Novo texto de Luís Leite
Na sequência de alguns textos disponibilizados nesta “colectividade” que referiam, com alguma frequência, o termo “inclusão”, tanto numa abordagem estratégica sócio-desportiva como sócio-educativa (julgo), não posso fugir a deixar aqui a minha opinião sobre o tema.
Devo antes de mais esclarecer que os contextos vivenciais e experiências em que me baseio, para as minhas conclusões, são ou foram retirados da prática profissional como ex-atleta, arquitecto, professor e dirigente desportivo. Não se trata aqui de transformar preconceitos em convicções. O que escrevo é resultado, insisto, de uma experiência vivida diariamente.
Aquilo que se pretende, numa terminologia esquerdista ultrapassada (mas, pelos vistos com plena actualidade e vigor) com o conceito social de “inclusão”, não é mais do que a assumpção pelo(s) Estado(s) de que os problemas sociais se resolvem com estratégias em que interagem dois tipos de personagens: o “inclusor” e o “inclusível”.
Parte-se assim do pressuposto de que existe uma matriz social teoricamente perfeita e politicamente correcta a que todos os “inclusíveis” ainda não incluídos acabarão necessariamente por aderir, por acção dos agentes “inclusores” (professores, treinadores, psicólogos, etc.), mesmo quando aqueles, teimosamente, não estão, declaradamente e livremente para aí virados.
É aqui que supostamente entram em acção os inclusores “Escola” e “Desporto”, entre outras instituições ou actividades benévola e cientificamente persuasivas, que supostamente arrastarão os inevitavelmente “inclusíveis” para a plena “inclusão”.
O que a minha experiência me diz é que a integração social só é possível quando os “inclusíveis” querem ser incluídos/integrados.
Tanto nas escolas como no desporto, sempre existiram jovens que aceitaram o cumprimento de regras como uma forma natural de se sociabilizarem. Mas também sempre houve e haverão jovens que, por mais que se experimentem estratégias de integração, não aceitam, de forma alguma cumprir regras e praticam crimes de forma continuada e sistemática.
A praxis sociológica socialista/europeísta, dominante e politicamente correcta transformou estes “inclusíveis” em vítimas da sociedade. E esqueceu-se dos primeiros, que são as verdadeiras vítimas da delinquência dos segundos e não têm protecção nem da polícia nem da Justiça.
Na maioria das escolas reina hoje o bullying, com diversos níveis de selvajaria, que vão da intimidação à agressão física permanentes.
Os coitados dos “inclusíveis” (que não querem ser incluídos) fazem o que lhes dá na cabeça com total impunidade e as verdadeiras vítimas têm que aguentar porque aqueles não podem ser “excluídos”.
No desporto, sobretudo no Futebol, é bem visível como esta tolerante sociedade aceita as inacreditáveis claques e a sua violência tribal como sendo apenas grupos de “inclusíveis” que ainda não estão incluídos. Tudo muito natural.
Enquanto o entendimento da natureza dos papéis sociais se mantiver invertido e os conceitos de “bem” e “mal” continuarem relativizados, nunca sairemos deste paradoxal ambiente social inseguro e injusto que, mais cedo ou mais tarde acabará por nos vitimizar a todos, incluindo os teóricos da “inclusão”.
6 comentários:
Uma nota prévia: a entrada na agenda politica do tema da inclusão não é um património da esquerda. Na Europa foram precisamente os partidos do centro direita os primeiros a iniciar esse debate. E hoje é um tema de que só se exclui a extrema direita. O texto anterior do JPAlmeida é um excelente contributo, como normalmente o são os seus escritos,alguns que deveriam ser de leitura obrigatória em qulaquer lugar onde se estude o desporto. A forma como Luís Leite pega no assunto não é contraditória com o texto anterior.Com uma ressalva: o papel da vontade nos processos individuais e comportamentais de inclusão.. Sem ignorar o papel das capacidades volitivas nos processos de inclusão é bom ter presente que essa categoria individual, a vontade, é o resultado de disposições genéticas mas decorre dos contextos ambientais e sociais em que se desenvolve. Para sair da pobreza não basta ter vontade .Para sair de um processo de exclusão não basta querer. Dito isto a contribuição do desporto para a integração e a coesão social é reconhecida como importante numa sociedade multicultural e fragmentada no plano económico, social e étnico. No entanto, esse reconhecimento é muitas vezes obtido através de uma ideia errada: o de que a prática desportiva é acompanhada “ipso fato” pela apropriação unívoca e normativa do seu conteúdo cultural. Ora os comportamentos desportivos não são transferíveis automaticamente para as actividades sociais. É ilusório supôr que, a aprendizagem das regras de uma modalidade desenvolve, por si só,competências cívicas e de cidadania. Continuar a afirmar e a aceitar este absurdo só desvaloriza o desporto porque lhe atribui algo que ele não tem condições de garantir.
O valor social do desporto e o contributo que pode dar à inclusão social, resulta, por um lado, do crescimento da participação activa e passiva das populações em torno do fenómeno desportivo e, por outro, da ligação com outros domínios sociais, como a política e a economia. O desporto não sendo um fim em si mesmo, pode preencher múltiplas funções e assumir diferentes significados sociais. Pode constituir-se nos dias de hoje, como um importante meio de socialização que permite transmitir normas e valores sociais e garantir direitos de cidadania. Mas isso obriga a rejeitar as teses apologéticas que entendem o desporto como uma “escola de vida” e a aceitar que as práticas do desporto, não são integradoras por essência, pelo que, carecem de um forte investimento educativo. Do Estado, é certo, mas também da família, do clube, dos treinadores, dos dirigentes e de todos quantos organizam e enquadram a prática desportiva.
Parabéns a ambos por trazerem o tema a debate
Agradeço o comentário oportuno e complementar de JM Constantino.
Apenas duas ligeiras discordâncias:
1) A "inclusão social" (desculpe, mas detesto o chavão) pode não ter a nada a ver com situações de "disposição genética", "pobreza", "contextos ambientais, sociais e étnicos".
A minha experiência de 30 anos como professor, ex-atleta e até como dirigente desportivo, por exemplo, diz-me que há muitos jovens que, provenientes de situações sociais classificadas como difíceis, se integram perfeitamente, aceitando as regras de convivência social (e desportiva) e são até modelos comportamentais.
Assim como há (sempre houve) jovens provenientes de situações favorecidas que não aceitam essas mesmas regras.
A verdade é que existem sociopatas e psicopatas perigosos que, por via da moda da "inclusão", estão, desde o ano passado, integrados em turmas das escolas públicas, criando os maiores problemas à organização escolar.
2) Julgo que o cumprimento de regras (definidas democraticamente pela comunidade) ou impostas pelas modalidades desportivas é um trajecto fundamental para a plena integração social dos jovens adolescentes.
JM Constantino escreve ainda:
"Para sair da pobreza não basta ter vontade. Para sair de um processo de exclusão não basta querer."
Esta desvalorização da vontade individual é preconceituosa.
A esquerda não acredita em processos individuais de regeneração. Só concebe a existência de grupos sociais classificados e diferenciados.
O indivíduo só existe enquanto parte de um todo (o grupo social).
No entanto, todos conhecemos muitas personalidades notáveis, nas mais diversas áreas de actividade, que subiram na vida a pulso, vindos do nada e, sem quaisquer ajudas, atingiram os mais elevados patamares de sucesso e reconhecimento social.
Também conhecemos inúmeros casos de "excluídos" a quem foram dadas todas as oportunidades e nunca as quiseram agarrar.
Sou a favor da solidariedade activa a favor destes últimos, dentro de certos limites.
Que o Estado Social nestes últimos Governos Socialistas claramente ultrapassou, com interesses eleitoralistas e imorais.
No Desporto, mais em concreto no Atletismo, temos um caso curioso, o dos saltos verticais, em que os atletas, confrontados com uma altura da fasquia que nunca foi ultrapassada, têm de previamente acreditar e QUERER MUITO, para eventualmente conseguirem bater um recorde.
A vontade individual é um factor muito importante para atingir o sucesso. Obviamente não é o único.
Entendamo-nos. Pretendi chamar atenção que a vontade não pode ser um elemento exclusivo ou determinante em processos de inclusão social ou de superação da pobreza. Por isso utilizei a expressão “não basta ter vontade”.É obviamente uma condição necessária ,mas não suficiente Como afirma o Luís Leite” a vontade individual é um factor muito importante para atingir o sucesso. Obviamente não é o único”.
Quanto ao facto de a esquerda não acreditar em processos de regeneração individual não tenho com que suportar a afirmação. A esquerda tem vários pensamentos na construção do individual e do colectivo e não penso que haja sobre a matéria uma doutrina única .O próprio conceito de esquerda não é unívoco. Contudo terá alguma razão se invocar o pensamento que se reivindica do marxismo, que é apenas uma parte do pensamento da esquerda. E aí de facto os processos individuais são o a combinação possível entre as disposições individuais e o contexto social.Sem determinismo, salvo no marxismo mecanicista e nas suas derivações leninistas, mas o resultado de uma dialéctica ,que recorrendo a uma deriva althusserina é determinada em última instância pelo social. Isto em nada obsta a casos que fogem a este entendimento é dai a correcção ao determinismo social e onde ocorrem situações de mobilidade social ascendente a partir de situações de carência e privação sociais. E o oposto com pessoas que nunca aproveitaram as condições que tiveram ao seu alcance.
Um nota final: acusa- me o Luís Leite, de defender um posição que é preconceituosa. Não vou etiquetar quem pensa de modo diferente do meu . Exponho um pensamento e procuro defendê-lo o melhor que sou capaz.Aprendi isto há muitos anos com gente de esquerda.Em anos emque infelizmente poucos eram os que,perante a ditadura, há direita defendiam a liberdade de se poder pensar diferente.E ainda sou do tempo em que toda a direita institucional,em Portugal,conquistada a democracia, defendia nuns casos o socialismo e em outros a sociedade sem classes.Isto para dizer que em cada tempo há uma forma de olhar e de valorizar os conceitos.
Uma vez mais grato.
Retiro, obviamente, o epíteto de "preconceituoso", por excessivo e deselegante.
Peço desculpa.
No fundo, julgo não estarmos demasiado distantes.
Habituei-me a pensar demasiado pela minha cabeça, como um acto solitário, e às vezes o preconceito (ou convicção) acaba por ser meu.
Mas também tenho a sorte de ter, neste espaço, a possibilidade de "esgrimir" (olimpicamente) argumentos interessantes e enriquecedores com algumas pessoas por quem tenho consideração intelectual.
Caro Luís Leite,
sem nenhum problema.E a sua observação, que óbviamente agradeço,permitiu-me reler o texto e detectar um erro.E antes que o nosso anónimo corrector oficial me chame a atenção aqui vai:não é " há direita defendiam a liberdade"mas "à direita defendiam a liberdade".
Grato
Enviar um comentário