quinta-feira, 15 de julho de 2010

Gerações. Um atraso de 20 anos

No dia nacional de França Sérgio Paulinho confirma-se como o melhor ciclista português da actualidade e vence uma etapa do Tour declarando ter sido mais importante para a sua carreira do que a medalha de prata obtida nos Jogos Olímpicos de Atenas.

Neste dia, há 31 anos, o "Quim de Brejenjas" assinava aquele que, pessoalmente, considero ser o momento mais marcante do desporto português. Em muito devido à carga simbólica que a figura de Joaquim Agostinho ostenta. Como que saído das páginas de um romance de Redol, um homem simples e cândido do mundo rural, profundamente telúrico e obstinado nos seus propósitos, tentava a sorte na década de 70 em França, tal como milhares de seus conterrâneos, que comungavam os seus sucessos numa singular relação de identidade projectada para além das vitórias desportivas. Agostinho encarnou, como nenhum outro atleta, o sonho de uma geração de emigrantes.

Chegou tarde ao ciclismo, não era tecnicamente dotado, pelo contrário, tudo era conquistado a pulso pelo ardor combativo na forja, que tomava a forma de um selim com duas rodas. A sua carreira é marcada por inúmeras lesões e quedas graves, a última das quais, num estúpido acidente, viria a ser-lhe fatal.

Nessa tarde de 1979, sofrendo as mazelas de uma queda brutal na 9.ª etapa no empedrado de Roubaix, atacou a 10 quilómetros do fim, deixou a mais de três minutos Hinault, Zoetemelk e outros nomes lendários numa tremenda demonstração de força, e chegou isolado ao ponto mais alto da prova no final da 17.ª etapa, numa escalada com mais de 13 km e uma inclinação média de 8%. Foi o único português a vencer a mítica etapa dos Alpes e a figurar, por duas vezes, no pódio da maior prova do ciclismo mundial.

É também a 17.ª das 21 curvas da subida para o Alpe d'Huez que ostenta o seu nome. Joaquim Agostinho foi ainda o primeiro desportista nacional a ser imortalizado com um monumento no estrangeiro, com um busto em bronze na 14.ª curva desta subida.

Carlos Miranda que o acompanhou ao longo da sua carreira no estrangeiro, num tempo onde o ciclismo ocupava páginas nos jornais desportivos, não viveu para registar este momento póstumo para a posteridade.

Neste tempo presente não deixa de ser preocupante a ignorância de pessoas da minha geração - aquela que, nascida após a Revolução, um ex cineasta, ex jornalista e ex deputado rotulou de “geração rasca”- sobre a história do desporto português. Pessoas com uma informação milimétrica sobre os mais ínfimos contornos do mercado de transferências e currículos desportivos de atletas e equipas, no âmbito das suas responsabilidades pedagógicas e de formação desportiva, mas para quem Agostinho e outros nomes do passado, supostamente incontornáveis, já nem memórias são…

Mas para o responsável político pelo desporto neste país sem memória, talvez não seja assim tão importante cuidar dela: “Não me preocupa muito. Afinal, depois de todos os anúncios feitos pelas entidades oficiais ao longo do tempo, o museu está com um atraso de 20 anos”.




6 comentários:

Luís Leite disse...

Estamos fartos de promessas, num país pobre, em gravíssima crise económico-financeira, que anda há décadas a viver acima das suas possibilidades.
Não é só o Museu do Desporto que teve apresentação com grande pompa e circunstância quando se sabia que não havia dinheiro para o construir.
Por que razão a Secretaria de Estado mantém a medida 6 - Centros Alto Rendimento, quando é óbvio que não vai haver dinheiro para fazer mais nada e o que se fez foi com grandes atrasos em relação ao prometido?
Para que serve o célebre Velódromo de Sangalhos, o primeiro de todos, que custou, este sim, uma verdadeira fortuna? Um disparate inacreditável, sem qualquer sentido! Com este dinheiro (15 milhões) tinha sido possível fazer um mega-pavilhão a sério em Lisboa só para o Desporto, todos os desportos, com a "tal" pista coberta completa.
Que ideias existem para o Estádio Nacional (Estádio de Honra), completamente desactualizado e inútil? Nenhumas. Vai apodrecendo, mais as incríveis torres de iluminação milionárias.
Seja como for, não há coragem para assumir que agora, sem dinheiro, acabaram-se as apresentações faustosas e as promessas vãs.

F Oliveira disse...

Estamos fartos de mais coisas...
O "FM é um ditador" e serás "presidente para sempre"...
Este "Governo é o que é"...
Tantas questões mas só algumas com soluções 'iluminadas'...

Para que será que há eleições e o eleitorado pode escolher os seus representantes...

Luís Leite disse...

F Oliveira,
Não poderá ser mais explícito?
Frases soltas e sem ligação não ajudam à compreensão das suas ideias.

Luís Leite disse...

No que respeita ao Desporto, sempre tivemos um atraso em relação aos países mais evoluídos de 20/30 anos.
E as coisas pouco melhoraram com o período posterior 25 de Abril, ao contrário do que se possa pensar.
Tanto ao nível da educação para o Desporto (uma quase nulidade) como das instalações desportivas, as políticas governamentais foram sempre um desastre.
A única área em que se avançou alguma coisa foi no apoio aos atletas de alto rendimento (ex-alta competição) e o mérito é do Prof. Moniz Pereira, que em 1975 conseguiu convencer os responsáveis governamentais de que nós podíamos conseguir lutar de igual para igual com os outros se nos dessem condições parecidas. Na altura, tratava-se da dispensa de meio dia de trabalho (!), nada mais. E assim se ganhou a primeira medalha olímpica no atletismo, em Montreal 76. Tudo o resto veio por acréscimo e com muita luta, já que para os Governos só o Futebol foi preocupação permanente.
Quanto às instalações desportivas, só com os financiamentos comunitários, os QCAs e mais recentemente o CREN, se procedeu à construção de muitos equipamentos fundamentais ao desenvolvimento do desporto em todo o país.
Só que infelizmente esses investimentos, liderados por alguém que só percebe de Rugby e nunca quis dialogar com as Federações, foram desastrosos e criaram um parque desportivo nacional caro, desaproveitado, estrategicamente errado e efémero.
A começar pelo arrelvamento artificial do território nacional, grande negócio para algumas empresas. Só que a relva artificial, sem a manutenção adequada, não se regenera, ao contrário da natural.
Assim, assistimos agora ao princípio do fim da vida dos relvados sintéticos, os quais teriam que ser completamente refeitos a curto prazo, com custos incomportáveis. Só que não vai haver dinheiro.
Ou pistas de atletismo sintéticas com relvados sintéticos e sem obrigação de manutenção e apetrechamento adequados, completamente inúteis e degradadas em pouco tempo.
Estes são apenas alguns exemplos de erros sistemáticos que mostram a falta de conhecimento e capacidade de dialogar de quem teve enormes responsabilidades nas suas mãos, falhou em toda a linha e agora, por ser PS, é vice-presidente do IDP.
Isto para não falar de algumas opções completamente disparatadas em grandes equipamentos feitos mais recentemente, por este governo.
Neste quadro de irresponsabilidade e promessas eleitoralistas e vãs, como acreditar na valorização dos grandes nomes do passado e na construção do Museu do Desporto?

Luís Leite disse...

Caro João Almeida,
Dizer que a vitória de Joaquim Agostinho em 1979 na etapa-rainha do Tour de France é "o momento mais marcante do desporto português" é muitíssimo discutível. Ou incompreensível.
Como qualificar então as medalhas de ouro olímpicas de Carlos Lopes, Rosa Mota, Fernanda Ribeiro e Nelson Évora? E o recorde do Mundo dos 10.000m de Fernando Mamede?
Poder-se-á comparar a relativamente reduzida expansão e prática do ciclismo de alto rendimento, reduzido a uma vintena de países, com o desporto olímpico nº1, com campeões provenientes de todas as partes do mundo?
Vivi intensamente a carreira de Joaquim Agostinho, de que fui fã incondicional, mas poder-se-á comparar a sua carreira (e momentos de glória) com a de Carlos Lopes, esse sim o maior desportista português de todos os tempos, ou mesmo com a de Eusébio da Silva Ferreira?

João Almeida disse...

Caro Luis Leite

Claro que é discutivel. Como não podia deixar de ser quando se tem em linha de conta aspectos emocionais. Trata-se de uma opinião meramente pessoal, fundada no carisma de Agostinho e dos circunstancialismos da sua carreira tardia.

Não pretendo, nem ouso, estabelecer qualquer ponto de comparação com outros grandes momentos e nomes do desporto português.