quinta-feira, 21 de outubro de 2010

O ADoP 2

Deixámos aqui algumas palavras sobre um segmento bem particular do «Caso Carlos Queiroz». Em breve, este caso colocou em cima da mesa a própria concepção administrativa de uma entidade pública com competências acrescidas no âmbito da luta antidopagem.
Na verdade, a vida – sempre bem agreste à formal realidade plasmada nas normas jurídicas –, veio a determinar uma situação de impedimento legal para o presidente da ADoP.
E, nesse exacto momento, colocou-se a questão da sua substituição.
A final do nosso texto questionávamos se Laurentino Dias iria homologar o parecer urgente que solicitou ao Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, sobre a legalidade da substituição daquele agente público pelo presidente do IDP.
O mesmo é dizer, em rectas contas, se a decisão punitiva da ADoP, da autoria daquele último era legal, por provir de agente público dotado de competência para tal.


No passado sábado o Expresso noticiava (Laurentino Dias esconde parecer da Procuradoria) que “o secretário de Estado do Desporto, Laurentino Dias, tem fechado a sete chaves, desde 30 de Setembro, um parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República (PGR) relevante para saber se a suspensão de seis meses a Carlos Queiroz, dada pela ADoP, foi legal. Em causa está a forma como se procedeu à substituição do presidente da ADoP”.
Por outro lado, “fonte do gabinete de Laurentino Dias disse ontem ao Expresso que “não há nenhum comentário a fazer” e que “o documento não é público”.

Sejamos claros.
Nenhum membro do Governo se encontra juridicamente vinculado a homologar um parecer que tenha solicitado ao Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República. Pode até, inclusive, tal parecer traduzir uma leitura errada das normas legais que suscitaram dúvidas ao governante.

Mas, se dúvidas existiam e por isso se solicitou o parecer, há pelo menos um comando ético-político que impõe a homologação das conclusões de qualquer parecer solicitado àquele que passa por ser o único órgão consultivo público (de vocação geral), restrito à matéria jurídica, do Governo.

Caso contrário, ou não se tem dúvidas – e não se pede o parecer – ou tendo encarrega-se um escriba de serviço para elaborar informação jurídica interna favorável ao que se pretende ou, numa terceira hipótese, «encomenda-se» um parecer externo.

9 comentários:

Luís Leite disse...

Caro JM Meirim:

A grande vocação deste Governo autoritário sem nexo (também) na Adimistração Pública Desportiva, atingiu todo o explendor, procurando traduzir a sua incontestável superioridade ética e moral, nas seguintes áreas temáticas (a ordem não está hierarquizada):

1) Legislativa;

2) Sancionatória;

3) Promoção e financiamento de mega-eventos (muitos) altamente deficitários;

4) Inauguracionista;

5) Inventora de Centros de Alto-Rendimento sem quaisquer critérios técnicos, de prioridade e localização e sem estarem concluídos e pagos;

5) Favorecimento da clubite e dos negócios futebolísticos, traduzida na própria composição do Conselho Nacional do Desporto;

6) Intromissão (permitida pela Lei) nas competências das Federações e dos seus Órgãos;

7) Desvalorização do trabalho das Federações, com excepção das subservientes;

8) Arrelvamento sintético do país para o Futebol e para o Rugby (um grande negócio sem sentido);

9) Utilização dos fundos comunitários sem critério nem clara orientação programática;

10) Favorecimento do desporto informal face ao desporto federado, vertido na Lei de Bases;

11) Desorientação e acção contraditória, conforme os interesses políticos, no Processo de Luta Anti-Doping.

Tudo isto com uma aparência sempre politicamente correcta.
No pior dos sentidos.

Fernando Tenreiro disse...

O que o Prof. José Manuel Meirim descreve é a imagem real do Direito do desporto feito em Portugal para além das suas vestes deslumbrantes.

Porém, acho que isso não é o que tem piores consequências.

O Direito e o seu uso na política desportiva tem consequências no usufruto do desporto para o bem-estar dos portugueses e estão numa rua sem saída, no fim da Europa.

A União Europeia a partir dos anos 70 começou a observar o afluxo inusitado de processos que extravasavam o direito nacional e quarenta anos depois observamos que recorreu às ciências sociais, sociologia e economia, para além do direito, concebeu o Modelo Europeu de Desporto e fez o Livro Branco do Desporto sobre o qual assenta um órgão e um orçamento para o desporto europeu previsto no Tratado de Lisboa.

Em 40 anos, para usar a mesma bitola temporal, Portugal teve uma série de experiências científicas e acaba enclausurado entre o direito e a política no fim da Europa do desporto.

O desafio que continuo a lançar aos professores de Direito no desporto é que cortem este cordão umblical com a política e concebam instrumentos pluridisciplinares para além daquilo que é uso o direito fazer de mau em toda a administração pública portuguesa.

Certamente que estas suas notas, que demonstram o que de mau de faz, são úteis mas tenho dúvidas do seu real impacto positivo e utilidade para saída do 'dead end'.

Vejamos, os líderes desportivos nem pestanejam com estes comportamentos juridico-politicos por vários motivos:
1 - não se sentem afectados.
2 - não sabem ou compreendem as alternativas.
3 - pensam que o seu tempo útil de liderança é inferior à possível transformação e benefício da correcção dos erros.
4 - esperam que uma mão lave a outra e pela compreensão dos problemas que reverencialmente colocam a Sua Excelência, quem quer que ela seja.
5 - não identificam a correcção dos usos e costumes como um direito de cidadania e um benefício com impactos estruturais significativos.

Estou a criticá-lo e isso é injusto para o que tem trazido mas é espantoso como na altura é que o país está numa crise histórica, ninguém no desporto levanta a voz a nível nacional para elucidar características e alternativas de futuro.

O seu caso é o de estar à hora errada no sítio errado.

Não se preocupe creio que sou eu que tenho estado nesta posição desde há muitos anos.

José Manuel Meirim disse...

Agradeço os comentários do Luís Leite e do Fernando Tenreiro. Quanto a este último, muito haveria a dizer, mas é uma conversa que temos há anos. De todo o modo o Direito, a Economia e outras matrizes científicas não podem ser culpadas pela utilização que delas se fazem. E, estou certo, o Fernando Tenreiro sempre concordará comigo que teria que haver - como há - um qualquer desenho legal para enquadrar um serviço público como é o caso da ADoP. Por outro lado, nem se quer o que está em causa é algo que diga mais de perto àquilo que poderíamos designar por «legislação desportiva». Trata-se, no fundo, de aplicar normas do procedimento administrativo e da orgânica do IDP e da ADoP.
JMMeirim

Fernando Tenreiro disse...

José Manuel Meirim
Concordo com a sua redefinição da minha questão. Trata-se de um procedimento administrativo que para um leigo como eu passaria pelo mesmo que direito do desporto e não é.

Se tiver uma fórmula mágica para sensibilizar os líderes desportivos a debater a crise do desporto e as outras crises que lhes agravam a primeira, sou todo ouvidos.

Luís Leite disse...

O Congresso do Desporto, do início de 2006, não passou de uma gigantesca manobra política propagandista em que se fingiu (para inglês ver), pensar o Desporto português nas suas diversas dimensões.
Passados 5 anos, o que se sente é que o Governo só deu importância a meia dúzia de ideias que já eram as suas, desprezando todos os contributos mais críticos, que não afinavam pelo seu diapasão.
Foram apresentados muitos contributos especializados mas naturalmente dispersos e no fim saíu uma Lei de Bases que já estava feita.
O Congresso do Desporto foi a fingir porque não passou da fachada, agarrado ao politicamente correcto, sendo refractário a novas ideias reformistas e verdadeiramente estruturantes e transformadoras.
Como já aqui afirmei, os problemas não se resolvem com um qualquer enquadramento jurídico que não tome como ponto de partida uma realidade conhecida no terreno.
O que falta mesmo em Portugal são estudos de Desporto comparado com os vários modelos existentes nos países de referência. E pessoas que se interessem mesmo por Desporto e o acompanhem numa perspectiva internacional, descentrada da Futebolite e Clubite internas e de modelos teóricos universitários importados de outras culturas e níveis de desenvolvimento, sem aplicação directa em Portugal.
Para que depois se possa fazer um diagnóstico correcto da situação.
Tal como noutras áreas políticas, as comparações limitaram-se ao número de praticantes federados e não federados e de equipamentos desportivos, cujos critérios de contagem são muito variados e ilusórios, quando não simplesmente errados (posso demonstrá-lo). Há outros números e estatísticas importantes, em diversas áreas.

Enquanto não houver um diagnóstico honesto e realista, algo que obviamente não interessa conhecer porque "o Rei passará de vestido a nú", o Desporto português não passará daquilo que tenho demonstrado que é: a cauda da Europa, em quase todos os paraâmetros.
E não é, certamente, por falta de produção legislativa.
É mais por falta de diálogo e falta de personalidades globalmente conhecedoras de Desporto, que tenham acesso ao Poder e não sejam partidariamente dependentes.

Anónimo disse...

Então, e as duas decisões dos tribunais administrativos a rejeitar as providências cautelares das associações de futebol de Bragança e do Porto?

O que é que o José Manuel Meirim tem a dizer a isto?!

Como são tribunais diferentes e juízes diferentes, como é que explica que as suas teses (dele, Meirim) não tenham tido acolhimento e tenham sido liminarmente rejeitadas?!

Será que é por serem juízes "controlados" pelo Governo?!

Anónimo disse...

Lá vem este outra vez com o futebol e as associações.Porque não se preocupa com a decisão do tribunal em relação à vela?Ou só as do futebol porque lhe são favoráveis é que interessam?

Anónimo disse...

Escreve Luís Leite

A grande vocação deste Governo autoritário sem nexo (também) na Adimistração Pública Desportiva, atingiu todo o explendor [...]

Esplendor, não "explendor", sff.

Luís Leite disse...

Agradeço ao anónimo a correcção do erro ortográfico e lamento também a gralha na palavra "administração".
Distracções (agora distrações) dificilmente desculpáveis.