Quem tem poder político tem a tendência natural para sobreavaliar a sua importância. E falar de tudo quanto imagina que lhe diz respeito. Esta sobreavaliação não é exclusiva de quem governa. Por contraditório que isso possa parecer, parte da insatisfação dos portugueses para com os políticos resulta de depositarem neles demasiadas esperanças e expectativas, exigindo-lhes aquilo que os políticos não podem ou, mais frequentemente, não sabem como dar. Existe muito boa gente que acredita convictamente que uma política desportiva se esgota numa política pública para o desporto e que ela determina, por si só, os níveis de sucesso alcançados. E que se o desporto nacional não apresenta melhores indicadores e resultados a culpa é do Estado. Pelo que a superação dessa situação passaria por um conjunto de propósitos, de objectivos e de metas que se traduziriam numa “política desportiva”ou, numa versão mais comum e de ténue inspiração marxista, num “plano integrado de desenvolvimento desportivo”. Os tempos não estão de feição para a bondade destes propósitos. Não pretendo, com estas palavras, isentar o Estado e os governos dessa responsabilidade. Ou dizer que o papel do Estrado é inócuo ou dispensável quando, em alguns casos, até pode ser determinante. Mas pretendo chamar a atenção de que essa responsabilidade não é exclusiva do Estado e das chamadas “politicas públicas”. A superação da realidade nacional não pede apenas uma intervenção distinta e mais qualificada da parte do Estado. Pede também uma outra assunção de responsabilidades por parte dos organismos desportivos. A tradicional cultura de queixa contra o Estado será inconsequente se não for acompanhada de um propósito de responsabilidade cívica que apresente alternativas, que demonstrem sentido de interesse público e que não alienem ou transfiram responsabilidades exclusivamente para a instância pública. Como escrevemos em comentário anterior, a gestão da realidade desportiva é hoje menos programável quanto o era nos templos da “planificação centralizada”e nas suas diferentes versões “socialista” e “social-democrata”. Afirmação que sustento com a prudência típica de um ex-esquerdista não reciclado nos partidos do poder e que entende que estes conceitos ainda têm um valor ideológico e político que está para além de uma simples identificação clubista ou de “aggiornamento” para “estar por cima”ou qualquer outra estimável razão para além da convicção cívica. Mas adiante. As “bases” do desporto são multipolares, não existe um centro único, os factores de desenvolvimento são de natureza plural e os efeitos decorrentes das políticas carecem de um tempo que casa mal com um certo frenesim mediático. Mas mesmo que tudo se circunscrevesse às medidas de “natureza desportiva” faltaria sempre o resto. E o resto não é despiciendo. Desenvolver o desporto na óptica das políticas públicas significa, por exemplo, ter de falar na política de emprego, da política escolar, da política de saúde, da politica de juventude, da política de formação de quadros, da política de gestão do solo urbano, entre outras. E necessariamente abordar as políticas desportivas que estão associadas aos agentes e entidades desportivas não públicos, afinal aqueles que asseguram a efectiva realidade das práticas desportivas. Esta realidade pluridimensional das políticas desportivas está, por norma, ausente quando se fala de politicas públicas de desenvolvimento desportivo. A agenda política, local ou nacional, ignora-as. E procura instalar a ideia, que é enganadora, de que o desenvolvimento está muito associado á iniciativa pública e nesta à infra estruturação ou a programas não articuláveis com os restantes factores do desenvolvimento social e desportivo. Quando, como actualmente,a governação ideológica programática é substituída por uma lógica funcionalista de exercício do poder acompanhada de pulsões sanitárias e de invasão do espaço do privado em busca do homem saudável, resulta não tanto a depuração e a actualização dos modos de encarar o desenvolvimento do desporto e de combater as suas lógicas e modelos mais arcaicos - muitos marcados pela matriz francófona e pelas “modas dos estilos de vida saudável” - mas acentua-se a incapacidade de incorporar elementos e variáveis pelas quais o desporto é condicionado e que estão muito para além da ideologia branca dos livros que a nomenclatura europeia vai produzindo. Quem ao fim de semana percorrer os espaços de prática desportiva descobre uma realidade completamente distinta daquela que é objecto da apreciação e tratamento na generalidade dos documentos programáticos. Mesmo sem invadir ou requisitar o terreno das ideologias e dos modelos, o desporto português só ganharia se as narrativas e os discursos desportivos se centrassem menos em políticas de “tudo um pouco” e mais em “políticas de prioridades”. Talvez o que se fizesse desse menos cobertura mediática, mas em contrapartida oferecesse resultados mais úteis e duradouros.O que é válido para quem governa no estado central, no estado local ou nas organizações desportivas.
sexta-feira, 23 de maio de 2008
Prioridades e responsabilidades
publicado por josé manuel constantino às 09:53 Labels: Política desportiva
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6 comentários:
Navegação à vista? E de cabotagem?
Excelente texto!
:)
Caro José Manuel Constantino
Ontem, no “Prós e Contras”, estiveram 5 dos mais conceituados economistas nacionais. No limite e naturalmente houve 5 posições distintas apresentadas com vigor e sustentação.
A falta de resposta que este blogue encontra na sociedade desportiva relaciona-se com o estado letárgico em que o desporto português se encontra.
Discordando do que se diz, considero que esse facto não é relevante para justificar a ausência de outras pessoas ao debate.
A falta de capacidade de debate é grave no desporto português. As pessoas não falam porque têm medo. Porque o modo de vida é feito na base da ausência da afirmação pública. Na irrelevância do debate consensual para a transformação da realidade desportiva...
As pessoas não retiram utilidade do debate.
O texto tem vários aspectos polémicos, um dos quais é o de manter estruturalmente fixa uma posição crítica da economia baseada num raciocínio individual, que sendo de louvar, mostra um afastamento do que é a economia do desporto moderno.
I
Falar sobre as autarquias e da acção central é uma matéria de risco.
Actuar com base em prioridades fará mais sentido a nível local que no central.
II
O nível central do desporto português necessita de um departamento técnico competente.
Trazer e levar quadros técnicos tem sido feito pelos partidos políticos na administração do desporto.
O departamento técnico fica mais pobre pela secundarização sustentada dos seus quadros, pela criação de departamentos à imagem de cada rodada política.
As universidades formam técnicos de desporto directamente para o desemprego, a não ser que os jovens passem pelas secretarias partidárias.
A estrutura desportiva fragilizada e sem músculo científico, técnico e profissional aceita as determinações de combates a todos os défices que a disciplina partidária e das finanças obrigam.
A existência de um departamento técnico culturalmente sustentado num core consensual é o melhor instrumento de criação de valor das políticas desportivas.
A injecção de novos (velhos) funcionários habituados ao chefe novel nomeado é a certeza da melhor resposta às prioridades governamentais e o aviltamento das necessidades estruturais e do core do desenvolvimento nacional.
É o desporto que perde como tem perdido com este comportamento.
Falta definir o "core" a essência da acção pública que persista no tempo. Falta o consenso para o longo prazo e aqui aproximo-me do programa.
III
A "inspiração marxista" dos programas de longo prazo são o limite do conhecimento económico que personalidades do desporto mimam a economia do sector onde trabalham.
São várias as personalidades do desporto que vêm falando dos programas soviéticos. Compreende-se que as impressões negativas da sua juventude perdurem no tempo. Por isso, só sabem falar de programas soviéticos. No extremo oposto Manuel Alegre fala de socialismo de plástico.
A economia moderna é uma área complexa e a boa economia é aquela que responde com eficiência a questões colocadas pelos decisores de resposta aos interesses maiores dos eleitores e dos consumidores. Poderia dizer o mesmo do bom direito.
Afirmações que recusam objectivamente a economia são um tiro que o desporto vem dando em si próprio.
Caro Fernando Tenreiro
Salvo melhor opinião você comenta sobre o que eu não escrevi.Mas para se não perder o seu comentário vou escrever em próximo post sobre aquilo que você chama "dar tiros nos pés":a falta de economia no uso dos recursos disponíveis.Ou seja a luta contra o desperdício.Sei que vou merecer os seus reparos mas como já não tenho idade para alimentar muitas esperanças sobre "os amanhãs que cantam"nos quais incluo muitos dos advogados da "nova economia"uma especie de apóstolos da morte assistida do capitalismo já não sou capaz de contrariar essa tendência.
Sempre agradecido pelos seus comentários mesmo que deles discorde.
Olá, desde à pouco,
Fala da parte de Portugal com actividade desportiva.
Como não existem estatísticas desportivas portuguesas actuais e correctas não é possível verificar o quanto estamos na cauda da Europa.
Eu refiro-me à parte de Portugal que não tem desporto.
A pobreza, o efeito da crise e o das medidas de política que afectam a maior parte da população são os meus elementos para dizer como o país está vazio de desporto.
Veja que refiro o seu texto quando foquei a mensagem subliminar do texto e uma frase, a saber:
Refiro a política autárquica porque nela será possível actuar com base em prioridades.
Na administração central isso não é possível e é mais arriscado.
No primeiro ponto estou a referir a ideia de prioridades do texto.
No segundo ponto, discuto a ideia de prioridades ou de um core de política desportiva central, transversal ao tempo e às sensibilidades políticas e a existência de um departamento público central forte para o resolver.
No terceiro ponto retiro da frase: “política desportiva”ou, numa versão mais comum e de ténue inspiração marxista, num “plano integrado de desenvolvimento desportivo”.
Ao referir os “prós e contras” é a necessidade de visões desencontradas, de oficiais do mesmo ofício ou não, para se formar uma ideia mais completa ... das suas prioridades para o desporto português.
Quanto às prioridades ... o que é que dá mais imagem mediática senão a apresentação a conta gotas das prioridades que se deixam cair quase todos os dias às 20,00 horas?
Medina Carreira ontem demonstrou num dos gráficos que existe um desenvolvimento português equivalente ao Europeu. Com uma diferença. Quando Portugal atinge o topo já os outros estão em quebra. Quando a Europa se constipa, Portugal fica catatónico e vai ainda mais fundo. Esta realidade passa-se também com o desporto português em relação aos restantes sectores nacionais.
Ou seja, a prioridade é a de desenvolver medidas estruturais de longo prazo e sustentadas que evitem chegar atrasado e mergulhar mais fundo.
Olá desde há uns dias.
Voltei e atrevo-me:
A falta de debate menos espumoso, chamemos-lhe assim, não terá a ver com a falta de cultura desportiva da maior parte das pessoas que se ocupa da coisa desportiva?
É uma pergunta genuína, não é retórica!
:)
Á mdsol.
Também pelas razões que aponta.Mas creio que o problema está para além disso.Está inscrito na nossa matriz histórica como povo.Demorámos cerca de cinquenta anos a despachar a mais antiga ditadura na Europa.Fomos os últimos a descolonizar.Ontem um pouco por toda a Europa lutava-se contra o aumento dos preços dos combustíveis .Em Portugal formavam-se filas para assitir a um treino da selecção de futebol e comentava-se o penalti falhado no treino pelo Cristiano.Depois não nos podemos queixar.Temos o que somos e o que em parte merecemos.O desporto é apenas uma parte.
Grato pelo seu comentário.
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