quarta-feira, 1 de junho de 2011

A regulação

Os sistemas ( sociais)carecem de regulação. É esta que determina o modo de funcionamento das suas diferentes variáveis. E que lhes assegura a respectiva eficácia. As funcionalidades dos sistemas obedecem a regras que, por sua vez, se declinam em princípios de organização e modelos sociais. O mérito das regulações está sempre a jusante. São os resultados alcançados que permitem aferir a oportunidade/pertinência e qualidade das regulações. Elas justificam-se para garantir que os objectivos dos sistemas sejam atingidos.
O sistema desportivo é regulado por normas de origem pública e de origem privada. Umas e outras devem convergir para garantir eficiência ao sistema. Que se avalia pela produção de resultados. O maior ou menor grau de regulação, público ou privado, deve estar sempre associada à missão das organizações do sistema. E é essa missão que deve ser avaliada. Regulação que não introduza melhoria de resultados é dispensável. Porque não acrescenta valor. É uma sinergia onerosa. Mas se a produção de resultados do sistema ganha como novos modos de regulação ela é bem vinda. A discussão não deve ser entre mais ou menos regulação, que é uma discussão técnica, mas sobre que objectivos para o sistema desportivo que é uma resposta do âmbito da política. A questão só a passa ser técnica quando definidos os modos do sistema produzir melhores resultados há que interferir ao nível da regulação e é necessário elaborar os respectivos instrumentos.
Uma deficiente/insuficiente técnica de elaboração de um instrumento de regulação não deve ser motivo bastante para o alterar/mudar. Só o deve ser se essa alteração for crítica para alteração do padrão de comportamento e de resultados do sistema. Porque se assim não ocorresse a alteração dos instrumentos de regulação seriam permanentes. Por norma, o ajustamento de um sistema a um modo de regulação tem sempre partes difusas, aspectos menos conseguidos ou até efeitos não previstos. Mas que podem não colocar em risco o essencial do sistema/organização que se pretende regular. Em todos os sistemas, e o desportivo não foge à regra, há produção de regulação ineficiente e dispensável. E outra que seria necessária.
Quando se avalia de forma crítica a produção legislativa, com origem em entes públicos ou privados, deve evitar-se fazê-lo apenas por um avaliação quantitativa. O essencial é avaliar, se sim ou não, o objectivo previsto na iniciativa reguladora foi atingido e com ela se elevou o grau de eficiência do sistema desportivo. Uma prolixa inovação reguladora não é um bem si mesma. Só o é se dela resultar vantagens para o grau de eficiência do sistema desportivo. Razão pela qual a avaliação analítica desta ou daquela iniciativa reguladora é pobre se ignorar a avaliação sistémica. Numa linguagem simplificada se ignorar qual o contributo da parte para o todo.
Essa avaliação é complexa. Os instrumentos de regulação são matéria de interpretação. Por vezes de várias leituras. E de muita polémica. Têm os seus crentes e as suas igrejas. E todos com argumentos de peso. Razão porque devemos desdramatizar as polémicas em torno destas matérias. São naturais. Os sistemas desportivos são sistemas abertos, dependentes de muitas variáveis com elevada rapidez de alteração, impossíveis de ser acompanhados pela lógica da produção reguladora. E o sistema colapsava se não tivesse uma boa dose de mecanismos de auto regulação.
A questão central a quem produz instrumentos reguladores é sempre o de optimizar os seus efeitos. E é sobre os efeitos que a avaliação se deve centrar. O resto é irrelevante. É pura perda de tempo.

16 comentários:

Kaiser Soze disse...

Concordo com o teor do texto, penso, igualmente, que salvo raras e honrosas excepções, a avaliação da regulação (e de tantas outras coisas) deve basear-se no sucesso e na eficácia. No fundo, em conseguir fazer aquilo a que se propõe.

O problema da coisa, contudo, é a cultura de proteger o próprio rabo; produzir algo que agrade a quem manda ou, em alternativa, que seja tão ambígua que não permita uma avaliação ou que seja tão etérea que nada signifique e, por isso, não possa o seu produtor ser acusado de ter feito mal...quando fez coisa nenhuma.

É uma questão quixotesca, esta.
Portugal ainda não é um país desprendido e apologista da eficiência e eficácia; ainda é um país de desculpas e de laissez faire.
Continua a ser fundamental que a culpa morra solteira.

Luís Leite disse...

A minha formação e convicções liberais fazem-me crer que a regulação pelo Estado deve ser reduzida ao absolutamente indispensável, designadamente a fiscalização do modo como as verbas entregues pelo Estado através de contratos-programa são gastas, face aos Plano de Actividades das diversas entidades (COP, CDP (existe?) e Federações), entre outras.
Ao Governo e à Assembleia competem legislar e todos têm que cumprir a Lei.
Não considero, à priori, que a administração Pública tenha mais "know how" sobre os assuntos específicos de cada área do Desporto.
Antes pelo contrário.

joão boaventura disse...

Caro Constantino

Quando diz que “sistemas desportivos são sistemas abertos” julgo centrar a sua atenção no sistema desportivo nacional, porque nem todos são abertos.

Para o efeito, uma leitura, a propósito do tema, de um artigo do conhecido economista Wladimir Andreff, publicado na “Revue de la régulation”, n.º 1, Junho de 2007, com o título Régulations et institutions en économie du sport”, esclarecerá melhor o âmbito da dicotomia “desporto aberto e desporto fechado”.

Um abraço

Luís Leite disse...

Mais importante que a regulação pelo Estado, é a existência de um diálogo profícuo da Aministração Pública Desportiva com as Federações e outras entidades que superintendem o Desporto.
No passado recente, esse diálogo foi muito escasso, sobretudo por parte do IDP, que cada vez está mais longe de dar resposta minimamente adequada, por falta de conhecimento instalado, tanto na definição de critérios de financiamento, como nas questões de natureza técnico-desportiva (instalações desportivas, regulamentação internacional, etc.).

josé manuel constantino disse...

Caro João,
refiro-me basicamente ao que se designou chamar modelo europeu de desporto por mais equívoco que o conceito seja.O trabalho que indicas do Andreff refere-se sobretudo às ligas profissionais e, nesse particular, às diferenças entre o modelo americano e o europeu.
Grato.

Abraço amigo

Fernando Tenreiro disse...

Caro José Manuel Constantino
O tema da dupla regulação no desporto é para mim de muito interesse.
Na minha tese defendo a existência de uma dupla regulação que como se nota no texto citado por João Boaventura, Wladimir Andreff que é um dos ecoonomistas do desporto mais produtivos apenas considera a regulação pública.
O caminho para a regulação privada e a dupla regulação é economicamente trabalhoso e só isso justifica o facto dos economistas ainda não o terem proposto.
Existem duas razões principais: por um lado, existem inúmeras economias como dos eventos, das infra-estruturas, das ligas profissionais, da contratação de jogadores profissionais, do consumo desportivo, do desenvolvimento desportivo, entre outras mais; por outro lado, a economia segue mais o desporto profissional e o exemplo americano é muito forte.
A economia das federações é um conceito que avanço na minha tese e é muito simples a explicação da sua razão de ser.
O desporto europeu tem um Modelo Europeu de Desporto e não tem um modelo económico para o Modelo Europeu de Desporto.
Com o modelo económico observa-se que até certo ponto as Leis de Bases do Desporto português fazem bem em centrar-se nas federações como faz José Manuel Meirim na sua tese só que é relevante explicar, do ponto de vista da ciência económica, a economia das federações sem o qual não se distingue o comportamento de uma federação, de uma liga, de uma associação ou de um clube.
Concretamente existe literatura económica sobre as ligas e os clubes e não existe uma sobre as federações o que proponho partindo do conceito de desporto e do funcionamento básico da produção desportiva.
O tema que José Constantino nos trás é relevante e João Boaventura mostra como internacionalmente é possível dar passos no domínio económico saindo do enfoque do desporto americano.
Para acabar e para chamar a atenção para a relevância do tema, há alguns meses um anónimo ficou surpreendido por eu ter dito que as federações são monopólios e que isso deveria ser alvo de legislação apropriada.
É possível acrescentar que as federações actuam no mercado privado como monopólios em competição e que necessitam de atingir níveis de massa crítica e discricionariedade dos seus produtos e dos seus preços para alcançar níveis superiores de especialização desportiva que é a base da maximização do lucro das empresas privadas que actuam no topo da respectiva modalidade.
Explicar esta matéria aos alunos das licenciaturas de gestão demora em geral um semestre o que apenas permite aqui deixar notas e apontamentos.
No blogue desportoeconomia explico a relevância desta matéria para um possível Governo de maioria.
Grato pela oportunidade

joão boaventura disse...

Caro José

Não há modelo europeu nenhum.
Na Europa ainda não o encontraram e as regulações vão fazendo o seu caminho empírico.

Desde 1998 até 2011 têm consagrado o seu tempo a procurar o alfa e o omega do modelo do desporto europeu, como pode verificar nos longos e fastidiosos trabalhos burocráticos da Comissão Europeia sobre o amado Desporto.

E desde que fizeram a súmula de tudo quanto já se sabia sobre o campo desportivo num documento chamado "Livro Branco sobre Desporto", o deambular interminável à sua volta transformou-se num carroussel.

Entretanto o desporto vai fazendo o seu caminho, porque o caminho faz-se caminhando, e não deambulando.

Passou a ser o mantra dos eurocratas.

Um abraço

Luís Leite disse...

O modelo de Desporto americano é o melhor que se inventou até agora.(High School / College (NCAA)/ Desporto profissional).
Manda o mercado e o Estado não regula coisa nenhuma. A maioria das instituições funcionam há mais de 100 anos e funcionam bem.
Nós europeus não temos nada a ensinar aos americanos.
É o único modelo que se auto-sustenta e dá lucro.
Nos Estados Unidos não se mete no mesmo saco o Desporto formal e o informal.
Não há demagogia política.
É o mercado que separa as águas, mesmo em meio escolar.

Fernando Tenreiro disse...

O LL a SED. Se não fosse a votação no Passos Coelho onde chegaria o LL?

Luís Leite disse...

Caro F. Tenreiro:

Essa não percebi.

1) Nunca tive apetência por qualquer forma de poder e muito menos poder político; SED?

2) Não sei o que tem a votação no Passos Coelho a ver com algum lugar onde eu eventualmente poderia chegar( se estivesse para aí virado);

3) Sou um independente liberal que pensa pela sua cabeça, com base na experiência e conhecimento (relativamente limitado, obviamente) dos assuntos em que me meto;

Não percebo, ainda não percebi a sua ironia.
Você repudia o sistema americano e prefere um modelo europeu moralista (só até certo ponto, o dos interesses inconfessáveis), modelo que que não existe, como escreve e bem João Boaventura.
Julgo que você é Keynesiano.
Eu sou mais Friedmaniano.

Mas gostava que explicitasse a sua opinião sobre as minhas ideias para poder argumentar.
E já agora que explicasse o seu último comentário.

JCN disse...

Adoro o sistema americano, mas está enganado em muitas coisas (Luís Leite). A falta de regulação faz com que muitas equipas não joguem entre si por terem regulamentos diferentes (no basket, por exemplo, equipas de condados diferentes jogam com cestos a alturas dispares).

Mais, a despreocupação com o desporto informal nos EUA tem alguns problemas...XXXL!

Mais, o desporto é um factor de exclusão, e não de inclusão. Um número máximo de atletas pratica uma modalidade numa escola)

O estado financia, e bem, o movimento olímpico/para-olímpico.

As cidades pagam para terem as equipas profissionais e constroem pavilhões à custa dos impostos.(cities and sports stadiums)

Quando o desporto se joga na escola quem paga? O ESTADO!

Que raio de auto-sustento!!na NCAA-III tenho dúvidas que seja sustentável.

Luís Leite disse...

Caro JCN,

Após ler os seus argumentos e sem ter necessidade de contra-argumentar ponto por ponto, apenas mantenho a ideia de que o sistema desportivo americano, sem ser perfeito (isso não existe) é, de longe o melhor e mantém-se no essencial, há 100/150 anos.
Os Estados Unidos são, globalmente, a maior potência desportiva mundial, a grande distância de qualquer outra.
E o desporto profissional é para dar lucro, o que acontece na maioria dos casos dentro das ligas profissionais.
O que não dá lucro vai à falência. É simples.
É o mercado a funcionar.
Por cá não há mercado.
Há intervencionismo sistémico, muita vigarice não punida e prejuízo generalizado nos clubes, nas diversas modalidades.
Ah! E o politicamente correcto eleitoralista igualitário, que pressupõe o nivelamento por baixo, em vez de premiar o mérito.

Fernando Tenreiro disse...

Caro Luís Leite,

A sua admiração pelo modelo americano deveria beneficiar de uma oportunidade e quem sabe o próprio país talvez beneficiasse com a aplicação de tudo o que é americano como no limite as suas palavras dão a entender.

Prometo-lhe que não torno a meter-me consigo ... até à próxima.

Luís Leite disse...

Caro Fernando Tenreiro,

Como sabe, estamos tão longe do modelo americano, que nem em 50 anos nos conseguiríamos aproximar.

A União Europeia, altamente burocratizada, pseudo-moralista e demagógica, não vinga em nada e tende para a desagregação, que se aproxima rapidamente.
Por que razão haveria de vingar no Desporto?

Caminhamos, nós portugueses, tranquilamente para a miséria social, por culpa de quem nos governou nas últimas décadas.
Sem remissão.

Fernando Tenreiro disse...

Caro Luís Leite
Como refere os tempos vão ser difíceis.
O futuro está nas mãos dos eleitos.
Vamos a ver se são bons eleitos.

JCN disse...

Atenção que eu gosto muito do modelo americano, não me entendam mal. Sou um havido consumidor de desporto americano, desde o high-school!

Entendo aliás que alguns dos seus princípios eram a única forma de poder ter outros índices de prática desportiva.

No desporto profissional, nomeadamente o Futebol (o deles) e o Basquetebol, estão a atravessar dificuldades financeiras. Basta procurar alguma informação sobre o CBA.

Mas parece-me, acima de tudo, que o modelo deles é bom, porque há um modelo claramente definido. E ao contrário do que se possa pensar também há ligas amadoras, minor leagues, em tudo similares às nossas ligas "pouco profissionais".