No primeiro dia do ano, vinda de um almoço familiar reconfortante, apenas ouvi a parte final do discurso da tomada de posse da primeira mulher Presidenta do Brasil. Não pude deixar de me emocionar e empolgar com a força das palavras de Dilma Rousseff, como outrora também já me tinha acontecido com os discursos e as intervenções de Marina Silva. Com ajuda amiga, recuperei na íntegra o seu discurso proferido no Congresso, escutei-o, ainda não com a atenção devida, e logo pensei na vida de tantas e tantas raparigas e mulheres do nosso planeta e, naturalmente, do nosso País.
Surgiu-me de imediato a memória da afegã Bibi Aisha, o intolerável arbítrio e as repugnáveis discriminações e violências a que as mulheres estão sujeitas naquele país, mas que, infelizmente, são extensíveis a tantos outros do nosso planeta.
A mobilização das ideias na minha mente provocadas pela intervenção de Dilma foi tal que, de seguida, em vez de continuar no recatado convívio familiar, fui à procura de escritos lidos recentemente relacionados com as relações de género. Teresa Pizarro Beleza, autora que acompanho há muitos anos, expressa com clarividência na sua última obra (Direito das Mulheres e da Igualdade Social. A Construção Jurídica das Relações de Género, 2010) que não podemos observar as relações de género como empreendimento neutro e distanciado, mas de o fazer com a consciência prévia do desfavorecimento de um dos lados, de um dos grupos, por acaso o maioritário em termos populacionais, e com a mesma clareza afirma que “ a distinção entre homens e mulheres (e “brancos” e não “não brancos”, “homossexuais” e “heterossexuais”) que o Direito ora fomenta, ora ignora, ora limita, ora mesmo proíbe, é uma distinção carregada de sentido discriminatório. Implica uma concepção de diferenciação vertical, não uma simetria horizontal. Mais do que desigualdade, estamos perante situações de domínio, de subjugação, de hierarquia” (p.37).
E para que não pensem que estas reflexões e constatações sociais são apenas assuntos de mulheres ou de feministas frustradas, encontramos o mesmo pensamento em homens de diversos quadrantes de estudo e intervenção. O exemplo de Vasco Prazeres (in “O voo desordeiro de Eros. Uma ode à singularidade do amor e do erotismo”, 2008) é apenas um entre milhares. «Em todas as facetas da vida, tendemos a afirmar que os homens “são” assim, e as mulheres “são” assado…é neste maniqueísmo contundente que nos movemos na trama social, não deixando de interiorizar que a diferença não é neutra, que existe uma hierarquia de poderes e que homem e mulher adquirem carga simbólica de valor diferente. Dir-se-á que o novo protagonismo social das mulheres deixou para trás tais dissemelhanças. Nada mais enganador; em primeiro lugar, porque tal conquista não se reflecte de forma equitativa no universo feminino, continuando a verificar-se uma acentuada estratificação no que a ela diz respeito; em segundo lugar, a aparente igualdade estabelecida entre sexos, em determinados contextos, não costuma resistir a uma análise que vá além de reprodução acrítica de novos lugares comuns, mais adaptados aos tempos que correm.» (pp. 41-42).
Por tudo isto e muito mais, ser mulher Presidenta no Brasil vai requerer muita competência, autoridade, honestidade, dureza, vai exigir muita coragem, parafraseando Dilma Rousseff, “É com essa coragem que vou governar o Brasil, mas não só com coragem, com carinho também (…).” E, por isso, Expedito Soares, reconhecedor da sociedade machista brasileira, afirmou com alegria “Dilma sai do Congresso no meio de uma multidão masculina. Muito bom! Esses homens vão ter de engolir uma mulher, de aceitar ela.”
E por isso, porque ser mulher é diferente de ser homem para o bem das mulheres e dos homens e, consequentemente, para o bem da humanidade, Dilma Rousseff, em momento inédito no Brasil fez a revista às tropas de saias e saltos e com firmeza em vez de fazer a continência ou a vénia, beijou a sua bandeira.
Pensarão as leitoras ou os leitores neste momento, mas que tem a ver este texto com o mundo da colectividade desportiva. Porquê estas enfatizações, estas referências e estes problemas a serem chamados ao sector desportivo?
Não precisarei de explicar muito no texto que por estes dias escreverei a este propósito. É por demais evidente o alheamento político, em diversas instâncias, relativo à participação feminina na educação física e na actividade física e desportiva. É um grande desaproveitamento e desperdício de recursos o menosprezo ou a pouco solicitação de muitas mulheres competentes na área desportiva. São enormes e anacrónicos os tratamentos absurdos e discriminatórios que, entre nós, e de forma acentuada, se praticam e que nos fazem, ou deviam fazer, envergonhar, pois nos conduzem para cenários muito desfavoráveis no quadro europeu. Basta termos em consideração os paupérrimos níveis da participação das raparigas e das mulheres ao nível da prática, da decisão, da gestão, do treino ou da arbitragem desportiva, independentemente de possuirmos algumas verdadeiras pérolas e heroínas femininas, sobretudo na prática desportiva federada e de alto rendimento e que nos vão alegrando a alma.
Bom ano de 2011, com apelo à coragem e ao carinho!!
Surgiu-me de imediato a memória da afegã Bibi Aisha, o intolerável arbítrio e as repugnáveis discriminações e violências a que as mulheres estão sujeitas naquele país, mas que, infelizmente, são extensíveis a tantos outros do nosso planeta.
A mobilização das ideias na minha mente provocadas pela intervenção de Dilma foi tal que, de seguida, em vez de continuar no recatado convívio familiar, fui à procura de escritos lidos recentemente relacionados com as relações de género. Teresa Pizarro Beleza, autora que acompanho há muitos anos, expressa com clarividência na sua última obra (Direito das Mulheres e da Igualdade Social. A Construção Jurídica das Relações de Género, 2010) que não podemos observar as relações de género como empreendimento neutro e distanciado, mas de o fazer com a consciência prévia do desfavorecimento de um dos lados, de um dos grupos, por acaso o maioritário em termos populacionais, e com a mesma clareza afirma que “ a distinção entre homens e mulheres (e “brancos” e não “não brancos”, “homossexuais” e “heterossexuais”) que o Direito ora fomenta, ora ignora, ora limita, ora mesmo proíbe, é uma distinção carregada de sentido discriminatório. Implica uma concepção de diferenciação vertical, não uma simetria horizontal. Mais do que desigualdade, estamos perante situações de domínio, de subjugação, de hierarquia” (p.37).
E para que não pensem que estas reflexões e constatações sociais são apenas assuntos de mulheres ou de feministas frustradas, encontramos o mesmo pensamento em homens de diversos quadrantes de estudo e intervenção. O exemplo de Vasco Prazeres (in “O voo desordeiro de Eros. Uma ode à singularidade do amor e do erotismo”, 2008) é apenas um entre milhares. «Em todas as facetas da vida, tendemos a afirmar que os homens “são” assim, e as mulheres “são” assado…é neste maniqueísmo contundente que nos movemos na trama social, não deixando de interiorizar que a diferença não é neutra, que existe uma hierarquia de poderes e que homem e mulher adquirem carga simbólica de valor diferente. Dir-se-á que o novo protagonismo social das mulheres deixou para trás tais dissemelhanças. Nada mais enganador; em primeiro lugar, porque tal conquista não se reflecte de forma equitativa no universo feminino, continuando a verificar-se uma acentuada estratificação no que a ela diz respeito; em segundo lugar, a aparente igualdade estabelecida entre sexos, em determinados contextos, não costuma resistir a uma análise que vá além de reprodução acrítica de novos lugares comuns, mais adaptados aos tempos que correm.» (pp. 41-42).
Por tudo isto e muito mais, ser mulher Presidenta no Brasil vai requerer muita competência, autoridade, honestidade, dureza, vai exigir muita coragem, parafraseando Dilma Rousseff, “É com essa coragem que vou governar o Brasil, mas não só com coragem, com carinho também (…).” E, por isso, Expedito Soares, reconhecedor da sociedade machista brasileira, afirmou com alegria “Dilma sai do Congresso no meio de uma multidão masculina. Muito bom! Esses homens vão ter de engolir uma mulher, de aceitar ela.”
E por isso, porque ser mulher é diferente de ser homem para o bem das mulheres e dos homens e, consequentemente, para o bem da humanidade, Dilma Rousseff, em momento inédito no Brasil fez a revista às tropas de saias e saltos e com firmeza em vez de fazer a continência ou a vénia, beijou a sua bandeira.
Pensarão as leitoras ou os leitores neste momento, mas que tem a ver este texto com o mundo da colectividade desportiva. Porquê estas enfatizações, estas referências e estes problemas a serem chamados ao sector desportivo?
Não precisarei de explicar muito no texto que por estes dias escreverei a este propósito. É por demais evidente o alheamento político, em diversas instâncias, relativo à participação feminina na educação física e na actividade física e desportiva. É um grande desaproveitamento e desperdício de recursos o menosprezo ou a pouco solicitação de muitas mulheres competentes na área desportiva. São enormes e anacrónicos os tratamentos absurdos e discriminatórios que, entre nós, e de forma acentuada, se praticam e que nos fazem, ou deviam fazer, envergonhar, pois nos conduzem para cenários muito desfavoráveis no quadro europeu. Basta termos em consideração os paupérrimos níveis da participação das raparigas e das mulheres ao nível da prática, da decisão, da gestão, do treino ou da arbitragem desportiva, independentemente de possuirmos algumas verdadeiras pérolas e heroínas femininas, sobretudo na prática desportiva federada e de alto rendimento e que nos vão alegrando a alma.
Bom ano de 2011, com apelo à coragem e ao carinho!!
7 comentários:
Receita de Ano Novo
Para você ganhar belíssimo Ano Novo
cor do arco-íris, ou da cor da sua paz,
Ano Novo sem comparação com todo o tempo já vivido
(mal vivido talvez ou sem sentido)
para você ganhar um ano
não apenas pintado de novo, remendado às carreiras,
mas novo nas sementinhas do vir-a-ser;
novo
até no coração das coisas menos percebidas
(a começar pelo seu interior)
novo, espontâneo, que de tão perfeito nem se nota,
mas com ele se come, se passeia,
se ama, se compreende, se trabalha,
você não precisa beber champanha ou qualquer outra birita,
não precisa expedir nem receber mensagens
(planta recebe mensagens?
passa telegramas?)
Não precisa
fazer lista de boas intenções
para arquivá-las na gaveta.
Não precisa chorar arrependido
pelas besteiras consumadas
nem parvamente acreditar
que por decreto de esperança
a partir de janeiro as coisas mudem
e seja tudo claridade, recompensa,
justiça entre os homens e as nações,
liberdade com cheiro e gosto de pão matinal,
direitos respeitados, começando
pelo direito augusto de viver.
Para ganhar um Ano Novo
que mereça este nome,
você, meu caro, tem de merecê-lo,
tem de fazê-lo novo, eu sei que não é fácil,
mas tente, experimente, consciente.
É dentro de você que o Ano Novo
cochila e espera desde sempre.
Carlos Drummond de Andrade
Não é esta a questão de fundo do meu texto, mas agradeço ao Prof. João Boaventura ter convocado o Carlos Drummond de Andrade, e por isso acrecento:
Cortar o tempo
Quem teve a idéia de cortar o tempo em fatias,
a que se deu o nome de ano,
foi um indivíduo genial.
Industrializou a esperança, fazendo-a funcionar no limite da exaustão.
Doze meses dão para qualquer ser humano se cansar e entregar os pontos.
Aí entra o milagre da renovação e tudo começa outra vez, com outro número e outra vontade de acreditar que daqui pra diante vai ser diferente.
Carlos Drummond de Andrade (1902-1987)
Desculpem o erro e digo "acrescento", obviamente.
Belo texto num momento particularmente importante de valorização de uma mulher valente quando teve de lutar contra a ditadura e corajosa quando teve de vencer a doença. Mas vai substituir Lula, porventura o estadista e o político que mais dessacralizou o poder e que mais incarnou o sentido de mandato de um povo. Tarefa difícil e que vai ser permanentemente sujeita a comparação num Brasil de muito desenvolvimento mas ainda de muitos contrastes e conflitos sociais. Oxalá tenha sorte.
P.S.E o aumento da presença das mulheres já se faz sentir.Basta reparar no corpo de segurança que a acompannhou no trajecto da viatura.Aqui já está a ganhar a Lula .Falta o resto!!!
Há uma imensidão de anos que andamos a desejar um bom ano a todos os amigos e àqueles que nos são queridos em cada final de ano… é a nossa sina, o nosso fado, a nossa esperança!
É tradição, é uma questão de mentalidades (as tais que devem ser mudadas em alguns aspectos), é uma questão de cultura (aquela em que nascemos e em que fomos criados e formados)…
Mas a nossa culpa reside na nossa submissão (e talvez daí também a violência de género no desporto) e no alheamento ético com que encaramos a vida desportiva ditada pelo poder e pelos dirigentes subservientes.
Repare-se que na Argentina, o principal canal televisivo que patrocinou a eleição «do desportista do ano» escolheu Luciana Aimar, jogadora de hóquei em campo, apesar de terem o Messi… Na Suiça, apesar de terem o Federer escolheram uma ginasta – Ariella Kaeslin… Nós por cá elegemos em ambos os géneros e só graças a isso aparece Telma Monteiro…
Mas mesmo assim temos senhoras que singram lá fora: pelo menos a treinadora Helena Costa, seleccionadora feminina de futebol no Qatar desde Abril de 2010, assim como a já conhecida Ticha Penicheiro. Mas isto são casos pontuais!
Em 2004 a Associação Portuguesa Mulher e Desporto afirmava que 97% dos dirigentes desportivos nessa altura eram homens. O que mudou até hoje no nosso país em termos de dirigismo feminino?
Se Laurentino Dias afirma em «A Bola» de ontem, página 4, que “o Eurobarómetro diz que em 2004 existiam 34 por cento de portugueses que referiam fazer exercício físico ou praticar deporto e em 2009 esse número aumentou para 45 por cento”, então uma boa política desportiva terá aumentado na mesma proporção as dirigentes desportivas em Portugal! Será?...
Um momento de excelência no universo da sociedade brasileira com as eleições para a PR. e pela primeira vez uma mulher com a facha de Presidenta da Republica. O tema é a "Mulher" na continuada ascensão e defesa dos valores da Família e da Sociedade e numa vertente de conquista do lugar de enorme grandeza sócio politica por confiança do Povo na mesa da votação democrática e obrigatória para que ninguém fique de fora na hora das grandes decisões.
É uma grande lição a todos nós portugueses em que o maior partido é a abstenção e depois os ausentes são os maiores críticos aos resultados conseguidos?
Admiro o Brasil em muitas vertentes e a conquista do espaço de intervenção da mulher na sociedade já vem detrás e com enorme sucesso.
Viva o Brasil
AC
Cara Maria José Carvalho
Depois de lhe ter desejado um Bom Ano Novo, venho agora corroborar no seu apelo com o contributo do discurso histórico de Lula, onde releva a passagem do poder masculino para o poder feminino, o de Dilma Rousseff, depois de muitas comparações sociais minadas pelo preconceito.
Cordialmente
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