segunda-feira, 15 de novembro de 2010

A falta de Economia no Desporto em Portugal

Um texto de José Pinto Correia, que se agradece.
Por aquilo que modestamente desde há vários anos vou acompanhando do desporto e do sistema desportivo em Portugal devo dizer, em primeiro lugar, que nesse mesmo desporto e sistema não existe praticamente economia e economistas, antes pelo contrário. Devo assim dizer que a pobreza portuguesa em matéria de economia do desporto é confrangedora.

Penso mais ainda, que se podem contar por menos do que os dedos de uma mão as pessoas com formação económica que entre nós produzem conhecimento no domínio do desporto. E que por isso mesmo os trabalhos académicos em economia do desporto são com uma ou outra excepção inexistentes, e a investigação no IDP, na Secretaria de Estado, nas Autarquias, ou no próprio Sistema Educativo, em matéria de economia do desporto é desconhecida, impublicada e sem qualquer relevo para influenciar ou racionalizar a governação desportiva portuguesa.

Por outro lado, as disciplinas académicas de economia do desporto são desconhecidas no nosso sistema de ensino superior e universitário. Não é reconhecível qualquer profundidade de estudo e produção científica desta área da economia neste mesmo grau de ensino português.

Claro que pode e deve perguntar-se como foi e é possível “conduzir estrategicamente o desporto” (o denominado “steering” dos anglo-saxónicos) sem que uma das ciências sociais mais relevantes da actualidade de sistematização da racionalidade dos decisores políticos e restantes agentes esteja visivelmente presente nesse desporto. O que faz pensar sobre o modo como tem sido possível à administração pública desportiva, ao Governo, ou aos diferentes componentes dirigentes das estrutura federativas e do Comité Olímpico passarem sem o contributo de tal ciência para a definição das suas opções, estratégia e planos de desenvolvimento do nosso desporto nacional.

Não se estranha, por isso, que mantendo-se essa desvalorização da economia no desporto tenham estado no passado e continuem a estar hoje e futuramente ausentes da “direcção e organização do desporto nacional” as questões relativas a análise de investimentos e do bem estar económico e social, da racionalidade e eficiência da afectação de recursos escassos (escassíssimos segundo sabemos), as dinâmicas de procura versus as da oferta, as análises de desenvolvimento nacional e regional e local do desporto, a eficiência e o valor da utilização dos recursos financeiros, materiais e humanos, bem como a basilar determinação rigorosa e modelar do valor económico do desporto para a sociedade portuguesa.

E não nos escandalizemos, portanto, quando os máximos dirigentes do sistema desportivo, desde o Comité Olímpico ao Presidente da Federação de Futebol, propõem a cada volta realizar eventos de muitos e muitos milhões de euros e contos, sem que para tal promovam previamente os indispensáveis estudos e análises fundamentadas da valia económica, dos custos e dos correspondentes benefícios de tais eventos.

Ninguém entre nós aos mais altos níveis de responsabilidade faz as contas devidas, ninguém exige estudos de viabilidade e análises de custos benefícios, ninguém quer saber da rentabilidade económica e social desses projectos. E mesmo quando por contrafeita obrigação se fazem estudos, como no caso do EURO 2004, as metodologias de análise escolhidas dão a ilusão de que esses projectos têm impactos económicos que as análises de custos benefícios e os factos pós-evento categoricamente desmentem (ainda que tenham tido mão de economistas ocasionais que fizeram uma mãozinha bem paga no desporto para tal “empreitada”). E é o que agora de novo se prepara com a candidatura de realização conjunta do Campeonato do Mundo de Futebol em 2018, com desconhecimento categórico dos custos e benefícios de tal aventura.

Há então uma absoluta necessidade de chamar a economia e os economistas para o desporto. Deixemos vir, por conseguinte, mais economia e mais e novos economistas para o desporto. Desta ciência só pode resultar um óbvio e indispensável benefício para a racionalidade das decisões e para uma melhor afectação de recursos e organização do sistema desportivo – desde a base não competitiva até ao topo competitivo. Exijamos ao IDP e à Secretaria de Estado, e ao Comité Olímpico de Portugal, apoios e patrocínio para que mais economia e economistas surjam no desporto em Portugal.

Veja-se a esse respeito, ou melhor estude-se por análise de políticas desportivas comparadas, o caso exemplar do Reino Unido onde as autoridades públicas que governam o desporto estabelecem parcerias com as Universidades para o estudo efectivo e consequente da economia do e no desporto e chegam mesmo a financiar “Centros de Investigação em Economia do Desporto” que produzem estudos e análises que relevam para a condução desportiva nacional (seria fastidioso enumerar aqui e agora os estudos e benefícios que daí têm provindo para a “coordenação global do desporto” pública e para-pública naquele país).

Faz muita falta em Portugal introduzir modelos de análise e de racionalidade económica no desporto. Desde logo, tais contribuições da ciência económica poderiam facultar os instrumentos e as bases em que se fundamentassem as prioridades e as escolhas de utilização eficaz e eficiente dos poucos recursos financeiros, materiais e humanos disponíveis no e para o desporto. O que aliado a melhores práticas e métodos de gestão das organizações desportivas poderia fazer ultrapassar as limitações de desenvolvimento e afirmação nacional e internacional do nosso desporto.

Como dizia Peter Drucker (o pai da gestão moderna como hoje a conhecemos): “não há países desenvolvidos e subdesenvolvidos, há países administrados e sub-administrados”. E assim sendo, deve afirmar-se que para uma melhor administração do desporto português faz muita falta que a economia do desporto possa ter um impulso grande que lhe permita passar a fazer parte dos modelos de pensamento, organização e governação do desporto de Portugal.

5 comentários:

Luís Leite disse...

Não é só a falta de estudos económicos, que não se fazem porque ao poder político não convém fazê-los.
Também na falta da estatística e comparação de resultados internacionais nas diversas modalidades e na total ausência de critérios no financiamento de instalações desportivas, bem como na completamente errada Carta Desportiva Nacional, não interessa ao Governo/IDP mostrar a nossa pobre realidade e a incompetência de quem pode tomar decisões político-desportivas.
Não se pode permitir que o Rei vá nú...
Viva a candidatura ao Mundial de 2018 ou 2022, grande desígnio nacional, só comparável ao TGV e ao novo aeroporto de Lisboa!!!

Fernando Tenreiro disse...

Lágrimas de Crocodilo

Era bom que o José Pinto Correia estabelecesse o seu interesse nesta matéria: como economista, gestor, catedrático, investigador ou outro.

O texto em que se retrata o deserto e a incapacidade da economia do desporto português é, no mínimo, lateral.

Em substância serve interesses terceiros de quem sempre se opôs à economia do desporto para afirmar certa gestão do desporto, por exemplo.

Para mim a questão interessante é a de saber porque é que certos gestores do desporto descobrem a verdade, que combatem há mais de vinte anos, ainda antes do surgimento do centro inglês de Lougborough que agora se celebra e se propõe para Portugal.

Não nos iludamos o deserto de economia do desporto português, nas grandes palavras do José Pinto Correia, está criado por muitas mãos e activas mentes.

Certas mentes deveriam estar orgulhosas com o resultado produzido pelos seus actos.

Afinal afirmar o deserto absoluto não consubstanciando as lacunas das dimensões actuais do desporto português e soluções concretas é a mesma atitude generalizadora de que a história da economia do desporto sempre se defrontou quando verificava que o tapete lhe era retirado debaixo dos seus pés com aplauso e silêncios coniventes.

Mas o problema do desporto português não é da economia porque antes de ser um desafio económico o desporto tem de saber qual o seu 'core business' o que há décadas não se estabelece.

Há vinte anos no PROIDD tentou-se tratar disso mas foi enterrado porque era muito complicado.

Também não se estabelece quem são e o que são as boas instituições para o desporto português e quais as suas competências e qualidades democráticas.

A economia do desporto tal como está, está mal e não se recomenda, como todo o desporto português.

Sem desporto português não há economia do desporto português.

É este o ponto principal que certos gestores do desporto não compreenderam e que quando liquidaram uma e outra vez a economia estavam a colocar nas mãos do direito o âmago da própria gestão do desporto.

Tenho criticado o direito do desporto vazio em características e produto desportivo. A proeminênciado do direito do desporto português deve-se também aos erros cometidos pela gestão do desporto português.

Porque é que agora certa gestão descobriu o deserto da economia do desporto português?

Brincamos com os factos e a história.

Vamos falar mais a sério, certa gestão do desporto português tem:

- Ou ignorado olimpicamente a situação económica do desporto e gerido os seus nichos, penso que alegremente.

- Ou então certa gestão ignora que a economia do desporto português em vez de produzir 1,5 mil milhões de euros se produzisse o dobro 3 mil milhões de euros geraria mais negócios, emprego, bem-estar, medalhas, etc. E eles prórios iriam beneficiar largamente.

Creio que a resposta é que:

Certa gestão entreteve-se com os seus nichos e pequenos 'hobbies' e ignorou e combateu todos os sinais de que as coisas deviam ser diferentes e que ia perder o pé.

A Gestão e o Direito actuaram em paralelo com medo de perderem os seus nichos.

O que disse para o direito, digo para a gestão:

Os actos de direito e de gestão que actualmente se praticam são inferiores ao potencial do desporto europeu.

Existe um desafio colocado no âmago dos sectores e que atingem o potencial nacional.

Descubram a forma de serem eficientes e eficazes nas Vossas profissões, respeitem as outras profissões e verão que o potencial europeu do desporto português será rapidamente alcançado.

fernando tenreiro disse...

José Pinto Correia

Estive a falar com outra pessoa e ela assegurou-me que a relação que fiz com a gestão era despicienda.

Seja.

Eu perdi a esperança no desporto português a curto prazo porque ao contrário do que você afirma existe uma economia do desporto que é tão próspera como a gestão e o direito do desporto português.

Está tão falida como está a gestão nos clubes e federações e o direito que vive dos processos e tribunais em vez de actuar na regulação da equidade, eficácia eficiência do desporto português em termos europeus.

Se eu lhe disser que existem empresas que recebem projectos de desporto e escolas que fazem investigação você vai negar porque equacionou o deserto.

Como lhe sugeri primeiro o que está mal é a qualidade do produto, das instituições e a qualidade da economia segue-lhes os passos como tinha de ser.

O facto do direito, da gestão, da sociologia, da economia produzirem sem eficácia e abaixo do seu potencial teórico implica que os agentes desportivos produtores de serviços desportivos praticantes, treinadores e dirigentes, clubes e federações, investigadores e políticos tenham uma performance infra-europeia.

Não há salvação com a sua economia.

O modelo de loughborough que você cita nada adiantaria porque quem assinasse os documentos não saberia o que estaria a assinar.

Vá por mim que isto não vai com contratos-programa e nichos garantidos pelo Estado.

Isso já o Estado faz, você sabe esses exemplos, ninguém sabe para o que servem essas coisas.

Não faça da economia um d. sebastião.

José Correia disse...

Economia, não obrigado!

Caro Fernando Tenreiro,

Claro que é muito mais habitual e cómodo que nós nos fechemos entre portas e desconheçamos o que se faz por outras terras deste Mundo. Por isso mesmo, é que vamos tendo esta mediania confrangedora nos mais altos cargos dirigentes do nosso desporto, desde a Secretaria de Estado, ao IDP e ao Comité Olímpico ou à espantosa FPF.

O que a mim mais me espanta é como ainda nenhuma Universidade portuguesa se interessou a sério pela economia do desporto. Quanto à gestão do desporto nem quero aqui de momento falar, já escrevi muito sobre ela.

E é ver cá na terrinha sem economia a fundamentar decisões e quadros de referência do desporto nacional os muitos dirigentes máximos do desporto a entusiasmarem-se com grandes eventos, sem nunca terem avaliado a economia desesses eventos.

Foi assim que se fez o EURO 2004 e agora se quer embarcar no Campeonato do Mundo de 2018 com a grande vizinha Espanha, que se chegou a dizer que não tinha custos para Portugal (Madail dixit).

E o que é ainda mais triste é que provavelmente a esmagadora maioria dos nossos actores desportivos nunca estudaram ou leram uma linha de economia aplicada ao desporto. Quando não existe comunidade de conhecimento relevante sobre uma temática particular o que acontece é que essa temática e no caso esse conhecimento científico não é tido nem achado para a formulação das políticas públicas da respectiva área de trabalho social e cutural. Ora é isto que a mim me parece que acontece com economia no desporto, mas que sei que também se expande à própria gestão do desporto como tive inumeras vezes a oprtunidade de descrever.

De facto eu fui mais um para quedista na gestão do desporto de onde saí universitariamente já em 2007. Agora sou apenas um free-lancer que vai vendo nas horas vagas o que se faz de melhor em outras paragens desta Europa e lendo alguns dos bons livros que sobre gestão e economia do desporto se vão também lá fora publicando.

José Pinto Correia

fernando tenreiro disse...

Tudo bem José Pinto Correia,

Tomemos a União Europeia como exemplo.

O que aconteceu foi o seguinte: em 2000, creio, o ISEG fez uma Conferencia de Economia do Desporto que foi a primeira na europa e juntou economistas da europa e dos estados unidos e canadá e disso há literatura a demonstrá-lo.

Actualmente já houve em 2009 e 2010 duas conferencias europeias de economia do desporto e creio que não teve portugueses, ilustrando o seu deserto.

Entretanto a UE, de 2007 em diante, fez uma análise às barreiras ao financiamento dos clubes de bairro e está a analisar o financiamento ao desporto para além de ter feito a conta satélite.

Eu diria provocadoramente que isto contraria tudo o que em Portugal se faz, de total ostracismo da economia do desporto.

A afirmação do Dr. Madail é divertida para não lhe chamar outro nome porque ele é de economia. O Dr. Madail sabe que não está a falar verdade mas não há quem lhe chame a atenção que ele devia provar o que diz.

A comunicação social não investiga e não tem opinion makers reconhecidos socialmente que imediatamente após este tipo de afirmações as discuta seriamente.

As faculdades de economia se se encostam ao desporto é para sorver meios que são muito significativos, face ao disponível, e que depois o desporto não aproveita para nada o que foi feito. Já aconteceu.

Também já aconteceu haver estudos económicos com cabeça, tronco e membros e que depois apareceu um grande líder que fez como o dignissimo Adelino Ferreira Torres de Marco de Canavezes a tudo o que lhe apareceu pela frente.

Compreendendo o que sugeriu no seu poste sugiro que o core da crise é saber o que fazer de fundamental neste nosso desporto e acreditar e responsabilizar todas as diferenças porque é dessa potencia individual que o comum será europeu em plenitude.