quinta-feira, 26 de agosto de 2010

O que está mal no desporto português

Mais um texto - que se agradece - de Luís Leite.
Procuro acompanhar com interesse e atenção o Desporto internacional em todas as modalidades, mesmo aquelas que não são praticadas no nosso País.
Em resultado desse interesse / paixão que confesso pelo Desporto nas suas mais diversas facetas, sem querer mostrar ter “descoberto a pólvora”, decidi enumerar e dar a conhecer a minha opinião sobre o que faz falta ao Desporto português e o que o impede de apresentar resultados internacionais a um nível aceitável na maioria das modalidades, nas grandes competições.

Obviamente este não é um estudo com pretensões académicas, antes uma sensibilidade empírica, registada pela observação e contacto pessoal directo enquanto dirigente responsável pelas Selecções Nacionais de Atletismo durante 5 anos, concretamente em vários Campeonatos do Mundo e da Europa, e nos Jogos Olímpicos de Pequim. É também baseada nos inúmeros contactos mantidos enquanto dirigente desportivo, designadamente com a Administração Pública Desportiva, em organismos internacionais e na organização de grandes eventos internacionais, bem como na análise comparada com outros países europeus da nossa dimensão e, em parte, na estatística histórica dos resultados obtidos em grandes competições internacionais em muitas modalidades.

Assim, passo a enumerar, por ordem de importância decrescente, as principais causas da fragilidade do Desporto português:

1) Falta de cultura desportiva dos Órgãos de Poder, com particular incidência para os sucessivos Governos e Assembleia da República, com reflexos preocupantes ao nível executivo e legislativo;

2) Desporto escolar e universitário com importância e dimensão pobre ou insignificante, com consequências evidentes na falta de cultura (educação) desportiva, que se repercute na “clubite” e no reduzido “fair-play”;

3) Baixo nível qualitativo global do dirigismo desportivo por falta de formação e excesso de amadorismo, tanto na Administração Pública (SEJD e IDP) como nas organizações intermédias (COP e CDP), Federações, Associações e Clubes (não confundir com empenhamento, entrega, abnegação, disponibilidade, etc., que são apanágio, em geral, do movimento associativo de base);

4) Excessiva importância, altamente discriminatória, concedida pelos sucessivos Governos e pela Comunicação Social ao Futebol profissional, hoje com características empresariais, em detrimento do incremento tanto da prática e da cultura desportiva de base como do Alto Rendimento desportivo nas diversas modalidades, em particular as olímpicas;

5) Deficiente(s) sistema(s) de detecção e acompanhamento de grandes talentos, salvo raras excepções em determinadas modalidades;

6) Reduzida capacidade de financiamento público e privado para o Desporto, com uma preferencial canalização, muitas vezes disfarçada, para o Futebol profissional;

7) Errada política de financiamento e construção de equipamentos desportivos, com responsabilidades graves para a Administração Pública central, regional e local.

8) Errada política de financiamento público de eventos internacionais e excessiva confusão com o aparente “investimento” no Turismo, que serve para justificar o injustificável;

9) Reduzida participação da Universidade na investigação desportiva a todos os níveis, embora se registe uma melhoria nos últimos anos.

Enquanto estes factores permanecerem sem mutação, favorecendo-se o clientelismo político e o nivelamento por baixo em quase todas estas áreas, o Desporto português não terá condições para evoluir, sendo inúteis quaisquer expectativas mais optimistas.

20 comentários:

PireX disse...

Parabéns pelo artigo!

F Oliveira disse...

Como sempre...
E as soluções quais são? E as propostas de melhoria são? E andaram este 'tipo de dirigentes' 4 anos a 'mamar' com isto e onde geriram(?) mais de 2 milhões e meio de euros por ANO...

Anónimo disse...

F Oliveira
Não vale a pena questionar o Sr. Luis Leite. A especialidade dele é corrigir "redacções" doa Anónimos do Blog! Quando ele foi "dirigente" não foi o "messias" porque os "outros é que não deixaram"! É sempre a mesma "tanga"! Nem se devia passar "cartucho" a este tipo de "ex-dirigentes".
Rui Borges.

Luís Leite disse...

Caríssimo Fernando Oliveira:

As soluções estão implícitas no texto: é preciso ir mudando as coisas, mas para tal acontecer é preciso sangue novo e gente descomprometida com clientelas partidárias, gente independente, com conhecimento (acima da média) de Desporto.
Veja o Plano Inclinado da SIC Notícias, por exemplo, para perceber o que é este país...

Quanto aos comentários do tipo "mamar com isto", são reles e ordinários.
Sobretudo quando o que ganhei com isto foi ver a minha carreira de professor bloqueada (para sempre?), por não poder ser avaliado enquanto dirigente, apesar de ter uma Licença Extraordinária emitida pelo Governo.
A mim, basta-me lembrar que durante o meu mandato, em 4 anos e meio, o Atletismo Português ganhou 44 medalhas em grandes competições internacionais (Jogos Olímpicos, Campeonatos do Mundo e da Europa) e subiu pela primeira vez à SuperLiga Europeia.
Em 4 anos e meio, os atletas e seus treinadores conseguiram um terço da totalidade das medalhas conseguidas em toda a História do Atletismo português e mais do que todas as outras modalidades juntas.
Deverá reconhecer que poderei ter tido alguma culpa nisto tudo.
Modéstia à parte...

Anónimo disse...

Fantástico!!! Arrasador!!!

Já agora: o que é que isto quer dizer? Onde é que se pretende chegar? Deveremos concluir - ao que parece - que o Governo é que tem culpa? E os Leites deste mundo, quais vestais, são as vítimas deste PREC?!!!

Só os Órgãos do Poder - "eles", na vulgata dos incapazes - é que não têm cultura desportiva?

Dos nove problemas identificados, 7dizem respeito ou ao Governo, ou à Administração Pública. Isto não quererá dizer alguma coisa sobre os Leites deste mundo????!!!!

Luís Leite disse...

Obviamente não responderei a comentários anónimos, ainda por cima quando são mal estruturados e ordinários, fugindo a uma saudável argumentação bloguística, essa sim dialéticamente interessante.

Anónimo disse...

"Ir mudando as coisas" é lindo!!! É todo um programa de acção!!! Para não falar do "mudar as pessoas", com o argumento de que as que vão entrar é que seriam os (verdadeiros) independentes, isentos e descomprometidos. Para além de cultos, claro.

Os programa do Leite são um verdadeiro "achado". E se isto não é mamar....

A propósito: não se deveria colocar, como condição para os "futuros homens novos", que os respectivos nomes e apelidos começassem por "L"???!!!!

joão boaventura disse...

Porque os outros se mascaram mas tu não
Porque os outros usam a virtude
Para comprar o que não tem perdão.
Porque os outros têm medo mas tu não.
Porque os outros são os túmulos caiados
Onde germina calada a podridão.
Porque os outros se calam mas tu não.

Porque os outros se compram e se vendem
E os seus gestos dão sempre dividendo.
Porque os outros são hábeis mas tu não.

Porque os outros vão à sombra dos abrigos
E tu vais de mãos dadas com os perigos.
Porque os outros calculam mas tu não.

Sophia de Mello Breyner Andresen

joão boaventura disse...

O Futuro

Aos Domingos, iremos ao jardim.
Entediados, em grupos familiares,
Aos pares,
Dando-nos ares
De pessoas invulgares,
Aos Domingos iremos ao jardim.
Diremos nos encontros casuais
Com outros clãs iguais,
Banalidades rituais
Fundamentais.
Autómatos afins,
Misto de serafins
Sociais
E de standardizados mandarins,
Teremos preconceitos e pruridos,
Produtos recebidos na herança
De certos caracteres adquiridos.
Falaremos do tempo,
Do que foi, do que já houve...
E sendo já então
Por tradição
E formação
Antiburgueses
- Solidamente antiburgueses-,
Inquietos falaremos
Da tormenta que passa
E seus desvarios.

Seremos aos domingos, no jardim,
Reaccionários.

Reinaldo Ferreira

joão boaventura disse...

Temos, todos que vivemos,
Uma vida que é vivida
E outra vida que é pensada.
E a única vida que temos
É essa que é dividida
Entre a verdadeira e a errada.

Fernando Pessoa

Anónimo disse...

Ó Sr Professor João Boaventura
Que tal começar a versar em inglês?
Penso que seria uma Arte transformar a poesia de tão ilustres numa língua universal!
É que o esforço, não o meu concerteza, em tentar perceber o que tem a ver o texto com o contexto torna-se cansativo!
Pelo menos em inglês sempre se aprendia alguma coisa!
Valha-nos Santo Ambrósio.....
Rui Borges

Luis Melo disse...

Em poucas palavras: Somos um país de "bola", de "futebolês". Com tudo o que isso acarreta de mau

Luís Leite disse...

Ficámos a saber mais umas particularidades do anónimo tipo, neste caso meio anónimo Rui Borges:

1)Manifestam dificuldade em ler e interpretar português (uma reconfirmação) e sobretudo se for em verso;

2)Manifestam preferência pelo Inglês, para assim tentar aprender numa língua universal aquilo que não conseguem compreender na nossa;

3)A coisa é cansativa, mesmo que sem esforço;

4)São pessoas religiosas recorrendo sempre que possível aos Santos da Igreja Católica Romana;

5)Continuam a divertir-nos.

joão boaventura disse...

Caro Rui Borges

E eu a pensar que o português era uma língua universal.

Se acha que não é... respeito a sua opção, mas agradeço o seu apelo à intervenção do Santo Ambrósio porque ele, como a poesia, era um homem apaziguador.

Cordialmente

Anónimo disse...

O secretário de Estado do Desporto, Laurentino Dias, lamentou este sábado a renúncia à selecção portuguesa de Simão Sabrosa, que considera um dos melhores futebolistas portugueses da actualidade.

Anónimo disse...

O Arq. Luís Leite, que tem razão em tanta coisa, deve muitas vezes queixar-se de si próprio, ao nível de alguns textos e comentários que realiza e más respostas que leva. Esta coisa do "A mim, basta-me lembrar que durante o meu mandato, em 4 anos e meio, o Atletismo Português ganhou 44 medalhas em grandes competições internacionais (Jogos Olímpicos, Campeonatos do Mundo e da Europa) e subiu pela primeira vez à SuperLiga Europeia", não sendo mentira faz lembrar aqueles putos gabarolas das escolas secundárias. Apesar de todo o seu curriculum, deve manter certas coisas para si, com o risco de repetidamente ser mal interpretado ou visto como um convencido e de nariz empinado.

Engraçado como toda a gente reclama as medalhas, que são obtidas pelos atletas e seus treinadores, muitas vezes sem tantas condições assim e onde o principal papel da FPA passa pelas idas a competições e alguns estágios. E o que acontece é que as medalhas são dos empresários, técnicos nacionais, seleccionadores, Direcção das federações, CDP, COP, Secretário de Estado, José Socrates, Cavaco de Silva e em extremo até da Associação Europeia de Atletismo e União Europeia. Muitas vezes as medalhas mais parecem das entidades que dos atletas e não há coisa mais triste que isso! Por isso, não faça também disso bandeira que só lhe fica mal...

E deixe-me terminar que como dirigente também teve os seus podres e os seus telhados de vidro. Pode reclamar muita coisa nesta sociedade, como todos nós, a diferentes níveis, não só na Alta Competição. E mais uma reflexão, os seus antecessores também não foram importantes para o estado actual do atletismo? Os técnicos nacionais não estiveram muito mais no terreno que o senhor? Sim porque isto de ser vencedor de medalhas nos gabinetes, nas bancadas e na entrega das bandeiras, não é coisa lá muito espetacular...

E fico por aqui, repetindo, tem razão em muita coisa, mas modere-se pela sua própria integridade.

António Gomes

Luís Leite disse...

Caro António Gomes:

Julgo não o conhecer e tenho dúvidas, pelo que escreve, de que me conheça.
Não deve ter reparado que eu estava a responder a F. Oliveira, que utilizou expressões absolutamente inaceitáveis para me qualificar. E quem cala consente...

Efectivamente orgulho-me muito do trabalho que fiz na FPA entre Setembro de 2003 e Julho de 2009.
Ao contrário do que afirma, não tenho podres nem telhados de vidro e quanto à minha passagem pela FPA, tenho a consciência tranquila.

Se ler com atenção o que escrevi, referi que quem ganhou as medalhas foram os atletas e os seus treinadores tiveram um papel decisivo.
Obviamente por trás de cada medalha alcançada está um conjunto de pessoas, garanto-lhe que não tantas como refere, nem nada que se pareça e que eu sei quais são. Você não.
Mas o dirigente directamente responsável era eu. E não imagina, provavelmente, a responsabilidade e a influência que um dirigente pode ter em determinadas situações complicadas, que nunca chegam ao conhecimento do público em geral.
Não pense que gosto de falar de mim ou de me gabar. Não é isso. Mas não gosto que mintam ou sejam ordinários comigo. Muito menos cobardolas. Ninguém gosta.
Eu digo as "minhas" verdades sem ser ordinário e respeito quem merece ser respeitado.

F Oliveira disse...

Chapeau!!!

Nunotexas disse...

É verdade que o desporto português tem milhões de deficiências mas também é verdade que nunca tivemos tantos desportistas (quer nos desportos individuais, quer nos colectivos) num plano tão bom a nível mundial.

Estamos com excelentes resultados nas mais diversas modalidades como nunca tivemos, é sinónimo também que as coisas já foram muito piores do que são agora. E para além dos vários factores que são precisos para chegarmos a estes resultados, temos de adicionar o optimismo, sem ele nada feito.

Apostas Online disse...

excelente artigo. parabéns