Todos sentimos que vivemos tempos difíceis, embora não semelhantes àqueles que se seguiram às guerras mundiais em que nem a terra dava algo de bom para comer. Todos presumimos que piores tempos estão para vir, mas não tão maus que nos paralisem ou desmobilizem de viver, de colmatar erros passados e de tentar um futuro melhor para nós e sobretudo para os que amamos.
O que provavelmente não sentimos, porque refletimos pouco e não gostamos de nos julgar, são as consequências dos comportamentos individuais e coletivos que protagonizamos em tempos de crise. Quem vive, ou viveu, o desporto na pele, sabe que em tempos de más marés a equipa tem de ser ainda mais equipa, tem de suar ainda mais as estopinhas e, consequentemente, exige-se maior integridade, honestidade, capacidade de sofrimento e amadurecimento, assim como de solidariedade e lealdade entre todos. Só assim se superam adversidades, obstáculos, escolhos e se chega à superação, à transcendência, a desempenhos jamais imaginados.
Na minha humilde opinião, têm de assentar nestes primados os comportamentos de quem quer efetivamente mudar algo na sociedade portuguesa. Mas vou constatando, aqui e ali, que pessoas, umas solitárias e com ira no coração, outras orgulhosas, frustradas e viciadas já não têm capacidade para agir em contextos de crise como os atuais. Usam os mesmos comportamentos e as mesmas motivações de outrora para, em vez de mobilizarem as pessoas e as organizações, as desmotivarem e aniquilarem. Continuam a viver do disse que não disse que disse, em vez de se inteirarem dos assuntos sérios, de forma séria e responsável. Continuam a privilegiar relacionamentos promíscuos e medíocres.
Por isso, sem qualquer estranheza, continuamos a “viver” dias e dias de transmissões televisivas de congressos partidários nos quais se enaltece a incompetência e a desonestidade. Continuamos a assistir ao mau perder, ao acicatamento à violência e à menoridade desportivas. Assim como à balburdia governativa, publica e privada, em detrimento do planeamento e da operacionalização construtivos, quer para Londres 12 ou Rio 16, quer para o bem estar das populações.
Mas caros/as leitores/as, como se não bastasse este estado de achinelamento geral, outro igualmente mau constato nos dias que correm. Os adultos em geral, independentemente da ideologia política (será que ainda há disto...??), do quadrante partidário ou do seu oficio, infantilizaram o seu comportamento. Decidem em cima da hora, sem a mínima ponderação, reagem por impulso e não por pro-ação, utilizam todos os meios que dispõem em detrimento dos mais adequados em função das situações. E assim assistimos às conferencias de imprensa e às exposições públicas o mais estapafúrdias possíveis, presenciamos ofensas e ameaças gratuitas que a nada conduzem, temos conhecimento de casamentos e outros contratos (entre os quais os desportivos) que são “destruídos” por telemóvel ou via email.
Tempos de crise também têm o seu valor sociológico e antropológico, mas de nada valerão se não meditarmos e se não estivermos dispostos a mudar atitudes e comportamentos. Bem sei que estarão a pensar na história do caranguejo português ou do escorpião e do sapo...bem sei!! Bem sei que a natureza humana não muda, muito menos após determinadas idades, mas também sei que Portugal precisa de melhores cidadãos, decisores e não decisores, de melhores trabalhadores e, obviamente, de melhores desportistas.
Trata-se de, como sempre, metaforicamente falando, nos colocarmos em frente a uma balança, “medirmos os nossos pensamentos e as nossas ações” e decidirmos e atuarmos em consciência de forma a arrepiarmos caminho à procura de melhores soluções e de melhores dias.
Boa páscoa!
24 comentários:
Saudando o regresso, e com votos de Boa Páscoa ou de fim-de-semana prolongado, este post fez-me recordar Fernando Pessoa:
Se tudo o que há é mentira,
É mentira tudo o que há.
De nada nada se tira,
A nada nada se dá.
Se tanto faz que eu suponha
Uma coisa ou não com fé,
Suponho-a se ela é risonha,
Se não é, suponho que é.
Que o grande jeito da vida
É pôr a vida com jeito.
Fana a rosa não colhida
Como a rosa posta ao peito.
Mais vale é o mais valer,
Que o resto ortigas o cobrem
E só se cumpra o dever
Para que as palavras sobrem.
... mas eu humildemente acrescentaria
"e só se cumpra o dever
para que os actos sobrem também!"
Cara Maria José
Com o passar do tempo, o tempo, melhor tempo não tem.
A culpa ? Da celeridade, da fuga para a frente, face às pedras com que se tropeça no dia a dia.
E depois, vamos fazer um balanço, e encaramos com estes dislates que os tropeços nas pedras do caminho provocam na mente:
Fernando Ulrich (BPI)
29 Outubro - "Entrada do FMI em Portugal representa perda de credibilidade"
26 Janeiro - "Portugal não precisa do FMI"
31 Março - "por que é que Portugal não recorreu há mais tempo ao FMI"
Santos Ferreira (BCP)
12 Janeiro - "Portugal deve evitar o FMI"
2 Fevereiro - "Portugal deve fazer tudo para evitar recorrer ao FMI"
4 Abril - "Ajuda externa é urgente e deve pedir-se já"
Ricardo Salgado (BES)
25 Janeiro - "não recomendo o FMI para Portugal"
29 Março - "Portugal pode evitar o FMI"
5 Abril - "é urgente pedir apoio .. já"
Quando os banqueiros enfrentam as incertezas, em vez de certezas, não há palavras de ânimo e consolo que altere o retrato cinzento de um Portugal deteriorado económica, política e socialmente.
A não ser para nos enganarmos a nós mesmos.
Cordialmente
Cara Maria José:
Depois de Armando Inocentes e João Boaventura, quem sou eu para acrescentar algo?
O apelo que faz é saudável, inspirador e optimista.
Nada se resolve sem uma nova atitude individual e colectiva.
Mas o que é que vemos?
Só mais do mesmo e nem uma ideia concreta para mudar seja o que for.
Infelizmente, desta vez não há esperança, nem se vê, como Mário Soares viu, da outra vez, "uma luz ao fundo do túnel".
Agora não temos túnel. Temos um poço sem fundo...
Porque este blog é de desporto e não de banqueiros, mas aproveitando os três passos de contradança de cada um deles, ocorre confrontar as indecisões que revelam o total desconhecimento do caminho, com os três passos que já aqui expus, num blog sobre artes marciais, e onde as decisões prudentes dos japoneses revelavam o que, no espaço do duelo, o dojo, era possível aclarar.
O processo desenrolou-se numa época em que as chamadas artes marciais constituíam prática incipiente entre os ocidentais, atraídos pelo encantamento que elas proporcionavam, principalmente na Europa, no período entra as duas Grandes Guerras mundiais.
Nestas condições, os nipónicos ignoravam, quando foi realizado o 1.º Campeonato Internacional de Judo, em Tóquio-1956, qual o grau de preparação dos novos adeptos do judo, donde resultou que a frase mais ouvida entre os judocas japoneses era: “não magoem os estrangeiros”. Resultados:
Ouro, Yoshihiko Yoshimatsu, japonês
Prata, Henri Courtine, belga
Bronze, Anton Geesink, holandês
Face a este resultado, com os ocidentais a ocuparem o segundo e o terceiro lugares, no 2.º Campeonato Internacional de Judo, emTóquio-1958, a frase entre os judocas japoneses passou a ser: “cuidado com as estrangeiros”. Desta chamada de atenção que significaria “não facilitem, eles afinal já sabem alguma coisa”, os resultados já diferiram:
Ouro, Koji Sone, japonês
Prata, Akio Kaminaga, japonês
Bronze, Bernard Pariset, francês, e Kimiyodhi Yamashiki, japonês
Face à recomendação de 1958, o 3.º lugar coube a um francês, o que prenunciava um grau de evolução muito positivo, pelo que, no 3.º Campeonato Internacional de Judo, em Paris-1961, a frase passou a ser: “não percam com os estrangeiros”. Com efeito, os resultados justificaram o aviso, como se verifica nos resultados:
Ouro, Anton Geesink, o holandês que fora 3.º em 1956
Prata, Koji Sone, o japonês que fora 1.º em 1958
Branze, Tong Pae Kim, da Coreia do Sul, e Takeshi Koga, japonês
Posto isto, se pesarmos numa balança, banqueiros e políticos, e na outra, o desporto, ver-se-á qual o diferencial na preparação para a excelência, e qual o apuramento para o visionamento do futuro.
Como exemplos comparativos, as excelentes conquistas dos judocas portugueses nos recentes europeus do judo, e as perdas económicas, políticas e sociais, dos respectivos actores.
Para a história ficar completa, Geesink foi bicampeão mundial – primeiro em Paris, em 1961 e depois no Rio de Janeiro, em 1965, quebrando assim a hegemonia japonesa. Nos Jogos Olímpicos de Tóquio, em 1964, após os japoneses já terem conquistado três (leves, médios e semi-pesados) das quatro medalhas de ouro que se encontravam em disputa na estreia da modalidade em Jogos Olímpicos, aguardava-se com expectativa o open. Ninguém acreditava que a supremacia nipónica seria posta em causa!
No Nippon Budokan Hall, bastaram 9 minutos e 22 segundos para Geesing derrotar o tri-campeão nacional japonês Akio Kaminaga, diante de 15.000 pessoas.
O Japão ficou em estado de choque, ao ver contrariada a teoria de que um judoca hábil poderia derrotar qualquer adversário, de qualquer tamanho. Dois anos após a derrota, Kaminaga suicidou-se como forma encontrada para pedir perdão pela derrota... seppuku, o suícidio honroso!
O que de facto nos leva de novo à cultura e mentalidade nipónica diferente da ocidental!
Como diz a Maria José "Trata-se de, como sempre, metaforicamente falando, nos colocarmos em frente a uma balança, “medirmos os nossos pensamentos e as nossas ações” e decidirmos e atuarmos em consciência de forma a arrepiarmos caminho à procura de melhores soluções e de melhores dias."
Procuremos as melhores soluções e os melhores dias...
No dia em que se festeja o 37º aniversário do 25 de Abril não seria porventura perda de tempo parar, reflectir para, posteriormente, agir. A situação é complicada mas a sociedade precisa de se unir, precisa de remar para o mesmo lado. E como a autora do próprio texto refere é nos momentos difíceis que a equipa se deve unir e, neste caso, a sociedade, os portugueses devem unir-se independentemente da cor política, da cor do clube ou de qualquer outra preferência individual. O FMI voltou, pois não somos estreantes, e acredito que se, em tempos, demos a volta por cima não será agora que não atingiremos os objectivos. É preciso não esmorecer e não esquecer que as individualidades não conseguem chegar longe, mas uma equipa garante sucesso.
Bom dia Armando Inocentes,
Fernando Pessoa não é dos meus favoritos, mas, às vezes também colho nele alguma inspiração.
Obrigada, sobretudo pelo que consigo vou aprendendo, gosto da sua escrita, do seu raciocinio juridico-desportivo (às vezes suplanta alguns juristas...) e do conhecimento profundo que revela ter da sua modalidade.
Uma boa semana, mjc
Olá João Boaventura,
"Com o passar do tempo, o tempo, melhor tempo não tem."
Percebo o que quer dizer com esta frase, mas permita-me dizer-lhe porque é que eventualmente, até agora, tenho sido uma optimista pedagógica, como me apelida.
O que fui fazendo na vida foi sempre com muita alegria, muito trabalho e bastante apoio familiar de de amigos/as.
Mas quase sempre nas diferentes fases desta minha vida, as etapas seguintes foram sempre melhores do que as antecedentes.
Ao tempo, sempre melhor tempo sucedeu...
Isto verificou-se quer na minha vida de estudante, quer na de desportista, quer na de profissional, quer até na de mãe (quando toda a gente me vai dizendo ao longo dos 14 anos do meu filhote e dos 18 da minha "meia-filhota"/sobrinha, que os filhos crescem e os problemas aumentam eu vou constatando e sentindo o contrário...).
Bem sei que tenho dores físicas e emocionais que vão sendo cada vez mais intensas, bem sei que a amargura e tristeza de muitos acontecimentos nacionais e internacionais que levam à descrença de muitos valores humanos, bem sei que nem tudo são rosas nem..., mas como hei-de resistir a acordar todas as manhãs e desejar e querer que o tempo seja melhor do que o que passou??
Agora que os banqueiros, políticos e muitos mais não sabem o que querem e por isso andamos neste mar revolto à deriva, isso a sua clarividência desnuda muito bem.
Um abraço grato pelas partilhas que me tem proporcionado, mjc
Caro Luis Leite,
Ainda que o que vemos seja muito triste, angustiante e desmobilizador, quem é professor/a, tem responsabilidade acrescida para "acenar" com a esperança, com a tal luz no fundo do túnel, com a vontade de vencer e ultrapassar as adversidades.
Esta é a minha crença de há muitos anos, comecei a lecionar aos 18/19 anos e foi este o caminho por convicção e vocação que fui assumindo. E, provavelmente por isso, também assumi esta postura noutros ofícios e não me parece que me tenha dado mal.
Uma boa semana para si, mjc
Olá Mónica,
Obrigada por se ter juntado a nós mais uma voz (feminina, presumo) e otimista.
Mas certamente sente na pele que ser otimista em cenários cinzentos e obscuros é muito cansativo.
Contudo não temos alternativa, para a frente é que é o caminho...!!
Espero que fique "cliente" e seja participativa neste nosso espaço bloguista.
Cumprimentos, mjc
Nós safamo-nos. Esta mescla de dom e maldição acompanha-nos desde tempos imemoriais. É esta crença na capacidade de improviso em cima do joelho que nos trouxe até onde nos encontramos e é o mesmo que nos tirará daqui.
O FMI e esta política de terra queimada talvez chegue tarde mas, ainda assim, chegou: será possível, agora, que com a conta da luz não chegue a comparticipação para a RTP e para as energias renováveis (que não renovam os nossos bolsos); será possível, agora, que não se construam, por exemplo, auto estradas que ligam a A1 à Maia (parece um episódio de LOST mas é verdade); será possível, agora, não se contruir o TGV a qualquer custo.
Não, não me congratulo com o ponto a que isto chegou nem aos sacrifícios que aí vêm, provocados por uns quantos e pagos por todos, mas, como sempre acontece, há tempo para o amor e para a guerra e temos de tirar o máximo proveito de ambos.
Pode ser, se bem aproveitado, um tempo para que se semeie novo pau e para evitar que este nasça torto.
Quando ontem ouvia quatro ex-presidentes da república falar a sensação com que fiquei é que aparentemente nenhum deles tinha qualquer responsabilidade com a situação actual.E que todos conheciam a solução:consenso,compromisso e unidade nacional.Solução que nenhum deles, incluindo o actual PR,aplicaram no seu magistério.Pelo que ontem foi mais do mesmo:conversa fiada.O que o pais precisa é de ruptura com o regime actual é de separação de aguas e não de esbatimento de diferenças.
Penso rigorosamente o mesmo que JM Constantino.
Mas, pelos vistos, estamos sós.
Caro JMConstantino,
Pois é...às vezes o tempo dá-me razão.
Concordo em parte com as suas palavras e é exatamente por isso, ou foi, que há uns meses atrás lhe disse que nunca tinha votado no actual Presidente da República e que não seria agora, independentemente de inúmeras razões invocadas, que iria votar. Basicamente porque não acreditei nele nem nos vários projetos (?!) que teve para o nosso país. E no que ao desporto diz respeito nem vale a pena invocar os seus feitos no atletismo...
Percebeu-me agora? Dá-me alguma razão...??
Bjinho, mjc
Tudo nos separa.A Maria José tem uma opção de vida e uma concepção de sociedade inteiramente respeitáveis. Bem como aprecia a seu modo os diferentes actores políticos. E tanto quanto julgo entender usa o voto como uma manifestação de confiança. Vota em quem acredita. Faz bem. Eu não. Em primeiro lugar entendo a política como um lugar da emoção. A razão é dela subsidiária. E a governação como um exercício para ser permanentemente escrutinado. Sejam quais forem os protagonistas. Por outro uso o voto de modo heterodoxo.Como passei, demorou algum tempo, a fase dos “amanhãs que cantam”, uso-o para combater quem não gosto. Ou seja,repito, tudo nos separa. Temos mundos completamente diferentes. O que explica que face ao que ontem se passou a Maria José só fale do actual PR.O tipo que andou descalço, é filho de um gasolineiro e come o bolo rei com a boca aberta. Como diz o José Lello, num registo do mais elevado trato, é um foleiro. E eu refira-os a todos. Não vem grande mal ao mundo. Não estou à espera de ter claque para as minhas ideias e basta-me poder ser livre para as poder exprimir. Ficamos cada um como a nossa verdade.E provavelmnte eu ficarei só a minha.Paciência.
Acho piada à tendência para a nova ideia "politicamente incorrecta" de agora, de repente, aqueles que também foram responsáveis pelo estado a que esta partidocracia chegou, tocarem a reunir.
Do alto da seu estatuto de reformados de luxo, com todas as mordomias possíveis e imaginárias, os quatro PRs "desejam" aquilo que sabem ser impossível dentro deste regime desacreditado, apodrecido moral e eticamente.
Vêm aí umas eleições em que vai votar oura vez apenas metade do eleitorado e é certo não haver maioria absoluta de nenhum partido; e mesmo uma coligação PSD/CDS (a única possível) muito dificilmente a conseguirá.
Mesmo com a indispensabilidade imposta pela troika de um entendimento reformista partidário urgente e alargado, nenhum partido realmente o quer e a campanha vai mostrá-lo claramente.
Não há saída para esta crise dentro deste regime.
Que irá acontecer?
Tudo é possível!
Incluindo o pior que possamos imaginar...
Caro Zé
Quanto aos discursos dos quatro Presidentes, correspondem apenas ao estamento dos três ex e do actual.
São os chamados discursos de circunstância, em momentos de crise aguda, em palco e cenários calmos, transmitindo tranquilidade e serenidade, com muita assistência bem posicionada socialmente, tudo somado, como se, fora deste ambiente, nada se passa de grave, como é natural entre os actores da cena.
Todo o aparato aureolado pelas oratórias positivistas é uma afronta aos Novos Cristãos do século XXI, que corresponde à conversão da classe média em Novos Pobres.
Este caleidoscópio prenuncia a Boa Nova da chegada dos Reis Magos que são três, FMI-FE-BE, o que explica a Presidência da República incluir na sua Casa Civil uma dezena de colaboradores: 7 assessores e 3 consultores (DR n.º 61, Série II, de 2011-03-28.
Portanto em Política o jogo do palco é sempre diferente do jogo dos bastidores.
Janus tem duas faces.
Um abraço
Portanto, em Política
Rui Barbosa, senador da República do Brasil, orador brilhante, escreveu em 1914, o retrato do Brasil que, como irmão e herdeiro de Portugal, também a este se aplica.
E o título não podia ser mais sugestivo Sinto vergonha de mim.
A três anos do Centenário deste escrito, pergunto: o que mudou ?
Bom dia JMConstantino,
Na verdade, independentemente do que nos une, admito que há muitas coisas que nos separa.
Desde logo os nosso mundos, isto é as nossa vivências. Em Abril de 1974 eu tinha 9 anos, e aí sim, comecei a viver a vida político-partidária cheia e pela emoção. E à pergunta fatídica de “onde estava no 25 de Abril” eu teria de responder que estava dentro de um sala de aula a olhar incrédula para os tanques preparados em fila dentro do quartel general da Praça da República (claro, no Porto), sem perceber patavina, e indignada porque toda a gente estava assustada, mas contente pela noticia de ir para casa, e eu apenas queria acabar a composição que tinha mãos.
Bom, depois desse dia muita coisa teria de lhe contar, e muita coisa já ouvi “do seu mundo” e do que fez então, mas compreenda-me que tive de deixar a emoção e começar a tomar decisões de voto pela razão.
Ainda que dos 3 PR, de que não falei como você mencionou, fosse tendo dados emocionais significativos e que me sensibilizavam também, a vida foi-me revelando acontecimentos que foram destruindo a emoção e elevando a razão. Basta recordar o caso Melancia, um dos muitos que estudei e segui paulatinamente, basta recordar-me dos inúmeros faxs enviados e recepções feitas em Belém aos nossos melhores atletas, basta lembar-me de alguns encontros com algumas daquelas personagens, incluindo as suas respeitáveis esposas, para nesta altura, independentemente de uns terem nascido assim ou assado, terem andado descalços ou com chinelos de ouro, a minha descrença naquela classe política ser enorme, eu quase direi total. Estou cansada e enjoada praticamente de todos eles.
Não parecem restar dúvidas quanto à falência política destes nossos ilustres representantes, e que como bem escreve João Boaventura , nos convertem em novos pobres enquanto eles continuam faustosamente a viver as suas vidinhas...
“Todo o aparato aureolado pelas oratórias positivistas é uma afronta aos Novos Cristãos do século XXI, que corresponde à conversão da classe média em Novos Pobres.”
Para finalisar, obviamente não direi o que o Ruy Barbosa disse ou escreveu, mas permita-me que lhe diga que admito alguma vergonha por ter confiado e ter votado em alguns dos candidatos em que votei e principalmente de ser, ainda que numa infima parte, cumplice com o estado de situação em que nos encontramos. Principalmente quando tento explicar o melhor que sei ao meu filho e demais jovens os dias de ontem, de hoje e…as previsões para o amanhã.
Um bom dia para si, mjc
Quando o Estado aborda a inevitabilidade de cortes nas despesas, significa, despesas da sociedade civil, porque oblitera intencionalmente as próprias.
Por isso se adiantou que Janus tem duas faces, uma, sem qualquer máscara, estereotipada na sociedade civil, a qual se encontra codificada exaustiva e frequentemente nos cortes dos vencimentos, quer do pessoal activo, quer dos reformados, ou utilizando instrumentos de avaliação para reduzir as promoções, ou fechar centros de saúde, ou aumentos de impostos, ou…, ou…, repercutindo na sociedade a ideia de que todo o mal provém de baixo, de que a sociedade está a mais, é um empecilho, haverá que domesticá-la e dominá-la, para os habituar a não ter muitos euros, porque o Estado não conseguiu ainda fazer como Esparta que produzia as moedas, intencionalmente, tão pesadas que ninguém as queria amealhar.
Nestas circunstâncias resolveu o problema pela redução e pelo corte, e pelo imposto, o que de facto pesa menos, e a sociedade civil também fica sem vontade de amealhar.
A outra face tem uma máscara para que ninguém a veja, à imitação de Deus ao dizer a Moisés que ninguém lhe pode ver a face, que, quando muito, poderia vê-lo pelas costas quando se afastasse, depois de lhe entregar as Tábuas dos Mandamentos. É por isso que os muçulmanos destroem as imagens por considerarem que elas devem estar apenas na mente de cada um.
Chegados aqui, ao Estado não se pode ver a face, tal como Deus, sob pena de perder a sua mística, o seu mistério, ou, como disse Fernando Pessoas, observado o problema por outro ângulo, o Estado também é uma sociedade secreta, porque era o retrato ampliado da reunião do Conselho de Ministros, a sociedade secreta escondida.
O que a máscara escondida esconde, passe o pleonasmo, é o Shangri-la do Estado, o lugar paradisíaco, “onde o tempo parece deter-se em ambiente de felicidade e saúde, com a convivência harmoniosa entre pessoas” das mesmas procedências, e pelas mais dispersas formas de vivência porque nele se consagram diversos estilos de vida, produto de vários hábitos enraizados, desde que o Estado é Estado, donde resulta:
- Mordomias dos três ex-Presidentes da República: gabinete, secretárias, carro, motorista;
- Institutos e Fundações Públicas, para servir clientelas partidárias;
- Idem aspas com as Empresas Municipais;
- Excessivo número de Câmaras e de Juntas de Freguesias;
- Financiamento aos Partidos;
- Renovação frequente da frota de carros;
- Subsídios de habitação e de deslocação a deputados eleitos por círculos fora de Lisboa porque vivem em Lisboa;
- Excesso de administradores em alguns hospitais;
- etc., etc., etc.
Posto isto, o que o reino do Shangri-la propõe é a pauperismo da sociedade civil que é, de facto, um estorvo muito grande para o engrandecimento da corte do Estado.
Ao último comentário de João Boaventura só quero acrescentar muitos mais etecéteras.
Concordo totalmente com o que escreveu!
E a escandaleira vai continuar, podem crer...
Bom dia João Boaventura,
Delicioso. Muito obrigada pelo seu último contributo. Repito, delicioso, leitura para começar bem um dia cheio de sol e que nos induz a pensar muito!
Cordialmente,
Maria José Carvalho
Como as eleições se aproximam, anotem o que escreveu Miguel Torga, neste excerto do seu:
Diário, em 25 de Abril de 1975
"Eleições sérias, finalmente. E foi nestes cinquenta anos de exílio na pátria a maior consolação cívica que tive. Era comovedor ver a convicção, a compostura, o aprumo, a dignidade assumida pela multidão de eleitores a caminhar para as urnas, cada qual compenetrado de ser portador de uma riqueza preciosa e vulnerável: o seu voto, a sua opinião, a sua determinação. Parecia um povo transfigurado, ao mesmo tempo consciente da transcendência do acto que ia praticar e ciente da ambiguidade circunstancial que o permitia. O que faz o aceno da liberdade, e como é angustioso o risco de a perder! Assim os nossos corifeus saibam tirar do facto as devidas conclusões. Mas duvido. Nunca aqui os dirigentes respeitaram a vontade popular, mesmo quando aparentam promovê-la. No fundo, não querem governar uma sociedade de homens livres, mas uma sociedade de cúmplices que não desminta a degradação deles."
Camões e a tença
Irás ao Paço. Irás pedir que a tença
Seja paga na data combinada
Este país te mata lentamente
País que tu chamaste e não responde
País que tu nomeias e não nasce
Em tua perdição se conjuraram
Calúnias desamor inveja ardente
E sempre os inimigos sobejaram
A quem ousou seu ser inteiramente
E aqueles que invocaste não te viram
Porque estavam curvados e dobrados
Pela paciência cuja mão de cinza
Tinha apagado os olhos no seu rosto
Irás ao Paço irás pacientemente
Pois não te pedem canto mas paciência
Este país te mata lentamente
(Sophia de Mello Breyner)
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