De Armando Inocentes nova colaboração, que se agradece.
As artes marciais, ao longo dos tempos, não deixaram de ser modificadas. Leis, textos jurídicos, decretos e novas técnicas determinaram de cada vez o aparecimento de novas práticas (Braunstein, 1999). Enquanto no Japão elas evoluiram temporalmente segundo contextos históricos e culturais, ao serem importadas para o ocidente sofreram uma aculturação ao deslocarem-se geograficamente. E esta “ difusão, ou seja, o transporte de realidades culturais de uma para outra cultura, não é um acto, mas sim um processo cujo mecanismo muito se assemelha ao de qualquer processo evolutivo” (Malinowski, 1997). E como tal, há acomodações e assimilações, há interpenetrações e interdependências, há progressos mas também degradações e degenerações, há ganhos mas também perdas.
A transição progressiva de técnicas guerreiras a desporto (jogo) processa-se através de tempos e de lugares, assim como através de um processo histórico influenciado por mudanças e movimentações.A passagem do Karaté de arte marcial a desporto de combate não é uma mutação repentina, mas um processo gradual (com diversas fases em diferentes contextos históricos) inserido em modificações socio-culturais e pela aculturação de uma realidade oriental na cultura ocidental. Todo este processo originou aquisições e reinterpretações mas também degenerações, até porque as condições históricas criaram situações objectivas de desigualdade.
Num avanço temporal e social numa mesma comunidade, assim como numa deslocação geográfica e cultural, há toda a transferência de rituais que perdem os seus significados originais e ganham outros similares ou diferentes.
Johnson (1986) diz que “a atitude ocidental é principalmente orientada para objectivos, pragmática e reducionista, apontando para a consideração do produto mais do que do processo, dos fins mais do que dos meios, e dos objectivos mais do que das experiências pelo seu próprio mérito. Em contraste, os orientais vêem as oposições como relação e fundamentalmente harmoniosas. Eles reconhecem uma não-divisão entre produto e processo, fins e meios, ou objectivos e experiências”.
Exércitos e forças paramilitares podem, actualmente, praticar Karaté como arte marcial. Mas ninguém pratica Karaté, como modalidade desportiva institucionalizada, para «ir à guerra», assim como ninguém pratica Karaté para «combater» (no sentido literal do termo, dado que no combate não há regras, a morte é real) com o adversário, pois este não é o inimigo. Huizinga (2003) toca no assunto ao distinguir «combate» de «luta» e afirma que em todas as lutas em que há regras a respeitar assumem as características formais de um jogo em consequência dessa limitação.
Reportando-nos a Yonnet (2004), verificamos que “não é a natureza material duma actividade que decide o seu carácter extremo, é o uso feito desse material no quadro de uma actividade possível”. E aqui é que parece estar o cerne da questão...
Parece-nos que, de facto, não é aquilo que a modalidade desportiva é em si, ou o que representa e simboliza que importa, mas sim o que fazemos com ela e através dela.
Não podemos pois classificar o Karaté «civil» actual, federativo, como uma «arte marcial» nem como um «desporto de combate», pois “é o uso do utensílio que faz a classificação da actividade, não o utensílio por si próprio” (Yonnet, id.).
Sendo o corpo do outro objecto e objectivo da acção, é atingindo ou manipulando directamente o corpo do outro que se ganham pontos e jogos. A intencionalidade verifica-se através de uma técnica – comportamento observável – que pretende acertar com controle (princípio do sundome) num alvo devendo obedecer a certos critérios. No Karaté o contacto corporal é intencional, directo e um fim em si.
Seria mais correcto falar num e de um «desporto de contacto corporal directo» (intencional e objectivo), à semelhança do Judo, do Taekwon-do, do Kung-Fu e do Boxe, em alternativa à Esgrima, ao Jogo do Pau Portguês ou ao Kendo, desportos de contacto corporal indirecto.
Por que continuam os praticantes de Karaté a insistir em que praticam uma «arte marcial» ou um «desporto de combate»? Baudrillard (1992) dá-nos a resposta: “quando as coisas, os signos, as acções são libertadas de sua ideia, de seu conceito, de sua essência, de seu valor, da sua referência, de sua origem e de sua finalidade, entram então numa auto-reprodução ao infinito. As coisas continuam a funcionar ao passo que a ideia delas já desapareceu há muito. Continuam a funcionar numa indiferença total a seu próprio conteúdo. E o paradoxo é que elas funcionam melhor ainda”. Por que aceitam os praticantes de Karaté praticar «desporto» enquanto fazem competição e após abandonarem esta afirmam praticar uma «arte marcial»? O mesmo Baudrillard (id.) volta a responder-nos: “se o indivíduo já não se confronta com o outro, defronta-se consigo mesmo”. É o desejo da superação de si próprio – pode ser «arte», pode ser transcedência, pode ser rumo ao sublime, mas de «marcial» nada tem...
Assim, o Karaté não deve ser classificado taxonomicamente nem como arte marcial nem como desporto de combate, mas sim como um desporto de contacto corporal directo...
Se o quiserem continuar a denominar «arte marcial», continuem, mas não o é! Se quiserem continuar a clasificá-lo como «desporto de combate» podem fazê-lo, mas não é o mais correcto!...
As artes marciais, ao longo dos tempos, não deixaram de ser modificadas. Leis, textos jurídicos, decretos e novas técnicas determinaram de cada vez o aparecimento de novas práticas (Braunstein, 1999). Enquanto no Japão elas evoluiram temporalmente segundo contextos históricos e culturais, ao serem importadas para o ocidente sofreram uma aculturação ao deslocarem-se geograficamente. E esta “ difusão, ou seja, o transporte de realidades culturais de uma para outra cultura, não é um acto, mas sim um processo cujo mecanismo muito se assemelha ao de qualquer processo evolutivo” (Malinowski, 1997). E como tal, há acomodações e assimilações, há interpenetrações e interdependências, há progressos mas também degradações e degenerações, há ganhos mas também perdas.
A transição progressiva de técnicas guerreiras a desporto (jogo) processa-se através de tempos e de lugares, assim como através de um processo histórico influenciado por mudanças e movimentações.A passagem do Karaté de arte marcial a desporto de combate não é uma mutação repentina, mas um processo gradual (com diversas fases em diferentes contextos históricos) inserido em modificações socio-culturais e pela aculturação de uma realidade oriental na cultura ocidental. Todo este processo originou aquisições e reinterpretações mas também degenerações, até porque as condições históricas criaram situações objectivas de desigualdade.
Num avanço temporal e social numa mesma comunidade, assim como numa deslocação geográfica e cultural, há toda a transferência de rituais que perdem os seus significados originais e ganham outros similares ou diferentes.
Johnson (1986) diz que “a atitude ocidental é principalmente orientada para objectivos, pragmática e reducionista, apontando para a consideração do produto mais do que do processo, dos fins mais do que dos meios, e dos objectivos mais do que das experiências pelo seu próprio mérito. Em contraste, os orientais vêem as oposições como relação e fundamentalmente harmoniosas. Eles reconhecem uma não-divisão entre produto e processo, fins e meios, ou objectivos e experiências”.
Exércitos e forças paramilitares podem, actualmente, praticar Karaté como arte marcial. Mas ninguém pratica Karaté, como modalidade desportiva institucionalizada, para «ir à guerra», assim como ninguém pratica Karaté para «combater» (no sentido literal do termo, dado que no combate não há regras, a morte é real) com o adversário, pois este não é o inimigo. Huizinga (2003) toca no assunto ao distinguir «combate» de «luta» e afirma que em todas as lutas em que há regras a respeitar assumem as características formais de um jogo em consequência dessa limitação.
Reportando-nos a Yonnet (2004), verificamos que “não é a natureza material duma actividade que decide o seu carácter extremo, é o uso feito desse material no quadro de uma actividade possível”. E aqui é que parece estar o cerne da questão...
Parece-nos que, de facto, não é aquilo que a modalidade desportiva é em si, ou o que representa e simboliza que importa, mas sim o que fazemos com ela e através dela.
Não podemos pois classificar o Karaté «civil» actual, federativo, como uma «arte marcial» nem como um «desporto de combate», pois “é o uso do utensílio que faz a classificação da actividade, não o utensílio por si próprio” (Yonnet, id.).
Sendo o corpo do outro objecto e objectivo da acção, é atingindo ou manipulando directamente o corpo do outro que se ganham pontos e jogos. A intencionalidade verifica-se através de uma técnica – comportamento observável – que pretende acertar com controle (princípio do sundome) num alvo devendo obedecer a certos critérios. No Karaté o contacto corporal é intencional, directo e um fim em si.
Seria mais correcto falar num e de um «desporto de contacto corporal directo» (intencional e objectivo), à semelhança do Judo, do Taekwon-do, do Kung-Fu e do Boxe, em alternativa à Esgrima, ao Jogo do Pau Portguês ou ao Kendo, desportos de contacto corporal indirecto.
Por que continuam os praticantes de Karaté a insistir em que praticam uma «arte marcial» ou um «desporto de combate»? Baudrillard (1992) dá-nos a resposta: “quando as coisas, os signos, as acções são libertadas de sua ideia, de seu conceito, de sua essência, de seu valor, da sua referência, de sua origem e de sua finalidade, entram então numa auto-reprodução ao infinito. As coisas continuam a funcionar ao passo que a ideia delas já desapareceu há muito. Continuam a funcionar numa indiferença total a seu próprio conteúdo. E o paradoxo é que elas funcionam melhor ainda”. Por que aceitam os praticantes de Karaté praticar «desporto» enquanto fazem competição e após abandonarem esta afirmam praticar uma «arte marcial»? O mesmo Baudrillard (id.) volta a responder-nos: “se o indivíduo já não se confronta com o outro, defronta-se consigo mesmo”. É o desejo da superação de si próprio – pode ser «arte», pode ser transcedência, pode ser rumo ao sublime, mas de «marcial» nada tem...
Assim, o Karaté não deve ser classificado taxonomicamente nem como arte marcial nem como desporto de combate, mas sim como um desporto de contacto corporal directo...
Se o quiserem continuar a denominar «arte marcial», continuem, mas não o é! Se quiserem continuar a clasificá-lo como «desporto de combate» podem fazê-lo, mas não é o mais correcto!...
20 comentários:
mais uma fonte: budo.pt
Pois é, parece que andamos a chamar nomes errados a certas coisas para parecerem outras...
Havendo no Karate duas vertentes - a tradicional e a desportiva - só esta última serve à federação.
Se na primeira se treina a totalidade das gama técnica, com o poder total, como sentimento de realização pleno e lhe chamam «arte marcial», tudo bem, mas o que dá a estes praticantes a federação? Só o seguro desportivo.
Um input muito interessante sobre a evolução e influência que uma sociedade "competitiva" chega a ter numa arte que conseguia manter-se intacta durante séculos.
São raros os senseis hoje em dia que continuam a ensinar o verdadeiro interesse que passa através do exercício mental, "prever o próximo movimento do atacante" por exemplo. Esta técnica forma jovens e ajuda a fortalecer o espírito... na minha opinião não a ideia de ganhar uma competição para juntar uma taça à colecção e ponto final.
De leitora devidamente identificada, recebido por e-mail:
Um artigo muito interessante! Revela qual o impacto actual vs. anterior.
Lena
Como o comentário ficaria longo, publiquei-o em:
http://karlosdo.wordpress.com/2011/05/02/karate-arte-marcialdesportoautodefesa/
Caro amigo Carlos Rodrigues:
Agradecendo a tua atenção, vou no entanto solicitar ao(s) gestor(es) deste blog que o mesmo seja transcrito para este espaço dado o seu interesse.
«É escrito num dos parágrafos:
“se o indivíduo já não se confronta com o outro, defronta-se consigo mesmo”. É o desejo da superação de si próprio – pode ser «arte», pode ser transcendência, pode ser rumo ao sublime, mas de «marcial» nada tem... "
Se pode ser Arte, então como a devemos chamar, Arte folclórica oriental? julgo que não. Teremos de lhe chamar marcial ou de combate pela sua origem e porque os seus movimentos são efectivamente de combate mesmo que não a utilizemos para o combate (“é o uso do utensílio que faz a classificação da actividade, não o utensílio por si próprio”) por isso esta frase penso que não se aplica ao Karate, até porque tal como é dito, nas forças militares pode ser usado para o combate.
Não percebo qual a necessidade que existe de se deixar de chamar Arte Marcial ou desporto de combate... até parece que há necessidade de a camuflarmos, com outra classificação, a sua essência é marcial e estará sempre presente. Não quero parecer que estou a mistificar o Karate, mas as suas origens são as que são.E mesmo que hoje em dia não se pratique para ir à guerra, não quer dizer que um dia não tenhamos necessidade de usar o aspecto marcial, neste mundo cada vez mais violento e inseguro.
Já agora o Kyusho é o quê ? é só praticado pelas forças militares para irem à guerra? e o KravMaga ? é praticado só por quem combate ou luta nas ruas?
A única diferença para o Karate é que este além do aspecto de Arte Marcial, de Combate, ou de autodefesa pode ser praticado também como um desporto. Mas mesmo quem o pratica só como desporto, pode e se calhar melhor do que os tradicionalistas que não fazem competição defender-se muito bem de alguma situação complicada (já que estão em boa forma física e psicológica e habituados a gerir o stress), e nesse momento estarão a usar o aspecto marcial do Karate mesmo sem o terem planeado.»
Caro Carlos, vou responder-te em dois ou três comentários, MAS NÃO PODES SEPARAR A SEGUNDA PARTE DO MEU POST DA PRIMEIRA.
Neste primeiro quero dizer-te só que temos comprado as coisas ao preço a que elas nos têm sido vendidas.
Uma coisa é aquilo em que acreditamos, outra coisa é aquilo que conseguimos fundamentar e provar. Dar só uma denominação, qualquer um pode dar a que quiser...
Até os cépticos precisam acreditar que em nada acreditam.
O problema não está na "arte".
Arte (do latim "ars", significa técnica e/ou habilidade) e geralmente é entendida como a actividade humana ligada a manifestações de ordem estética. Ora nós estamos no domínio das "artes" corporais - logo, o Ballet é arte, tal como é arte o Hip-Hop!
Mas a técnica sinónimo de arte para os latinos, para os gregos (τέχνη - téchne - "arte, técnica, ofício") confundia-se com a arte, tendo sido separada desta ao longo dos tempos.
Eu coloco o problema no «marcial» das ditas «artes marciais» - sistemas de treino para combate (conflito violento cuja intenção é dominar o inimigo).
Naquilo que debatemos, passou-se de um Bujutsu para um Budo... por quê?
Veremos a seguir.
Um grande abraço
Como prometi, aqui vai mais uma tentativa de explicação.
Na história do Japão, do século XIV ao século XIX foi vigente o paradigma Bujutsu, vigorando o paradigma Budo sensivelmende desde 1868 até 1936, ano em que os japoneses institucionalizaram o termo Karate-Do, 1957, tendo a Japan Karaté Association organizado em 1957 a primeira competição formal.
Verificou-se a partir daqui a célebre passagem de «arte marcial» a «desporto de combate»...
Mas entendo aqui o Karate nem «marcial», porque não vocacionado hoje em dia para a guerra, nem para o «combate», porque o objectivo não é destruir o inimigo...
Quando Yonnet afirma que "é o uso do utensílio que faz a classificação da actividade, não o utensílio por si próprio" refere-se ao «hoje», ao treino civil, e é isso próprio que nos quer transmitir...
Que "uso" fazemos do utensílio "Karaté"?
Pois...isto seria uma discussão sem fim...o uso do "utensílio" é o que lhe quisermos dar também poderá ser Marcial...utensílio geralmente é um objecto que manipulamos, uma espada, o Karate é um saber, por isso o que prevalece é o individuo, a passagem
do bujutsu a budo é a passagem da técnica a via, ou passagem para um plano mais filosófico, tentar evoluir o carácter através da busca da perfeição, em vez da procura apenas da eficácia.
Sensei Funakoshi diz-nos isto em várias das suas frases lemas.
Ballet é arte corporal concordo mas os seus movimentos são abstractos embora contando historias ou demonstrando sentimentos não são específicos, no Karate são e são de combate percebe-se bem isso mesmo o leigo.
E volto a perguntar porque se põe esta questão do marcial só em relação ao Karate, então e o Kyusho e o Krav Maga e todos os outros sistemas de autodefesa, não são marciais?não servem para derrubar um inimigo? que uso fazemos destes "utensílios"?
Já agora neste blog estão dois posts que vêm a propósito.
http://wwwkenshuseikarate.blogspot.com/
Caro Carlos:
Proponho-te que pesquises o significado de «combate» em vários dicionários diferentes... e de «marcial» também...
Depois continuamos o debate.
Quanto ao Kyusho e o Krav Maga tanto quanto sei não possuem Federações, logo não são modalidades desportivas...
A minha questão centra-se na taxonomia do Karaté e não dos "pauliteiros de Mirandela" ou do "jogo do pau".
De qualquer modo tens um complemento ào que exponho no último post do meu blog.
Um abraço para ti e obrigado pela colaboração.
Caro Armando Inocentes
Algumas pistas sobre
1-Federação Internacional de Kyusho
Aqui
Aqui
Aqui
Aqui
2-Federação Internacional de Krav Maga
Aqui
Aqui
Aqui
Aqui
Aqui
Cordialmente
Caro João Boaventura
Obrigado pelo seu contributo e benvindo!
Quando eu refiro que "o Kyusho e o Krav Maga tanto quanto sei não possuem Federações, logo não são modalidades desportivas..." estou-me a referir ao nosso país, logo federações sem EUP.
A situação coloca-se em termos de desporto e de que tipo de desporto.
O Prof. Gustavo Pires (2000) apresenta-nos um modelo pentadimensional do desporto, baseado no movimento, no jogo, na agonística, na institucionalização e no projecto. Estas cinco componentes necessitam estar presentes em qualquer actividade que pretenda ser reconhecida como desporto.
Por seu lado, para Caillat (2005) o desporto comporta uma situação motora competitiva (competições a todos os níveis designando vencedores e vencidos), uma actividade codificada (com regras e regulamentos) e um sistema institucionalizado (organizado em torno de federações, associações, clubes).
Como tem referido o Prof. Meirim, as Federações são pessoas colectivas de direito privado, com csrscterísticas associativas e exercem poderes públicos (por extensão) as que possuem o tal EUP.
Ora, nós podemos formar (estatutos, escritura, órgãos gerentes, tal, tal, tal) uma associação de "qualquer coisa" e denominá-la se o nome ainda não existir de "Federação Portuguesa de Qualquer Coisa"... o que não faz dela uma federação na realidade!
Daí a minha última intervenção...
Obrigado e um abraço
Caro Armando Inocentes
Peço desculpa pelo meu desentendimento relativamente às federações nacionais, que subjuguei internacionais.
Para um melhor (se melhor alguma vez haverá) alcance da classificação ou definição, ou conceito, de cada uma das chamadas artes marciais, no contexto das federações internacionais das modalidades ocidentais, veja como elas começam a emparelhar com as chamadas usuais ou normais, em contraponto com as novas orientais:
De 1881 (Ginástica) até 1913 (Ténis), formaram-se 16 federações internacionais de modalidades desportivas ocidentais.
Depois de terminada a II Guerra Mundial, inicia-se a formação das federações internacionais, e continentais, das modalidades orientais, com indicação das cidades em que foram criadas, e nos dão a indicação da sua universalidade, com excepção de 3:
Union Européenne Judo -Paris-1948
Int. Kajukenbo As. -Oakland-1949
Fed. Int. Judo -Paris-1951
Fed. Int. Jujitsu -Viena-1964
Int. Taekwondo Fede. -Viena-1966
Europ. Jujitsu Union -Londres-1968
Int. Kendo Fed. -Tóquio-1970
World Un.Karatedo Org.-Tóquio-1970
World Taekwondo Fed. -Seul-1973
Fed. Int. Aikido -Mantova- 1975
World As. Kickbox. Org.-Milão-1976
Int. Mart. Arts Fed. -Paris-1979
Int. Kung-do-te Fed. -Lisboa-1983
World Kobudo Fed. -Lpondres-1992
Fed. Int. Nunchaku Bolluiller-1992
Europ. Dragon and Leon Dance Fed. -Liège-1993
Embora os percursos das federações internacionais ocidentais nunca tenham sofrido alterações de monta, quanto a identidade das respectivas modalidades, duas excepções se apontam:
A Fed. Int. de Ginástica (1881) tinha além da ginástica o salto à vara por força do sistema alemão de Friedrich-Ludwig Jahn, que acabou por se transferir para a Fed. Int. de Atletismo, criada em 1912.
A Fed. Int. de Luta (1913), além da luta incluía igualmente halterofilia (cuja fed. já tinha sido criada em 1905), lançamentos (já existente na fed. int. atletismo, 1912), e tracção-à-corda. Esta última tornou-se independente e criou a sua Tug-of-War International Federation, em Londres, 1964.
(continua)
Isto dito, natural será que as modalidades desportivas orientais tenham passado por algumas dificuldades para se afirmarem, considerando as perturbações de crescimento primeiro, e de desenvolvimento depois, conjugadas com a passagem de património oriental para património da humanidade, com as consequentes corruptelas, desvios, variações e alterações, e até invenções com carácter comercial. De resto, exactamente como as modalidades ocidentais, ainda hoje, em mutação, quer nas técnicas quer nas regras.
O Aikido, criado por Morihei Ueshiba, no princípio do séc. XX, constitui uma adaptação de todas as artes marciais japonesas de defesa, mas os seus discípulos criaram variantes ou estilos: o Yoseikan, de Mochizuki Minoru; o Yoseikan-Budo, de Hiroo; e o Yoshin Aikido, de Gozo.
Outro exemplo, é o do Karate que resultou da unificação que Gichin Fukanoshi (considerado o pai do Karate) conseguiu realizar dos vários estilos que tinham o nome do lugar em que era praticado, fundando, em 1948, a primeira Associação Japonesa de Karate.
O Taekwon-Do também não é uma arte marcial pura, visto ter sido criado a partir do antigo sistema de treino, o Tae-kyon, na Coreia, que a invasão japonesa proibiu, substituindo-o pelo Karate e pelo Kempo chinês. Da mistura destas três artes terá nascido, em 1955, o Taekwon-do.
Outra forma curiosa de criar artes marciais, com objectivos comerciais, consiste em juntar a primeira sílaba de algumas artes marciais Ka rate, Ju do, Ken bo, Bo xing, de que resultou no Kajukenbo, invenção do americano Adriano Emperado e da criação das respectiva International Kajukenbo Association, na qual se filou a Federação Portuguesa de Artes Marciais Modernas.
Independentemente destes aspectos, as atribulações resultantes das criações de duas ou mais federações internacionais, e até nacionais, da mesma modalidade, demonstrando uma atracção possessiva e desmedida pelas modalidades desportivas orientais.
Cordialmente
Caro Armando Inocentes
Outros dados que importa aduzir, em resposta ao seu desafio de clarificação, é o do caminho traçado pelo direito desportivo português, no contexto das modalidades desportivas orientais, porque, retratando o seu desconhecimento e a sua novidade, se afigurou como uma arma marcial, capaz de maus usos políticos ou outros, em regime autoritário.
Vejamos os passos percorridos até à sua consagração como desporto, a merecer a sua integração no mundo dos outros desportos.
Despacho Ministerial de 30.07.1948 – Declara que O JUDO NÃO É DESPORTO.
Despacho Ministerial de 04.09.1957 – Declara que O JUDO É DESPORTO.
Despacho Ministerial de 19.01.1959 – O JUDO É CONSIDERADO DE UTILIDADE MILITAR.
Despacho Ministerial de 17.09.1959 – Considera haver O JUDO MARCIAL E O JUDO DESPORTIVO
Chegados aqui, à distinção entre judo marcial e judo desportivo, o designativo de “marcial”, mantém a sua génese oriental, dando-lhe uma ênfase que não encontra justificação, mas a destrinça tem mais interesse político porque se inicia a difusão de outras artes marciais, e, se se concluiu pela não perigosidade do judo, desconhece-se o âmbito das restantes, donde resulta a redacção de outros normativos:
Decreto-Lei n.º 48 462, de 02.07.1968 - Atribui ao DEPARTAMENTO DA DEFESA NACIONAL competência para autorizar e fiscalizar o ensino, aprendizagem ou prática das ARTES MARCIAIS, sob qualquer aspecto em que se apresentem e como tal qualificadas pelo referido Departamento, com exclusão do JUDO DESPORTIVO (DG n.º 155, I Série, 02.07.1968).
Decreto-Lei n.º 105/72, de 30.03 – Regula a prática das Artes Marciais e cria uma Comissão Directiva de Artes Marciais (CDAM), no Departamento da Defesa Nacional para superintender em tais actividades. (DG n.º 76, I Série). [Art.º 1.º, n.º 2 – Para os efeitos deste diploma, consideram-se ARTES MARCIAIS as modalidades designadas por AIKIDO, BUDO-JUDO, KARATE, KENDO, KUMI-TACHI, NAJI-NATA, BOJITSU, e outras que se devem considerar semelhantes, pelos processos nelas utilizados e PELA SUA PERIGOSIDADE].
O 25 de Abril de 1974 manteve, na matéria em apreço, o mesmo comportamento do regime autoritário, revelando os receios da formação de gangs formados em “artes orientais”, o que parece inexplicável, mas a CDAM perdurou até 2 de Setembro de 1984, data da sua extinção, e definitiva filiação das modalidades orientais em modalidades desportivas
Decreto-Lei n.º 400/74, de 22.08 – Determina que a CDAM, que dependia directamente do titular do Departamento da Defesa Nacional, fique na dependência do Chefe do Estado Maior das Forças Armadas (CEMGFA). (DG n.º 201, I Série, 29.08)
(continua)
(Conclusão)
O conhecimento real das novas modalidades permitem ajuizar que não se justifica a alçada das Forcas Armadas, nem o apelativo de “artes marciais”, conforme se deduz de legiferação posterior, indiciando que, à semelhança do judo, também as restantes se enquadram melhor no âmbito desportivo, onde se inscrevem os seus irmãos ocidentais, pese a manutenção de Comissão Directiva de ARTES MARCIAIS, denunciando ainda algum receio.
Decreto-Lei n.º 507/80, de 21.10 – Transfere a CDAM para o Ministério da Educação e Ciência, podendo este Ministério delegar, total ou parcialmente no Secretário de Estado da Juventude e Desportos as consequências que lhe são atribuídas. (DR n.º 244, I Série)
Decreto-Lei n.º 23/82, de 30.01 – Transfere a CDAM para o Ministério da Qualidade de Vida, dada a integração da Secretaria de Estado dos Desportos neste Ministério. . (DR n.º 25, I Série)
Despacho Normativo n.º 31/82, de 17.03 – Trata da delegação do Ministro do Estado e da Qualidade de Vida no Secretário de Estado dos Desportos, Dr. João Carlos Vaz Serra de Moura, a competência relativa à CDAM. (DR n:º 63, I Série).
Se a transferência das “artes marciais” sob a capa das Forças Armadas, para a Secretaria de Estado dos Desportos, denunciava a mudança daquelas para “artes desportivas”, o receio da sua aceitação manifesta-se na indicação de um oficial da Marinha, o que lhe suaviza a transição, como se observa no Despacho seguinte:
Despacho do Ministro de Estado e da Qualidade de Vida, de 13/11/82 – Nomeia para o cargo de Presidente da CDAM o capitão-de-fragata José Manuel Monteiro Fiadeiro. (DR n:º 75, I Série, 31.03.83).
Mas as Forças Armadas não negligenciam nem alijam alguma responsabilidade na matéria, pelo que inserem na CDAM um seu elemento, como se observa no seguinte:
Despacho Conjunto do Ministro de Estado e da Qualidade de Vida e do Chefe do Estado Maior General das Forças Armadas, de 13/12/82 – Nomeia para o cargo de Secretário-geral da CDAM o capitão Vítor Manuel Serrador Fonseca da Mota. (DR n:º 75, I Série, 31.03.83).
Até à consagração total de que afinal as modalidades orientais nada mais eram do que modalidades desportivas.
Despacho Ministerial n.º 116/84, de 27.11.1984 – Delega no secretário de Estado dos Desportos Dr. Júlio Francisco Miranda Calha, o despacho dos assuntos correntes relativos à CDAM. (DR n.º 293, II Série, 20.12.84)
Decreto-Lei n.º 69/87, de 09.02.1987 – Extingue a CDAM. (DR n.º 22, I Série)
Cordialmente
Caro João Boaventura:
Mais uma vez obrigado pelo complemento. Do desentendimento (?) também nasce a luz e não tem nada que me pedir desculpa.
Aliás talvez eu não me tenha expressado claramente, pois até passo a transcrever um e-mail do meu amigo Carlos G. P. Rodrigues, com a devida autorização, que também abrilhantou este debate:
"Caro Sensei Armando,
Sem qualquer problema, nem era preciso pedir-me autorização.
Também já percebi que a nossa discussão não estava no mesmo plano de pensamento, não percebi que se estava a referir ao Karate em relação ao
seu posicionamento na Federação...só quando referiu noutro comentário o EUP é que se fez luz, é o que dá ler os textos à pressa e tirar conclusões superficiais.
Abraço,
CR"
A classificação, definição, ou conceito, só são relevantes porque temos de "partir" os conteúdos para os estudar. Importante é treinar mas saber o que treinamos, por que treinamos e (principalmente, porque pessoas diferentes têm objectivos diferentes) para que treinamos... aí o cerne da Sistemática das Actividades Desportivas comprovado quando afirma que "no contexto das federações internacionais das modalidades ocidentais, elas começam a emparelhar com as chamadas usuais ou normais, em contraponto com as novas orientais".
O Karaté também já teve duas federações nacionais (FPKDA e FPK) e a nível internacional já tivémos a WUKO e a WKTF... em simultâneo umas com as outras.
Portanto, penso que nem desentendimentos houve...
Agradecido, um abraço para si... e outro para o Carlos...
Caro Armando Inocentes
Só para a história houve 4 federações nacionais de Karate:
1 - Federação Portuguesa de Karate, fundada em 08.05.1985, de que apenas se conhecia a morada, e nunca teve continuidade
2 - Federação Portuguesa de Karate e Disciplinas Associadas, criada em 06.02.1986
3 - Federação Portuguesa de Karate Contact (FPKC), fundada em 07.10.1988, com filiação nas:
a - IAKSA (International Amateur Kickboxing Sport Association)
b - WKA (World Karate/Kickboxing Association)
c- WAKO (World Association of Kickboxing Organisations)
d - (UMT-J)Union Mondiale du Tai-Jitsu
e - WKF (World Kobudo Federation)
Nota: a WAKO declarou que desconhecia a FPKC e que a única nela filiada era a Fed. Port. de Kickboxing-Full-Contact, mas a FPKC posteriormente desfiliou-se pela dificuldade em pagar as quotas.
4 - Federação Nacional de Karate-Portugal, fundada em 15.01.1992. Resultou da fusão da
2 - Federação Portuguesa de Karate com a
3 - Federação Portuguesa de Karate e Disciplinas Associadas.
Filiação:
a - FMK (Fédération Internationale de Karate)
b - EKU (European Karate Union)
Cordialmente
Caro João Boaventura:
O meu comentário das 18.04 foi elaborado quando ainda só estava publicado o primeiro (6 de Maio 23:43) dos seus três últimos, de modo que está um pouco desfasado na ordem.
Mas é deveras importante e relevante o enfoque do caminho traçado pelo direito desportivo português que apresenta. E ainda bem que aqui o deixa.
Existindo o desconhecimento da perigosidade destas actividades (ou do uso do “utensílio” de modo danoso) dada a sua novidade, e por se afigurarem como passíveis de serem utilizadas em confrontos contra um regime autoritário, a actividade denominava-se «arte marcial». Daí a necessidade de uma organização governamental controlar as mesmas conforme refere.
Após o 25 de Abril é a própria CDAM (com o apoio do IND) que começa a organizar os Cursos de Formação de Treinadores (3º, 2º e 1º Grau) – de 3º Grau fizeram-se imensos, eu frequentei salvo erro o 9º em 1984 – e publica em DR os nomes dos detentores dos títulos de Instrutor, Professor e Mestre (cito de memória) atribuídos aos mestres que na altura possuíam os mais altos Dans.
Consoante estas actividades melhor se iam conhecendo e dando a conhecer, passa-se a falar em «modalidades desportivas orientais» - mas do rótulo «artes marciais» já não se livrariam.
É ainda o Cdte. Fiadeiro e o Cap. Mota que começam a promover as primeiras reuniões entre associações de Karaté com vista à formação de uma federação. Em Março de 1985 surge a Federação Portuguesa de Karate, com maior apoio da então DGD, e a Federação Portuguesa de Karate-Do e Disciplinas Associadas (onde estava o Kung-Fu, o Viet-Vo-Dao, o Shorinji-Kempo, etc.) aparece um ano mais tarde. Caricato da história: num campeonato mundial de Karaté no Egipto, o portuguesinho faz-se representar por duas selecções nacionais...
As duas federações acabam por se unir em 1992, formando-se a Federação Nacional de Karate – Portugal.
Curioso é que João Boaventura consegue traçar este percurso “até à consagração total de que afinal as modalidades orientais nada mais eram do que modalidades desportivas”.
Chegamos ambos à mesma conclusão!
Mas actualmente, num contexto federativo, para uma Sistemática das Actividades Desportivas, o cerne da questão está naquilo que praticamos (conteúdo), para que o praticamos (indivíduos diferentes possuem objectivos diferentes!) e o que fazemos dele! O Karaté civil e federado actualmente pode ser (é!) «arte», mas não «marcial»! Não se treina com os mesmos objectivos da época feudal do Japão... O Karaté actual é «desporto», mas não «de combate»! Não se treina para aniquilar o inimigo...
Sendo o objecto “manuseado” ou “a manusear” um outro ser humano, sendo a técnica um movimento intencional que pretende tocar no adversário, fará mais sentido a taxonomia do Karaté apontar para um «desporto de contacto corporal directo».
Esta é a posição que tenho defendido. Se quiser perder um pouco de tempo, por favor leia “Arte sim, mas «marcial» não! Desporto sim, mas «de combate» não!” em http://karatedopt.blogspot.com/ e deixe um comentário que de certeza será válido e enriquecedor do debate.
Com os meus agradecimentos, um grande abraço
No meu comentário de 6 do corrente, das 23:43, neste parágrafo:
"A Fed. Int. de Luta (1913), além da luta incluía igualmente halterofilia (cuja fed. já tinha sido criada em 1905), lançamentos (já existente na fed. int. atletismo, 1912), e tracção-à-corda. Esta última tornou-se independente e criou a sua Tug-of-War International Federation, em Londres, 1964."
Favor corrigir a data da fundação da luta de tracção-à-corda,
Tug-of-War International Federation
Em 1960, num edifício perto da Victoria Station, em Londres, e não em 1964.
As minhas desculpas pelo lapso.
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