segunda-feira, 10 de agosto de 2009

Tranquilo à superfície,mas com agueiros no fundo

O futebol goza de uma exposição pública que poucas actividades do país merecem. O número de pessoas que o comentam é elevado; a imprensa especializada e generalista tem sobre o futebol uma cobertura muito superior a países com indicadores de desenvolvimento da modalidade mais elevados. Especialistas e não especialistas, profissionais do ramo e outros escalpelizam ao pormenor as diferentes peripécias da modalidade. Como é que com tanta gente a escrever, a falar e a discutir o futebol ainda existe um ónus de credibilidade a resgatar perante uma parte do país? Ora o problema começa precisamente por aqui. O facto de o futebol gozar de uma enorme exposição pública fragiliza-o em vez de o fortalecer. Mostra muitas das suas debilidades. E gere uma tendência não selectiva que leve a que se escreva ou comente tudo, incluindo o que nele é menor.
Talvez esse facto ajude a perceber como o número dos que gostam de futebol, mas não gostam do modo como o futebol “vive” ser provavelmente muito superior aos que pura e simplesmente não gostam de futebol. A afirmação é meramente especulativa. Não tenho como a confirmar. É uma intuição. Mas a ser verdadeira dá que pensar.
É que alguns dos que dirigem o futebol, queixam-se da incompreensão que, em sectores da sociedade portuguesa, existe relativamente à modalidade. E apresentam números que pretendem provar o contributo que a modalidade dá ao desenvolvimento do país e indicadores de sucesso internacional. Mesmo ficando por saber quanto o futebol recebe dos contribuintes -os que gostam e os que não gostam de futebol -, contas que ninguém faz, a questão verdadeiramente importante é outra: saber o que faz o futebol e aqueles que o dirigem para melhorar a imagem que está na origem do referido capital de queixa.
Se tomarmos como amostragem o que se passa nos espectáculos desportivos da modalidade o balanço não é propriamente o melhor. Nos escalões jovens a qualidade do espectáculo é na generalidade dos casos baixa e está longe de estar garantida a idoneidade etária e organizativa que empreste seriedade às competições. Nos escalões seniores joga-se pouco e mal e prevalece uma situação financeira grave. As intervenções dos protagonistas - dirigentes, árbitros, treinadores e jogadores - estão longe de serem um factor de valorização do próprio futebol. O espectáculo, mesmo nos campeonatos de topo, é pobre e não melhora com umas meninas a mostrar as pernas e o rabo mesmo quando esses atributos, como sucede ma maioria dos casos, sejam generosos.
Não deverá o futebol queixar-se dele próprio? Fará tudo quanto está ao seu alcance para melhorar a imagem que sobre ele se criou? É certo que em algumas instâncias superiores da modalidade existe um esforço de reformulação e regeneração da modalidade. Que existem sinais de mudança. Mas o que muitas vezes se constata é que os movimentos que perspectivam essas mudanças são insuficientes para as impor. Que uma espécie de “velha ordem” mantém uma força superior à renovação. Que, pesem embora os diagnósticos críticos existentes, a modalidade está num beco sem saída no plano financeiro, e que está longe de querer criar as condições basilares de sustentabilidade.
O país esta a férias e o futebol retoma o seu serviço já no próximo fim – de – semana. Aparentemente esta como o mar de verão quando a nortada não sopra: tranquilo à superfície, mas com muitos agueiros no fundo.

4 comentários:

Anónimo disse...

Esta mensagem de J.M. Constantino podia ter o seguinte título: “Opinião Comum Sobre O Futebol Que Reflecte A Incompreensão Do Que É O Desporto”.
Que o Divino me perdoe, porque vou pecar outra vez. Agora que o «Limbo» acabou, por decreto papal, já tenho menos medo. Sempre é melhor ir parar ao «Inferno», ou ao «Céu», do que a esse sítio que «era e não era». Penar nesse sítio dos pseudo-Independentes, (à Lobo Antunes, o da “Ética da Igreja”), é que nem o H. Bosch era capaz de pintar.
Num dos artigos que escrevi para uma revista «oficial», lá para os anos 90, abordava este «erro».
É o mesmo «erro» que leva a confrontarem-se, ainda hoje, os da «educação física» como os do «desporto». Sem perceberem que estão ambos a perder para os que não os querem no “projecto educativo das Escolas”.
É o mesmo «erro» dos que opõem o «desporto» á «actividade física». Chamando ao primeiro, passo a citar, de um recente programa de governo para a próxima legislatura, “combate de gladiadores”. Ou daqueles que opõem esses dois campos, como se fosse uma espécie de «luta de classes». Como é um pouco o caso de J.M. Constantino nesta mensagem: “O futebol de um lado, o «desporto» (o puro, o verdadeiro) do outro.
Este «erro» mostra que não compreendem o que de facto é o Desporto. Razão pela qual, não sabem entender o processo de transformação entre «actividade física» e «desporto», conduzido intencionalmente pelos indivíduos e pela sociedade, desde os tempos imemoriais que há desporto nela. É um processo que é permanente, impossível de fixar, e que ocorre durante todo o ciclo que atravessa da primeira à última idade. Vêem duas coisas entrincheiradas em mundos diferentes, quando o que ocorre é um mesmo processo de transformação em que ambas são vectores.
É, enfim, um «erro» da opinião «comum».
Como podem conduzir os destinos do Desporto aqueles que cometem este «erro»?
A pergunta é a seguinte: Para o Desporto (cumprir a sua função física, social e cultural) que diferença faz ser o futebol a modalidade preponderante, nesta época histórica que vivemos? Noutras épocas, não foram outras modalidades a ter essa preponderância? Nos primeiros Jogos Olímpicos de sempre não era também apenas e só uma modalidade (a corrida)? O que é que isso diminui o Desporto?
Atacar o futebol não é atacar o futebol. É não compreender aquilo que o Desporto é.
Quando este «erro» for corrigido, o Desporto progredirá e alcançará o estatuto social e cultural que merece ter na Sociedade

Anónimo

Anónimo disse...

Com este tipo de mensagens o caro FTenreiro baralha-se. As contas já não dão certo, quando se muda, assim, de contexto. Basta mudar o eixo do X e do Y para a Economia no desporto ser outra. Não há primitivas nem derivadas que corrijam a curva de Gauss quando a perspectiva é outra. E lá irá o caro FTenreiro iniciar outra vez o cálculo.
O que me espanta é o J.M. Constantino dar mostras que está a ser catequizado por essa «economia subjectiva e quixotesca do desporto de Tenreiro».
Qualquer dia não sobra ninguém. Que resista ao maquiavélico «plano tecnológico», com que os seguidores do status quo nos tentam alienar.

Anónimo

Anónimo disse...

Proposta do PCP.

“Uma nova política para o desporto:
Os últimos anos acentuaram a linha política de conversão do Estado em organizador de eventos publicitários, colagem a resultados desportivos isolados e sua promoção propagandística, em prejuízo da estrutura desportiva nacional. O desenvolvimento e a democratização da actividade física e desportiva, o desporto de massas, o associativismo desportivo e recreativo acabaram assim desvalorizados e esquecidos. A criação de um regime jurídico das federações desportivas que centra o poder nas vertentes profissionais do Desporto, a constituição do Conselho Nacional do Desporto de onde foram excluídas as forças vivas do sector e que tem como principal objectivo a aceitação passiva, das orientações do governo - são expressão da tendência predominante imposta pela política de direita ao Desporto nacional.“

Ainda é pior do que no tempo do A. Cunhal.

Anónimo

fernando tenreiro disse...

I
ao anónimo das 23 horas

a frase seguinte foi escrita por Paul Krugman, o prémio Nobel da Economia mais recente

"Neither the administration, nor our political system in general, is ready to face up to the fact that we’ve become a society in which the big bucks go to bad actors, a society that lavishly rewards those who make us poorer."

foi publicado no new york times com o nome "Rewarding Bad Actors" no dia 2 de agosto e está disponível na internet

ele fala sobre os Estados Unidos

dizer que a frase se aplica a Portugal será uma provocação ou uma constatação que se pode fazer pacificamente num debate entre pessoas interessadas em desenvolver este país?

sem ofender, nem ameaçar, neste país onde o medo já foi tão importante e parece tão presente quando há pessoas a assinar anónima e continuadamente, coisas que as pessoas têm dificuldade em ver o verdadeiro alcance

talvez se você se explicasse melhor e assinasse coisas que toquem as pessoas estas participassem mais no seu debate

II
JMConstantino
A sua peça sobre o futebol é pertinente e escrevê-lo eventualmente incomoda, as pessoas hesitam e não sabem como pegar nele

a forma como o faz é uma boa solução