sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

A falácia dos números

Um texto de Armando Inocentes que a Colectividade agradece.


Em extensa entrevista ao jornal «A Bola» do passado dia 2, ocupando quatro páginas, o Exm.º Sr. Secretário de Estado, Dr. Laurentino Dias, nas páginas 2 e 3 (pre) ocupa-se com o futebol – pois afirma, recorrendo aos títulos, que “era meia dúzia a mandar no futebol de Portugal” e que houve um “comportamento indevido de Queiroz” (será «indevido» sinónimo de «perturbador»?) – para nas páginas 4 e 5 dissertar, entrevistado por Vítor Serpa e João Esteves, sobre o trabalho desenvolvido e sobre o lançamento das bases para o futuro do Desporto.
Nesta segunda parte afirma que há “a a necessidade de trabalhar para que haja mais pessoas a fazer desporto” sem especificar que tipo de desporto: profissional? amador? escolar? de lazer ou de ocupação de tempos livres?... E trabalhar quem? Como? Com quê (ou com que verbas e com que material humano e recursos/material/espaços físicos)?
E mais adiante informa que “há números que resultam de dois trabalhos comparados e idênticos do Eurobarómetro, um de 2004, antes de tomarmos posse, e outro de Dezembro de 2009, que mostram, por exemplo, que Portugal se aproximou claramente da média da União Europeia. O Eurobarómetro diz que em 2004 existiam 34 por cento de portugueses que referiam fazer exercício físico ou praticar desporto; em 2009, esse número aumentou para 45 por cento. É um enorme salto que nos coloca mais próximos da União Europeia”.
Primeiro constatamos que «referir fazer exercício físico ou desporto» não é o mesmo que «realizar exercício físico ou desporto» na realidade. Enunciar o que se faz não significa de facto que se faça... E em relação ao exercício físico não conhecemos a realidade concreta da amostra (sabemos que foram entrevistados 1.031 indivíduos com idade igual ou superior a 15 anos, num universo de 8.080.915 habitantes – como mero exercício, calcule-se a percentagem!) até porque o agricultor que trabalha de sol a sol com a enxada nas mãos também realiza exercício físico...
Mas o que especifica o Eurobarómetro em relação a Portugal são 9% a praticar exercício físico ou desporto regularmente, com alguma regularidade 24% e raramente 11%. Mas repare-se que estas percentagens se referem aos entrevistados e não do total da população do nosso país.
O curioso é que se adicionarmos estas três percentagens obtemos 44% (e não os tais 45%, embora para esta análise 1% nem sequer seja importante, a não ser que 45% seja o complemento dos 55% que declararam nunca praticar – logo, deverá existir aqui 1% de «não respostas»), mas o mais curioso é adicionarmos os 11% daqueles que dizem raramente praticar... para se mostrar o tal enorme salto... a não ser que «raramente» seja um indicador relevante para mostrar esse salto (por acaso eu pratico desporto e raramente salto!).
Considere-se também que a grande maioria dos jovens com 15, 16 e 17 anos devem provavelmente praticar actividade física ou desporto nas suas escolas, mas não sabemos quantos destes foram inquiridos em Portugal – sabemos que o escalão etário é dividido entre os 15 e os 24 anos e que no total da UE 4% pratica na escola ou na universidade.
Mais afirma o Sr. Secretário de Estado que se fez um “enorme investimento na área da actividade física nas escolas, o que terá reflexos a médio prazo” e que “a introdução do desporto no ensino básico representa um esforço do Governo de muitos milhares de euros para que capacitasse milhares de crianças a um primeiro contacto com a actividade física e o desporto. Estimulámos o trabalho que as federações têm feito com o desporto escolar. Há um reforço muito grande de concertação (o autor medita se não será de consertação?) de algumas modalidades com o desporto escolar”.
Se o enorme investimento que se fez se refere às Actividades Extra Curriculares no 1º Ciclo do Ensino Básico, tem razão o Sr. Secretário de Estado, pois as crianças do 1º CEB (embora ainda não em todas as escolas) realizam duas vezes por semana, em tempos de 45 minutos, actividade física e desportiva – à excepção daquelas cujos pais ou encarregados de educação não aderiram às AEC’s. E se contabilizarmos o tempo de organização no início e no fim de cada actividade teremos o tempo útil de «realização do exercício físico ou de desporto» em concreto... a não ser que se considere este um indicador sem relevância. Resta saber até quando será possível pagar os vencimentos destes professores (reflexos a médio prazo?)... Mas que não se ignore que do 1º ao 4º ano de escolaridade sempre constou no programa a «expressão físico-motora» (seria conveniente também um “Portugalbarómetro” para saber com que regularidade nos últimos seis anos os professores do 1º CEB realizaram com os seus alunos esta actividade curricular e não se preocuparam só com a trilogia do ler-escrever-e-contar – mas depois lá aparecem as provas de aferição de Língua Portuguesa e de Matemática e os relatórios do GAVE!).
Em relação ao trabalho que as federações têm feito com o desporto escolar pena é não sabermos que federações e em que modalidades – pois se esse trabalho passa só pela assinatura de um protocolo entre uma federação e o Gabinete Coordenador do Desporto Escolar sem ser implementado no terreno então...
E se “ao longo de 2010 os eventos e organizações atingiram mais de 20 mil pessoas” por que motivo não se especifica que tipo de eventos foram esses e quantos foram – só para fazermos uma simples conta e ficarmos a saber quantas pessoas em média participaram nos mesmos?
Como parece resultar do exposto, não basta apresentar números, é necessário saber a que se referem concretamente e como os apresentar...

P. S. – Uma proposta para se mostrar quantos indivíduos praticam exercício físico e/ou desporto em Portugal será contabilizarmos também a partir dos 7 anos os alunos que participam nas AEC’s no 1º CEB e os que participam nas aulas de Educação Física nos ciclos seguintes, podendo-se adicionar a estes os que simultaneamente participam no desporto escolar. E, já agora, podemos somar aos primeiros aqueles de cujos professores realizam semanalmente a «expressão físico-motora». Aí é que mostraremos ter dado um grande salto!...

9 comentários:

fernando tenreiro disse...

Armando Inocentes,

O seu poste é interessante e deixo-lhe uma questão sobre a importância das estatísticas do desporto.

É bom o Secretário de Estado do Desporto falar sobre estatísticas do desporto.

Os números, todos os números, podem ser criticados.

O relevante é conseguirmos usar os números para chegar a bases de diálogo e consenso dos programas e das metas.

Os dados do Eurobarómetro são importantes porque Portugal durante as décadas de oitenta e noventa Portugal apenas teve os estudos da Salomé Marivoet que estabeleciam os 27%.

Agora temos 45% que parece um número mais real se se considerar que durante 30 anos a prática da população portuguesa tenha crescido de acordo com o aumento dos rendimentos disponíveis da população.

A partir daqui o importante é estabelecer metas para os próximos anos e esse debate será útil para compreendermos o que as diferentes organizações desportivas devem fazer para melhorar a sua situação.

Atentamente

Leonardo disse...

Ser apanhado a dar o Flanco...

Parece que os nosso governantes cada vez mais são irresponsáveis na hora de fazer afirmações que acabam por não transcrever a realidade.

José Ramalho disse...

Todos nós sabemos que o desporto está entregue a todos menos aos desportistas. Todos nós sabemos que o desporto está entregue a quem vê os benefícios da sua prática pela óptica do lucro e do protagonismo. Os números são interessantes mas não mostram a verdadeira face do "monstro" - continuam a haver favorecimentos e predilecções...e assim não vamos lá.

Luís Sérgio disse...

Caro Armando !

Obrigado pela divulgação de COLECTIVIDADE DESPORTIVA e, sobretudo, pelo post, pois , como já estamos habituados na educação, lá vêm mais uma vez os números, importantes sem dúvida... Mas importantes para quê, para conhecermos a realidade e actuarmos sobre ela, ou mais uma vez para mistificação e dizerem pela enésima vez que são os maiores. Desporto em Portugal é futebol, o resto é paisagem ou para os amigos.Desporto escolar , alguém o viu por aí ? Com que condições, com que apoios?
Já agora para a farsa ficar completa, na próxima estatística podem acrescentar todos os que já fazem desporto antes de nascer, na verdade já se movimentam, e se calhar também dão saltos.
O salto verdadeiro , o grande salto, é o assalto que estes senhores querem fazer às nossas inteligências. Fabricou-se mais um Pisa desportivo, o pior será quando aparecerem os resultados reais e verdadeiros.
Pois consenso, parece.me que até há demais, precisamos é de senso e de uma verdadeira política de apoio ao desporto. Não confundir com apoios ao futebol.

Obrigado , mais uma vez.
Grande abraço,
Luís Sérgio
PS.
E, já agora, os que saltam nas bancadas dos estádios, contaram ou não ?

Anónimo disse...

Caro Fernando Tenreiro:

Claro que as estatísticas sobre o desporto são importantes e claro que é bom que o Sr. Secretário de Estado fale delas. O que não é bom é o modo como elas podem ser obtidas (processo, metodologia) ou como podem ser usadas ou apresentadas quando o jogador não joga com o baralho todo.

Os números, todos os números, podem ser criticados? Permita-me discordar, pois penso que não, o que pode ser criticado é a maneira como são calculados ou o modo como são manipulados...

No estudo de Salomé Marivoet de 1988 a amostra foi representativa da população de Portugal Continental dos 15 aos 60 anos, para um total de 5.494.896 indivíduos (só Portugal Continental), tendo sido aplicados 43.532 inquéritos. Conclusão: 27% exercia uma prática desportiva, embora só 22 destes de forma regular, e entre estes, 16 de forma organizada.

No estudo da mesma autora referente a 1998 a amostra foi representativa da população de Portugal Continental e de ambas as Regiões Autónomas dos 15 aos 74 anos (7.093.575 indivíduos), tendo sido realizados 3.030 inquéritos. Conclusão: foi alargado o universo de análise à população entre os 15 e os 74 anos e ao país inteiro, tendo-se concluído que para este conjunto da população, 23% eram praticantes desportivos.

Ora, no Eurobarómetro foram entrevistados 1.031 indivíduos num universo de 8.080.915 habitantes... ou seja, uma amostra em que aumenta o universo e diminui o número de inquiridos...

Se adicionarmos os que praticam regularmente aos que praticam com alguma regularidade obtemos 33%!

Logo existem aqui duas falácias: a primeira, a da amostra; a segunda, quando se pretender adicionar aos 33% o número dos que raramente praticam (11%)... para se chegar a 44%!

O que é «raramente»? Uma corridinha uma vez por mês? Um joguito de «casados contra solteiros» de ano a ano quando a empresa comemora o aniversário?...

Logo, deixemos de falar em 45%!

Será que no Eurobarómetro de 2004 os 34% de portugueses que referiam fazer exercício físico ou praticar desporto também incluíram os «raramente»? Parece que não, embora "mea culpa" por não ter verificado este resultado e não ter estudado a amostra...

Deixemos pois de comparar o que não pode ser comparado!

Grato pela sua atenção,
Armando Inocentes

Anónimo disse...

I absolutely agree with your perspective about those manipulated numbers, Mr. Innocents.
You are simply right and apparently you are serious regarding this matter.
Unfortunately, there are persons who do not want to see the true, because the true is not pleasant.

Anónimo disse...

Ora, todos nós sabemos que qualquer político é o Ser mais parecido com os papagaios. Também todos sabemos que qualquer "dirigente" sobrevaloriza a importância do cargo que ocupa para demonstrar a sua "importância e necessidadae de continuidade. Por isso, não sei onde está a admiração pelo factp de os nossos políticos concluírem factos que apenas é do conhecimento deles.

Armando Inocentes disse...

Também são do nosso conhecimento se estivermos atentos a eles!

Não devemos é andar de olhos fechados, antes pelo contrário, devemos é denunciá-los (os factos!).

joão boaventura disse...

Conclusão:

Segundo os estatísticos:

A estatística é certa em geral, e errada em particular.

Segundo Aaron Levenstein:

A estatística é como um biquini. O que mostra é sugestivo, mas o que esconde é essencial

Segundo Benjamin Disraeli:

Há três tipos de mentiras: Mentiras, mentiras sujas e estatísticas.