domingo, 8 de maio de 2011

Só faltava serem os médicos a prescrever exercício físico!

Do Professor Rui Garganta, da Faculdade do Desporto da Universidade do Porto, recebemos o seguinte texto para publicação.



A Colectividade Desportiva muito agradece.


Confesso que fiquei chocado com o artigo do Jornal Expresso do Professor e colega de profissão Luís Sardinha, de 9 de Abril de 2011, com o título “Mexa-se mais: foi o médico que receitou”.
Numa altura em que o nosso país está a importar médicos para fazer face às exigências do Sistema Nacional de Saúde, e nos confrontamos com um excesso de profissionais de Desporto, só um “político deste gabarito” se poderia lembrar de implementar uma estratégia que vai dar mais trabalho e/ou responsabilidade aos médicos, que já não têm tempo para exercer a medicina convencional e tirar, o pouco que existe, aos seus colegas de profissão.
Porventura, o colega já nem se lembra que se licenciou em Educação Física!



Quando li o título do artigo pensei que os políticos tiveram o bom senso de entender que o “exercício é saúde” e iam voltar a baixar o IVA. Achei, no entanto, estranha a fotografia do Colega Luís Sardinha, de fato e gravata em cima de um tapete rolante. Eu sei que o fez no “seu laboratório” e talvez nunca tenha, porventura, subido para nenhum, porque isso de fazer exercício físico tem os dias contados. Pelos vistos, o que para si interessa é “Mexer”, nem que seja de fato e gravata em cima de um tapete rolante. Já agora: o colega fez alguma pós-graduação em culinária?



Mexer o quê? E a foto que vem no artigo é para gozar com os profissionais que trabalham nos ginásios? Diz que a actividade física é saúde, vai retirá-la da competência exclusiva dos profissionais do Desporto e tem o desplante de se fazer fotografar em cima de um tapete rolante? É indigno o que pretende fazer aos seus colegas de profissão, porque como responsável do Instituto de Desporto de Portugal (IDP) saberá que o fitness é, atualmente, a principal saída profissional! Caro colega e político da nossa praça, espero que os profissionais de fitness tenham consciência do mal que lhes está a fazer e tomem as medidas que entendam mais adequadas!


Num contexto de crise geral e dos estabelecimentos de fitness em particular, apoquentados que estão com a decisão, obviamente injusta, do aumento do IVA de 6 para 23%, o programa que o colega Luís Sardinha vai importar para Portugal, para além de desconsiderar o que se faz nos ginásios, permite que os médicos substituam os seus colegas de profissão na prescrição de exercício físico. Neste ponto, até o jornalista do Expresso refere: “Surpresa, o ginásio fica de fora”.
Diz no artigo que o programa é importado dos Estados Unidos da América (EUA) onde está a ser aplicado desde 2007. Refira-se, a propósito, que a taxa de obesidade nos EUA de 2007 (3 estados com mais de 30% de obesos), triplicou em 2010 (9 estados com mais de 30% de obesos): Pelo visto, o programa que vai importar já está a dar resultado! E a taxa de Diabéticos que continua a aumentar de forma exponencial?! Será efeito do referido programa? Não queremos com isto dizer que o programa não tenha os seus méritos, mas, como se sabe, a aplicação transcultural de qualquer tipo de programa sem a respetiva apreciação e adaptação é sobretudo “para Inglês ver”, ou, neste caso, para os seus amigos americanos verem!


O mais grave é que o seu discurso tem um registo igual ao dos médicos, que não fazem ideia do que é o exercício físico e encontram nos standards ou naquilo que ouvem dizer, formas de prescrição que dão para tudo e todos, do tipo medicamento “genérico” que tudo cura! Mas se aos médicos, embora não tolerável pelo facto de não terem formação para tal, ainda se desculpa a prescrição com base no “MEXA-SE”, a si é incompreensível. O que o colega quer é pôr os médicos a prescrever atividade física e não exercício físico. Para quem não sabe, para fazer atividade física basta “mexer para aumentar o metabolismo de repouso”. Até comer, que mexe os músculos da face e dos braços é atividade física. Para ser considerado exercício físico há que mexer-se de modo a melhorar a aptidão física.
Grande parte da atividade física, do tal “mexer”, não é eficaz: sabe que andar a 4 km por hora não tem repercussão cardiovascular significativa? Quer o artigo? Sabe que muita da atividade física, do tal MEXA-SE, quando realizada de forma desregulada e sem suporte muscular suficiente é prejudicial? Veja o exemplo das doenças articulares provocadas pelas tarefas domésticas, pelo andar em demasia, etc.


É óbvio que o colega conhecerá qual a importância do exercício físico e de como a atividade física pode apenas ser um bom complemento, porque sabe que uma das características do exercício físico é ser dose-dependente, tal como o medicamento. Por exemplo, a Aspirina, o fármaco mais vendido e mais antigo da indústria farmacêutica, doseada até 250 mg tem efeito anti-trombótico, enquanto a 500 mg tem efeito analgésico e a 1000 mg tem também efeito anti-inflamatório! Ou seja, o efeito depende da quantidade ou dose. No exercício físico passa-se o mesmo, ou seja, andar a 4 km/h, correr a 10 km/h ou a 15 km/h produz efeitos claramente diferentes. Tal como nos exercícios de força muscular, a carga (em kg) determina, em grande parte, o efeito ou resultado.
Ou seja, não chega mexer, isso resulta para o “leite creme” não ganhar grumos, é essencial fazer exercício físico!
Uma vez mais, recorrendo à analogia da aspirina, poderia dizer que ela é aconselhada para “dores, febres gripes e constipações” (mas não dá para todas as dores) e, como diz a bula do medicamento, se os sinais e sintomas persistirem, consulte o seu médico. Relativamente à atividade física, o bom senso, para quem o tem, poderia sugerir algo idêntico. Se não tem objetivos, não tem qualquer risco cardiovascular nem qualquer tipo de dor ou doença,
MEXA-SE. Se tem objetivos ou pretende fazer algo pela sua saúde, consulte um profissional de exercício físico e Desporto.


Por acaso o colega conhece a pirâmide da atividade física? Eu sei que a conhece e que também sabe que ela foi proposta por profissionais de saúde. Deu conta que nela é sugerido o “treino de força muscular” pelo menos duas vezes por semana? Sabe porquê? Para evitar a “SARCOPENIA”, que é uma doença provocada pela perda acentuada de massa muscular. Sim, é uma doença. Mas, curiosamente, grande parte dos profissionais de saúde não ouviu falar
dela, sabe porquê? Não há medicamentos para a prevenir nem para a curar! Há alguns anos, pensava-se que era apenas apanágio de pessoas mais velhas mas, como se sabe atualmente, inicia-se antes dos 30 anos em pessoas que não têm uma solicitação muscular suficiente e regular! Talvez convenha esclarecer as pessoas que a sarcopenia é um fator de risco para a osteoporose e que a única forma de a prevenir é através do treino de força muscular. O colega sabe que a marcha não a previne, porque aquela doença resulta da alteração das fibras musculares responsáveis pela força muscular e não pela resistência muscular solicitada pela marcha!
O problema é que a necessidade de mostrar serviço, leia-se “protagonismo”, fala mais alto!
Pois é, andamos há anos a debater-nos com a falta de bom senso dos médicos que prescrevem exercício físico inadvertidamente, desde a natação para quem não sabe nadar ou para quem tem osteoporose, ao estilo de “bruços” para quem tem o “peito em quilha” ou “costas” para todos os problemas de coluna, até à marcha para pessoas obesas e com graves dificuldade de locomoção! E agora vem o colega conferir-lhes o “salvo conduto” para fazerem algo que não sabem nem estão preparados para fazer!


Sabe que incitar as pessoas para que se “mexam” é semelhante ao nutricionista aconselhar alguém a “comer” ou a um médico dizer ao doente para “tomar pastilhas”.
O colega devia era de se “MEXER” do cargo em que está, criar um IDM (Instituto Nacional do Mexe-te) e dar lugar a alguém que, pelo menos, não prejudique deste modo o campo de intervenção dos seus colegas de profissão.
É claro que o colega pode vestir a pele de cordeiro e dizer que se trata de uma medida altruísta, para melhorar a qualidade de vida dos cidadãos, blá, blá, blá…
Esteja, pelo menos, ciente do mal que está a fazer a tanta gente: aos cidadãos porque os médicos não têm formação para proceder à adequada prescrição de exercício, aos profissionais de exercício e desporto que já se debatem com falta de trabalho e com prescrições inconsistentes ou inconscientes de médicos, e à própria classe médica que vai beneficiar de um “poder” sem bases de conhecimento suficiente para o exercer. A minha esperança é que, no meio deste equívoco, a classe médica tenha o bom senso de não prescrever exercício físico.


Repare que quando entrou para o IDP, prometeu moralizar a nossa classe profissional e legislou de forma a que apenas os licenciados em Educação física pudessem exercer a profissão nos centros de fitness. Agora vai trazer umas regras gerais para os médicos receitarem exercício físico? Sabe que nas farmácias também já se receita exercício físico? Isto é uma festa! Como não temos uma “Ordem” que nos defenda, estamos à mercê dos “espertos”. Só falta proibir os profissionais de Desporto de prescrever exercício físico? Não será uma medida para o próximo governo?


Caro colega, quer protagonismo? Já pensou em trazer um franchising que permita aos profissionais de Desporto receitar medicamentos? Nem que seja dos lights, daqueles que nem fazem bem nem fazem mal – do tipo “MEXETE”.
A nossa profissão está em crise e os médicos estão com trabalho em excesso. Para além disso, a bula de um medicamento ou o simposium terapêutico, que é atualizado todos os anos, tem mais informação sobre cada medicamento do que qualquer linha de orientação que pretende trazer para os médicos estimularem os portugueses para se mexerem. Acho que esta seria uma medida política original, embora talvez não à medida da sua necessidade de protagonismo!
Quem diria que o colega é diretor do Instituto de Desporto de Portugal!


Resta-me dizer que “o Desporto com amigos destes não precisa de ter inimigos”.

32 comentários:

Leonardo disse...

Um texto que se precisava. Obrigado.

Luís Leite disse...

Essa ideia do "mexa-se" é altamente demagógica na termonologia utilizada e no modo como se pretende iludir a população.
Política eleitoralista enganosa.

"Mexa-se" não é nada e é tudo...
O exercício físico obviamente tem que ser orientado por profissionais de Educação Física.
O papel dos médicos é dizer quem é que NÃO PODE fazer exercício físico por ter patologias que o impedem ou proíbem.
Obviamente!

Armando Inocentes disse...

O agricultor que cava a sua horta ou a sua vinha de sol a sol "mexe-se"... o carteiro que faz o seu giro de bicicleta "mexe-se... a menina da Galp que vai entregar a botija de gás ao cliente "mexe-se"...

Se estas três pessoas forem ao médico ele vai receitar-lhes mais "mexa-se" para fazerem exercício físico! Será que o médico lhes vai dizer como?

Anónimo disse...

«Nunca é tarde para começar [a actividade física] mas é sempre cedo para desistir»
Luís Sardinha
in
"RTP África", 27.07.2006

Luís Leite disse...

O conceito "actividade física" é demasiado abrangente para que validemos a frase de Luís Sardinha.
Actividade física é tudo o que fazemos quando nos movimentamos, em quaisquer circunstâncias.
Um conjunto de capacidades chamada genericamente de "motricidade humana".
Já "exercício físico" pressupõe uma prática regular que exige um determinado enfoque, com objectivos de melhorar capacidades físicas, neuro-musculares, aeróbias, anaeróbias, cárdio-vasculares, cerebrais, etc., através de uma repetição sistematizada, necessariamente orientada por quem tem formação específica para tal, com ou sem objectivos desportivos.
As palavras têm significados próprios, com um determinado valor intrínseco.
Sobra a demagogia.

Armando Inocentes disse...

Completamente de acordo com Luís Leite.

Assim se desmonta a diferença entre "actividade física" e "exercício físico" faltando so o "desporto" (que para o caso não é relevante".

Conclusão: fizeram uma Lei de Bases da Actividade Física e do Desporto quando deveriam ter feito uma Lei do Exercício Físico e do Desporto...

Anónimo disse...

"Lei do Exercício Físico e do Desporto" é lindo!!!!!!!!!!

Grande sensei!

Luís Leite disse...

Assim se vê que o espírito da própria Lei é intencionalmente demagógico, a começar pela própria designação.
Não sou jurista mas não sou parvo.
O "mexa-se" e a "actividade física" são chavões vazios, filhos do eleitoralismo mais bacoco.
Os números e os critérios estatísticos de contagem de praticantes de desporto, nesta base, mesmo de acordo com a nomenclatura europeia, nada valem.
São uma aldrabice, uma mistificação, como tantas outras estatísticas em outras áreas, que servem para justificar esta forma de exercer o poder.

Anónimo disse...

Concordo em absoluto com a citação da autoria do Prof. Luís Sardinha, surgida aqui num comentário, se a putativa ‘atividade física’ for de índole sexual. Peço desculpa aos leitores pela liberdade de linguagem. Todavia a insanidade epistemológica daquela expressão e a absurdidade da sua consagração numa lei de bases destinada ao desporto são tão grandes que só podem ser encaradas com uma abundante dose de humor.



Jorge Bento

Anónimo disse...

A "insanidade epistemológica" da expressão "actividade física" só sucede quando a mesma é utilizada numa lei de bases ou também quando é título de mestrados sobre a "actividade física adaptada", a "actividade física e a saúde" ou a "actividade física para a terceira idade", mestrados esses ministrados por algumas das nossas escolas universitárias?

Aquela expressão será correcta quando utilizada pelas escolas, mas insana quando consagrada pelo legislador?!

Confesso que não percebo....

Anónimo disse...

“As nossas crenças mais justificadas não têm qualquer outra garantia sobre a qual assentar, senão um convite permanente ao mundo inteiro para provar que carecem de fundamento.”

(John Stuart Mill)
In "Sobre a Liberdade"

Luís Leite disse...

Perguntas:

Se uma palavra ou expressão "aparece" em títulos ou designações de mestrados, isso só por si já lhe dá o estatuto de verdade indiscutível?
Regressámos ao dogmatismo na Universidade?

A própria Lei, sendo certo que é para cumprir, pode estar eivada de erros conceptuais e técnicos de toda a ordem.
A conversa político-ideológica então...
Por isso, a Lei é revogável e substituível!

Armando Inocentes disse...

Bem, lá começa a praga dos anónimos... dos que não gostam de dar a cara... por algum motivo será!

Mas quero dizer ao anónimo de 10 de Maio das 16:34 que se já fez mais pelo desporto do que eu que lhe dou os parabéns!

Além disso, os comentadores seguintes (Luís Leite e Jorge Bento) explicam-lhe os motivos do erro do nome (e do conceito) da Lei de Bases da AF, mas o anónimo ainda não percebeu...

Para além de mostrar desconhecer o que significa "Sensei" com o seu comentário, aprenda que "Sensei" se escreve com letra maiúscula, e se sou "Sensei" sou-o em relação aos meus alunos e/ou competidores - grupo ao qual não deve pertencer anónimo! Facto que nem tem nada a ver com este debate!...

Armando Inocentes disse...

Já agora pergunto ao "tal" anónimo se já leu J. O. Bento & J. M. Constantino (2007), “Em Defesa do Desporto – Mutações e Valores em Conflito", Coimbra, Almedina?

Ou se já leu J. O. Bento & J. M. Constantino (2009), “O Desporto e o Estado – Ideologias e Práticas”, Porto, Edições Afrontamento?

Ainda vai a tempo...

Anónimo disse...

Em resposta ao Armando Inocentes

De facto, li as tais obras que me recomenda.

Li também algures que Jorge Bento é o director da Faculdade de Desporto do Porto.

E li, por último, o plano de estudos (licenciatureas, mestrados e doutoramentos) da referida Faculdade do Porto. E dele constam os tais mestrados sobre matéria "insana" do ponto de vista epistemológico, bem como um doutoramento, não menos "insano" sobre "actividade física e saúde".

E concluí para com os meus botões: ou bem que tudo isto mais não é do que a demonstração da justeza do aforismo popular "bem prega Frei Tomás", ou bem que há aqui um qualquer mistério que me escapa e que certamente o Armando Inocentes estará em condições de esclarecer cristalinamente...

Anónimo disse...

Segundo a mitologia grega, os mortos são anónimos’, não têm nome. Estão sob a alçada de Hades, um deus terrível, tosco e de segunda geração.



Jorge Bento

Kaiser Soze disse...

Esta semana estava a ver uma entrevista do Governador de Massachusetts sobre a implementação do sistema de saúde abrangente e o ensino, no seu estado. A dado momento, quando questionado quanto ao motivo de ter sido (ou estar a ser) bem sucedido quando os outros falharam ele disse o seguinte: "O problema é que antes havia apenas duas hipóteses em cima da mesa: a perfeita e nenhuma. Nada se fazia, por esse motivo. O que decidi fazer foi chegar a um entendimento, uma solução imperfeita mas melhor do que a alternativa...nada fazer".

Ora, concordo com quase tudo que foi dito no texto principal e em alguns comentários mas concordo, também, com a opinião do Governador que transcrevi.
É certo que nunca ficaremos todos satisfeitos e até é possível que as palavras usadas sejam pouco claras ou mesmo falaciosas mas não é melhor mexer (seja de que maneira for) do que estar parado?

Anónimo disse...

Ainda para o Armamndo Inocentes

Como pode verificar pelo anterior post do que se assina com o pseudónimo de Jorge Bento, o próprio não consegue explicar a desconformidade daquilo que apregoa com o que pratica na sua Faculdade.

É a chamada "contradição epistemológica"...

Não podendo explicar, recorre à fuga para a frente e à mitologia de pacotilha.

Mas o Armando Inocentes, tão certo e tão seguro da bondade do que atrás afirmou, estará certamente em melhores condições para, sem recorrer a estes truques baratos, nos esclarecer sobre as formas de superação de tão estranha contradição....

Armando Inocentes disse...

Os meus dois comentários eram dirigidos ao anónimo de 10 de Maio das 16:34. Se o anónimo de 11 de Maio de 2011 11:54 não é o mesmo, peço desculpa... pois pelo conteúdo fico com essa ideia!

Se é o mesmo anónimo (e reparem no "se" p. f.) então resolveu enviesar a questão...

josé manuel constantino disse...

Caro Armando Inocentes,
A deriva conceptual e de pendor higienista que migrou para os habitats do desporto começou precisamente nas agendas académicas e nas lógicas de financiamento à investigação de algumas faculdades.E com a prevalência das ciências da saúde em relação às ciências do desporto.Não é um fenómeno recente.E é um comportamento académico importado.Não é sequer uma deriva exclusivamente nacional.O que é recente é a sua colocação na agenda política e a sua tentativa de normalização ou se quiser de elvação a conceito dignidade jurídica para ser vertida para uma lei de bases do desporto.É uma moda como o foi o desporto de massas ou o desporto para todos.Com as sua igrejas e pastores.Com todo o respeito por quem pensa de modo diferente é uma matéria que não vale a pena perder muito tempo a discutir.Questão diferente e essa sim relevante é a captura do discurso desportivo por lógicas de âmbito salutogénico cuja ambiente natural são as politicas de saúde e não as desportivas.
Grato

joão boaventura disse...

A Educação Física nunca deveria ter saído da Medicina, mas a apropriação por parte dos militares e pelos pedagogos, e a posterior relutância dos médicos pela delapidação de gente estranha ao processo, levantaram uma torre de Babel, e ainda hoje ninguém se entende. Cada um fala a sua língua.

O “Manifesto Mundial da Educação Física - FIEP 2000” apresentou uma síntese de tudo quanto se tinha discutido na segunda metade do século XX sobre a matéria, renovando conceitos sobre Ed. Fís. entre os quais “O Direito de Todos à Educação Física” (Cap I), exactamente como os noruegueses em 1968 tinham lançado a campanha mundial do Desporto para Todos.

Como se vê, anda a Ed. Fís. a reboque do Desporto. Mas o mais interessante é o atropelo ao glossário quando se pretende renovar o conceito de Ed. Fís. como se observa no “Cap. II – O Conceito de Educação Física”. [Esta abordagem tem como objecto vislumbrar os horizontes da Actividade Física da nova Lei de Bases].

Assim, o Manifesto Mundial de Ed. Fís. de 1970 explicava que a Educação Física fora definida como

"O Elemento de Educação que utiliza, sistematicamente, as Actividades Físicas e a influência dos agentes naturais: ar, sol, água etc. como meios específicos",

onde a Actividade Física é considerada como um meio educativo privilegiado, porque abrange o ser na sua totalidade; e que

“o Exercício Físico foi identificado como o meio específico da Educação Física."

Portanto, se a Educação Física utiliza as Actividades Físicas, isto é, o vago utiliza o vago, então a Actividade Física, como se vai reconhecendo, é Educaçao Física, e nesse caso, falar na Lei de Bases da Actividade Física e do Desporto, é falar na Lei de Bases da Educação Física e do Desporto.

Depois, para não ser repetitivo o Manifesto relembra que

“Numa Cultura Física, na qual as Condutas Corporais exercem papel essencial no desenvolvimento humano e social e onde as danças, as Práticas Desportivas e a Utilização Activa do tempo livre são suas manifestações, a Educação Física é o seu fundamento.”

Temos assim que afinal a Cultura Física, homólogo da Educação Física, opta pelas Condutas Corporais enquanto que a Educação Física, pelas Actividades Físicas, e que, provavelmente por essa razão, a Educação Física é o Fundamento da Cultura Física.

Este fio de Ariadne não tem fim porque já tem uma longa história.

Para terminhar:

Em 1904, Sternberg opinava que “os que falam de Direito passam o tempo a perguntar-se do que falam, incapazes de definirem o seu objecto”;

Em 1943, Kojéve sentenciava que fazia falta uma definição satisfatória, quer do Direito, quer do Estado;

E, em 1981, André-Jean Arnaud concluía que havia “mil definições de Direito, todas elas óptimas”.

Com a educação física ocorre o mesmo - há igualmente mil definições e todas elas óptimas. E o Estado não foge à regra.

Tomaz Ribeiro, do Partido Regenerador, na Monarquia Constitucional, a propósito da definição de Poder Judicial referia que “As Cortes ponderaram os perigos nas definições das Leis, pela imperfeição inerente a tais definições e pelas interpretações diversas a que se prestam."

Cordialmente

Armando Inocentes disse...

Caro José Manuel Constantino:

Todos nós sabemos isso (menos aqueles que não querem saber!).

Claro que a inclusão da tal "actividade física" na LBAFD não é politicamente inocente...

Claro que o termo nem sequer é o mais correcto!

E tem razão, nem sequer vale a pena perder mais tempo... cada um que fique com a sua... e que acredite no que quiser! Até os cépticos precisam acreditar que em nada acreditam (já disse isto por aí, algures!).

Obrigado e um abraço!

Luís Leite disse...

Concordo 100% com JM Constantino.

Anónimo disse...

O post de José Manuel Constantino é muito interessante. A vários títulos.

Ficamos assim a saber que "a deriva conceptual e de pendor higienista que migrou para os habitats do desporto começou precisamente nas agendas académicas e nas lógicas de financiamento à investigação de algumas faculdades". Ou seja: os mestrados e doutoramentos da FADEUP sobre "actividade física" constituem mesmo, e no mínimo, uma contradição epistemológica como elegantemente (e muito diplomáticamente) lembra o JMConstantino...

Percebe-se a diplomacia: o actual responsável pela FADEUP é o seu Colega, co-Autor em obras publicadas, Jorge Bento.

Mas do texto de José Manuel Constantino pode retirar-se ainda outra conclusão: se houve uma "deriva higienista", então é, pelo menos, muito estranho que um dos seus responsáveis (ou, pelo menos, cúmplices....) venha agora clamar contra as "insanidades epistemológicas" do Governo.

Porque a coerência é um bem a preservar!

Post-scriptum: registei, com bonomia, o profundo "uf" de alívio do Armando Inocentes, aliviado por já não ter que se explicar, depois do pronto acorrer de José Manuel Constantino e de João Boaventura que rapidamente o tiraram dos "apertos" em que se metera.... E isto não deixa de ser muito divertido!

Armando Inocentes disse...

Caro Luís Leite:

Já somos dois!

Será que dará 200%???

Há um, ou dois anónimos a tentarem "picar-me"...

Não vale a pena! Normalmente ignoro os anónimos... e aqui, pela consideração que tenho para com os membros deste blog e com alguns estimados comentadores, até abri uma excepção!

Armando Inocentes disse...

Caro Luís Leite:

Também concordo a 100% com JM Constantino!

Será que com isto fará 200%?

É que há por aqui um anónimo que não percebe o que é um sarcasmo ou uma ironia... ou para que servem umas aspas... e ainda por cima anda a tentar picar-me...

Mas como costumo ignorar os anónimos (e aqui até abri uma excepção pela consideração que tenho pelos autores do blog e por alguns comentadores), ele que fique com a dele... e lá dirá ele que eu que fique com a minha!

Pois assim seja...

Luís Leite disse...

Caro Armando Inocentes,

É importante nunca nos calarmos e apresentarmos os nossos argumentos.
Os anónimos pouco me interessam.
Eles que se assumam como indivíduos, se querem portar-se como pessoas de bem.
Um anónimo, seja qual for o contexto ou circunstãncia, não passa de um cobardolas.
Neste espaço, podemos apresentar argumentos e discutí-los civilizadamente com boa gente.
Isso é muito bom!
Os outros, os que não dão a cara, não contam!...

JCN disse...

Citando JOB "Devemos reconhecer que não são raros os congressos e publicações acerca das relações entre actividade física e saúde que se assemelham a um desfile e ritual de lúgubre e sistemáticos de intervenções alarmistas e intimidadoras(...)Segue-se uma ementa generosa de prescrições, receitas e bulas infalíveis que(...) prometem vida abundante."

encurtei um pouco para não maçar...e outras passagens seriam interessantes, mas até a publicação do artigo na sua totalidade faria sentido.

A discussão vai além do termo. Até lhe podiam chamar "Bimby". O que se discute aqui, ou se devia discutir, é o que cabe dentro do termo. Andar e marchar não cabem neste conceito?seja ele qual for?correr, com ou sem uma bola?Andar ou "correr" de bicicleta?

Temos que promover uma vida saudável e o desporto é só uma parte da equação, ainda que fundamental.

honestamente, como alguém das ciências políticas, sem querer melindrar ninguém, eu quero que as pessoas pratiquem desporto, formal ou informal, de competição ou lazer. E o caminho para o sucesso dos profissionais do desporto passa pela ampliação do mercado potencial que andará, dizem os optimistas, em torno dos 20%(AHAH). Quando 70% da população fizer caminhadas (até a 2 km/h), os ginásios terão um mercado bem maior!

Luís Leite disse...

Eu era Vice-Presidente da FPA quando o indispensável namoro com a Secretaria de Estado justificou o lançamento do tão propalado, propagandeado e politicamente correcto "Plano Nacional da Marcha e da Corrida".
Ainda participei em algumas reuniões em que a ideia inicial foi apresentada internamente pelo Prof. Paulo Colaço, o autor da ideia/proposta, depois adoptada e adaptada pelo DTN Prof. José Barros e pelo Presidente Prof. Fernando Mota.
Lembro-me de que na altura coloquei algumas questões de natureza conceptual, relacionadas sobretudo com a designação do Plano.
Obviamente essas objecções foram consideradas de pouca relevância, face aos interesses em jogo.
Eram as seguintes:

Os conceitos de "Marcha" e "Corrida", no Atletismo, nada têm a ver com Desporto Lazer/Saúde.
A designação "Marcha", em Atletismo, significa um dos sectores em que a modalidade está organizada, a "Marcha Atlética", que tem 3 disciplinas olímpicas.
Neste Plano, ao pretender-se abordar o "andar a pé", utilizando aquela designação, está-se a subverter a verdade desportiva e a menosprezar o Desporto em função do Exercício Físico, o que é grave numa Federação Desportiva, até por ser anti-estatutário.
As "caminhadas" não são Desporto.
Mesmo o conceito de "Corrida" só se adapta em parte ao referido Plano, já que não se "corre" a 2Km/hora e a maioria do público-alvo não corre, anda a pé.
Tenho consideração intelectual pelas pessoas que gizaram o Plano, vendendo-o à Secretaria de Estado do Desporto.
É tudo muito politicamente correcto e interessante para o Governo e para as autarquias mostrarem trabalho.
Mas toda a ideia é demagógica e parcialmente falaciosa.
E sem qualquer interesse desportivo.
Desporto é Desporto.
Exercício Físico é Exercício Físico.
As Federações devem gastar as suas energias e recursos com o Desporto.

JCN disse...

Caro Luis leite, ou Prf., ou Dr.,

Discordamos num princípio, ainda que nada tenha a ver com a designação ou terminologia.

Eu penso que é do interesse das federações que as pessoas pratiquem actividade desportiva (como definida por JOB), quando vou jogar à bola com alguns amigos meus subvertemos as regras todas...e não deixa de ser por isso que o futebol sai beneficiado pela nossa prática...é que:

a prática informal acaba por fomentar o consumo do desporto enquanto produto.

A pratica informal acaba por fomentar o mecenato desportivo(ainda que a figura não exista).

a pratica informal acaba por criar novos praticantes formais.

Compreendo a discução entre a marcha e o caminhar, ou entre a corrida e o jogging, entre o corta-mato e o correr pelo campo. Mas acho que é fundamental ver para além dos conceitos...

Diga-me... não gostava que todos os portugueses fizessem caminhadas diárias? não acha que o Joaquim Gomes agradecia que todos os portugueses fizessem passeios de bicicleta(ainda que sem cumprir as regras do ciclismo)? não acha que João Lagos agradecia que todos os portugueses jogassem tennis, ainda que a deixar a bola tocar duas vezes no solo e a servir por baixo?

Desporto é desporto, verdade

mas actividade desportiva é um bom incentivo ao desporto...então porque deverão ficar as federações longe disto? Não acha que algumas andam longe que chegue das pessoas? mais longe só em espanha!!!

Luís Leite disse...

Caro JCN,
Pelos vistos temos opiniões completamente diferentes.
Eu respeito a sua, mas já apresentei os meus argumentos de forma suficiente.
O "desporto informal" é um entretenimento perfeitamente aceitável, tal como dançar, comer petiscos, conversar, jogar às cartas, passear, etc.
Mas não contribui em nada para melhorar o Desporto federado, que é OUTRA COISA (exigente).
Que eu já defini e expliquei.
Cumprimentos.

JCN disse...

Discordamos, saudavelmente. como também já argumentei, mas não me leve a mal como eu não o levo a si, faz parte do jogo da vida, ter sempre alguém com perspectivas diferentes...Este debate não devia estar confinado a blogs, devia ser um debate público. A multiplicidade de contributos traria benefícios ao desporto.