domingo, 24 de outubro de 2010

Desporto e inclusão social. Quais as políticas?

Como gerir políticas sociais estáveis e duradouras em ambientes socioeconómicos voláteis e complexos? Ao longo de décadas, várias têm sido as “receitas” para responder a esta questão.

Enfocando a análise nas políticas locais de desenvolvimento e inclusão social em contexto urbano ,o desporto é invocado, não raras vezes, como um importante instrumento de acção neste âmbito. A “dimensão social do desporto” surge, inevitavelmente, no discurso de vários actores, quando se pretende operar naquele domínio.

Mas qualquer sociólogo sabe da extrema dificuldade em aferir o valor social de uma política pública, muito mais intangível, por exemplo, do que o valor económico - já de si difícil de medir.
Com efeito, o valor social entregue à comunidade por iniciativa pública através de políticas desportivas passa por diagnosticar o real potencial desta sua dimensão social em qualificar grupos em risco de exclusão e conferir-lhes as competências adequadas. E este é um processo, árduo e longo, de investigação-acção que exige uma abordagem no terreno de permanente ajustamento e interdisciplinariedade com outras áreas relevantes (educação, cultura, acção social, etc.). O simples envolvimento em momentos de prática desportiva não é, só por si, - qual fenómeno de geração espontânea - um factor promotor de integração social. Por vezes pode até constituir um elemento adicional de marginalização.

Num período de crise económica o apelo demagógico aos laços comunitários e solidários faz prosperar esta perspectiva capciosa de valorização social através do desporto, ou do activismo físico tão em voga - quais Midas -, e estimula projectos e iniciativas desportivas propagandísticas, panfletárias e festivaleiras, mas inócuas na qualificação cívica de segmentos marginais da comunidade local, à medida que contribuem para debilitar o desporto de base - elemento mediador cujo envolvimento é crucial para se aceder a essas franjas - por força das acções avulsas, mediaticamente compensadoras mas desportiva e socialmente desastrosas, que comportam este tipo de estratégias (?) amiúde financiadas por fundações ou empresas privadas, na sua esfera de (i)responsabilidade social.

Ainda que provenham de onde menos se podia esperar, não são apenas estas as barreiras que impedem o desporto de base de desenvolver o seu potencial na esfera social e a comunidade local de capitalizar os enormes benefícios gerados pelo trabalho que aí se produz numa base voluntária, particularmente junto de segmentos populacionais prioritários.

Ao terminar o Ano Europeu do Combate à Pobreza e Exclusão Social e iniciando-se no próximo o Ano Europeu de Voluntariado surgem na União Europeia várias iniciativas sobre o papel da política desportiva da UE e sua orientação estratégica ao nível da inclusão social, num momentum que também passou pelo nosso país.

A presidência belga - país onde convivem duas realidades socioculturais distintas - atribuiu prioridade a estes temas na sua agenda para o desporto, desde logo nos trabalhos preparatórios ao nível dos directores gerais, e organizou uma conferência sobre a promoção da participação desportiva através de iniciativas políticas municipais, especificamente destinadas a grupos sociais em risco de exclusão, da qual saiu um conjunto de recomendações políticas para a reunião informal de ministros europeus responsáveis pelo desporto cujos tópicos se discutirão na reunião do Conselho da UE para o desporto a ter lugar no próximo dia 18 de Novembro em Bruxelas.

O facto do desporto de base e o seu valor social figurar na agenda institucional dos decisores políticos é o corolário de vários momentos políticos - do Parlamento Europeu e das mais relevantes instituições parlamentares dos Estados-membros - no decorrer do roteiro para avaliação do impacto da implementação das disposições do Tratado sobre o desporto, os quais não podem ser ignorados quando a Comissão apresentar, no próximo dia 10 de Novembro, as suas prioridades e o programa da UE para o desporto a partir de 2012.

12 comentários:

Luís Leite disse...

Caro João Almeida,

Várias perguntas e algumas hipotéticas respostas, para ver se o compreendo no seu perfeito "europês":

1) O que são "ambientes socioeconómicos voláteis e complexos"?

Julgo que se refere aos bairros suburbanos das grandes cidades.

2) O que é "inclusão social?"

Serão estratégias a implementar para que grupos sociais e/ou étnicos diferenciados se passem a relacionar de uma forma civilizada?

3) O que são "grupos em risco de exclusão"?

Serão os bandos de marginais rotulados de "vítimas sociais" que impunemente assaltam e aterrorizam a restante população sem que as autoridades e a Justiça nada façam?

4) O que é "desporto de base"?

Esta não sei mesmo responder.
Só se for basebol...

Quanto ao resto do seu texto, devo dizer-lhe que concordo na íntegra com o 4º parágrafo.

Quanto às instituições da dita União Europeia, já demos para esse peditório.
Sobram demagogia em doses industriais, tachos e passeatas.
No fim, fica tudo na mesma.

Peço-lhe encarecidamente que não leve a mal os meus comentários anti-europeistas, ignorantes e pessimistas e solicito esclarecimentos.

Cumprimentos solidários.

João Almeida disse...

Caro Luis Leite

Você é sempre bem vindo.
Faz as perguntas e dá as suas hipotéticas respostas.

A única em que não dá é no conceito de desporto de base. Talvez se procurar o significado de grassroots sport possa ficar mais esclarecido sobre a forma que o tradutor encontrou para passar esse conceito ao nosso idioma. Refere-se aos níveis mais elementares de prática desportiva, ou iniciação desportiva e esse não é apenas um termo do "europês".

Cumprimentos

Luís Leite disse...

Obrigado pela pronta resposta relativamente à definição de desporto de base.

Quanto às minhas hipotéticas respostas/hipóteses e comentários pessimistas posso transformá-los em teses?

Obrigado.

Ana disse...

Enquanto não houver um entendimento real da necessidade de equipas multidisciplinares a trabalharem no desporto e com o desporto, dificilmente de atingirá o nível de inclusão social desejado neste domínio. A inclusão social vai, no meu entender, para além dos trabalho com grupos em risco de exclusão social. É necessário que a inclusão social se faça também para além deste domínio e de dentro para fora, isto é, dos clubes para a comunidade.

João Almeida disse...

Cara Ana

É essa a preocupação central do post.
Como tal é possível quando a intervenção dos municipios debilita o apoio à actividade regular dos clubes locais em favor de outras opções com maior retorno mediático, mas que progressivamente fragilizam o trabalho junto da comunidade?

Luís Leite disse...

Estive à procura de literatura diversa sobre "inclusão social".
Em todas as definições apenas são referidos "direitos", nunca "deveres".
Porque será?
Será que os "em risco de exclusão" têm o direito a não ter que cumprir deveres sociais?
Será que os deveres são só para os já "incluídos"?
A Sociologia deixou-se apanhar pelo "politicamente correcto" pós-moderno e demagógico.
Vale tudo, desde que seja a fingir...

João Almeida disse...

Caro Luis Leite

Partindo dessa sua tese você não acha que o desporto poderia ter um papel correctivo nesses desequilíbrios?

Eu acho que sim.

E acha que as políticas desportivas municipais têm contribuído para isso?

Eu cada vez mais acho que não.

Grato

Fernando Tenreiro disse...

Boa Tarde João Almeida,

Fico com a ideia deste seu poste que existe uma nuvem de iniciativas por parte das instituições da União Europeia sem objectivo, contraditórias e assentes em limitações das ciências sociais e da economia.

Tenho outra ideia que é a de que a União Europeia tem um objectivo e procedimentos concorrentes com uma decisão inicial.

Depois, do ponto de vista económico e social o poste foca a complexidade científica para apoiar a tese inicial.

A União europeia e as suas instituições têm um comportamento científico em que quando analisam um determinado aspecto consideram as limitações e as possibilidades de desenvolvimento e esse procedimento baseia-se em princípios éticos no domínio científico e no da 'policy' e da 'politics'.

Independentemente do que compreenderam creio que anónimos deste blogue se regozijaram com os seus dois maiores parágrafos em que fala do trabalho dos sociólogos e da crise económica.

Você poderia fazer outra coisa, por um lado, tratar as questões científicas das ciências sociais que foca na primeira parte do texto e, por outro lado, tratar das iniciativas das instituições europeias. Em postes separados.

A União Europeia tem uma política desportiva, toda a Europa está envolvida nesse processo como os seus postes demonstram, não porque estejam confusas mas porque o processo é complexo, tem um programa de longo prazo e conta com o apoio e envolvimento consensual de todos.

Se comparar o que a União europeia faz em termos de política desportiva nota uma diferença grande com o que se faz em Portugal na discussão do OE.

É escusado sugerir problemas onde Portugal encontra lições para aprender como se faz a 'policy' do desporto.

Isso deve ser referido principalmente neste país onde pouco se lê e menos se faz sobre o que a Europa faz bem feito no domínio do desporto.

Assim vai a nossa crise.

João Almeida disse...

Caro Fernando Tenreiro

A ideia é precismente a contrária. Existe uma convergência de acções recentes da UE nesta matéria nos ultimos tempos.

E quem acompanha isto sabe bem os motivos para tão súbito interesse.

E mais não digo. Por agora...

Um abraço

Luís Leite disse...

Caro João Almeida,

Eu acho que o Desporto devia ter um papel pedagógico (não "correctivo", essa palavra não é "eduquês") veja lá no que se mete...
Só que os Governos da União Europeia o que pretendem é ganhar eleições.
E eleições ganham-se mais facilmente com demagogia, facilitismo no ensino (diplomas muito acessíveis e para todos) e o tal conceito (mais politicamente correcto é impossível) de "inclusão".

Para nos entendermos, basta dizer que o Desporto é (devia ser) uma escola de virtudes. Como era dantes.

Mas com a "inclusão" temos, no Desporto português, as claques violentas e malcriadas (coitadinhos) bem aceites e "em vias de inclusão". E temos também vários programas televisivos e radiofónicos de grande audiência em que as nossas elites (incluindo deputados e membros do Conselho Nacional do Desporto) ensinam o anti-desportivismo e a ausência de fair-play.

O que é que se tem feito com os comportamentos anti-sociais, anti-desportivos, com a dignidade dos árbitros de futebol (que não podem falhar), com a promoção da clubite alarve, etc.?

??????

Eu tenho uma tese: o que se pretende é estupidificar cada vez mais as pessoas, para mais facilmente poderem ser manipuladas.
Dá-se-lhes a ilusão dos direitos e dos cartões de crédito e escondem-se-lhes os deveres, o esforço e o trabalho árduo que cria riqueza.

É esta a crise da Europa "inclusiva".

Fernando Tenreiro disse...

Caro João Almeida

Eu demonstraria os aspectos positivos de todo o processo.

Vejamos a perspectiva económica que é a minha área e que é fundamental no processo de actuação da actual UE.

A União Europeia com a regulação continental europeia assume um protagonismo inexistente anteriormente e a análise económica é assumida como fundamental.

Há um bolo a repartir e todos os países estão a participar com particular destaque para aqueles que presidem à União Europeia.

A posição da UE não cai do céu e basta ler a literatura científica dos países europeus que fazem esta análise para ver a primeira parte do seu poste no que se refere à discussão entre os sociólogos e os economistas que actuam no desporto.

A colocação do desporto português neste processo de longo alcance, complexo, com forças divergentes como os melhores produtores desportivos e os piores é fundamental.

Eu acho que ignorar o que se passa é mau para o associativismo desportivo nacional como sugere o José Manuel Constantino no poste a seguir ao seu.

Como já lhe tenho referido o levantamento que faz sobre estas coisas é importante.

Não é preciso ir longe para encontrar quem não leia o que faz bem a União Europeia e todos os seus Estados membros e não perceba que a convergência a que se refere o João Almeida é plural, estrutural, estratégica e consensualmente participada.

Grato

Luís Leite disse...

Caro Fernando Tenreiro:

Não é preciso ir longe. Tem-me já aqui...
Claro que sou um anti-europeista convicto, porque a União Europeia foi uma grande ilusão, que se transformou numa tremenda desilusão.
A crise financeira mas sobretudo de valores morais e éticos em que estamos instalados resultam, não apenas de uma abstracta consequência de obscuros especuladores financeiros americanos e da tão propalada globalização, mas de políticas erradas, ilusórias e esbanjadoras de recursos e consumistas.
Tudo o que aconteceu era previsível.

Não sei onde é que você vê aspectos positivos, quando a "convergência plural, estrutural, estratégica e consensualmente participada" não resultou, na prática, em nada que seja verdadeiramente positivo.

Mas pelos vistos, você vê coisas que eu não vejo.