sábado, 5 de dezembro de 2009

Três leis, três formas de ver o desporto?

No passado dia 2 foi publicado o Decreto Legislativo Regional nº 21/2009/A, que veio definir o regime jurídico de apoio ao associativismo desportivo na Região Autónoma dos Açores.
Sendo este o título do diploma, a verdade é que, substancialmente, ele vai muito mais além.
Por exemplo, dedica espaço aos recursos humanos no desporto, ao alto rendimento, à promoção de actividades física e desportivas, à actividade física e desportiva adaptada, à protecção dos desportistas e às infra-estruturas e apetrechamento.
Significa este estado de coisas legislativo que Portugal passa a contar com três diplomas legais que, independentemente da sua designação formal, recolhem as soluções primárias para o desporto da República, da Região Autónoma dos Açores e da Região Autónoma da Madeira.
Com efeito, já vigoravam o Decreto Legislativo Regional nº 4/2007/M, de 11 de Janeiro, que estabeleceu as bases do sistema desportivo da Região Autónoma da Madeira, e a Lei nº 5/2007, de 16 de Janeiro, a Lei de Bases da Actividade Física e do Desporto.

Este tríptico legislativo vive num ambiente constitucional em que assumem especial relevância as normas constantes do artigo 228º da nossa lei fundamental.
Adianta esse preceito constitucional, sob a epígrafe “Autonomia legislativa”:

“1. A autonomia legislativa das regiões autónomas incide sobre as matérias enunciadas no respectivo estatuto político-administrativo que não estejam reservadas aos órgãos de soberania.
2. Na falta de legislação regional própria sobre matéria não reservada à competência dos órgãos de soberania, aplicam-se nas regiões autónomas as normas legais em vigor”.

Algumas das respostas que se alcançam nos diplomas regionais não se compaginam com as inscritas na Lei de Bases da Actividade Física e do Desporto. A temática do financiamento do desporto profissional é só um exemplo.
Está aberta, pois, uma nova “competição” em que o próprio Tribunal Constitucional pode, eventualmente, apresentar-se como árbitro.
Por outro lado, bem para além da questão jurídica, os três actos oferecerão, uma mesma visão do desporto?

2 comentários:

fernando tenreiro disse...

Paraísos do desporto
Pergunta de José Manuel Meirim: “bem para além da questão jurídica, os três actos oferecerão, uma mesma visão do desporto”?
O desporto português é pródigo em paradoxos por via da negação de si próprio.
O paraíso jurídico é um deles. Fazem-se três leis fundamentais, a nacional e as duas regionais, ‘a gota não bate com a perdigota’ e deve o Tribunal Constitucional decidir sobre o princípio supremo. O Direito pelo Direito apela à Constituição para os fundamentos do que fracassou e prejudica a população e a criação de riqueza.
O erro está no processo que gerou as três leis. Alterando o processo, os conteúdos convergirão. Sem isso, o Tribunal Constitucional decidirá sem equacionar o desporto. O Tribunal Constitucional falhará, não por falta de saber-fazer constitucional, mas porque lhe faltam os saberes que suportam o óptimo desportivo e o social.
A ‘torre de marfim’ do direito do desporto português criou o seu Minotauro que se alimenta de todos os que entram no labirinto, incluindo o desporto.
Há um outro paraíso perverso que se equipara a este: o do Lóbi da Lisboa Olímpica. Veja-se o artigo de Alexandre Mestre, jurista, Expresso, 09Out09. Segundo o artigo, este paraíso recebe durante décadas 40 a 50 milhões de euros, de quatro em quatro anos, para distribuir pela presidência do COP, pelas empresas de engenharia e arquitectura que repensariam a ditosa Lisboa, e de mais milhões pelas empresas de obras públicas, turismo e de advogados para projectarem o nome de Portugal nos areópagos mundiais em mega obras desportivas. Este delírio não tem a ver com o espírito olímpico e os atletas os quais já verificaram em Pequim que a liderança do desporto português é incapaz de lhes dar condições de trabalho olímpico e conquistar as 5 medalhas que actualmente a tecnologia e as dimensões de Portugal permitem aspirar e garantem a média dos outros países europeus. Pequim demonstrou-o e a liderança do COP e do associativismo desportivo e das federações desportivas portuguesas compreenderam que não tendo que se preocupar com os resultados desportivos de excelência mais valem as obras públicas e as leis ineficazes dos lóbis pagos pelo Estado. O Instituto Nacional de Administração, o Tribunal de Contas e o Ministério das Finanças não sabem, tal como o Tribunal Constitucional o que o desporto moderno é, e ensinam o deve e o haver dentro da lei para qualquer que seja o ‘desporto’ nacional.
São paraísos irmanados na impossibilidade do desporto nacional assumir cânones europeus.
Ou o direito se faz para o desporto português dialogar com todo o conhecimento desportivo ou há identidade de objectivos e resultados entre quem gizou o sucesso jurídico vigente e os oficiais do direito que em jornais e blogues o criticam. A crítica falhada é agente do sucesso da reforma que critica. A crítica ou apresenta opções visando o bem-estar para a população portuguesa ou o seu labor de Sísifo é enganador.
Os erros surgiram com a negação das ciências sociais e o desporto é eliminado das políticas.
Os gestores, professores de educação física e treinadores que trabalham nas organizações desportivas pensam que ao aplicarem a lei, como lhes ensinam, estão a criar bom desporto. Estão a criar outro desporto porque lhes falha o saber desportivo e social. O desporto que os profissionais de desporto criam com o direito em vigor é o da cauda da Europa. Instrumentalizados, sofrem o desemprego, a precariedade laboral e o desconhecimento do seu futuro e do sector que prefere olvidar os fundamentos maiores do desporto da civilização ocidental.
Pelo contrário, os formados nas escolas de direito gozam de emprego e remuneração face ao desconcerto legal que José Manuel Meirim mostra no desporto nacional. Actuam para o mercado do direito, prosperar e enriquecer, e pensam melhor o desporto na perspectiva do direito, do que quem formado em desporto, perdeu o sentido e a entrega, porque disso foi desprovido.

fernando tenreiro disse...

A criação do paraíso desportivo europeu em Portugal
O que ganha o desporto português se a pedra de Sísifo, da crítica ao modelo do direito desportivo português, for eficaz rolando até ao sopé da montanha?
Ganha um Estado capaz de aliviar o esforço da produtividade e da competitividade nacional e promovendo o bem-estar da população.
É diferente que Jorge Sampaio receba os atletas de alta competição para, e dos, Jogos Olímpicos com uma política desportiva com fundamentos sociais, como é diferente o telefonema pessoal de Cavaco Silva para a jovem atleta Joana Vasconcelos, pela sua medalha mundial na canoagem, se houver políticas que promovam a defesa do bem-estar dos nossos atletas de alto rendimento. Nem os fundamentos sociais, nem o bem-estar dos nossos melhores atletas estão defendidos e no limite a lei e a jurisdicionalização vigente é negligente e praticada hipocritamente.
As afirmações de Jorge Olímpio Bento possuirão fundamentos verosímeis que vão do plano dos princípios, ao dos actos e dos resultados que são constituídos por paraísos impunes, e viáveis juridicamente, prejudiciais ao bem-estar da população portuguesa.
O paradoxo da situação é que existe outro paraíso que é superior à soma dos micro paraísos clientelares sejam o do direito do desporto e da Lisboa Olímpica. É o modelo europeu do desporto como concebido e criado pelos países do centro e norte da Europa, o qual provém da civilização ocidental e que no desporto domina a globalização. Estarmos na África do Sul é uma parte, a excepção, do que o sub-modelo europeu é capaz em Portugal. Temos um sub-modelo que é mais ineficiente e destruidor de valor humano e social.
O direito do desporto português actua ‘orgulhosamente só’ num jogo perigoso entre os seus criadores e críticos internos e que a opinião pública reconhece a inutilidade.
A opinião pública pensa que com o desenvolvimento económico e social o desporto português crescerá e será mais produtivo. A opinião pública não concebe que ela é o beneficiário útil e último de políticas desportivas explícitas, em alternativa à jurisdicionalização e ao economicismo vigentes. Os agentes desportivos, federações e universidades, não intuem que os seus horizontes actuais são medíocres a que falta a racionalidade que os tornariam agentes económicos e sociais ainda maiores na cultura e da sociedade portuguesa com benefícios económicos que hoje apenas concebem através de processos ínvios e tantas vezes suscitadores de soluções corruptíveis, aparentadas ou menores.
Portugal ainda não entendeu que desportiva, económica e socialmente os fundamentos éticos e dos princípios remuneram mais do que os paraísos injectados na opinião pública pela força e pelo dinheiro dos orçamentos públicos de que não se prestam contas cabais e oportunamente.