxito é talento do atleta, do treinador e talvez até competência da respectiva organização; o inêxito será resultado de “não haver política desportiva”. E no meio desta confusão confundem-se politicas desportivas, públicas e associativas, direitos sociais dos atletas e rendimento desportivos.
Quando esses direitos sociais e as condições oferecidas começam a fazer cada vez menos a diferença - e em alguns casos claramente acima de outros países com quem competímos e nos vencem (instalações e equipamentos, centros de treino, apoio especializado, profissionalização, comercialização de imagem, contactos e estágios internacionais)- cai-se numa espécie de orfandade explicativa onde o que antes era justificação o deixou de ser, ou pelo menos, o é cada vez menos.
Este arsenal ideológico tem ”descansado” as organizações desportivas, designadamente as federações desportivas. Que fique claro: existem excepções. Mas poucas são as que se sujeitam a ser avaliadas desportivamente. Como os governos, o Estado e o sistema “têm as costas largas”aí passou a assentar a justificação para os insucessos.
Há muitos anos que andamos arredios da lucidez necessária para verificar que as coisas não são necessariamente assim. Não porque os governos estejam isentos de culpas. Mas as “culpas”deles não podem ajudar a esconder os fracassos próprios.
Ultimamente tem sido muito enfatizado um novo regime jurídico para as federações desportivas, uma maior abertura à sua democratização e até à limitação das lideranças. Nada a obstar a tais propósitos. Mas é aconselhável moderar os entusiasmos. O problema crítico é de outra natureza e pede outro tipo de medidas.
Os governos devem ser responsabilizados pelo modo como cumprem ou não as suas obrigações. É óbvio que as condições gerais do país em matéria de politica desportiva condicionam os resultados alcançados. Mas não os determinam em exclusivo. Há uma margem de competências que pertence às organizações desportivas: a mobilização e selecção dos praticantes, a sua preparação e enquadramento competitivos, a selecção de recursos técnicos, as opções em matéria de politicas desportivas.
Alguns trabalhos publicados evidenciam que as condições politico - desportivas que o país oferece -com todas as limitações e faltas que ainda lhe são reconhecidas - têm permitido uma evolução significativa de resultados em algumas modalidades e estagnação e até retrocesso em muitas outras.Com as mesmas politicas há modalidades que cresceram(mesmo sem centros de alto rendimento) e outras que regrediram (mesmo com um simulacro dos ditos).
Mesmo tendo presente, significativas alterações resultantes da desagregação/surgimento de outros países e uma mobilidade/nacionalização de atletas alterando significativamente os quadros nacionais e respectivas selecções, certo é que muito do rendimento desportivo alcançado (positivo/negativo) não tem uma explicação politica, mas estritamente desportiva.
Tal como há governos bem e mal dirigidos também existem organizações desportivas bem e mal dirigidas. Ser bem geridas não é “ter contas” que batem certo. É terem objectivos desportivos que são alcançados. As organizações desportivas não são empresas e as políticas desportivas não podem ser avaliadas à luz de critérios e procedimentos contabilísticos como o são as auditorias dos “intendentes do reino”se circunscritas apenas a saber “como é gasto o dinheiro”.As organizações desportivas precisam de ser avaliadas num plano distinto dos relatórios de actividades perante as respectivas assembleias-gerais independentemente da maior ou menor democraticidade da sua composição.
Concordo com o José Pinto Correia : “o que é todavia mais relevante e porventura mesmo decisivo para a nossa reflexão interna é o facto de inexistirem em Portugal estudos sérios e científico/académicos sobre a realidade de governação e gestão das federações desportivas, dos seus respectivos processos de planeamento e decisão e, sobretudo, dos mecanismos e métodos de avaliação do desempenho que usam ou não usam de todo.”
O país desportivo só teria a ganhar se a avaliação crítica à realidade do país não misturasse o que é das politicas públicas - responsabilidade dos governos e das autoridades locais - do que são as politicas associativas -responsabilidade das organizações desportivas.
É da avaliação da qualidade e da competência que se trata. Uma verdade que não pode valer só para quem governa o país. Ela vale também para quem dirige as organizações desportivas. Do topo à base.

domingo, 16 de novembro de 2008

Orgulhosamente SOS

Anteriormente deu-se nota neste espaço das prioridades da presidência francesa da UE em matéria de políticas desportivas, as quais assentam numa agenda em torno de três eixos:

- Valorizar a importância social do desporto
- Sublinhar o lugar que ocupam as actividades físicas e desportivas no desenvolvimento económico
- Contribuir para uma boa governação do desporto

Com a presidência francesa iniciou-se um novo ciclo programático de 18 meses onde se irão juntar as duas próximas presidências que se seguem (Republica Checa e Suécia), tal como já havia ocorrido no ciclo anterior com as presidências da Alemanha, Portugal e Eslovénia.

Um dos compromissos assumidos foi a “promoção da adopção de orientações na promoção de actividades desportivas como forma de melhorar a saúde pública
Deste modo – dando corpo a um dos seus eixos prioritários - foram apresentadas na recente reunião de Directores Gerais do Desporto da UE as Orientações Europeias para a Actividade Física, a fim de serem aprovadas, na sua versão final, pelos ministros responsáveis pelo desporto da UE, nos próximos dias 27 e 28 de Novembro em Biarritz.

Este documento constitui uma nova etapa da política desportiva europeia ao dar forma à 1.ª acção do Plano de Acção “Pierre de Coubertin o qual traduz as orientações estratégicas definidas no Livro Branco sobre o Desporto, cumprindo com a data limite estipulada naquele livro.

Passa-se, assim, de um espectro amplo e generalista do Livro Branco, para domínios de acção cada vez mais específicos e concretos da realidade desportiva. Neste caso são propostas 41 orientações para a formulação e implementação de políticas públicas promotoras da actividade física, transversais aos vários níveis de governação e envolvendo os mais diversos sectores sociais que operam nesta vertente, com o objectivo claro de aplicar e transpor as recomendações da Organização Mundial de Saúde sobre a actividade física para um quadro de acção integrado.

Os elevados custos sociais e económicos associados ao sedentarismo não se compadecem com políticas sectoriais isoladas. Antes de mais é um problema de liderança e compromisso político. Mas este é também um problema que obriga a modelos de governação mais horizontalizados e participados, onde a separação sectorial não faz sentido, dado que as sociedades são cada vez mais complexas e os sectores se cruzam e interligam.

As políticas públicas de promoção da actividade física devem acompanhar esta tendência, não se constituindo como um objectivo sectorial exclusivo da saúde, do desporto, da educação, da solidariedade social ou do ordenamento do território, mas afirmando-se como instrumentos e mecanismos que cruzam estas áreas políticas e as integram em rede para concretizar o objectivo de promover estilos de vida mais saudáveis e hábitos de exercício físico, operando a transição de governos sectoriais para governos temáticos.

Os mecanismos multilaterais de governação na UE apontam para esse sentido e condicionam as politicas nacionais nesse rumo. A estrutura do QREN é disso o reflexo mais acabado no nosso país. A governação tende a ser menos sectorial e mais temática e sincronizada.

Isto envolve uma capacidade de diálogo maior entre os actores das várias áreas políticas e sectores da sociedade e níveis de governação. Envolve um conhecimento mútuo dos problemas, lógicas de governabilidade e dinâmicas dos actores de cada sistema social.
Estarão os actores do sistema desportivo – um sistema enquadrado por uma base normativa que chama a si os problemas da actividade física - preparados e dispostos a aceitar estes desígnios?

Estarão receptivos a compreender que a segmentação do poder e fragmentação das soberanias nacionais condicionaram a regulação e governação - não só mas também, do desporto - noutras instâncias - sub e supra-nacionais - que assumem um peso tendencialmente incontornável, num campo onde a afirmação da identidade e especificidade do desporto se joga cada vez menos numa circunscrição paroquial, e cada vez mais num espaço económico global, em crise financeira, o qual reconfigura problemas, processos e politicas de desenvolvimento desportivo?

A ver por casos bem recentes do nosso panorama desportivo - alguns abordados neste blogue - o cenário que se depara sobre a competitividade, sustentabilidade e desenvolvimento dos diversos segmentos de prática desportiva - para não falar de actividade física –, é pouco animador. A percepção das lideranças desportivas para o actual contexto onde se inserem e os mecanismos de ajustamento são, salvo casos raros de visão prospectiva, tudo menos criativos ou inovadores.


Escolha-se, a título de exemplo, o futebol profissional, e as suas incidências recentes para dar nota das carências de competitividade económica e desportiva, de novo - e oportunamente - reclamadas por vários dirigentes desportivos que exigem uma reforma da gestão do futebol profissional em Portugal. Tenha-se em atenção as medidas que propõem no actual contexto de crise que a Europa atravessa. Esteja-se atento aos próximos desenvolvimentos.

Não se pense que se tratam de problemas exclusivos do nosso país. O mesmo país onde se irá aprovar as orientações para a actividade física – a França –, ciente do custo das soluções adiadas, ou dos paliativos de circunstância à Lampedusa, sobre os problemas do seu futebol profissional, e tomando como referência as características distintivas do seu futebol - que inviabilizam soluções de “copy/paste” de outros modelos - avança desde já com um diagnóstico aprofundado para passar das palavras aos actos.

quarta-feira, 12 de novembro de 2008

Começar ao contrário

No Congresso de Gestão do Desporto da APOGESD o Dr. Alfredo Silva apresentou um estudo sobre a participação portuguesa nos Jogos Olímpicos de Pequim. O estudo avalia comparativamente os resultados alcançados e os apoios financeiros disponibilizados pela administração pública central desde os J.O de Atlanta (1966).E conclui, entre outras coisas, que “ no período de 12 anos (Atlanta 1996 –Pequim 2008) os meios financeiros aplicados na preparação olímpica aumentaram em 100%, não tendo os resultados desportivos sido acompanhados com qualquer crescimento”.
O estudo e esta constatação deveriam merecer uma profunda reflexão. Por parte de quem financia e por quem é financiado. A evidência do estudo aponta no sentido em que o financiamento não tem sido o factor crítico decisivo para a elevação da qualidade desportiva. E, se o não é, importa contextualizar o valor qualitativo do desporto nacional num quadro de variantes que não elejam o financiamento como o factor determinante.
Esse trabalho é tanto mais importante quanto, da parte das organizações desportivas, a reivindicação de mais apoios quase que se resume a mais dinheiro. E mais dinheiro para problemas mal resolvidos é gastar o dinheiro e ficar com os problemas. Nas circunstâncias actuais do país é insensata qualquer politica desportiva que não assuma um compromisso de exigência. Seria um projecto desprovido de conteúdo e socialmente inaceitável perante o quadro de dificuldades por que passam as políticas públicas.
Para que isso não suceda importa que o governo e movimento desportivo estudem onde se situam os factores críticos e as fragilidades do nosso sistema desportivo e que são impeditivas de melhorar a situação qualitativa no contexto internacional.
Sem esgotar o tema - e sem incidir sobre alguns custos “marginais” na estrutura do alto rendimento mas “pesados” em termos financeiros - insistimos na necessidade de uma política de investimento no alto rendimento que tome opções sobre quais as modalidades e sectores que dentro da afectação possível de recursos se afiguram aptas a alcançar níveis de eficiência mais elevados. Tratar como igual o que é diferente ou admitir que um elevado número de modalidades e de atletas são passíveis de obter indicadores de excelência no contexto internacional é uma pura ilusão.
O estudo a que fizemos inicialmente referência, constata que, em Pequim, 80% dos atletas que integraram os níveis I, II e III não obtiveram uma prestação desportiva compatível com o seu nível desportivo. Não vale a pena repetir o mesmo sistema e o mesmo critério. O que exigirá não apenas a seriar de modo distinto os indicadores de rendimento desportivo actualmente alcançados mas sobretudo o seu potencial de desenvolvimento num quadro de definição das nossas “vantagens competitivas”. E onde terão de ser incluídas variáveis como os modelos organizativos, os meios de preparação, os quadros competitivos, a evolução das tendências internacionais e a expressão desportiva actual. Continuar a alimentar uma lógica onde convivam planos de preparação e de rendimento elevados com esquemas de organização, treino e preparação desportivas com claras fragilidades organizacionais e competitivas não parece ser um bom caminho. Mas para que isso não ocorra é preciso olhar para os indicadores de forma séria, profissional e independente e não com exercícios de prestidigitação procurando ler neles o sucesso que, infelizmente, não contêm. E tudo indica que a humildade de reconhecer os fracassos tende a não chegar.
Ajudaria esse trabalho a delimitação do que deve pertencer à política das organizações desportivas do que é marcadamente avaliação técnica. Há uma grande quantidade de questões no âmbito da preparação e do planeamento desportivo em que o único contributo da política das organizações desportivas é a sua sistemática incompetência.
Sem expurgar práticas antigas e perniciosas e sem delimitar objectivos mensuráveis é difícil criar uma base de contratualização entre o Estado e o sistema desportivo e em que as medidas de apoio sejam decididas em nome do interesse da afirmação internacional do país, sem ressentimentos das modalidades menos apoiadas, e na base exclusiva de uma avaliação objectiva e tecnicamente fundamentada dos indicadores desportivos. O que vale por dizer que deveriam começar por ser rejeitados planos que antes de inventariar objectivos competitivos ou fazê-lo de forma difusa são “bem claros” quanto aos recursos financeiros exigíveis. É, uma vez mais, começar ao contrário.

segunda-feira, 10 de novembro de 2008

Blatter no Conselho de Ministros

Sexta-feira à tarde o Conselho de Ministros por pouco não era um Conselho de Ministros do Desporto.
Com efeito, como é do conhecimento público, vieram a ser aprovadas as seguintes iniciativas legislativas:

Decreto-Lei que estabelece o regime jurídico das Federações Desportivas;
Decreto-Lei que estabelece o regime de acesso e exercício da actividade de treinador de desporto;
Decreto-Lei que estabelece o regime jurídico do seguro desportivo obrigatório;
Proposta de Lei que estabelece o regime jurídico da luta contra a dopagem no desporto;
Proposta de Lei que estabelece o regime jurídico do combate à violência, ao racismo, à xenofobia e à intolerância nos espectáculos desportivos, de forma a possibilitar a realização dos mesmos com segurança;
Decreto-Lei que procede à primeira alteração ao Decreto-Lei n.º 315/2007, de 18 de Setembro, que estabelece as competências, composição e funcionamento do Conselho Nacional do Desporto.

Virá agora o tempo da comunidade desportiva – e desta colectividade desportiva – ler os referidos textos. Uns, por publicação no Diário da República, outros mediante a disponibilização no Diário da Assembleia da República.
Por ora, e no desconhecimento das soluções finais recolhidas nos diferentes textos, apenas há a registar o tempo que o Governo consumiu para aqui chegar e as sucessivas manobras de propaganda que levou a efeito anunciando datas, urgências, revoluções e similares.

Recuperemos, a este respeito, parte do que deixámos escrito no Público (de 2 de Novembro).
O Secretário de Estado da Juventude e do Desporto até esteve bem na última previsão, falhadas tantas outras no passado. A 28 de Outubro, referindo-se ao regime jurídico das federações (RJFD), afirmou: "Trata-se de um documento trabalhoso e tem merecido uma reflexão da nossa parte. É um diploma muito importante que não pode ser aprovado de ânimo leve. Um dia destes (será aprovado) ”.
Mas vejamos algo do passado.
A 16 de Janeiro de 2007, é publicada a Lei de Bases, estabelecendo 180 dias para que o Governo a regulamente, incluindo, claro está, um RJFD.
Acabado o prazo, algures em Julho de 2007, o Governo permanecia a labutar num «documento trabalhoso e em diploma muito importante», para não apresentar nada de “ânimo leve”.
No dia 17 de Dezembro de 2007, após 11 meses de suor, um “documento trabalhoso e muito importante”, é entregue ao Conselho Nacional do Desporto (CND): um projecto de RJFD. É razoável pensar que o texto não tenha sido elaborado de ânimo leve, dada a sua importância e o tempo decorrido.
No dia 28 de Abril de 2008, o CND finalizou o seu trabalho e depositou nas mãos do Governo as suas propostas.
Disse então o Secretário de Estado: “Estou muito satisfeito com o resultado final deste longuíssimo debate. Chegar ao fim e ouvir da unanimidade dos presentes que a proposta do Governo é globalmente positiva, significa para mim que o conjunto de princípios que queríamos que fossem a definição deste regime jurídico foram aceites e entendidos"; ”Um modelo novo para o desporto português" e que terá "o texto final pronto muito brevemente";"Agora temos um trabalho a fazer. Pegar na proposta que apresentámos, ponderá-la com as propostas que nos foram feitas, que não incompatíveis com o nosso projecto, e elaborar o texto final". Esperava ter o texto final pronto antes das férias (de Verão)!
Sexta-feira, ou seja, 22 meses depois de aprovada a Lei de Bases, 16 meses depois de esgotado o prazo adequado para a sua regulação e 6 meses depois da reunião do CND, o Governo lá conseguiu fazer aprovar, no seu seio, o RJFD.

Mais preciso foi, faça-se justiça, o presidente da Federação Portuguesa de Futebol.
Em entrevista a “O Jogo”, no dia 1 de Novembro, Gilberto Madaíl lá foi dizendo o que Laurentino Dias não disse:

“Já tínhamos a obrigação de alterar os nossos estatutos com as regras FIFA. Já nos estamos a adaptar. Temos vindo a adaptar os nossos estatutos ao que deseja a FIFA e o que é a legislação portuguesa. E para quê? Para evitar confrontações. E, por que justo, devo destacar que sempre que a questionamos tem havido da parte da Secretaria de Estado toda a colaboração para um trabalho conjunto. Agora o documento final ainda não foi a Conselho de Ministros. E só depois de publicado em Diário da República é que as federações têm seis meses para adaptar os seus estatutos. A versão final do Regime Jurídico está a ser ultimada e penso que dentro de quinze dias estará pronta.”

Os destaques são nossos e pretendem evidenciar o profundo conhecimento que o presidente da FPF tem do processo legislativo. Mais dão conta, lendo com atenção, quem a final, trabalhou no RJFD e para quem ele se direcciona.
Blatter não esteve no Conselho de Ministros de sexta-feira passada?

quarta-feira, 5 de novembro de 2008

A serendipidade de uma boa digestão

"Anuncios sao as unicas coisas verdadeiras que os jornais publicam."
Thomas Jefferson, em carta de 1819 a Nathaniel Macon
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Neste momento histórico da vida americana evoco esta frase de um dos primeiros políticos a terem a noção do papel da comunicação social, não só na informação prestada aos cidadãos, mas também na vigilância sobre os poderes que governam a sociedade - perdõem-me os puristas da língua materna – o que se designa de watchdog role.

A dimensão de vigilância constitui um mecanismo cada vez mais preponderante na afirmação do 4.º poder. Neste contexto o jornalismo de investigação, que ficou célebre em diversos momentos da política americana, assume particular destaque.

Também no actual momento desportivo deste país ocorrem diversas situações, nomeadamente no desporto profissional - ou seja, no sector desportivo comercialmente mais apelativo à comunicação social – que requerem pela sua gravidade uma maior atenção e vigilância jornalística.

Trata-se de informar os cidadãos com rigor, isenção e imparcialidade sobre casos que configuram atropelos aos mais elementares direitos cívicos, normas reguladoras da actividades desportiva e respeito pela dignidade de atletas profissionais, em modalidades como o basquetebol e o futebol, que vão bem além dos problemas salariais que emergem na espuma dos dias. E estas são situações sobre as quais não é necessário ter um grande envolvimento ou proximidade com os actores envolvidos para se ter um quadro de informação mais completo do que aquele que é publicado.

Quem trabalha com o desporto profissional sabe que a relação entre os jornalistas e os clubes se baseia na intermediação da figura do director desportivo, ou no caso de alguns clubes do director de comunicação. Este elemento facilita informações às redacções da vida do clube e proporciona o contacto dos jornalistas com os atletas. Gere assim a agenda noticiosa.

O jornalismo de investigação no desporto é, deste modo, cada vez mais reactivo e menos proactivo. Os jornalistas, por motivos diversos de gestão das redacções, têm fortes limitações para realizarem um trabalho amplo de cobertura jornalística, o qual lhes permita ter uma visão distanciada e plural dos problemas a abordar, recolhendo informações de fontes diversas e assegurando o contraditório. Este tipo de jornalismo não se coaduna com as pressões para concluírem as suas peças. Está fora da voragem noticiosa que dá forma aos nossos dias.
É evidente que a superficialidade como são expostas as noticias condicionam a formação da opinião pública desportiva. E aqui apenas me refiro ao desporto profissional, que, como sabemos, é o mais acolhido – e venal - nos nossos media.

Por outro lado, os agentes desportivos instrumentalizam os media como arma de arremesso para marcarem a sua posição. No desporto, como em qualquer outro domínio social, amiúde se assiste às ameaças de “chamar a televisão” para expor casos menos dignos, ou a convocar uma conferência de imprensa para anunciar mais um “escândalo”, ou ainda a convidar a comunicação social a assistir a um importante “happening” desportivo.

Recolhe-se um punhado de declarações de circunstância, monta-se a peça jornalística e está feito. Passados alguns dias tudo se desvanece e os eventuais casos perdem “interesse jornalístico”. Como diria António Guterres: “É da vida!”. Não há tempo para mais.

Não é por haver cada vez mais informação desportiva, que há uma melhor informação desportiva, e muito menos uma opinião pública desportiva mais informada e vigilante sobre a forma como se (des)governa o desporto profissional neste país.

Não é apenas uma questão de estilo, como recentemente invocou o sindicato dos jornalistas, ou uma perda das grandes referências que criaram muitos dos nossos heróis desportivos como notou António Lobo Antunes numa recente entrevista ao jornal “A Bola”. É um problema de saber o que informar, como informar e a quem informar.

Com a aceleração do tempo e a deslocalização do espaço que dão hoje forma à vida em sociedade, a informação desportiva também se ajustou a estes desígnios e assim chega ao leitor, ao espectador e ao ouvinte um produto noticioso pronto-a-comer. De preferência bem condimentado de emoção e polemica.

Cabe a este assimilar acriticamente o conteúdo que lhe é oferecido ou gastar algum tempo a confrontar, comparar, digerir e reflectir. E, com a devida atenção, verá que, por vezes, e talvez não por mero acaso, se descobrem factos e contradições bem interessantes que merecem ser questionados.

Porque o jornalismo desportivo se pronuncia sobre fenómenos sociais, o jornalista será sempre observador e sujeito no seu próprio trabalho, uma vez que não consegue ter uma perspectiva de completa exterioridade em relação aos factos que reporta, como T. Jefferson salientou. O problema ocorre quando nem se procuram os caminhos e os métodos para o necessário distanciamento e neutralidade, e se toma por adquirido e verdadeiro muito do que se diz sem cuidar de atestar a sua validade.

segunda-feira, 3 de novembro de 2008

A memória do regime

A tendência natural de quem governa é comparar-se com quem governou. Dizer que fez ou que está a fazer o que os outros não fizeram. E depois esgrimir situações, números e casos que legitimem a vantagem de quem está em relação a quem esteve. É um método que dura algum tempo. Como vive da memória recente tende a perder fulgor à medida que o tempo passa. Uma das formas de prolongar o “estado de graça “-de que conseguimos fazer o que outros não fizeram -é anunciar muitas coisas e ocupar com regularidade o espaço mediático.
Esta fatalidade nacional tem tanta utilidade como comparar o que se está a fazer com o que anteriormente tinham deixado feito. Por uma óbvia razão: o presente pede responsabilidades a quem está, não a quem esteve. E quem esteve já foi avaliado.
Os governos de Durão Barroso/Santana Lopes foram objecto da avaliação em eleições. E os resultados alcançados não deixam margem para dúvidas: foram reprovados de um modo tão claro que deram pela primeira vez a maioria absoluta ao PS. Defender a política desses governos derrotados será um exercício que porventura os visados serão tentados a fazer. Mas se o fizerem significa que pouco aprenderam com a situação. Mas os que ganharam também não podem cair no erro primário de pensarem que quem governa não tem passado. E que parte desse passado não foi derrotado nas urnas pelos que lhes sucederam. Se o método é o de regressar ao passado não se pode ser acometido de uma amnésia selectiva sobre a memória do regime. Lembrar o que convém; silenciar o que não é oportuno.
A política desportiva não é excepção e vive circunscrita a lógicas de exercícios daquele tipo. Por debilidades próprias, por ausência de tradição de debate político, por excesso de pessoalismo. O debate sobre as politicas é empurrado para exercícios que servem para alimentar pequenas polémicas e desamores pessoais que não ultrapassam o círculo restrito dos envolvidos. Os que estiveram, os que saíram e os que regressaram.
O que se passa no âmbito das organizações desportivas também não é brilhante. Habituadas a posicionamentos reactivos - quando estão em causa financiamentos públicos ou o aumento dos poderes de regulação pública - estão sem agenda política, sem propostas para o pais desportivo e completamente enquistadas - por opção ou por ausência - às politicas públicas. O que não é bom nem para quem governa. O país só beneficiaria se o tónus associativo fosse mais activo e menos “acrítico”.A vontade de perpetuação das lideranças associativas, a ausência de vontade de renovação - para além da que vier a ser imposta por via normativa - revelam que o movimento associativo vive bem com o que tem e com o modo como é dirigido. E assim será enquanto o financiamento público não “mexer” com o “status quo”.
O debate e o contraditório político precisam de se ancorar em matrizes ideológicas e doutrinárias que consubstanciem modos diferentes de pensar e de governar. Para que a governação mais do que alternância entre os protagonistas habituais se possa transformar em alternativa. O que vale tanto para quem governa, como para quem pretende governar. Mas ajuda a essa construção perceber que a critica a quem governa não tem necessariamente que ser a defesa de quem governou. Ou que pretende vir a fazê-lo. Convém lembrá-lo aos neófitos do debate político e àqueles cuja “politização” obedece a um regime acelerado de formação “clubística”: ou se é de uns ou de outros!