Se em momentos de crise enquanto uns choram outros vendem lenços, existem sectores e actividades que podem facilmente capitalizar vantagens nestas ocasiões posicionando-se no lado daqueles que vendem lenços.
Num primeiro olhar a actividade e o exercício físico poderiam ser um desses casos. Senão vejamos: Por força das circunstâncias que o país atravessa o crescimento do desemprego, o emprego em regime parcial ou o aumento do número de reformados, compõem uma base cada vez mais significativa de indivíduos com elevado tempo livre disponível. Por outro lado, os actuais preços dos combustíveis impelem a outras opções de mobilidade. Ora, neste cenário, o exercício e a actividade física são talvez dos consumos de tempo livre que exigem menores disponibilidades financeiras. Quer para quem pratica as actividades, quer para quem as procura promover e organizar, dado que o espaço público facilmente se ajusta a este tipo de realizações.
Curiosamente celebrou-se ontem o Dia Mundial da Actividade Física. Salvo raras excepções em alguns municípios, passou ignorado no nosso país, contrariamente ao sucedido em vários pontos do planeta.
A actividade física, móbil de tanta controvérsia, que mereceu honras de figurar, em primazia, no título da lei-quadro do desporto, e com ele estabeleceu um casamento de conveniência, desagregando-a do seu habitat natural - as políticas de saúde pública - não saiu particularmente valorizada desta aliança postulada por uma corrente doutrinária com cada vez mais seguidores. Quanto mais se funde, e confunde, com o desporto, tanto maior são as limitações ao seu potencial efeito sobre os tempos de lazer e recreio das populações.
O desporto tem na sua matriz basilar a selecção e a valorização do mais apto. O exercício e a actividade física, pelo contrário, visam promover a inclusão e a generalização. São mais os pontos que, à partida, os separam, daqueles que os unem. Prosseguem objectivos diferentes.
Conheci e privei com inúmeros praticantes desportivos, de diversas idades e condições sócio-económicas, nunca conheci um único que tenha invocado o sedentarismo como o motivo que o aproximou do desporto. Mas conhecem-se inúmeros sedentários supostamente “especialistas” em desporto e nas suas diversas modalidades. Germinam em programas de televisão, páginas de jornais, bancadas de estádios e nos sofás de cada lar.
No entanto, tal não significa que o desporto não possa ter um papel importante no objectivo primordial do exercício e da actividade física que é, afinal, a promoção da saúde através de medidas de combate ao sedentarismo. O erro de casting está em atribuir-lhe o papel principal e considerar o problema do sedentarismo, prioritariamente, como um problema do desporto. Quando não o é. Com todas as consequências nefastas desse tropismo ideológico.
A sua raiz reside no conceito sociológico de estilos de vida, ou, simplificando, nos processos e atitudes com que as pessoas se relacionam e interagem com o meio físico e social. Como o inculcam e o traduzem nos seus hábitos e rotinas quotidianas nas sociedades modernas.
É na forma como se projecta e programa o espaço público -não apenas como espaço físico e arquitectónico, mas também como espaço de sociabilidade, de cultura e afirmação cidadã - que se intervem, em primeira instância, sobre os estilos de vida e consumos saudáveis, recentrando a cidade no indivíduo e na comunidade, e, por essa via, reconfigurando as inúmeras tendências que o remeteram para o sedentarismo e outras formas de exclusão, mais ou menos aceites socialmente, que hoje se reproduzem no território.
Como? Veja-se nesta apresentação.
7 comentários:
Concordo com o essencial do texto de João Almeida, no qual revejo todas as minhas opiniões já aqui expressas.
Só não compreendo a relação entre a crise e o incremento da actividade física.
O elevado tempo disponível significa desemprego. Desemprego significa depressão. Quem está deprimido não tem vontade de fazer actividade física.
Mas parabéns pela marcação clara das grandes diferenças conceptuais entre Desporto e Actividade Física.
Obrigado Luis Leite
Considero que o exercicio e a actividade física podem ter um papel relevante em quebrar o ciclo crise = depressão. Do ponto de vista anímico, bem entendido.
Já estive mais proximo de acreditar que o desemprego significa obrigatoriamente depressão, conformismo, inepcia, falta de vontade ou de esperança.
É vital combater essa noção, nomeadamente no momento que o país atravessa.
Caro João Almeida
Na sexta feira acedi alternadamente a dois canais, RTP1 e SIC.
No primeiro vivia-se a euforia da crise metamorfoseada em vitória e entronização do homem-milagre. A idolatria do bezerro de ouro, ou a sua iconofilia. As classes superiores dominantes.
No segundo vivia-se a tristeza da crise que atingia a classe média, com os seus problemas sociais e económicos, e a emergência crescente da pobreza. Em contraste vivia-se a iconoclastia. As classes inferiores dominadas.
No meio termo a SIC indagava junto de um padre em Fátima, que declarara notar-se, de há dois anos para cá, um crescente aumento de fieis nas Igrejas, se esse facto representaria aumento da fé, ao que o pastor de Deus respondeu:
-Eu não diria tanto... mas antes que era uma vinculação à esperança.
À colação desta dualidade em que o país vem extremando os pólos, e onde a igualdade impera em cada um (a igualdade dentro das classes superiores, e a igualdade dentro das classes inferiores), com as respectivas especificidades, encontramos a explicação de como nasceu o colonialismo.
As classes superiores (gente civilizada, com a sua cultura) iam em socorro das classes inferiores (gente não civilizada, com a sua cultura), e nesta construção argumentativa se justificava a colonização.
Di-lo Norbert Elias.
Agora vamos assistindo a dois tipos de colonização, a dos países periféricos pela Alemanha, e a do povo luso pela classe dominante cuja actuação, foi a de arrastar a educação pelas ruas da amargura, aumentar o desemprego, e difundir a pobreza clandestina.
A euforia em Matosinhos pretende esquecer o quadro negro do país, e os aplausos frenéticos, abafar o choro dos carenciados.
Meu caro João Almeida
Falar em esperança, como o padre de Fátima, é uma luz que enternece mas não chega para uma casa onde o pão do dia-a-dia vai minguando, e de racionamento em racionamento, não tarda, os lusitanos voltarão aos tempos de caça e colecta, da corrida, para então nos perguntarmos de que falamos quando falamos de correr.
Cordialmente
A sabedoria, realmente magnífica, de João Boaventura.
Na qual mergulho, como é natural.
Já o link "de que falamos quando falamos de correr" me parece algo ambíguo e difícil de entender.
´Caro Luís Leite
O post do nosso amigo João Almeida punha a esperança de as pessoas poderem praticar actividades físicas para esquecer a crise, se estou a interpretar bem.
Eu pus a esperança, quando voltarmos ao tempo da colecta e da caça, dos povos primitivos, de nos vermos a correr atrás da caça, qualquer que seja a definição de correr, nessa época para a qual caminhamos, se não atalharmos a tempo.
Cordialmente
Concordo.
Resta apurar se regressaremos ao Paleolítico Superior, como prevê João Boaventura, ou ao Neolítico.
Actividade física pura e simples.
Sem sombra de espírito desportivo.
A luta pela sobrevivência diária.
Pré-clássica. Pré-olímpica.
Veremos...
No blog de Fernando Tenreiro, "O Desporto e a sua Economia", sugiro uma leitura muito oportuna ao post A revisão da República Portuguesa pela Fundação Francisco Manuel dos Santos, com acessibilidade ao e-book "A Constituição Revista", e onde o Desporto também merece relevância nalguns autores, para a mutação de muitas disposições que se afiguram ultrapassadas.
Como este blog trata de assuntos que ao desporto interessam, tal como este CD, não seria despiciendo uma consulta ao de Fernando Tenreiro, com inúmeros e actuais pontos de vista sobre a matéria, considerando que a problemática desportiva tem, a partir do novo blog, um campo aberto de discussão útil e oportuna.
Cordialmente
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