segunda-feira, 26 de julho de 2010

Os escritores fantasmas

É interessante discutir a diferença - jurídica e constitucional- entre despedimento com “justa causa” e despedimento por motivo ou razão “atendível”.Sobretudo quando a justa causa é o motivo atendível. Como é interessante recordar que na história da legislação laboral portuguesa foram Vasco Gonçalves e Álvaro Cunhal os subscritores do decreto-lei, nº372-A/75 onde se previa o despedimento de um trabalhador com base em motivos atendíveis. Subscritores ou autores? Ou ambos? Politicamente é o menos importante. Na vida pública - desportiva ou política - muito do que se assina tem outros autores. E está por avaliar, debater e esclarecer até que ponto muitas das decisões estão escravas e dependentes de quem prepara os diplomas, os textos ou as intervenções.
O Jornal de Letras (nº1038), a propósito do último filme de Roman Polanski O Escritor Fantasma, aborda o tema dos ghost writher. Pessoas que emprestam /vendem o seu talento a outros que publicam em nome próprio o que nunca escreveram ou teriam capacidade de escrever.
Se na literatura os casos abundam - e vão de desportistas a empresários e políticos que assinam o que em circunstância alguma seriam capazes de escrever - na vida pública ocorre um fenómeno similar. É o caso dos assessores e outros serviços do apoio. E é o caso dos jornalistas e agências de comunicação que enxameiam o aparelho de estado.
Se os primeiros são indispensáveis ao desempenho da coisa pública os segundos ganharam uma expressão desmesurada á medida que o exercício político se passou a alimentar do espectáculo mediático. A sua acção já ultrapassa a dimensão de falar em nome de outrem ou escrever o que outros hão-de de ler ou assinar A promiscuidade, tantas invocada no trânsito entre o sector público e o privado, parece deixar de fora estes actores políticos. Saem do jornalismo para ir fazer politica travestida de jornalismo. E vivem do tráfico de influências. O seu portfólio é os conhecimentos que têm do meio. Não informam, deformam. Não comunicam, publicitam. Dispõem de meios de enorme repercussão e condicionamento públicos e actuam na penumbra das áreas de pressão e de influência mediática. O seu trabalho é feito de encomendas. E não são sujeitos a qualquer escrutínio público.
Quem desempenha altas funções públicas está obrigado a tarefas para as quais nem sempre está tecnicamente preparado. Ou, estando, não tem tempo para se preparar. O risco de ficar refém de quem o prepara é um passo muito curto. É certo que o reporte do que se diz e faz é sempre ao responsável político. Mas isso é em teoria. O frenesim e a pressão governativas nem sempre permitem o controlo rigoroso. E o natural grau de autonomia pode ser bem ou mal utilizado.
Em todos os governos há problemas entre quem assessora, quem agencia a comunicação e quem governa. Maus feitios, pessoas que não se entendem, ou que não se suportam, invejas, pequenos e grandes ajustes de contas, incompatibilidades pessoais, disputas de mando ou de visibilidade. Sintoma de que é mais fácil definir procedimentos do que fazê-los cumprir. E isto nada tem a ver com as pessoas, com os partidos- de esquerda ou de direita- com as nomeações ou escolhas. Mas com a lógica do modo como actualmente se faz politica.
Estas fragilidades e insuficiências dos sistemas democráticos são bem mais danosas á saúde do regime que o texto da Constituição. Que é sempre, apesar de tudo, bem mais fácil de alterar que os padrões de comportamento político.

6 comentários:

Anónimo disse...

Já cá falta um "completamente de acordo". O Luís Leite deve estar de férias...

Anónimo disse...

A metafísica é uma consequência de estar mal disposto, Dr Constantino?

Anónimo disse...

Há muita gente com as orelhas a arder…..

Luís Leite disse...

Completamente de acordo.

Anónimo disse...

Ui! Ai! Meus ricos calos!

Anónimo disse...

Parece que és mosca...