sábado, 21 de maio de 2011

Quem vier estará confortável

O contacto regular com a realidade europeia apura a percepção em relação ao modelo de desenvolvimento desportivo de Portugal com os dos nossos parceiros da UE. No follow-up do Livro Branco sobre o Desporto começam a surgir estudos e documentos que a Comissão disponibiliza ao público interessado com informação relevante até então circunscrita a círculos restritos.

Em traços gerais, torna-se assinalável uma tradição de forte intervenção do Estado - através de financiamento, regulação e infra-estruturação desportiva - com vista a conferir competitividade europeia ao sector, a qual, porém, não se traduz numa evolução - contínua, permanente e duradoura - dos indicadores disponíveis, quer no que respeita aos praticantes desportivos regulares, quer nos resultados de excelência alcançados.

Portugal - com períodos melhores do que outros - parece não descolar da cauda do pelotão europeu, ainda que o valor per capita investido no desporto não seja despiciendo. Outros há que com menos fazem mais.

Ora, a história corre à nossa frente e vai pondo a nu as debilidades de um modelo disfuncional e a premência de um novo ciclo de desenvolvimento que não passa apenas pela mudança dos protagonistas, mas por uma definição clara das atribuições e competências dos vários operadores - públicos, empresariais e associativos - do sistema desportivo, numa orientação estratégica projectada para um futuro sustentável com base num programa com objectivos e prioridades claras temporalmente definidas.

Esta é uma daquelas frases que caiem bem num artigo, mas pouco acrescentam ou avançam junto de quem procura estudar alternativas num contexto onde se torna clara a escassez de recursos para bens e consumos não essenciais como é o caso do desporto.

Observamos a canalização de recursos para o desporto federado e, dentro deste, para a componente de alto rendimento. Assistimos ao definhar do desporto escolar. Espantamo-nos com o endividamento de autarquias locais na construção de espaços desportivos monumentais com níveis residuais de utilização, ou no esforço financeiro que estas desenvolvem para suportar os centros de alto rendimento que o poder central inaugura com pompa. Criticamos uma fiscalidade mais elevada ao praticante do que ao espectador. Verberamos contra o débito regulador ineficiente.

No entanto, perante a expressão destas e de outras medidas nos indicadores débeis de difusão da prática desportiva - afinal o objectivo cimeiro que a Lei Fundamental estabelece e uma base importante para catapultar o país desportivo para outros patamares - somos incapazes - e aqui se incluem governos e autarquias, partidos políticos, mas também federações e instituições de ensino superior - de lograr reunir a capacidade, congregar esforços e a clarividência de um projecto para o futuro que rompa com o imediatismo e os interesses instalados da contingência do momento presente, que no fundo mais não fazem do que criticar o status quo, exigindo menos Estado e mais apoio público.

A pobreza de reflexão institucional sobre política desportiva em Portugal torna a opinião pública refém da opinião publicada, e esta navega de vela panda na espuma dos dias sobre os fait divers mediáticos. Neste cenário não espanta, pois, que um político com um pedigree de vários anos, como é o caso do actual titular da pasta do desporto, ao deslocar-se junto dos representantes eleitos pelos portugueses para prestar contas da sua governação se passeie perante as debilidades confrangedoras dos deputados na forma como o confrontam com a sua acção governativa; ou que, sem consequências políticas, se passe um pano sobre os objectivos com que o movimento olímpico se comprometeu com o Estado português.

Perante esta encruzilhada, quem quer que venha a assumir o poder continuará confortável para operar como uma empresa política que manobra para a agenda mediática em função de calculismos de custos de oportunidade e da correlação de forças dos interesses em jogo, numa área pouco problemática para a rodagem de quadros político-partidários.

4 comentários:

Luís Leite disse...

Concordo genericamente com o texto.
Acrescento:
O Desporto em Portugal, tal como as Artes, ressente-se do baixo nível cultural médio da população. Esse baixo nível cultural médio é resultado de políticas de ensino que se preocupam com estatísticas mentirosas, artificiais.
O Ensino e a Educação (não são a mesma coisa) são cada vez menos exigentes, sobra do facilitismo a iliteracia e a consequente manipulação das maiorias.
Premeia-se e financia-se o demérito. Promove-se o fácil, o não-esforço, o lúdico em si mesmo.
A demagogia politicamente correcta impera em todo o seu esplendor.
Não acredito que possamos sair desta realidade, por causa desta maldita partidocracia, falsamente democrática.

Kaiser Soze disse...

Parece-me que este texto aparece na senda do anterior, sobre a mesma temática, do JMC.
Concordo, em geral, com o que foi agora escrito, contudo, no que tange a desporto profissional ou de alta competição apoiada directamente pelo Estado (ou seja, casos em que se é pago para produzir) entendo que o referido custo de oportunidade é justo porque o enfoque do subsídio é o sucesso no que se pratica, o que é válido para todas as áreas e não apenas a desportiva.

Se o interesse é a saúde da população ou o desporto como instrumento de educação e crescimento pessoal, o caminho é outro.

José Manuel Costa disse...

Caro João Almeida,
Você diz que 'No follow-up do Livro Branco sobre o Desporto começam a surgir estudos e documentos que a Comissão disponibiliza ao público interessado com informação relevante até então circunscrita a círculos restritos.' Qual é a possibilidade de indicar os follow-up que tem conhecimento?

João Almeida disse...

Caro José Manuel Costa

Recomendo, entre outros, várias das apresentações sobre a sustentabilidade do financiamento so desporto de base no mercado interno aqui


Para consultar o lugar de Portugal face aos demais parceiros europeus, em áreas mais especificas do desporto, poderá consultar os vários estudos que têm vindo a sair no site da Comissão no link em baixo.

http://ec.europa.eu/sport/news/index2011_en.htm

Abraço