Quando se cria uma norma pública e se determina a sanção pelo seu incumprimento, tem de se avaliar se o efeito decorrente da sanção prevista tem efeitos mais nefastos que o vício que se pretende ver sanado. Não é quando chega o momento da aplicação da sanção, por incumprimento da norma, que se começa a pensar no assunto. E se constata que em vez de um morteiro temos uma bomba atómica. Pior: o que para uns é uma bomba atómica, que se quer evitar utilizar pelos efeitos devastadores que teria, para outros, é uma carga de napalm, cujos efeitos à escala dos atingidos são similares, mas que se não evita aplicar
Quando se altera, baixando, o regime do IVA sobre bens e serviços tem de se admitir que estamos perante um sistema de economia aberta e que a repercussão desse factor na fixação dos preços é livre. Pelo que invocar argumentos de autoridade para impor a respectiva correcção é um absurdo. Pior: retira inclusive valor à bondade e mérito da medida. Porque se faz incidir a atenção pública em que fez ouvidos moucos às alterações ocorridas e se desvaloriza quem levou em consideração essa alteração.
Estes dois factos revelam que o mérito de uma medida não está no seu enunciado, mas nos resultados da sua aplicação. O rendimento mínimo garantido era uma medida que visava reduzir situações de carência social dos desempregados mas a sua aplicação obrigou a sucessivas alterações do regime inicial por desvirtuamento do seu propósito inicial. Quando assim é só há que aprender com a realidade, reconhecer o erro e mudar o que tem de ser mudado.
A afectação de fundos comunitários a infra-estruturas para o alto rendimento foi uma medida positiva. Mas como vão ser mantidas? Estudaram-se os custos? Avaliou-se o impacto nas finanças públicas? Aprendeu-se com erros anteriores de instalações sub-aproveitadas e despesas de manutenção elevadas? Se a resposta for positiva só há que saudar as decisões políticas que estiveram na origem dessas opções. Mas se tudo foi feito sem acautelar o futuro há que reconhecer o erro.
Hoje é fácil criar empresas. Porque se simplificou o modo de o fazer. Mas continua a ser difícil montar negócios. Pela instabilidade legislativa, sobretudo em matéria fiscal, o que impede qualquer previsão de investimento a longo prazo. Pelas mudanças constantes nas taxas de juro. Pela censura ao lucro e ao privado. Coisas quem têm responsabilidades distintas mas que no seu conjunto concorrem para anularem o efeito de uma medida de simplificação legislativa.
Quem governa, quem legisla, quem tem por obrigação fazer cumprir as normas é muitas vezes confrontado com problemas que não imaginou ou que não previu. Ninguém está fora dessa ocorrência. Por vezes por culpa própria. Mas outras porque a própria realidade e os seus actores têm comportamentos imprevisíveis. Quando assim ocorre há que emendar a mão. E reconhecer o engano. Pior é esconder o erro. E colocar o ónus nos outros. Ou imaginar uma pérfida e obscura campanha para desacreditar quem governa.
No desporto e na competição é sempre possível começar a jogar bem e acabar perdendo. Ou a não atingir o resultado que se esperava.Com quem governa passa-se exactamente o mesmo. Muitas vezes, pensa - se muito na governabilidade e pouco na sustentabilidade .E só esta dá estabilidade. Começa-se cheio de gás e acaba-se aos trambolhões e com um indisfarçável nervosismo. Esperando, no íntimo, que o jogo acabe depressa.
5 comentários:
Caro JM Constantino,
Este texto faz-me regressar ao Colectividade.
Este seu post e o anterior, com os quais concordo integralmente, formam um todo.
Claro que é mais fácil pensar e criticar do que executar.
E eu, que tenho lido quase todas as suas publicações, que me habituei a comprar, curiosamente, na Feira do Livro, sempre o considerei sobretudo um pensador do Desporto.
Que tem evoluído muito em pragmatismo.
Confesso que não tinha uma impressão positiva da sua acção quando esteve no IDP.
Mas nessa altura eu ainda estava muito por fora do sistema.
Considero que você é a pessoa mais habilitada para, num futuro próximo, ocupar o "lugar político chave" em que se tomam decisões.
Não considere isto como uma manifestação de seguidismo, porque quando eu não concordar consigo serei o primeiro a contra-argumentar.
Desculpe o atrevimento de vir declarar isto em público.
Bem haja.
Continue.
Ah! Logo vi porque é que o Leite regressou...O respeitinho é muito bonito!
Claro: sem prejuízo da "maior independência"!!!! Então não!!!!!
Concordo plenamente com o texto. Mas parece-me importante a reflexão e discussão do seguinte:
Sabendo que os políticos, independentemente de cor, qualidade e adequação à função, nomeadamente os altos representantes de cargos públicos, não têm tempo para se sentarem a analisar tecnicamente todos os casos, que têm em mãos e sobre os quais lhes cabe decidir o futuro em concreto (politico e não só), será justo imputar-lhes toda a responsabilidade da actuação irreflectida e errática nos comandos dos seus pelouros?
Ou será importante reflectir sobre a constituição das suas equipas de trabalho, que essas sim deveriam ser constituídas por técnicos de qualidade, pro activos, visionários, estudiosos e acima de tudo racionais, capazes de aconselhar, apoiar ou demover o politico das suas intenções de decisão e não serem constituídas por mais políticos e sub políticos e projectos de políticos a colocarem-se em fila de espera para alcançarem um dia um lugar ao sol.
Remetendo o trabalho real, sucessivamente para baixo até chegar ao comum funcionário público que não terá capacidades - e não será culpa sua - para mais do que redigir alguns documentos simples e tentar colocar em prática as decisões superiores, sem que muitas delas as entenda, compreenda, ou consiga explicar.
Possivelmente com equipas de trabalho reais, menos politicas e mais operacionais, evitar-se-iam muitos destes erros e constantes correcções. Equipas de trabalho que permanecessem nas instituições e que pudessem aprender com os erros e que tivessem memória operacional, para que os que forem substituindo os mais antigos possam ter um fio condutor e uma memória colectiva onde se apoiar.
Fica a sugestão.
Caro Gaspar,
Posso garantir-lhe, baseado numa experiência de sete anos a lidar com políticos e com técnicos, tanto da administração central, como local, que a esmagadora maioria dos políticos que ocupam os lugares importantes não só não percebem nada dos assuntos como não querem perceber.
O que interessa é ir atrás do politicamente correcto, que é ter visibilidade e agradar às maiorias que votam, o tão badalado eleitoralismo.
Os políticos com cargos são reféns do partido e das suas clientelas.
São muito raros os que são independentes.
Até porque não gostam de passar por parvos...
Quanto à escolha de assessores e técnicos para os respectivos gabinetes, metade é escolhida pelo partido e a outra metade são favores pessoais.
Claro que há excepções.
Mas no meio disto tudo, não existem.
Et voila; LL no superlativo. Como é que as coisas podem ser diferentes? Não podem! Foge Satanás que te querem mal!
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