“A UE deve fazer um uso mais activo dos seus poderes no Tratado de Lisboa para promover os benefícios sociais e educativos do desporto de massas”.
Esta foi a tónica comum dos deputados europeus e peritos presentes na recente audição pública no Parlamento Europeu sobre “Uma futura política europeia de desporto”.
Num período onde a Comissão ultima uma comunicação sobre o impacto do Tratado de Lisboa sobre o desporto e define as suas prioridades de acção para o primeiro programa da UE para o sector, a lançar em 2012 - em versão limitada, prévia ao novo quadro de apoio em 2014 -, o falhanço das negociações entre os Estados Membros e o PE sobre o orçamento da UE para 2011 , onde se previa um envelope financeiro específico de € 7,5 milhões, veio gorar as expectativas em relação à implementação das competências conferidas à UE no art.º 165.º do Tratado.
Aliás, a comissária Vassiliou havia alertado recentemente que, dado o actual contexto económico, até ao próximo período programático não haveria nenhum novo programa dedicado ao desporto. Isto significa, desde já, que só em 2014 se poderá pensar num programa de financiamento comunitário, não sendo sequer claro se haverá verba para continuar a financiar as acções preparatórias no próximo ano, as quais vinham, desde 2009, a conduzir o labor da UE para consolidar uma nova competência ao apoiar vários projectos transnacionais em domínios estratégicos do desporto, coordenados em parceria por autoridades desportivas, organizações não governamentais e organismos públicos nacionais.
Sem os recursos necessários para implementar uma nova competência política, o foco da Comissão sobre as áreas onde a UE pode acrescentar valor à acção dos Estados Membros, em particular o contributo do desporto para a estratégia UE 2020, terá necessariamente de ser cada vez mais preciso na posição formal que vai tomar até ao final deste ano. Por outro lado, em relação à outra dimensão da iniciativa europeia - a regulação dos desafios transfronteiriços do desporto e seu enquadramento com os princípios do mercado interno - os objectivos que possa propor, seja nas medidas de protecção e controlo de direitos de propriedade intelectual de organizadores de competições desportivas, seja na regulação do mercado de apostas desportivas, no combate ao doping ou a manifestações racistas no desporto, na livre circulação de desportistas, ou no fomento do voluntariado não podem deixar de ficar comprometidos sem uma base orçamental consistente.
A 16 e 17 de Dezembro na cimeira de chefes de estado e de governo em Bruxelas, na qual será apresentado um novo esboço de orçamento, ficaremos a saber se a politica desportiva da UE terá apenas uma base jurídica ou não, bem como as reais intenções da Comissão para passar ao exercício efectivo das suas competências e operar no terreno as medidas concretas para a prossecução dos objectivos de acção diagnosticados em diversos estudos recentes, definindo, desde logo, a sua posição em relação a várias propostas pertinentes lançadas pelos peritos na audição parlamentar. Caso contrário tudo permanecerá no plano discursivo, conceptual e na interpretação jurídica dos mecanismos do Tratado.
Gorado o processo de co-decisão - tão incensado com o Tratado de Lisboa - e as limitações de recursos deste novo contexto orçamental em vários programas de educação e cultura até ao novo pacote programático, tudo está agora nas mãos dos governos nacionais e seus decisores políticos. Contudo, no que ao desporto concerne, os ecos provenientes do Conselho são de algum optimismo e vontade política.
Na mesma data em que no Parlamento o representante da Comissão repetia não haver dinheiro específico para o desporto no orçamento da UE até ao final do presente programa plurianual, os responsáveis governamentais do desporto dos Estados Membros, reunidos no Conselho da União Europeia, davam corpo a um assinalável esforço político da presidência belga, e adoptavam uma resolução sobre a consolidação do processo de diálogo estruturado e duas conclusões, sobre o papel da UE no combate internacional ao doping e sobre o papel do desporto como fonte de inclusão social activa, onde, no caso desta última, convidam a Comissão a considerar a inclusão social no e através do desporto como uma prioridade, não só nos programas da UE para o desporto, mas também no âmbito de vários fundos estruturais existentes.
Uma das principais conquistas com a actual competência expressa no Tratado foi, conforme já aqui sublinhámos, o fim das restrições ao financiamento directo da UE ao desporto. Curiosamente, depois de uma longa batalha política, não deixa de ser irónico que tal financiamento possa ser mantido apenas através do FEDER, do Fundo Social Europeu, ou de programas como a Juventude em Acção ou o Programa de Aprendizagem ao Longo da Vida e permanecer incorporado em outras áreas durante mais três anos.
Esta foi a tónica comum dos deputados europeus e peritos presentes na recente audição pública no Parlamento Europeu sobre “Uma futura política europeia de desporto”.
Num período onde a Comissão ultima uma comunicação sobre o impacto do Tratado de Lisboa sobre o desporto e define as suas prioridades de acção para o primeiro programa da UE para o sector, a lançar em 2012 - em versão limitada, prévia ao novo quadro de apoio em 2014 -, o falhanço das negociações entre os Estados Membros e o PE sobre o orçamento da UE para 2011 , onde se previa um envelope financeiro específico de € 7,5 milhões, veio gorar as expectativas em relação à implementação das competências conferidas à UE no art.º 165.º do Tratado.
Aliás, a comissária Vassiliou havia alertado recentemente que, dado o actual contexto económico, até ao próximo período programático não haveria nenhum novo programa dedicado ao desporto. Isto significa, desde já, que só em 2014 se poderá pensar num programa de financiamento comunitário, não sendo sequer claro se haverá verba para continuar a financiar as acções preparatórias no próximo ano, as quais vinham, desde 2009, a conduzir o labor da UE para consolidar uma nova competência ao apoiar vários projectos transnacionais em domínios estratégicos do desporto, coordenados em parceria por autoridades desportivas, organizações não governamentais e organismos públicos nacionais.
Sem os recursos necessários para implementar uma nova competência política, o foco da Comissão sobre as áreas onde a UE pode acrescentar valor à acção dos Estados Membros, em particular o contributo do desporto para a estratégia UE 2020, terá necessariamente de ser cada vez mais preciso na posição formal que vai tomar até ao final deste ano. Por outro lado, em relação à outra dimensão da iniciativa europeia - a regulação dos desafios transfronteiriços do desporto e seu enquadramento com os princípios do mercado interno - os objectivos que possa propor, seja nas medidas de protecção e controlo de direitos de propriedade intelectual de organizadores de competições desportivas, seja na regulação do mercado de apostas desportivas, no combate ao doping ou a manifestações racistas no desporto, na livre circulação de desportistas, ou no fomento do voluntariado não podem deixar de ficar comprometidos sem uma base orçamental consistente.
A 16 e 17 de Dezembro na cimeira de chefes de estado e de governo em Bruxelas, na qual será apresentado um novo esboço de orçamento, ficaremos a saber se a politica desportiva da UE terá apenas uma base jurídica ou não, bem como as reais intenções da Comissão para passar ao exercício efectivo das suas competências e operar no terreno as medidas concretas para a prossecução dos objectivos de acção diagnosticados em diversos estudos recentes, definindo, desde logo, a sua posição em relação a várias propostas pertinentes lançadas pelos peritos na audição parlamentar. Caso contrário tudo permanecerá no plano discursivo, conceptual e na interpretação jurídica dos mecanismos do Tratado.
Gorado o processo de co-decisão - tão incensado com o Tratado de Lisboa - e as limitações de recursos deste novo contexto orçamental em vários programas de educação e cultura até ao novo pacote programático, tudo está agora nas mãos dos governos nacionais e seus decisores políticos. Contudo, no que ao desporto concerne, os ecos provenientes do Conselho são de algum optimismo e vontade política.
Na mesma data em que no Parlamento o representante da Comissão repetia não haver dinheiro específico para o desporto no orçamento da UE até ao final do presente programa plurianual, os responsáveis governamentais do desporto dos Estados Membros, reunidos no Conselho da União Europeia, davam corpo a um assinalável esforço político da presidência belga, e adoptavam uma resolução sobre a consolidação do processo de diálogo estruturado e duas conclusões, sobre o papel da UE no combate internacional ao doping e sobre o papel do desporto como fonte de inclusão social activa, onde, no caso desta última, convidam a Comissão a considerar a inclusão social no e através do desporto como uma prioridade, não só nos programas da UE para o desporto, mas também no âmbito de vários fundos estruturais existentes.
Uma das principais conquistas com a actual competência expressa no Tratado foi, conforme já aqui sublinhámos, o fim das restrições ao financiamento directo da UE ao desporto. Curiosamente, depois de uma longa batalha política, não deixa de ser irónico que tal financiamento possa ser mantido apenas através do FEDER, do Fundo Social Europeu, ou de programas como a Juventude em Acção ou o Programa de Aprendizagem ao Longo da Vida e permanecer incorporado em outras áreas durante mais três anos.
20 comentários:
Quand me falam em "anything" DE MASSAS, puxo logo pela pistola (que, depois reparo, não possuo).
Cultura de massas,
Escola de massas,
Desporto de Massas,
Inclusão (nas massas?),
Direito à saúde (de massas?),
etc. de massas,
tudo isto não é mais do que uma pretensa e "politicamente correcta" "generalização de uma oferta indiscriminada", com objectivos demagógicos que passam, invariavelmente:
pelo nivelamento por baixo;
pela atribuição de diplomas cheios de nada;
pela consecução de estatísticas falaciosas, para fingir desígnios utópicos de génese igualitária, marxista.
Estas "massas" são rascas, de baixo nível, não contam nem adiantam nada.
Massas a sério são italianas e dão pelo nome de "pasta".
Há diversos tipos e se forem bem cozinhadas são bem boas.
Com o devido respeito, tudo isto não passa de uma treta pegada, que não leva a nada de concreto.
Temos é que procurar nivelar por cima, sendo exigentes e selectivos, mostrando o mérito onde ele existe e tomando-o como referencial para as "massas".
Meritocracia selectiva sim!
Nivelamento por baixo massificado não, obrigado!
Já chega!!!
É imoral e injusto para as classes sociais mais baixas, que estão a ser enganadas!
Também no Desporto.
Caro João Almeida
Quando no Press Release se lê:
"The EU should make more active use of its Lisbon Treaty powers to promote the
social and educational benefits of mass sports, said many speakers at a European Parliament public hearing on Thursday. Others raised farther-reaching ideas, such as holding a European Olympics or setting up a young athletes exchange programm."
Parece que estou a ler muitos dos postes aqui inseridos no blog, e muitos dos comentários correspondentes.
De qualquer forma tem a vantagem de ficarmos a saber que os eurodeputados estão a fazer, como nós, comentários infrutíferos. Escrevemos como uma catarse.
Desculpe a minha sinceridade que não pretende ofender ninguém, mas explicar que a minha decepção se radica nas boas intenções europeias para desculpar as lacunas e imperfeições.
E, de cada vez que vejo textos da UE, e os compagino com o andamento do comboio europeu, só me ocorre a opinião de Lenine: "A Europa não se fará, e, se se fizer, a Alemanha liderará".
Os sinais parece que vão aparecendo à tona, e ninguém os esconde.
Cordialmente.
As contradições do LL, ele próprio um populista, que o CD defende, por criticar as criticas ao LL.
Esta "pulsão goebblesiana" do LL está na linha da "Rebelião das Massas" de Ortega y Gasset.
O problema é que muitos, hoje, já não saberão quem foi Ortega y Gasset. E daí a tranquilidade em apresentar como novo algo que se escreveu nos idos dos anos 30 (do século passado) e que veio a ser precioso sustentáculo ideológico para o advento do (então modernaço) fascismo espanhol...
Anónimo 1:
Populista, eu?
Julgava ser elitista...
Anónimo 2:
Até que enfim um anónimo culto.
Ortega y Gasset, sim.
E a "Rebelião das Massas".
Grande filósofo, previu este "futuro".
Mas o que eu gosto mesmo é de discutir argumentos, contrários aos meus com gente lida e culta...
Venham de lá argumentos igualitários, massificantes, europeistas e anti-liberais!
Não percebem que esta "treta de Europa" tem os dias contados?
Basta olhar à volta...
Apresentar Ortega y Gasset como um ideólogo do franquismo é um verdadeiro absurdo. Apesar de não ser especialista e conhecedor profundo da sua obra nunca encontrei em qualquer trabalho algo que pudesse sustentar tal tese. Politicamente foi fundador do Agrupamento ao Serviço da República e foi eleito deputado. Dois anos depois renunciou definitivamente à carreira política. Quando começou a Guerra Civil Espanhola, em 1936, refugiou-se no estrangeiro. Só voltou para a Espanha em 1945, e lá morou até morrer. Nesse período, viveu sob vigilância cerrada da ditadura franquista. O seu funeral foi transformado numa enorme manifestação politica contra o franquismo. A rebelião das massas é um tributo contra os totalitarismos. Afirmar que Ortega y Gasset foi um ideólogo ou sustentáculo do fascismo é um revisionismo que os factos não provam.
Sem ser um especialista, confesso já ter lido parte da obra de Ortega y Gasset, incluindo a "Rebelião das Massas", porque me interesso muito por Filosofia e Sociologia.
Acima de tudo, julgo que foi um pensador livre, por vezes entrando até em contadições, mas um notável pensador.
Que merece ser lido e/ou relido.
Este é o comentário normal do LL em que arma a confusão com argumentos baseados na sua experiência pessoal e o poste inicial desaparece e não se aprofunda. A actuação do JA é o conhecimento do percurso europeu no desporto. De cada vez que o JA trás novas informações, o LL tem de apresentar o seu argumento de sempre repetindo sem cessar o pensamento de oposição ao percurso europeu sem admitir que o JA apresente outra faceta de uma realidade em transformação. É esse um problema para o CD deixar que os postes dos seus autores morram nos amores nacionalistas do LL. Há anónimos que preferem tudo, a conhecer alternativas.
Ortega y Gasset não foi ideólogo do fascismo. Foi, sim, um precioso sustentáculo para o fascismo.
O violento ataque que desferiu contra a "hiperdemocracia das massas", contra o "homem-massa", veio a ser assimilado como glorificação das elites, do despostismo esclarecido, de um certo individualismo liberal.
Para verificar isto, pode-se fazer um exercício curioso: efectue-se uma pesquisa, no Google, usando como keywords "Ortega y Gasset" e "fascismo".
E constatar-se-á que, não obstante Ortega y Gasset se ter manifestado expressamente contra os totalitarismos, o certo é que, nos resultados da pesquisa, aparecem com inquietante frequência os nomes de Sorel, Ezra Pound, Heidegger, Primo de Rivera, António Sardinha, etc... e, naturalmente, Ortega y Gasset.
A História será injusta para com a sua memória. Mas é assim.
Meu caro João Paulo Almeida
Você é seguramente uma das pessoas que melhor conhece a realidade da administração europeia do desporto e das suas instâncias comunitárias. Conhecimento, de resto, que tem colocado no espaço deste blogue à consideração dos leitores. Não sou um entusiasta de muita da produção comunitária. Mas isso pouco importa. A minha questão é bem outra e para qual gostaria de recolher a sua opinião. Os países da união europeia, as suas instâncias de governação ,o Conselho da Europa são maioritariamente governados por politicas liberais do centro e da direita. Pergunto :há algum sinal de que o entendimento dos países governados à esquerda seja diferente das politicas que maioritariamente são definidas na Europa comunitária? Para o sentido de decisão das políticas europeias qual é a diferença entre um governo socialista e um democrata cristão? Como explicar que governos à esquerda aplaudam decisões à direita ?Ou estas categorias são explicáveis no plano interno mas não tem aplicação externamente?
Grato.
De facto a pesquisa na net ajuda a confirmar o que defendo.E não estou só. Recordo este pedaço de uma entrevista de um socialista, primeiro-ministro de Portugal ao El País:2/12/2007:
“Sólo le interesa la historia contemporánea? Este verano he leído también una novela de Saul Bellow, y me gusta el ensayo. Uno de mis autores favoritos es Ortega y Gasset, recuerdo la impresión que me causó La rebelión de las masas. Ortega escribía con mucha claridad. En los años treinta ya decía que el concepto moderno era lo lleno; porque todo estaba lleno, los bares, los teatros… Y la consecuencia era la ascensión de la opinión del hombre medio. Creo que Ortega defendía que debemos alimentar a los que han conseguido que seamos mejores para acabar con la mediocridad del hombre medio; hablaba de la nobleza, del esfuerzo, del hombre que se empeña en mejorar su sociedad… No sólo es un buen filósofo, es un filósofo que escribe bien”.
NEVOEIRO
Nem rei nem lei, nem paz nem guerra,
define com perfil e ser
este fulgor baço da terra
que é Portugal a entristecer -
brilho sem luz e sem arder,
como o que o fogo-fátuo encerra.
Ninguém sabe que coisa quer.
Ninguém conhece que alma tem,
nem o que é mal nem o que é bem.
(Que ânsia distante perto chora?)
Tudo é incerto e derradeiro.
Tudo é disperso, nada é inteiro.
Ó Portugal, hoje és nevoeiro...
É a Hora!
Fernando Pessoa
(Mensagem)
A Europa nunca existiu.
O que existiram (sempre) foram interesses (a maioria deles contraditórios) e criação de ilusões (direitos para tudo e todos, igualitarismo, massificação, crédito ao consumo, saúde e ensino grátis, etc.) que nos levaram a este beco sem saída.
Pelo meio, muita gente da área política e financeira safou-se (e de que maneira)...
Agora, as ilusões transformaram-se em dívidas impagáveis que levarão, a curto prazo, à perda da independência nacional e ao empobrecimento brutal da classe média nos países mais frágeis.
Não vale a pena falar mais na Europa.
Temos que pensar é como é que vamos ter para comer e pagar as dívidas.
O resto é conversa inútil...
No seu último comentário, JM Constantino consegue sintetizar o pensamento de Ortega y Gasset, transcrevendo declarações de um primeiro ministro socialista de Portugal (em 2007).
Contradições.
Por um lado, na acção política, pretende-se massificar, nivelando por baixo, garantindo direitos e desvalorizando deveres (éticos e morais).
Por outro, defende-se a nobreza e o esforço dos que se empenham em melhorar a sociedade (puxando para cima, através do reconhecimento do mérito e desvalorizando a preguiça e a mediocridade, digo eu...).
Está à vista o resultado...
Caro Professor
Agradeço, em primeiro lugar, as suas palavras.
Bem sei não ser entusiasta da produção comunitária, mas ao longo do seu percurso, intelectual e profissional, por diversos momentos - vertidos em documentos ao dispor do público - procurou reflectir sobre o tema e a sua ligação ao desporto, e isso faz toda a diferença quando se pretende acrescentar valor a uma discussão séria como é o impacto da UE em vários domínios da sociedade actual.
Para responder à sua questão vou-me afastar dos aspectos específicos do desporto e aproximar-me mais da minha área de formação, e deformação, académica, recrutando alguns conceitos da sociologia política.
Ao procurar-se reflectir a política europeia e seus mecanismos de tomada de decisão invoca-se amiúde - em Portugal são raras as excepções que não o fazem - o código de leitura fundado na concepção clássica de governação hierárquica, quando a UE possui um quadro institucional e processos políticos próximos da governança multinivel em rede. Traduzindo por miúdos, no sistema institucional da UE o papel do Estado na condução, elaboração e desenvolvimento de políticas está muito mais diluído do que aquele que tem no plano interno. Está muito mais dependente da articulação com os interesses de outros actores, não apenas políticos, e a sua capacidade de “tomar as rédeas” é constrangida pelas instâncias supranacionais.
E estas, particularmente a Comissão e o Tribunal de Justiça, são organismos reguladores cuja principal razão de existir e de se afirmarem institucionalmente é através da salvaguarda do Tratado e seus princípios fundadores, os quais são, como sabe, princípios liberais de construção de um Mercado Único. Daí que governos tradicionalmente de esquerda, na esfera europeia, “aplaudam” decisões tradicionalmente de direita.
Por outro lado, focando ainda a forma como se gere a agenda política europeia, quanto maior for o nível de integração europeia de uma politica (como a economia, as finanças, a agricultura, o ambiente ou a inovação) maior é o peso daqueles organismos reguladores, em especial da Comissão, os quais são fundamentalmente empreendedores técnicos e burocráticos, negociadores políticos com os vários lobbys - aliás legítimos na UE - na procura de posições comuns. Quando os Estados Membros são chamados a decidir, no Conselho, os assuntos já se encontram filtrados e “mastigados” sobre a mesa e prontos a assinar. Nada mais do que uma mera formalidade portanto. E durante este percurso, que pode levar anos em várias matérias, os interesses dos estados mais fortes são um critério de desequilíbrio. Sabendo nós que os actuais estados europeus mais fortes, com a Alemanha à cabeça, provêm de uma matriz democrata cristã e conservadora…
Estas categorias - esquerda e direita - ficam assim mais esbatidas no plano europeu e dependentes do pendor político do “governo dos grandes”.
Se reparar, no que concerne à propalada coesão económica e social, quando o “governo dos grandes” teve um pendor mais de centro/esquerda (Mitterand, Kohl) e Delors/Santer estavam à frente da Comissão o Modelo Social Europeu e as políticas sociais tinham uma dimensão cujo protagonismo cederam, há muito, aos ditames do Pacto de Estabilidade, e isso não é explicado apenas por conjunturas económicas. Há uma dimensão político-ideológica não despicienda que se reflecte também nas políticas europeias.
Tony Judt, recentemente falecido, fez uma monumental recensão destes equilíbrios desde o pós-guerra na Europa. Uma excelente oferta para esta quadra natalícia.
Cordialmente
Obrigado João Paulo
Durante o pouco tempo que andei por aquelas paragens sempre me fez alguma confusão não se discutirem “politicas”.E vivermos abafados num universo burocrático de “consensos”.Adiante.
P.S. Acabei de ler este fim de semana o livro do Tony Judt (creio que se está a refrir A um tratado sobre os nossos actuais descontentamentos ) e aproveitei algumas das suas teses para o post que hoje vou colocar.
É verdade. O percurso europeu é muito marcado por "consensos" e "posições fracas" que saiem quando se procura a unanimidade na decisão.
Referia-me ao "Postwar: A History of Europe Since 1945", o qual penso já estar traduzido para português.
Obrigado
Para quem quiser ler a tradução da referência indicada por João Almeida Pós-Guerra – História da Europa desde 1945, há uma reimpressão deste ano.
Para uma visão panorâmica das tendências sócio-políticas de Portugal, relativamente à sua posição perante a Europa, não seria despicienda a leitura da referência “Portugal e a Europa - Distanciamento e Reencontro. ”, de António Martins da Silva, cujos títulos poderão motivar o interesse, daí as minhas desculpas por os inserir:
I – Da Monarquia à República (1820-1932): A abertura à Europa
II – De Salazar ao Estado Novo (1932-1974): O regresso ao mar
III – Da Revolução dos Cravos até o presente (1974-2005): A caminho e no caminho da Europa
1. No período revolucionário (1974-75): a Europa (quase) inexistente
2. No período negocial da adesão com os acidentes de percurso (1976-1985): Europa sim, mas não tanto
3. Da adesão à moeda (1986-1999): a Europa dos subsídios
4. A Europa do futuro (2000-2005): sim, mas quanto baste ou enquanto der.
A edição é de Palimage Editores, Coimbra, 2005
O site: www.palimage.pt
O ponto
"II – De Salazar ao Estado Novo (1932-1974): O regresso ao mar",
em especial o "regresso ao mar"
tem sido o chamamento de Cavaco Silva, com alguma insistência, o que configura um simbólico retorno a certo regime, por a ele se associar certa ideologia.
A melhor representação simbólica do encaminhamento da Europa pode ser observada neste cartoon francês.
A quem estiver interessado em acompanhar todos os passos desenvolvidos, e percalços ocorridos, para, e na construção da Europa, desde o final da 2.ª Grande Mundial, poderá visioná-los aqui, para o que basta escolher o idioma do seu interesse.
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