quarta-feira, 11 de maio de 2011

Efeito marginal?

O Presidente do Comité Olimpico de Portugal tem a expectativa de que nos Jogos Olímpicos de Londres os resultados dos atletas portugueses superem os de Pequim. E o homem do leme do nosso desporto entende que os anunciados cortes no financiamento às federações desportivas não vão colocar em causa os objectivos desportivos previstos. Oxalá acertem nos prognósticos. Mas se acertarem fica a descoberto um problema. E não é uma desgraça. Mas uma boa notícia: é possível obter melhores resultados com menos meios. E por isso as suas declarações merecem reflexão.
Vejamos a coisa assim: os meios financeiros disponibilizados às federações desportivas servem para a obtenção de objectivos. Que tendo uma expressão prática no grau de competitividade que alcançam nas respectivas modalidades se avaliam também pela consecução dos objectivos gerais de cada uma das federações desportivas. Se com menos meios financeiros disponíveis os objectivos são do mesmo modo alcançados isso significa que é possível, não prejudicando os resultados, reduzir os financiamentos. Parece simples. Continuemos então. Porventura houve situações em que o insucesso não podia ser explicado pela diminuição de meios. Mas foi. Então precisamos de virar o disco. E não tocar o mesmo. Se a redução de financiamento não é crítica para a obtenção de resultados de nível elevado, no caso da participação olímpica a expectativa é até de que sejam ultrapassados, isso é uma boa noticia para o desporto nacional. E para as finanças públicas. E obriga-nos a repensar todo o quadro mental dos factores limitativos de um aumento da capacidade competitiva do desporto nacional, muitas vezes atribuído à insuficiência do financiamento público. Temos, afinal, que nos virar para outros factores que explicarão essa limitação. Mas o mais prudente é aguardar. E fazer como o outro: prognósticos só no fim.
Os estudos de âmbito económico que nos permitam conhecer, com precisão, a relação dos resultados alcançados com os custos da produção desportiva ajudariam à compreensão das declarações inicialmente referidas. E perceber se de facto o nível da redução do financiamento é inócuo. Como dizem os economistas se tem um efeito marginal.
Um optimista escrupuloso pensaria duas vezes antes de afirmar o que, num quadro tão complexo e dependente de tantas variáveis é impossível de garantir: que o desporto não vai sofrer com a situação financeira do país. Algum saber e experiência de tempos passados aconselhariam, porventura, a uma outra prudência. Em condições de incerteza apontar para a melhoria dos resultados é pretender ter sobre o tempo futuro uma soberania que se pode sustentar num falso optimismo. Numa fanfarronice. Ou pior. Dar por adquirido que é possível manter/melhorar resultados desportivos com redução do financiamento às federações desportivas. Mas, em tese, a realidade pode vir a confirmar a prognose das duas destacadas figuras responsáveis pelo desporto nacional. Nada garante que a razão lhes não assista. E mesmo que os resultados sejam inferiores como justificá-los por cortes nos financiamentos? Por que não assacá-los à politicas e aos programas desportivos? E à preparação desportiva? E à qualidade e talento dos atletas? E um pouco a cada uma destas questões?
A qualificação de um sistema desportivo é o resultado de um conjunto de variáveis. O malogro da planificação determinista e da crítica ao financiamento público é, muitas vezes, não perceber o universo dessas variáveis. E o que nelas em cada momento é crítico. Significa isso que uma redução do financiamento não prejudica os resultados finais? Não. Significa apenas que a partir de determinado nível um aumento do financiamento não acrescenta necessariamente novo valor. Pelo que a sua redução também não tem que necessariamente ocasionar uma quebra nos resultados alcançados .Depende do limiar critico. Sei que é uma afirmação pouco simpática e tem baixa cotação no actual mercado das ideias, para quem está rotinado em ver no Estado (e nas politicas públicas) a origem de todos os males. Mas nas situações de elevada complexidade dinâmica, como o são os sistemas desportivas operando em ambiente de elevado grau de competitividade, é uma ilusão supor que tudo está dependente apenas de um dos lados: o do Estado.

6 comentários:

Kaiser Soze disse...

"Significa apenas que a partir de determinado nível um aumento do financiamento não acrescenta necessariamente novo valor."

Completamente de acordo. Uma verdade que pode ser aplicado a um sem número de realidades.

Luís Leite disse...

Quando se fala em medalhas olímpicas em geral e em cenários futuristas, entramos num terreno pantanoso.
Acontece que Jogos Olímpicos só há de 4 em 4 anos e as medalhas só são 3, seja qual for a modalidade olímpica e a disciplina ou escalão em causa.
Como expliquei no seminário de Silves, em Novembro de 2010, Portugal é, de entre todos os países europeus com mais de 5 milhões de habitantes, dentro ou fora da União Europeia, e a grande distância, considerando apenas os Jogos de Verão, país com menor tradição medalhística, com a média de 1 medalha por participação.
Atrás de Portugal, entre os países com mais de 1 milhão de habitantes, apenas a Albânia. Os restantes, têm todos menos de 800 mil habitantes, são micro-estados.
As medalhas conquistadas até hoje por desportistas portugueses pouco se devem ao sistema desportivo em que se inseriam.
Devem-se sobretudo ao talento e esforço abnegado de atletas e treinadores, sendo certo que sempre estivemos atrasadíssimos em relação aos outros países europeus.
Isto é válido tanto para o período do Estado Novo, como para o pós-25 de Abril.
Estivemos sempre atrasadíssimos ao nível das instalações desportivas em geral e do alto rendimento em particular e sobretudo no que respeita ao apoio financeiro, já que a maioria, para não dizer totalidade dos medalhados foram sendo financiados pelos respectivos clubes, pelo mercado competitivo e/ou patrocinadores privados, sendo minoritária e até ridícula, para não dizer desnecessária, a comparticipação do Estado.
Sendo assim, aumentos ou diminuições de financiamento, são pouco relevantes, já que a maioria dos desportistas com ambições a medalhas olímpicas raramente dependeram disso.
Não há, portanto, qualquer relação directa entre o financiamento estatal, via COP, para a obtenção de medalhas olímpicas, embora possa existir no que respeita a outras classificações de finalista ou semi-finalista.
Somos um país ultra-periférico, com uma classe dirigente maioritariamente amadora e desactualizada. Claro que há uma ou outra excepção, que só confirma a regra.
Temos e tivemos alguns excelentes treinadores, que se agarraram a alguns grandes talentos que foram aparecendo.
O resto é aproveitacionismo político.

josé manuel constantino disse...

Kaiser
Duplamente grato:pelo seu comentario e pelo que que me permtiu descobrir sobre os seus belíssimos textos noutros espaços de escrita.

josé manuel constantino disse...

Luis Leite
Deixemos de lado as previsões.Dificilmente o país ,no desporto,pode deixar de refletir aquilo que globalmente é.O que me parece mais insensato é ,face ás dificuldades e constrangimentos que temos,o modo como elencamos as as prioridades desportivas .Se quiser o modo como gastamos o dinheiro no desporto.O Estado mas também as organizações desportivas.O nosso quadro mental e conceptual é, ele mesmo,o principal bloqueio a uma mudança.
Grato

Maria José Carvalho disse...

Caríssimo JMConstantino,

Permita-me parafraseá-lo:

"Então precisamos de virar o disco. E não tocar o mesmo."

De facto a razão assiste-lhe inteiramente!
Daí que "admire a sua pachorra" em discorrer e tornar translúcidas algumas tontarias que muitos tocam (ou plagiam) há muitos e muitos anos....
Confesso-lhe, para estes a minha paciência está a chegar aos limites.

Contudo, será efetivamente desolador virarmos e revirarmos os discos e eles continuarem no mesmo ou em registos muito semelhantes.

Porém, haverá sempre muita gente que neste Portugal conformista e resignado dirá "é o que temos e merecemos, haja saúde..", e a vidinha, com ou sem discos, lá será tocada para diante.

Um bjinho, mjc

Anónimo disse...

Caros Senhores:
O financiamento em Portugal nada acrescenta ao valor.
Há uma razão muito simples, esse financiamento não é realizado de acordo com os resultados mas com uma simples "conta".
Ou seja, as variáveis não são os resultados e objectivos, mas sim o histórico e uma fórmula mágica.
O IDP se tivesse um pingo de vergonha publicava uma listagem do financiamento às Federações desportivas e já agora dos resultados desportivos de cada Federação no Campeonato do Mundo.
Ai todos viam uma evidência o Rei vai Nú.
Com este sistema procurar uma relação entre o financiamento e os resultados não é um exercício matemático.