“O insulto ao árbitro é apenas um escape, uma evasão química…”
António Bagão Félix,à época ministro, em entrevista à Grande Reportagem,
27.3.2004
Uma imagem, diz-se, vale por mil palavras. Se a profecia mcluhaniana estiver certa, então, um bom exemplo vale o dobro. E um mau exemplo desgasta o triplo das palavras. Há os que conseguem controlar a “evasão química”. E os que não conseguem. Bagão Félix pertence aos segundos. A tribuna presidencial do estádio da luz é disso testemunha. Mas o descontrolo sobre a evasão química não o inibe de perorar sobre a ética no desporto. Como Marques Mendes sobre a ética na política. Como Carolina Salgado sobre “toda a verdade”do apito dourado. E quem sabe, um dia, Paulinho Santos sobre o espírito desportivo.
O estudo sobre os sistemas políticos de organização social e respectivos programas é conhecido. Bem mais que os estudos sobre os homens e a natureza humana. O que explica a incompreensão da presença de fenómenos e condutas independentes do modo como a sociedade se organiza, a religião que se professa ou o partido a que se pertence.
As aventuras do homem em tempo de mutações e de crise, reagenda o tópico da natureza humana muito para além dos sistemas políticos, dos partidos ou dos governos. E obriga-nos a procurar a filosofia mais do que a ciência. E a encontrar explicação para desvios sociais de valores a que atribuímos importância: a verdade, a lealdade, o respeito pelo outro, a valorização do mérito. E no limite o reconhecimento sincero, que ,como seres humanos, temos imperfeições.
É espantoso o à vontade com que se abordam certos temas sem cuidar de olhar para o interior de nós mesmos. O estatuto de “aparecer” e de “ser notícia” desvincula-se de qualquer decência moral. E se alguém procura o primeiro não se importa de abrir o flanco no segundo. As aspirações de afirmação e ascensão social não encontram qualquer cumplicidade numa base valorativa de pretensões morais. Pior. A responsabilidade pessoal, ética e moral, são marginalizadas e a inconsequência moral socialmente recompensada. Diz-se como os outros devem ser e se devem comportar numa lógica de aparente superioridade moral que a vida própria desmente. E se estes tópicos são importantes na vida em geral assumem ainda maior relevância quando no exercício de funções que caem no domínio do espaço público.
A corrosão do valor da coerência é equivalente ao desdém com que se avaliam os que optam por um estatuto de independência. Colocados permanentemente no fio da navalha correm à sua própria custa não beneficiando da protecção de qualquer grupo ou facção.
O que se está a passar no país está muito para além da agenda mediática dos casos que têm feito grandes títulos na comunicação social. A sucata e os negócios e as faces ocultas são outras. A probidade está prisioneira de uma consciência individual vendida a retalho .
É um fenómeno de corrupção moral que está a minar a sociedade e que está longe de ser menos funesto que o de natureza financeira. E que poucos ousam enfrentar. O que revela a liberdade e independência para abordar certo tipo de poderes que atravessam a sociedade portuguesa.
António Bagão Félix,à época ministro, em entrevista à Grande Reportagem,
27.3.2004
Uma imagem, diz-se, vale por mil palavras. Se a profecia mcluhaniana estiver certa, então, um bom exemplo vale o dobro. E um mau exemplo desgasta o triplo das palavras. Há os que conseguem controlar a “evasão química”. E os que não conseguem. Bagão Félix pertence aos segundos. A tribuna presidencial do estádio da luz é disso testemunha. Mas o descontrolo sobre a evasão química não o inibe de perorar sobre a ética no desporto. Como Marques Mendes sobre a ética na política. Como Carolina Salgado sobre “toda a verdade”do apito dourado. E quem sabe, um dia, Paulinho Santos sobre o espírito desportivo.
O estudo sobre os sistemas políticos de organização social e respectivos programas é conhecido. Bem mais que os estudos sobre os homens e a natureza humana. O que explica a incompreensão da presença de fenómenos e condutas independentes do modo como a sociedade se organiza, a religião que se professa ou o partido a que se pertence.
As aventuras do homem em tempo de mutações e de crise, reagenda o tópico da natureza humana muito para além dos sistemas políticos, dos partidos ou dos governos. E obriga-nos a procurar a filosofia mais do que a ciência. E a encontrar explicação para desvios sociais de valores a que atribuímos importância: a verdade, a lealdade, o respeito pelo outro, a valorização do mérito. E no limite o reconhecimento sincero, que ,como seres humanos, temos imperfeições.
É espantoso o à vontade com que se abordam certos temas sem cuidar de olhar para o interior de nós mesmos. O estatuto de “aparecer” e de “ser notícia” desvincula-se de qualquer decência moral. E se alguém procura o primeiro não se importa de abrir o flanco no segundo. As aspirações de afirmação e ascensão social não encontram qualquer cumplicidade numa base valorativa de pretensões morais. Pior. A responsabilidade pessoal, ética e moral, são marginalizadas e a inconsequência moral socialmente recompensada. Diz-se como os outros devem ser e se devem comportar numa lógica de aparente superioridade moral que a vida própria desmente. E se estes tópicos são importantes na vida em geral assumem ainda maior relevância quando no exercício de funções que caem no domínio do espaço público.
A corrosão do valor da coerência é equivalente ao desdém com que se avaliam os que optam por um estatuto de independência. Colocados permanentemente no fio da navalha correm à sua própria custa não beneficiando da protecção de qualquer grupo ou facção.
O que se está a passar no país está muito para além da agenda mediática dos casos que têm feito grandes títulos na comunicação social. A sucata e os negócios e as faces ocultas são outras. A probidade está prisioneira de uma consciência individual vendida a retalho .
É um fenómeno de corrupção moral que está a minar a sociedade e que está longe de ser menos funesto que o de natureza financeira. E que poucos ousam enfrentar. O que revela a liberdade e independência para abordar certo tipo de poderes que atravessam a sociedade portuguesa.
5 comentários:
100% de acordo com a reflexão e o diagnóstico.
E agora? Como poderemos intervir no sentido de inverter as atitudes e os comportamentos?
Estes problemas, também comuns a muitos países desenvolvidos, são ainda resquícios de uma sociedade pós-moderna e pós-industrial que, na área da filosofia e consequentemente, da moral e da ética, ainda não viu aparecerem novas propostas teóricas ou soluções perfeitamente claras e objectivas para se dar o salto para uma nova era referencial.
Os diagnósticos estão feitos.
Faltam-nos os exemplos que têm que vir de cima.
Se estas elites não prestam, arranjem-se novas elites.
Continuamos à espera...
Obrigado Luís Leite pelo seu comentário.
A suas obserrvações tentam-me a escrever algo sobre as elites e sobre o modo da sua construção e representação social.Vamos ver.
Filosoficamente falando....não haverá também umas "faces ocultas" no desporto nacional....no futebol pos exemplo?
Para quando uma investigação e quem?
Ou será que é um terreno demasiado pantanoso e perigoso para se efectuar algo....?
Por acaso agora....apetecia-me algo do género no futebol....Ambrósio!
Excelente temático e artigo.
Aconselhava relativamente às 'elites' a ler a crónica do sportinguista Eduardo Barroso hoje no jornal 'A Bola'.
Cumprimentos,
A origem da crise de valores éticos e morais tem tudo a ver com o fim da era "moderna", a partir dos anos 70 do séc. XX.
Os primeiros sintomas "pós-modernos", em resultado da industrialização massificada, do crescente acesso à informação, à segurança, ao bem-estar social e às novas tecnologias já indiciavam uma tendência para o recuo nos valores fundamentais da modernidade: o primado das ideologias, do trabalho abnegado, da educação-instrução, do prémio pelo esforço, da formação do carácter, da deontologia profissional, etc.
Com a generalização progressiva do bem-estar e da segurança social, a vida na Europa foi-se tornando progressivamente mais fácil e é esse "facilitismo" que está na origem de todos estes problemas que hoje nos afectam.
Sobretudo com a "terciariarização" da actividade produtiva, com os novos paradigmas da "escola de massas" e a decadência da estrutura familiar tradicional, a "exigência de qualidade" foi-se perdendo no referencial das populações, sedentas de uma virtual "igualitarização democrática".
Conceitos e valores como "o respeito pelos mais velhos, ou mais sabedores", "a justiça" e a "vontade de saber", entre outros, foram-se dissipando e a tendência dos novos regimes partidocráticos para o nivelamento por baixo, promovendo " consumo" como única meta interessante, tem vindo a minar toda a estrutura social, com as consequências que conhecemos.
A ponto de hoje o mérito em si só "existir" se for devidamente publicitado e se transformar em mito.
Só através de um retorno à "meritocracia", ainda que imposta (como ?), se poderá sair, aos poucos, deste pântano em que vivemos.
Os "media", para o bem e para o mal, passaram a comandar a sociedade, e a TV (não a Escola, desvalorizada em armazém)substituiu a Igreja e a Família enquanto formadora basilar das massas.
Sinceramente, não vejo maneira de estas elites partidocráticas estarem interessadas em regenerar o "modus vivendi" actual. O carreirismo político e a partilha de interesses económicos obscuros prevalecem.
A corrosão/corrupção irá certamente continuar a alastrar. Até quando? Veremos.
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