O estudo encomendado pela Liga Portuguesa de Futebol Profissional à Faculdade de Economia e Gestão da Universidade Católica vem clarificar, através da apresentação de uma análise exaustiva de fontes primárias, que, à semelhança de tantos outros negócios - desde logo os negócios públicos - a gestão do futebol profissional gastou mais do que as receitas obtidas ou esperadas, devido a um endividamento excessivo (aumentou 500 milhões de euros em 10 épocas desportivas) suportado pelo recurso ao crédito (17% em 2000/2001 para 54% em 2009/2010).
Durante este período os capitais próprios reduziram-se drasticamente. Foram incapazes de financiar a gestão dos clubes e suportar o crescimento dos activos (investimento em estádios e aquisição de direitos desportivos). Por outras palavras, o valor gerado pelo negócio futebol deixa de provir da remuneração dos capitais próprios, e da sua capacidade de autofinanciamento, para ser cada vez mais apropriado pelos credores.
Ora, não admira que o documento conclua que: “No contexto actual, a sustentabilidade do futebol pode estar ameaçada do lado da estrutura de financiamento ao investimento, sendo necessário repensar os modelos de negócio, à luz da nova realidade que exige a substituição dos actuais proprietários dos activos na indústria do futebol”.
Neste sentido, volta-se a assinalar as debilidades na exploração de fontes de receita com um peso cada vez mais preponderante na estrutura de proveitos da moderna indústria do futebol profissional, concretamente as receitas provenientes dos direitos de transmissão, direitos de publicidade e imagem. É sabido, e está devidamente estudado (repetido novamente neste trabalho) que o peso relativo destas receitas no futebol português é claramente inferior a outras ligas com volumes de negócio semelhantes. Os direitos de transmissão, aliás, são negociados através de um modelo (venda individual) e com valores de mercado claramente desvantajosos para a maioria dos clubes e favoráveis aos operadores televisivos.
Por outro lado, é imperioso, dada a crise que se abateu em Portugal no mercado do crédito, a qual reduz a amplitude dos seus agentes ou os remete para outras paragens menos turbulentas, preencher este vazio. Ainda assim a indústria do futebol cresceu 7% na última década, numa economia cujo crescimento médio no mesmo período se cifrou em 0,7%. Portugal é, aliás, a economia da UE com maiores receitas totais do futebol em percentagem do PIB. Um mercado com este crescimento, um volume de negócios anual superior a 300 milhões de euros e uma dimensão internacional assinalável não será por certo irrelevante.
Para garantir a viabilidade desta indústria, cujo modelo de financiamento encontra-se claramente insustentável, preconiza-se o desinvestimento de activos e a concentração dos clubes na actividade desportiva ao subcontratar serviços a entidades externas, atraindo, simultaneamente, fundos de investimento na negociação de direitos desportivos e económicos.
Foquemo-nos neste ultimo aspecto. Os fundos de investimento, grupos de empresários e sociedades de capitais estrangeiros são uma realidade consolidada em várias ligas profissionais e foram um recurso incontornável para viabilizar financeiramente vários clubes europeus, porém, a factura foi elevada e o sucesso nem sempre garantido.
Desde logo pela dificuldade em conciliar o interesse prioritário de quem investe na rentabilidade económica dos activos, com o interesse primordial no rendimento desportivo por parte dos clubes e treinadores. O passado está recheado de exemplos - alguns deles fatais para o futuro dos atletas - sobre incompatibilidades neste domínio.
Mas também por se terem construído, à sombra destas novas fontes de investimento, diversos casos de fraude, conflitos de interesse, multipropriedade de clubes e evasão à tributação em países com elevada carga fiscal, como é o caso de Portugal, onde ainda correm processos em tribunal.
Na perspectiva da regulação desportiva importa garantir que estes mecanismos de financiamento cumpram requisitos de boa gestão financeira dos clubes, de modo a não comprometerem padrões mínimos de equilíbrio nas competições desportivas. É esse objectivo que a UEFA se propõe com as regras de fair-play financeiro.
Em relação ao regulador público está em causa a viabilidade financeira de um sector com potencial na valorização de activos (jogadores e treinadores, nacionais e estrangeiros) e projecção internacional, através de novas fontes de financiamento, na medida em que a sua gestão se norteie por princípios de transparência e cumprimento efectivo das obrigações tributárias dos seus negócios, internalizando na comunidade o valor gerado, como qualquer outras actividade económica.
Nem sempre assim foi. Na mente do cidadão anónimo subsiste a ideia de um regime de excepção quando se aborda, neste domínio, o futebol profissional.
As recentes circulares n.º 12, 13, 14, 15, 16, 17 e 18 da DGCI que procuram disciplinar diversos aspectos na exploração de direitos e na gestão de clubes envolvidos em competições desportivas profissionais - em particular, no que importa a este texto, através do envolvimento de entidades não desportivas não residentes em negócios desportivos com clubes nacionais -, não foram por estes bem recebidas. No entanto, ao contrário de outros momentos, nos quais tivemos oportunidade de criticar a sua acção, os esclarecimentos aqui prestados pela administração fiscal (alguns por demais evidentes que espanta a necessidade de suscitar dúvidas e pedidos de esclarecimento), tendem, apenas e tão só, a garantir que os negócios desportivos com entidades não nacionais - onde se incluem naturalmente os fundos de investimento - cumpram as necessárias obrigações tributárias. Senão vejamos:
a) Quando os direitos de imagem de um jogador são detidos por uma entidade não desportiva, não residente em território português, que os cede a um Clube/SAD residente, com o qual o jogador vai celebrar um contrato de trabalho desportivo, os rendimentos obtidos por essa entidade com a cedência desses direitos encontram-se estreitamente relacionados com os direitos inerentes ao contrato de trabalho desportivo celebrado pelo jogador, porque derivam da imagem deste no exercício da sua actividade profissional e apenas subsistem enquanto durar o contrato de trabalho desportivo. Assim, esses rendimentos configuram «rendimentos derivados do exercício em território português de actividade de (…) desportistas» e encontram-se sujeitos a IRC, nos termos da alínea d) do n.º 3 do artigo 4.º do Código do IRC.
b) Os rendimentos mencionados no ponto anterior, obtidos por uma entidade, não desportiva, não residente, estão sujeitos a retenção na fonte a título definitivo, à taxa de 25% nos termos do n.º 4 do artigo 87.º, conjugado com o n.º 5 do artigo 94.º, ambos do Código do IRC. Por se considerarem rendimentos derivados da actividade de desportistas, a dispensa prevista no n.º 1 do artigo 98.º do Código do IRC não se aplica, mesmo que exista uma Convenção para evitar a Dupla Tributação (CDT) entre Portugal e o país de residência da entidade não residente, quando a CDT siga o disposto no n.º 2 do artigo 17.º da Convenção Modelo da OCDE (Organização de Cooperação e Desenvolvimento Económico).
c) No caso de transferência de um jogador, para uma entidade desportiva não residente, efectuada por um Clube/SAD residente em território português, que, previamente, procedeu à cedência de uma parte do “passe” a uma entidade não desportiva não residente, os rendimentos pagos a esta última entidade pelo Clube/SAD residente têm a natureza de rendimentos de aplicação de capitais, à luz da definição constante do n.º1 do artigo 5.º do Código do IRS, sendo passível de tributação em Portugal, uma vez que a fonte do rendimento (residência do devedor), se localiza neste território.
d) Os rendimentos mencionados no ponto anterior, obtidos pela entidade não desportiva não residente [quantia auferida com direitos cedidos, líquida do capital investido], encontram-se sujeitos a IRC, como rendimentos de capitais (…) encontrando-se sujeitos a retenção na fonte a título definitivo, à taxa de 21,5%...
e) Assim, os rendimentos obtidos pela entidade não residente, em contrapartida da assinatura de um futuro contrato de trabalho desportivo com um Clube/SAD residente, consideram-se rendimentos derivados do exercício em território português da actividade de desportistas, sujeitos a IRC…;
f) Os rendimentos obtidos com a cedência de direitos que se subsumem na figura de prémio de assinatura, por uma entidade não residente em território português, estão sujeitos a retenção na fonte a título definitivo, à taxa de 25% nos termos n.º 4 do artigo 87.º, conjugado com o n.º 5 do artigo 94.º, ambos do Código do IRC.
Nos dias que correm são manifestas as debilidades em regular o fluxo de capitais e a sua tributação. Porém, é bom que os homens do futebol percebam que os tempos são outros e qualquer solução de viabilidade do modelo de negócio das competições profissionais é tão insustentável sem novos parceiros de investimento como se assumir à partida qualquer espécie de privilégio fiscal. Só assim faz verdadeiro sentido o soundbyte que ecoam de que o futebol contribui para a valorização da economia nacional.
22 comentários:
O seu poste chama a atenção para aspectos importantes do projecto da Liga de Clubes, com destaque para as suas limitações.
Deixe-me chamar-lhe à atenção que o estudo corresponde a uma posição de parceiros que são relevantes e que, por isso,quando expressam a sua opinião é relevante a possibilidade que outras posições sejam contrapostas, o que você sugere a possibilidade de surgimento.
O que realço é que o estudo tem bons momentos quando faz o diagnóstico, por si referido, e quando apresenta a solução baseada preferencialemnte em factores financeiros a condicionar os desportivos.
A Liga de Clubes fez um bom estudo mas não deverá dormir sobre o resultado alcançado.
As boas soluções exigem ponderação e equilíbrio entre parceiros, com Visões diferentes do bem comum, e a fase em que se encontra o futebol é a da apresentação de um primeiro trabalho.
Esta análise de João Almeida aborda apenas as questões de natureza financeira, fiscal, mercantil, que são objectivamente verdadeiras e muito preocupantes.
A constatação mais espantosa, contudo, é a progressiva diminuição de jogadores portugueses nos clubes portugueses.
O negócio está a matar a identidade simbólica dos clubes, que, sendo portugueses, podem apresentar apenas jogadores estrangeiros, meros mercenários, cujo interesse pela "camisola", a existir, é naturalmente efémero ou mesmo virtual...
Estranhamente, a enorme massa de adeptos fanáticos da clubite futebolística parece não se preocupar com a infinita (?) contratação de REFORÇOS estrangeiros, que impede ou limita muitíssimo os jogadores portugueses de jogar em Portugal.
Nesta época futebolística que agora recomeça, será perdido de vez o pudor de colocar em campo apenas estrangeiros, com o objectivo de ser campeão nacional (!) e sul-americanos com o objectivo de ser ganhar as competições europeias (!).
Destes paradoxos ninguém fala...
Que eu saiba, isto só acontece no Futebol e, em especial, no Futebol português.
Caros Fernando Tenreiro e Luís Leite
Concordo com a qualidade do diagnóstico, mas aponto várias debilidades nas propostas avançadas.
Desde logo numa eventual panaceia dos fundos de investimento como refere o post, mas também, por exemplo, em relação à abordagem avançada para enfrentar os problemas desportivos que Luís Leite refere.
Aproveito para referir que foi reportada a ilegibilidade de parte do texto. Agradeço aos leitores que informem se tal se mantém de modo a tentar corrigir o problema.
Obrigado.
agora o texto está bem
Caro João Almeida
Debilidade na "proposta" avançada por mim? Eu não avancei nenhuma proposta, limitei-me a constatar uma realidade paradoxal...
Debilidade em relação à "abordagem avançada (por mim) para enfrentar os problemas desportivos"?
Que debilidade em qual abordagem? Importa-se de especificar?
Apenas chamei a atenção para as questões de naureza desportiva e a sua importância...
Antecipadamente grato.
Caro Luis Leite
Entendamo-nos.
Refiro-me às debilidades nas propostas avançadas pelo estudo para colmatar diversos problemas de cariz desportivo, e não tanto financeiro, entre os quais a proliferação de jogadores estrangeiros que refere.
Compreendido.
Obrigado.
A propósito, ou despropósito, do estudo apresentado pela Liga, não resisto a partilhar este vídeo, de perto de 4 minutos, onde se estudam os princípios da física que explicam a realização de golos, e que se apresenta neste ScienceClub.
Aconselharia encher o ecrã para melhor visionar o quase impossível.
Desculpe fugir ao âmbito do post, mas entra nos parâmetros do futebol.
Com as minhas desculpas
Cordialmente
Obrigado João Boaventura
A propósito, ou a despropósito, também, estive recentemente com um amigo comum que guarda de si gratas memórias. Fernando Castanheira.
Cumprimentos,
O Estudo do Futebol Profissional como Base!
O estudo patrocinado pela Liga Profissional de Futebol não deixa de ser uma pedrada no charco na nossa tradição longa de completa ausência de entendimento e estudo detalhado das realidades do futebol profissional português.
Nunca houve no passado uma reflexão sobre o nosso futebol, mesmo enquanto considerado como uma indústria e portanto sob perspectivas meramente negociais, tal como este que agora finalmente surgiu.
Impunha-se agora levar a discussão para outros espaços amplos e fora do meio futebolístico tradicional, isto é, para além dos corredores dos clubes profissionais e da Liga. Isto nomeadamente porque ficaram fora da análise aspectos relevantes do futebol profissional quer enquanto indústria, quer como fenómeno desportivo com ramificações mais abrangentes do que as habitualmente circunscritas à sua análise como negócio e entretenimento.
Seria necessário discutir sobre os diversos modelos de garantir o indispensável nível de equilíbrio competitivo, sobre as realidades das finanças de cada clube e as formas de assegurar o seu sustentáculo organizacional e financeiro de médio prazo, ou ainda sobre as vantagens e desvantagens de serem realizadas negociações centralizadas dos direitos televisivos através da própria Liga (o que contradiz notoriamente a tradição portuguesa que agora ainda mais se parece aprofundar com a negociação individualizada do Benfica), ou a possibilidade de clubes de segundo plano terem a possibilidade de virem a aceder (nomeadamente pelos meios financeiros e patrimoniais) ao patamar cimeiro de competitividade nacional, e através deste também ao internacional/europeu.
Este estudo é ainda uma base de reflexão sobre aquela outra que a FPF deve também conduzir rapidamente sobre os modelos de reorganização do nosso futebol não profissional e a garantia de acesso de jogadores portugueses aos nossos clubes profissionais, como instrumento de reconfiguração do actual quadro de supremacia absurda de jogadores estrangeiros nas equipas de clubes da Liga Profissional.
Estes são apenas alguns dos muitos temas que uma verdadeira discussão sobre o futebol português deve cuidar de tratar, não a circunscrevendo apenas aos diversos níveis internos à própria indústria do futebol mas tentando envolver todos os potenciais interessados (“stakeholders” públicos e privados).
José Pinto Correia, Economista
26 de Julho de 2011
Fica por compreender o fenómeno a que chamarei de "intoxicação cultural desportiva" que o Futebol concita em Portugal.
Mesmo nos restantes países do sul da Europa e das ilhas britânicas em que o Futebol é a modalidade mais apaixonante para a maioria do público, as restantes modalidades, embora com níveis de desenvolvimento e expressão muito variáveis não são "esmagadas" como em Portugal.
E conseguem atrair a atenção do público e atingir níveis competitivos internos e externos muito superiores.
Estão por estudar os "papéis" que o Futebol em geral e a "clubite" em particular desempenham no nosso país.
Nas áreas ontológica e sociológica.
Julgo estarem aí, fundamentalmente, as razões profundas para o fraco desempenho histórico de Portugal em Jogos Olímpicos.
Atrevo-me a especular que essas razões condicionam muitíssimo o fraco desempenho desportivo de Portugal em quase todas as restantes modalidades, quando comparado com os países europeus da nossa dimensão.
Talvez o problema do «futebol» não seja nenhum desses. Talvez «o problema do futebol» seja também o que outro Estudo nos deu a conhecer recentemente. Cujas "conclusões" apontam para fortes indícios de ser uma "plataforma de lavagem de dinheiro sujo" (como nos Casinos do Oriente ou as Apostas na América), de "fraudes e viciação de resultados desportivos", de "abuso e aliciamento de jovens quase crianças", de "factor de fomento da violência e xenofobia entre gangues disfarçados de claques", de permitir "insultos colectivos e organizados na via pública com escolta policial a proteger", a "sistemáticas agressões contra carros de adeptos das equipas rivais, e a destruições de propriedade alheia com total impunidade", de "roubos de lojas, repetidamente e sempre nos mesmos locais, sem qualquer impedimento", etc. Ou seja, «o problema do futebol» se estar a tornar num «problema social» com a complacência dos poderes públicos.
A pergunta que se deva fazer, talvez seja, a seguinte: o Estado deve continuar a financiar o «futebol dito profissional» com dinheiro dos contribuintes, incluindo a FPF? Ou de outro modo dito, será «o problema deste futebol» uma questão de Desporto?
Portanto, sem pretender melindrar as doutas considerações económicas sobre «esse futebol», diria que estão a preocupar-se com um assunto que é pouco relevante para a responsabilidade governativa do Desporto.
Não será mais um caso de «polícia», ou da vida secreta e autónoma de «sociedades anónimas»? Porquê esta continuada e branda subserviência do Estado e dos Governos a esta poderosa «força multinacional» ameaçadora da Ordem Pública? Não me digam que a desculpa para estes crimes está justificada por serem muitos os adeptos, ou figuras importantes gostarem desta ou daquela cor clubista, ou por gostarem de ver na TV uns artistas mais do que outros? Eu sei que uma notícia recente afirmou que até havia médicos e juízes que gostavam muito de bilhetes para ir ao «futebol». Mas é para este caminho social e moral que esses doutos estudos económicos nos querem levar? Se o dinheiro gerado no futebol vem desses sítios obscuros, como o outro estudo diz, então aplicar-se-ão as «regras do mercado» ou as «regras dos manuais de economia» de quem fez esse Estudo encomendado pela Liga? Se as regras são outras o Estudo Católico não estará errado? Ou já vale tudo, e a lei que impera é a do “laisser faire, laisser passer”?
Funcionário do Estado
Sendo eu um liberal, não posso deixar de concordar, estranhamente e por uma vez, com o Funcionário do Estado.
Apenas um reparo: as questões da lavagem de dinheiro sujo e da afectação de recursos policiais para acompanhamento das claques selvagens também são responsabilidade dos Governos.
E os dois anteriores apenas deixaram agravar a situação.
Como já era de prever, perdeu-se de vez o pudor:
No jogo de ontem conta o Trabzonsport da Turquia, o SL Benfica jogou com dez estrangeiros na 1ª parte e onze na 2ª parte.
Julgo que foi a primeira vez que o SLB jogou só com estrangeiros.
Viva o Futebol "português"!...
Caro Luis,
Por acaso não foi, já no ano passado durante um jogo para a Taça ou Taça da Liga isso aconteceu.
Cumps,
Bom! Duas notas:
1 - o Estado tem de intervir de duas formas:
1.1 - hooliganismo, corrupção, dopagem etc, são externalidades negativas que exigem uma actuação segundo o código civil
1.2 - as falhas do mercado privado justificam uma actuação do Estado para maximizar o bem-estar, quer sejam organizações privadas com e as que não possuem finalidade lucrativa.
2 - a questão dos nacionais é uma questão de mercado. A proposta de Blatter 6+5 vai num sentido que me parece interessante para construir a identidade nacional e não contribuir para a sua destruição como actualmente acontece om as tais regras livres do funcionamento do mercado privado.
É difícil ter 'sol na eira e chuva no nabal'.
Caro Luís Leite
Continuo a respeitar a sua opinião que, penso, e por ventura mal, ser ela filha das convulsões que a economia tem provocado no desporto, resultante de um arranjo normativo autorizando a convivência ou a cumplicidade do antigo club amador, com a empresa SAD, onde aquele lhe empresta o nome, para poder existir.
Entre o amadorismo de antanho, vivendo agora paredes meias com um intruso, a atmosfera respirável converteu-se numa dor de cabeça, porque o dinheiro infernalizou o ambiente e a semântica do clube, posto perante novos desafios.
O estudo a que João Almeida faz referência pode indiciar a perturbação dos que vivem agora aglutinados, entre o hoje e o amanhã, à procura de nova identidade.
Já aqui uma vez expus que o desporto viveu, durante um século, entre dois falsos conceitos, amador e profissional, com uma floração documental inesgotável, e também contraditória, sobre o tema, imposto pelo Comité Internacional Olímpico que, a partir do último decénio do século XX, foi obrigado a repor a verdadeira semântica do signo "profissional", com o que alterou toda a arquitectura desportiva, para entrarmos definitivamente no economicismo, aliado ao europeísmo e ao globalismo.
As regras foram todas subvertidas, incluindo ao clubes nacionais só com jogadores estrangeiros (Benfica, Real Madrid, Chelsea,…), porque o mercado o impõe por necessidade, e a Europa, pela livre circulação dos trabalhadores. A FIFA pretendeu também acudir à pureza nacionalista, esquecendo que é uma multinacional do futebol procurando o lucro.
Parece, salvo melhor opinião, que um clube nacional não perde a sua identidade pelo facto de nele jogarem estrangeiros. O Benfica continua a ser o Benfica, o Real Madrid com os jogadores e o treinador portugueses, continua a ser um clube espanhol madridista. Por causa de uma medida limitativa de jogadores estrangeiros, logo se encontrou uma fórmula de a ultrapassar: a nacionalização, para passarem a ser jogadores comunitários.
Como uma premonição, em 1924, Herbert Adolphus Miller, na sua “Race, Nations and Classes; the psychology of domination and freedom” (ed. J.B.Lippincott C.º, Filadelfia, London, etc.) , escreveu, a pp 135:
“Patriotismo a cem por cento e confiança na superioridade nórdica são as duas ideias mais perigosas no mundo de hoje; elas levam-nos exactamente nuja direcção oposta à que deve tomar a civilização para sobreviver. As objecções fudamentais que se lhe podem fazer são: 1.º - não encontram nenhum fundamento nos factos; 2.º - organizam um estado emotivo de remotas e desastrosas consequências.”
O recente caso ocorrido na Noruega é a confirmação.
John Stuart Mill, tem esta chamada de atenção na sua “Sobre a Liberdade”, que também e me aplica::
“As nossas crenças mais justificadas não têm qualquer outra garantia sobre a qual assentar, senão um convite permanente ao mundo inteiro para provar que carecem de fundamento.”
Cordialmente
Julgo que os caros companheiros de blog não estão a ver até que ponto a liberalização total do mercado é desportivamente perversa.
Em tese, é actualmente possível que dois clubes portugueses cheguem a Janeiro, a meio do campeonato, e troquem entre si a totalidade dos jogadores.
Mais, é possível um jogador ser campeão nacional em Maio, tendo jogado mais jogos pelo anterior clube, que até pode ser um dos despromovidos.
Na final da Champions League podemos ter um clube britânico só com espanhóis a jogar com um clube espanhol só com britânicos.
Ou na mesma final europeia encontrarem-se dois clubes europeus que jogam apenas com jogadores sul-americanos.
Faz isto algum sentido?
Na comunicação social, confundem-se (intencionalmente?) os conceitos de "clube" e de "equipa".
O clube pode ser português e equipa pode ser integralmente estrangeira.
Já nem abordo a questão numa lógica de identidade, porque já percebi que não vale a pena.
É que atingimos o patamar da irracionalidade pura e simples...
Este debate é relevante porque são dois produtos distintos que acabam por condicionar a filosofia e a missão do mercado.
No caso da aceitação da liberdade de constituição das equipas dos clubes pelo objectivo social dos empresários e organizações com finalidade lucrativa, o critério de decisão é a maximização do benefício económico marginal da contratação de todo o jogador independentemente da sua origem. Esta opção responde à lei da União Europeia de liberdade de circulação de trabalhadores.
No caso de objectivos de maximização do bem-estar social nacional há que contar com a constituição de um capital de jogadores nacionais. Já esta opção impedirá a circulação de jogadores de outros países europeus e exteriores à União Europeia.
O debate está em aberto e parece que a União Europeia prefere a primeira opção e não a segunda delineada por Blatter.
Caro Fernando
A história do economicismo que passou a imperar, com a introdução do profissionalismo no desporto, não é contínua, porque nela se operam fases de expansão e fases de crise estrutural, face aos condicionalismos com que se vão deparando no seu percurso.
Que há um choque contraditório, sem dúvida, mas ele resulta de que ainda estamos imbuídos nas ideologias e na literatura vigente,que conformavam o desporto do século passado, formatado no Estado Novo, cuja legislação e circulares identificavam os outros, os estranhos, os de fora, como invasores, logo indesejáveis.
Vivíamos para dentro do quintal, isolados do mundo, e cerceada a literatura estrangeira por uma mesa censória que julgávamos ter morrido. Livros e revistas excomungadas. Vivíamos num "orgulhosamente sós."
O clubismo do século passado morreu. O clubismo que as pessoas alimentavam tinha o sabor da convivência entre amigos porque o desporto estava em crescimento, em expansão, e tudo convergia para que se desenvolvesse.
Com a introdução de um corpo estranho no clubismo, a alma deste morreu, e passou a imperar a alma do dinheiro.
Esta transição tem um argumento de peso. Das dificuldades financeiras em que o clubismo sobrevivia, a entrada da SAD seria o finar das dificuldades.
Pela análise do estudo da Liga parece que se herdou um estado de carência permanente, e transitou-se de uma entrega ao clubismo para uma entrega ao dinheiro.
As características simbólicas que definiam os clubes, perderam-se, e interiorizados nessa chama de outrora, deseja-se o retorno ao passado com jogadores nacionais, para reanimar o clubismo, esquecendo que o club-SAD é presentemente uma empresa de espectáculos, destinada a obter lucros para suportar uma máquina pesada.
Num país pequeno como o nosso não temos Eusébios, Cristianos Ronaldos, nem Futres para a floração de clubes-SAD actuais, para encherem estádios e encherem os cofres. E o estudo da Liga revela o que se passa no terreno. Sem jogadores de nível transportamo-nos aos tempos em que se dizia que um amador era aquele que não vale a pena ver. Hoje pode dizer-se que “os jogadores medíocres ou médios” só chamam ao estádio o pequeno público que ainda tem o espírito vivo do amor à camisola, mas não chega para pagar os pesados encargos da fábrica de espectáculos.
Portanto se se quiser encher estádios e cofres, e como ninguém pode escolher o sítio onde nasce, teremos que aceitar a fórmula de Bertold Brecht, ou seja, permitir aos jogadores, de alto nível, de “elegerem o sítio que nunca lhes deram oportunidade de escolher.”
Um abraço
Caro João
O seu comentário suscita-me a seguinte alternativa:
Se Pinto da Costa consegue levar o FCP ao topo do mundo com jogadores de todo o mundo negociados com estruturas nacionais próprias e tendencionalmente portistas então ele será ou não capaz de o fazer com governance e jogadores maioritariamente nacionais?
Uso o Pinto da Costa porque ele é um elemento aglutinador que está a mexer com toda a região norte e ele poderia mexer com todo o país, caso houvesse quem conseguisse dialogar com ele competitivamente em torno do desporto nacional.
Assim, a minha resposta é que não tenho dúvidas que Pinto da Costa será capaz de o fazer.
Porque é que ele não o faz?
Porque as regras públicas lhe permitem obter uma maior renda financeira prosseguindo o 'modus operandi' tradicional.
Não há aqui juízos de valor mas apenas a observação tanto quanto possível objectiva do comportamento de agentes privados visando maximizar o seu interesse.
Há princípios éticos, há regras de comportamento económicos de clubes, ligas e federações que a regulação desportiva pública nacional não alcança.
Se não estou em erro este processo não vai ser contrariado por processos públicos no futuro próximo mas vamos a ver o que acontece.
Com a maior consideração
Concordo com F Tenreiro.
Mas o Futebol é um negócio, em que a componente desportiva se relativizou em termos de identificação Clube/jogadores.
Hoje em dia os jogadores têm apenas um vínculo contratual efémero, nada mais.
A representatividade desportiva, com a globalização, é muito relativa.
O que sustenta o Futebol profissional é ainda, num contexto de fé cega, a clubite (já não há clubismo) e sobretudo as negociatas mis ou menos fraudulentas.
O Estado pode e deve intervir no mercado regulamentando-o, quando há prejuízos para o erário público e/ou quando desportivamente o país está a ser prejudicado por estar vedado o acesso a jogadores portugueses, sendo preteridos, através de negociatas fraudulentas, por jogadores estrangeiros, sem que exista uma clara mais valia para os clubes.
No resto, o mercado deve funcionar livremente.
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