“The governments get more addicted to the tax than the players to the games”
Com esta frase lapidar um analista americano procurava caracterizar, num artigo do NY Times, a reforma de regulação do jogo online que a Europa atravessa, num momento em que o Congresso se prepara para alterar uma lei de 2006 que proíbe o jogo pela internet ao ilegalizar as transferências de instituições financeiras para sites de operadores de jogo online. Após quatro anos de experiência vários sites fecharam portas, mas, segundo indicadores disponíveis, os americanos continuam a jogar o mesmo, com a diferença que o fazem em operadores estrangeiros, porventura menos seguros e sem qualquer tributação nos EUA. Desta forma se conclui que “as tentativas de banir o jogo online estão condenadas ao fracasso: Melhor legalizar, taxar e regular o hábito”.
Ora, nos regimes proibicionistas, como o português, onde o jogo e as apostas desportivas são uma reserva estadual, sujeitando à lei penal todas as actividades não autorizadas e vedando a sua publicidade - com a excepção dos jogos sociais cuja exploração é concedida, em regime de exclusividade, a uma entidade sem fins lucrativos -, vigora o primado da protecção do consumidor e da ordem pública face a uma actividade considerada potencialmente perigosa, pelo que as suas receitas revertem para actividades de interesse geral, entre as quais o desporto.
Assim é no âmbito legal, mas em termos concretos a proibição transforma-se numa “permissão passiva” como nos cataloga um estudo encomendado pelo Parlamento Europeu. Desde logo porque os portugueses continuam, e cada vez mais, a jogar online. Todos os sites de jogo são perfeitamente acessíveis no nosso país em qualquer computador ligado à internet. Não existe nenhum mecanismo de controlo sobre os operadores ilegais e o mercado negro de apostas desportivas online, sabendo que a lei penal não se aplica a fornecedores de jogo em Portugal sem estabelecimento no nosso país. Mesmo após o acórdão Santa Casa continua a proliferar nos meios de comunicação, nas camisolas de clubes ou em eventos desportivos e sociais a publicidade a operadores de apostas desportivas online. Tudo isto perante a passividade das autoridades competentes.
Perante este cenário qualquer protecção dos consumidores é uma mera coincidência. Bem pelo contrário, acentua-se o risco de aumentar a ludopatia e a falta de segurança nas apostas desportivas ao misturarem-se operadores responsáveis com falcões estabelecidos maioritariamente no continente asiático num ambiente propício à sua actividade criminosa. Qual é então o motivo de maior relevo para que alguns países mantenham o seu regime proibicionista?
A resposta, muitos o sabem, está no inicio deste post. O jogo “é uma fonte significativa de financiamento do Estado, quer pela forma directa (v.g. impostos e participação nos resultados) quer pela forma indirecta, pela substituição de despesa orçamental em funções que caberia ao Estado desempenhar (v.g. assistência social, fomento do desporto e desenvolvimento do turismo)”, conforme refere o insuspeito «Estudo da situação actual do mercado de jogos em Portugal, para definição da política nacional de jogos e da estratégia para a prossecução desta, identificando as medidas a adoptar na sua concretização». E Portugal é dos países com maior incidência fiscal em matéria de jogo.
Este último aspecto é o principal motivo que concorre, entre outros abordados naquele estudo, para explicar o decréscimo das receitas do jogo, nomeadamente dos jogos sociais, acentuando no nosso país uma tendência que se verifica em alguns pontos da Europa onde aquele tipo de jogos perde capacidade de atracção devido às políticas fiscais associadas, pelo que é compreensível, ainda que estranho num regime proteccionista, que se procure diversificar a oferta de jogos sociais. No entanto, os resultados não são animadores. Basta consultar as estatísticas do Departamento de Jogos da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa ou as declarações do seu provedor.
Não se tratam, pois, das melhores noticias para o desporto português, cujo financiamento tem sido cada vez mais sustentado pelas receitas dos jogos sociais, em contraposição ao esforço financeiro do Estado, em especial após as alterações à distribuição das receitas dos jogos sociais em 2006, conforme Fernando Tenreiro teve ocasião de expor graficamente nesta colectividade.
Acontece que vários países já fizeram as contas e avaliaram o impacto da regulação das apostas desportivas. A começar pelas perdas de receita fiscal se mantiverem o mercado por regular na Internet. Passando pelo potencial de financiamento que os operadores licenciados aportam (patrocínios, publicidade, contratos televisivos, licenças de estabelecimento, etc), pelo reforço no combate à fraude devido aos mecanismos de segurança e auto-regulação que impõem nos seus serviços, ou pelo estudo do efeito substitutivo (residual) entre a oferta de jogos e apostas tradicional e a oferta pela Internet, bem como do eventual aumento da adição ao jogo (0,4%). Qualquer que seja o prisma escolhido - económico, social, fiscal, jurídico, criminal ou político - encontraram uma relação de ganho evidente para todas as partes envolvidas (Estado, operadores, consumidores, media e sector desportivo).
Os estados proibicionistas continuam a ficar fora de um mercado europeu em amplo crescimento (12% de quota correspondendo a 11 biliões de euros de receita prevista para 2012). “Tendo presente esta realidade, o Governo, em articulação com as associações empresariais respectivas e com a Santa Casa de Misericórdia de Lisboa, irá elaborar e aprovar regulamentação sobre o jogo electrónico.” assim ditava em 2003 o Conselho de Ministros. À época foi elaborado pela Inspecção Geral de Jogos - e pouco difundido - um esboço de Decreto-Lei sobre jogo interactivo, o qual se aproximava do modelo belga onde os concessionários de casino teriam uma posição de controlo do mercado. Este projecto - pouco atento à emergência das apostas desportivas pela Internet - viria a ser abandonado sem ecos públicos.
Com excepção das declarações do presidente da Liga Portuguesa de Futebol Profissional - a qual tem competências estatutárias de colaboração na definição do regime de apostas mutuas desportivas - é um pouco neste clima sigiloso que, após o Governo ter aberto portas à regulação do mercado de apostas, vários actores - não só, mas também, políticos - se têm movimentado, reunido e consultado diversas personalidades. Aceitam-se as necessárias cautelas nesta fase, sendo certo, porém, que se adivinham surpresas na próxima sessão legislativa…
Neste espaço, e até se aclarar o clima, manteremos também algumas cautelas, sem deixar, contudo, de perspectivar as estratégias que se alinham fora de portas - nomeadamente junto das organizações representantes de agentes desportivos, de operadores de apostas e autoridades desportivas - sobre a melhor forma de proteger e assegurar o financiamento do desporto através de um quadro regulador do mercado, tal como ocorreu com as posições específicas em torno desta matéria expressas no recente relatório da consulta pública sobre as opções estratégicas da UE para a implementação da nova competência da UE no domínio do desporto, ou nos desafios das apostas desportivas identificados no COI, a abordar no próximo texto.
3 comentários:
João Almeida o seu poste é bom e colocado numa área que o desporto deveria cultivar maior atenção, receba ou não dinheiro dessa fonte.
O regime português é na essência corporativo.
O Turismo e as Misericórdias são os beneficiários que concorrem nas apostas mútuas com o desporto.
A internet é tão proibida como o Totobola, que a Santa Casa tudo fez para destruir, assim como, aniquilou o desporto como destino do financiamento pelo Euromilhões.
Por isso faz sentido o desporto tomar uma de três opções:
1 - Afirmar porque é que o jogo de todo o tipo deve financiar o desporto e maximizar a receita dessa proveniência, de acordo com objectivos de maximização do bem-estar nacional através do desporto.
2 - Cortar com as receitas do Jogo, de todo o tipo, afirmando os objectivos de desenvolvimento desportivo e as fontes de financiamento do Estado, das famílias e das Empresas.
3 - Orientar a receita do Jogo para um dos vectores do desenvolvimento desportivo nacional.
Estas são opções de política pública que deveriam seguir-se à questão central: Qual é o objecto do desporto português?
Alto Rendimento? Recreação?
Há relação entre os dois? Não há relação entre os dois? O informal é importante? O informal são as pessoas que decidem cada uma por si? ...
As questões europeias e mundiais, que o seu poste coloca bem, são para um desporto que sabe o que quer e onde se vai situar no futuro como existe na Europa.
Sem saber o que quer no desporto como é que pretende convencer o Ministro das Finanças e da Segurança Social que o rendimento do Jogo no Desporto é melhor do que no Turismo e nas Misericórdias?
Partidariamente os Ministros das Finanças fazem maravilhas para resolver os problemas dos colegas enrascados.
Interessa ao desporto nacional depender de desenrascansos, ou ter políticas que acompanhem segura e sustentadamente o usufruto do bem-estar físico da população portuguesa através do desporto?
Caro Fernando Tenreiro
Obrigado pelo seu comentário.
No presente momento você vê alguém com capacidade e estímulo político para recolher, analisar e sistematizar um corpo de informação credível que permita sustentar, em bom rigor, qualquer uma das opções de politica pública que questiona e assumi-la claramente?
Acrescentaria mais uma questão ao pertinente leque que aqui trouxe: O financiamento ao desporto através do jogo deve ser encarado como um substituto ou um complemento que acrescente valor às fontes de financiamento do Estado?
Disso abordarei no próximo texto
Caro João Almeida
O capital humano em do desporto português todas as suas variantes nunca foi tão elevado.
Estamos a falhar cultural e politicamente.
A resposta está nas três questões que coloquei. o Desporto tem de definir a política e depois discutir com osoutros parceiros se fica, se sai ou se quer uma parte.
Não há respostas feitas.
Cada legislatura tem feito a sua escolha.
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