Texto publicado no Público de 30 de Setembro de 2012.
1.
Neste início de época futebolística ganharam relevo questões relacionadas com o
dinheiro e seu papel fundamental no desporto profissional.
Tivemos
de tudo um pouco. A condenação de agentes desportivos em crimes de recorte
fiscal e mesmo de branqueamento de capitais, os valores incríveis de algumas
transferências de jogadores, de clubes nacionais para estrangeiros, as
preocupações de entidades públicas estrangeiras- no caso, das russas -, pelos
montantes envolvidos, o aparente desprezo de alguns clubes europeus pelas
regras da UEFA quanto ao fair play financeiro e os pedidos de esclarecimentos
da CMVM quanto a algumas dessas transferências.
Cada
um destes sintomas merece uma leitura cuidada, tanto mais que, como noticiado
neste jornal – e constata-se com facilidade – o futebol profissional, num olhar
universal, parece viver sempre em contraciclo das crises financeiras. Nunca
parece faltar dinheiro e, mais do que isso, os montantes envolvidos em
transferências de jogadores e em salários das “estrelas” continuam a subir.
2.
Este «tempo» financeiro trouxe ao de cima – uma vez mais – a existência de um
“quarto homem” na relação laboral do praticante profissional. Se o empresário
desportivo é hoje operador que solidificou protagonismo neste mercado de
trabalho – o terceiro homem, na feliz expressão de João Leal Amado, que fez
carreira no dialecto jurídico-desportivo -, eis que surgem a ganhar espaço os
fundos de jogadores, os fundos de investimento.
Hugo
Sousa, neste jornal, tem-lhes dedicado especial atenção e recentemente, a
propósito da Doyen Sports, escreveu: “ninguém sabe quem é, a não ser que está
sediado em malta, Não se lhe reconhece um rosto, nem a origem do dinheiro. Quem
negociou com eles, nada diz”. Os jogadores são como que retalhados, e surgem
aos nossos olhos como parcelas de carne de animal adquirido em talho: 40% do
“clube” e 60% do “fundo”. O “pé esquerdo” é meu e tu ficas com o direito e os
golpes de cabeça.
3.
Os fundos, alguns deles funcionando num denso secretismo, se num primeiro
momento surgem como soluções expeditas para os clubes financiarem a integração
de jogadores na sua equipa, vivem numa lógica contrária à própria estabilidade
– tão defendida pela FIFA – da relação laboral, em que os contratos são para se
cumprir. Com efeito, retomando João Leal Amado, o fim especulativo do fundo
visa, sobretudo, que tais contratos não se cumpram até ao seu termo. As suas mais-valias
financeiras só se concretizam com as transferências ocorridas antes do termo
desse contrato. Por outro lado, o «peso» dos fundos na “propriedade” do atleta potencia
condicionamentos à própria liberdade negocial do clube.
4.
A regulação do futebol – FIFA e UEFA –, neste domínio que não deixa de,
transferência após transferência, levantar questões e dúvidas quanto à
transparência de procedimentos, criando-se assim mais um espaço nebuloso no
desporto profissional, continua a primar por alguma descrição e conceitos vagos
e indeterminados, não assumindo, de peito aberto, nenhuma regra proibitiva.
Ousamos
visionar que, como a propósito da regulação dos agentes de jogadores, as
entidades desportivas, vão acabar por conviver, com maior ou menor relutância,
como uma realidade que projecta nuvens negras. E, mais tarde ou mais cedo, aí
estarão, uma vez mais, os direitos nacionais – e as entidades reguladoras dos
mercados de capitais – e o Direito Comunitário para se ocuparem da matéria.
E,
se e quando aí chegarmos, falar-se-á então da “especificidade do desporto” e da
intromissão da União Europeia.
Alguns
ditarão mesmo o fim do futebol, pela segunda ou terceira vez, após Bosman,
esquecendo-se que o percurso do desporto profissional, só por ele traçado, o
coloca bem dentro da actividade económica, pura e dura.
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