domingo, 8 de agosto de 2010

Uma cama feita por muitos (III)?

1. O fim-de-semana trouxe mais elementos que ajudam a decifrar o que se passa no «Caso Carlos Queiroz». Declarações do Vice-presidente da FPF, que a crer no comunicado da FPF do dia 30 de Julho só podem ser tidas por meras especulações, do acusado e inúmeras fugas de informação sobre o processo, parece que nos permitem configurar, com mais acerto, os termos do «jogo».
Ao que se apura, lendo e relendo todo essa material informativo, sempre correndo o risco de falhar, o treinador é acusado, na nota de culpa do Conselho de Disciplina da FPF, de duas eventuais infracções.
Uma, parece finalmente claro, localizada no âmbito da legislação (e regulamentação federativa) de combate à dopagem no desporto. Uma segunda, assim se crê, no Regulamento Disciplinar da FPF (injúrias).

2. Comecemos pela última, mirando as normas em presença.
De acordo com o artigo 1º, nº 2, do Regulamento Disciplinar da FPF, são equiparados a jogos oficiais - para efeitos disciplinares - os treinos e os estágios de jogadores das Selecções Nacionais (norma «Sá Pinto»). Por outro lado, adianta o nº 4, ainda em sede de definições, entende-se por agentes desportivos os membros de órgãos sociais, dos órgãos técnicos permanentes, das comissões eventuais da FPF e dos seus sócios ordinários, dirigentes de Clubes, delegados, observadores de árbitros, árbitros, jogadores, treinadores, preparadores físicos, secretários técnicos, seccionistas, médicos, massagistas, auxiliares técnicos, assistentes de campo, assessores, empregados e outros intervenientes no espectáculo desportivo.

3. Sobre as ameaças, injúrias e ofensas à reputação, enquanto infracções específicas dos dirigentes de clubes e outros agentes desportivos, dispõe o artigo 98º: o dirigente de clube que pratique a infracção prevista no artigo 61º, ainda que contra agente desportivo, é punido com suspensão de 1 mês a 1 ano e multa de € 1.000 a € 2.000.
Esta norma é convocada, ao caso em apreço, por força do artigo 103º, nº 1 (Norma remissiva).
Relevante é, pois, para a resolução da questão, o que dimana do artigo 61º (Das ameaças, juízos ou afirmações lesivas da reputação de entidades da estrutura desportiva):

“1. É punido com a multa de € 1.000 a € 2.000 o clube que, dirigindo-se a terceiros ou ao visado, imputar por palavras à FPF, às suas actividades estatutárias, a órgãos sociais, a comissões, a sócios ordinários, a delegados da FPF, a árbitros, a observadores de árbitros, a cronometristas a outro clube e aos respectivos membros, dirigentes, colaboradores ou empregados no exercício das suas funções ou por virtude delas, mesmo sob a forma de suspeita, um facto, ou formular sobre eles um juízo, ofensivos da sua honra, consideração, dignidade.
2. À difamação e à injúria verbais são equiparadas as feitas por escrito, gestos, imagens ou qualquer outro meio de expressão.
3. Incorre em igual pena o clube que exerça ameaça de dano ou cause dano a qualquer das pessoas e entidades referidas no nº 1 do art. 50º por força do exercício das suas funções.
4. O Clube é responsável pela actuação dos seus dirigentes, representantes, sócios, funcionários e colaboradores e pelas mensagens veiculadas pelos seus órgãos e espaços de comunicação social privativos”.

4. Não é possível, pois, seguramente, por esta via, sancionar Carlos Queiroz.
De que norma jogará mão a sempre criativa «justiça desportiva» que tem como princípio fundamental construir a solução mais favorável à Direcção da FPF?

Do artigo 102º, carregado de legítimas dúvidas de constitucionalidade, em face do princípio da legalidade (envolvendo tipicidade mínima na vertente disciplinar) vigente em direito sancionatório público?

Dispõe essa válvula de escape:

“ (Da inobservância de outros deveres)
O Dirigente de Clube é punido com suspensão de 1 a 3 meses e multa de € 150 a € 450 em todos os casos não expressamente previstos em que viole dever imposto pelos regulamentos e demais legislação desportiva aplicável”.

6 comentários:

Anónimo disse...

Enquanto adepto incondicional da equipa das quinas a honra da família é lavada com 150 a 450 paus e uma suspensão de 1 a 3 meses, antes, durante ou depois dos desafios para o Euro 2012?

Anónimo disse...

Fazer o que ainda não foi feito!


Se O Dr. Meirim tiver razão sobre
as eventuais penalizações para o mal-fadado treinador Queirós, então que afã fez correr o Dr. laurentino tão presto para a imprensa? Dividendos políticos, mediatismo para sair da obscuridade, comandar a FPF, dirigir de fora para dentro?

Madail certamente vai tentar encostar-se na posição que menos o prejudique. Dará com uma mão o que procurará tirar com a outra. E os dirigentes da FPF que já tinham como objectivo livrarem-se do treinador o que farão? Ficam no poleiro indiferentes ao resultado final? Ou dão lugar a um qualquer novo processo eleitoral que já foi prometido há dois anos pelo Dr. Madail.

Lembram-se (eu ainda retenho as declarações ao Jornal "A Bola") que ele tinha dito que só ficava até concluir a daptação estatutária. Será que ela algum dia se concluirá para que o Dr. Laurentino devolva o Estatuto de utilidade pública na íntegra à FPF. Ou isso nem vale nada já...?

J. Manageiro da Costa

Luís Leite disse...

Já sabíamos que o poder é afrodisíaco. Mas também dá vício...
Por que será que os Presidentes das Federações, pelo menos das maiores, se agarram décadas ao poder?
E para tal, vão descansando os curiosos, prometendo sempre que este (aquele) é o último mandato.
Mentem.
E vão usando todos os recursos de que dispõem, pelo conhecimento que têm da estrutura federativa, para se eternizarem.
Com a nova legislação, a artimanha, ao atingirem o limite previsto de mandatos, consistirá em se candidatarem a outro lugar de presidente de órgão, de preferência (com lista única) a Assembleia-Geral, colocando um banana/discípulo como Presidente.
E assim, continuam a mexer todos os cordelinhos a seu bel-prazer...
Por que será que, conhecendo bem o exercício do poder o consideram tão bom e se condideram tão indispensáveis?

ft disse...

A história pode contar-se assim ou de outras maneiras. O que aqui se diz são meras conjecturas e pedaços de coisas que outras pessoas podem pegar de outras formas.

O PS perdeu a FPF desde Vitor Vasques 1993-1996, Gilberto Madail e Carlos Queiroz são do PSD, o desejo do PS ganhar a FPF permite depois uma viagem de sucesso para uma Câmara Municipal completando um ciclo de sucesso pessoal e partidário.

O sucessor natural do Madail seria Hermínio Loureiro mas este teve um percurso de qualidade desportiva que não permite andar para trás e Madail como bom dinossauro não deixa herdeiro reconhecido pelo desporto.

Outra hipótese seria Joaquim Evangelista do sindicato de jogadores embora não seja claramente do PSD e perdeu força crítica dos problemas do futebol por via da acção concertada de Laurentino Dias que o capturou no CND e do sucesso do Hermínio na Liga que Evangelista não conseguiu distinguir e acompanhar marcando a sua diferença e trazendo inovação ao mercado do desporto profissional.

O homem do PS para a FPF será Laurentino Dias e a crítica a Queiroz estará na linha de acertar os estragos da inépcia do tratamento dado ao desporto profissional e das associações pela equipa que herdou.

Poderia Laurentino ser melhor sem a sua equipa? Será a equipa melhor que Laurentino Dias? Uma resposta é a que diz que a equipa foi a apurada desde sempre por Miranda Calha e o momento histórico e o PSD facultaram a continuidade.

No desporto o que distingue o PS do PSD? No PSD não existe possibilidade de ruptura com o modelo vigente porque teria de se dar através da recreação e maior investimento público e isso é uma opção à esquerda que o PS nunca seguiu e o PSD por ideologia não seguirá. O PS tem uma equipa experiente e com uma cultura que gere à direita e o PSD sem alternativas usa nos momentos fugazes quando chega ao poder.

O PSD nunca teve tempo histórico para criar uma equipa, não teve a percepção antecipada de um movimento inovador, o PS tem de momento uma nova geração que suportará a equipa e o PS para o futuro e o PSD se chegar ao poder vai utilizar porque não tem alternativa no mercado do seu capital humano e ideológica distinta.

ft disse...

A questão para o desporto português é a rotura do paradigma no Estado, na Universidade e na Assembleia da República.

Gustavo Pires costumava falar do novo paradigma e a sua perspectiva era a da gestão e a da liderança do desporto português pelos alunos das escolas de desporto.

Esse paradigma foi afeiçoado pelo direito e hoje é possível ver os gestores do desporto norteados pelos princípios do direito português, mesmo que económica e socialmente ineficientes.

A gestão desportiva praticada é acrítica face ao fracasso do mercado do desporto português porque não tem uma base de eficiência e racionalidade que a economia, a sociologia e a cultura europeia dão.

A história do desporto português valoriza os líderes políticos provenientes dos aparelhos partidários e da Assembleia da República onde o paradigma da cultura desportiva europeia não é percepcionado, como antes do 25 de Abril.

Os factos desportivos do último lugar europeu demonstram que os partidos e a Assembleia da República não assumem o paradigma do desporto europeu.

Hoje existem milhares de gestores de desporto, gerações de gestores, impedidos de compreender e de maximizar o produto desportivo que têm entre mãos.

A rotura do paradigma não está na economia do desporto ou em qualquer das múltiplas disciplinas do desporto.

A rotura do paradigma está no assumir do projecto de desporto europeu que tem mais de cem anos e que Portugal nunca quis ou nunca conseguiu acertar o passo.

A complexidade do processo de modernização do desporto português é superior à solução adiantada por qualquer uma das partes sejam os líderes, as federações, COP e CDP, a Assembleia da República, os partidos e as suas equipas, o capital humano e cultural da administração pública do desporto, ou as áreas do conhecimento do desporto.

joão boaventura disse...

Sim, já sei

Sim, já sei...
Há uma lei
Que manda que no sentir
Haja um seguir
Uma certa estrada
Que leva a nada.

Bem sei. É aquela
Que dizem bela
E definida
Os que na vida
Não querem nada
De qualquer estrada,

Vou no caminho
Que é meu vizinho
Porque não sou
Quem aqui estou.

Fernando Pessoa