O desporto, como outros sectores da sociedade, vive nos últimos tempos alterações a uma velocidade superior ao que os próprios agentes desportivos conseguem a acompanhar. A frase não é nem nova nem preocupante, mas a sua essência já pode assumir contornos mais caricatos e devastadores. A informação chega hoje à velocidade de segundos, à distância de uma pesquisa pela internet ou à troca de informação com profissionais do outro lado do oceano.
Se esta quantidade de informação pode possibilitar inúmeras vantagens para o desenvolvimento da sociedade e de sectores em específico, pode criar expectativas e falsas-percepções de auto-conhecimento que provocam mais conflitos, trocas de ideias mais confusas e uma maior decalage entre o que se pensa que se sabe (quantidade de informação recebida) e o que na realidade o agente desportivo sabe (informação que é traduzida em conhecimento e aplicada correctamente).
Se o leitor considera que o referido é algo não se passa é porque (felizmente) tem o hábito de pesquisar informação com maior regularidade, já há algum tempo, está inserido num meio que possui essa filosofia, etc. Mas infelizmente o aspecto transversal da nossa sociedade não é esse. Muitos sub-sectores ou sub-ramos do desporto vivem algo que não estão a conseguir adaptar-se: fazer diferente hoje porque é assim que se faz; ou pensar que ler ou ouvir como se faz, torna a pessoa capacitada para o fazer.
Subirmos o nível de exigência apenas porque a informação está ao alcance de todos ou a um nível mais acessível é criar patamares de exigência que corresponderão, mais cedo ou mais tarde, à incapacidade e desafios que essa mesma exigência cria. Considero que esse é um cenário que se passa em muitas chefias de processos, equipas, serviços, pessoas, etc., que é a pressão de acompanhar a modernidade, estar ao nível que alguns serviços, produtos, equipas, processos, pessoas assim o exigem.
A necessidade de parecer bem, dar saltos não protegidos pelo conhecimento. Pode parecer de senso comum o que se afirma ou se aborda, mas em campos como o ensino, o treino, a formação formal ou informal, o dirigismo, a coordenação de projectos, é fácil assistir-se a decisões, liderança, aulas, formações com base unicamente em informação que se ‘apanhou’, mas que na realidade não se sabe bem qual o impacto da mesma e que outros desafios e consequências irão criar.
Não é bem a diferença do saber saber e do saber fazer ou ser. É a diferença entre o saber porque se leu e os restantes ‘três saberes’. Quando se aborda que a informação é um bem necessário e nos pode ajudar a dar passos e saltos na qualidade da oferta desportiva a vários níveis, o cuidado como ela chega e o que se faz com a mesma deve ser um cuidado a gerir a quem compete. Quem diria que não ter boa e melhor informação seria um problema com tantas implicações como tê-la, mas não a sabendo usar?
quinta-feira, 7 de outubro de 2010
Paradigma da informação vs qualidade de aprendizagem
publicado por Rui Lança às 10:03 Labels: Agentes desportivos, Gestão desportiva, Vária
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
8 comentários:
O assunto leva-nos para a questão do sistema de aprendizagem/formação.
Um dos sinais mais marcantes da decadência cultural e civilizacional da Europa foi a "Declaração de Bolonha" e o consequente "Processo de Bolonha".
Analisemos os propósitos:
A Declaração reconhece "a importância da educação para o desenvolvimento sustentável de sociedades tolerantes e democráticas".
Repare-se na terminologia utilizada:
"educação" e não "ensino/aprendizagem";
"desenvolvimento sustentável" = baixar a exigência a fim de todos poderem ter a licenciatura;
"sociedades tolerantes" = aceita-se bem a ignorância, não se incomodem;
"democráticas" = em que o Governo é do Povo e para o Povo e os partidos são escrutinados através de eleições.
Em síntese:
Passou-se a licenciatura dos antigos 5 anos (mínimo) para 3 e com um semestre de brincadeira no estrangeiro (Erasmus);
Inventou-se uma coisa chamada "mestrado", que não serve rigorosamente para nada a não ser fingir que se sabe mais que aquilo que se sabe.
Pelo meio generalizaram-se as "praxes académicas" (umas semanitas de brincadeiras parvas) e as inacreditáveis "novas oportunidades" que me recuso a comentar.
Como a maioria dos recém-universitários é analfabeta funcional, o sistema tem-se vindo a adptar progressivamente ao nivelamento por baixo, para agradar a todos e, sendo politicamente correcto, ganhar votos nas eleições.
Claro que as elites formadas em colégios particulares se mantêm e desaguam naturalmente na emigração para as melhores universidades estrangeiras, onde não há bandalheira nem "Bolonha".
Em suma: a Europa quis ficar mais parecida com os Estados Unidos, na única coisa em que era melhor: o ensino.
Tudo isto não serve para mais nada senão acentuar ainda mais as desigualdades sociais, a promoção da ignorância e do não saber nada sobre coisa nenhuma.
O seu texto curiosamente relembra a quadratura das tomadas de decisões:
Dogmática - a que se toma em virtude da abundância de informação já tratada, e do longo tempos disponível para a assumir;
Intuitiva - a que se toma e assume obrigatoriamente em virtude da urgência, quando ainda não há informação disponível suficiente, nem tempo para estudos;
Pesquisa - é a que vai resultar de dois parâmetros antagónicos: pouca informação mas muito tempo disponível para a obter e estudar;
Informática - a que vai resultar de dois parâmetros negativos: não há informação suficiente nem muito tempo, disponível, pelo que o recurso à informática é a única hipótese para assumir a assumpção.
Caro Luis Leite,
Concordaria com o seu último parágrafo, a Europa tinha ou tem algo melhor no ensino que os EUA. Mas não considero que Bolonha tenha sido o responsável, aliás, Bolonha entrou há 4 ou 5 anos em algumas Universidades/IP's e o mal já existia há muito...se existia!
Caro João Boaventura,
Leio essas 4 formas e penso que deveríamos criar uma nova: muita informação e incapacidade de a decifrar. Ou não?
Cumprimentos,
O Rui Lança faz uma pergunta à Luís Leite ao João Boaventura: intuitivo e meia-bola e força.
Temos um país que demonstrou gostar de andar orgulhosamente só e critica-se a flexibilização do emprego, o livro branco do desporto, o relatório arnaut e o processo de Bolonha, etc, etc.
Afinal quais são os limites para a criatividade nacional de deitar abaixo na ponta da unha, tudo e todos??
O acesso fácil às novas tecnologias informáticas, que proporcionam todo o tipo de informação de forma imediata e em enormes quantidades só é relevante para quem já tem (tinha) uma formação escolar de base minimamente sólida.
O problema, nos dias que correm, como sabem todos aqueles que são professores e independentemente do grau de ensino, é o analfabetismo funcional quase generalizado, causado pelo facilitismo crescente, que se iniciou nos anos 80 com Ana Benavente, num governo PS, e se foi agravando nas últimas décadas.
A questão fundamental é a inacapacidade, pura e simples, de os jovens estudantes e mesmo os professores mais jovens perceberem o que lêem (?), já não digo interpretarem e seleccionarem informação, porque isso não está ao seu alcance.
O que eles sabem inegavelmente fazer é "download" e "copy paste".
Só que, como não aprenderam quase nada ou mesmo nada de Gramática (portuguesa e inglesa, o Francês já não conta), de Aritmética (já nem vale apena falar em Matemática), de Geometria, de Geografia, de História de Portugal e Geral da Civilização, de Ciências Naturais, de Físico-Químicas, etc.), o entendimento espacio-temporal e a escrita minimamente legível resultam impossíveis.
O paradigma actual não é a existência das novas tecnologias, é o analfabetismo funcional de 60% da população.
Como é que isto se resolveria?
Só há uma hipótese: voltar ao "ensino-aprendizagem" de antes dos anos 80 e abandonar a "educação para o facilitismo" das décadas posteriores.
Claro que isto nunca será possível com este tipo de Governos eleitoralistas e num contexto partidocrático.
Caro F. Tenreiro:
Não houveram, não há nem haverão limites.
Para a pouca vergonha, imoralidade, falta de ética e irresponsabilidade de uma pseudo-democracia que está a levar o país para o abismo sem retorno.
A nossa entrada para a União Europeia criou a ilusão do bem-estar gratuito, do direito a ter e a consumir o mesmo que os outros, que produzem muito mais.
Do direito a diplomas universitários, secundários e básicos fingidos e ocos.
Propiciou o incremento da corrupção.
Criou uma oligarquia política vergonhosa, eleitoralista, em que os privilégios são alternadamente distribuídos entre os sócios dos partidos do costume. O Poder vale pelo Poder.
Aumentou as desigualdades sociais.
Endividou o país a um ponto dificilmente imaginável.
Tem um Primeiro-Ministro que mentiu e mente descaradamente.
Como é que você ainda pode sequer pensar em "orgulhosamente qualquer coisa"?
Caro Rui Lança
Não posso alterar o esquema da quadratura porque o autor é um suíço com quem me encontrei num evento internacional, e mo mostrou.
E, como o conhecimento é universal, sempre que aparece a oportunidade, partilho-o para que outros o aproveitem, o alterem ou façam uma nova versão melhorada.
Cordialmente
Enviar um comentário