terça-feira, 9 de agosto de 2011

A cidadania como negócio

A Colectividade Desportiva tem contado com contributos que reflectem sob a natureza nacional de equipas e que, em última instância, se focalizam na afirmação de uma certa falsidade no apresentar do desporto nacional, em particular dos seus êxitos.
A oportunidade de um período de menor labor, conduziu-nos à leitura – e muito dela andávamos afastados – de um artigo de Ayelet Shachar, professor da University of Toronto Faculty of Law, publicado recentemente na prestigiada The Yale Law Journal.

“Picking Winners: Olympic Citizenship and the Global Race for Talent” é o bem sugestivo título do texto.
O autor, neste extenso artigo, coloca-nos, de forma simples, perante um conjunto de «evidências» que vão brotando do mundo do desporto, pegando na cidadania olímpica – isto é, num dos requisitos de elegibilidade dos atletas para participar nos Jogos (ser nacional de um país) –, como um dos exemplos mais expressivos da actual transformação da noção de cidadania: a cidadania (ou a «oferta» da cidadania) como elemento de recrutamento de pessoas e factor fundamental na competitividade entre países.

Citando um outro investigador, o autor adianta que o elemento essencial da competitividade a nível global não é mais a troca de bens e serviços ou os fluxos de capitais, mas a competitividade “for people”.
Os Estados Unidos da América são um dos mais enérgicos exemplos na «troca» de passaportes por medalhas olímpicas.

Mas o que cativa uma pessoa do Direito ou uma pessoa do Desporto, é a postura do autor que vê na cidadania olímpica – ou mesmo na cidadania desportiva – um campo de análise preferencial para o estudo do futuro da cidadania num mundo globalizado e interconectado.

Somente como uma «deixa» para aguçar o apetite pelo excelente texto, refira-se o grande paradoxo registado por Ayelet Shachar:

“É em nome do sentimento de orgulho nacional e da reputação nacional que os funcionários governamentais agilizam a aquisição da cidadania àqueles dotados de talento excepcional. Esta prática leva a situações potenciais em que indivíduos servem como embaixadores desportivos de uma nação relativamente à qual não têm se não ténues ligações e em certos casos, em cujo território nunca colocaram o pé”.
Todavia, esta erosão da cidadania como parte de uma comunidade, via esperança de um país, é levada a cabo em nome da promoção do interesse nacional do país recrutador.

13 comentários:

Armando Inocentes disse...

O título é elucidativo: a cidadania como negócio.

Mas poderia ser "A infância como negócio: Real Madrid contrata argentino de sete anos." (nos jornais hoje!).

Já estamos aqui a ver que afinal tudo pode ser negócio...

Mas se nos J. O. ou nos mundiais os atletas competissem individualmente sem terem o nome do país agarrado a eles (a tal cidadadnia!) seria a mesma coisa?

Não, porque sempre houve uma questão de identificação!

O Benfica não entrou em campo há poucos dias com 11 não-portugueses?

Começa a perder-se a identificação com a compra da cidadania!

Como no título, é tudo um negócio... Resta saber quem fica com os lucros!

Anónimo disse...

Este tema levar-nos-ia longe. Mas também para longe do desporto propriamente dito. E temo que esse afastamento provoque desagrado em alguns Prezados Colegas de Blog, com o argumento de «aqui só se fala de Desporto».
Mas, uma das questões que este debate de JMMeirim coloca será: «legislamos para facilitar?» ou «legislamos para dificultar? Ou, de outro modo dito, «teimamos na nossa identidade actual?» ou «permitimos perdê-la em favor de outra que não sabemos muito bem como será?».
No tempo em que a ciência adoptava a interpretação dos factos sociais e humanos em termos de “reflexo de”, “expressão de”, etc., era uma explicação baseada na substância das coisas (fossem factos, normas, funções ou estruturas), em vez de considerar as coisas sociais e humanas “em processo” (Elias, Bromberger e outros semelhantes). Todos sabemos isto, não vale a pena relembrá-lo.
E isto vem a propósito deste debate. Porque nenhuma Identidade foi idêntica, incluindo a «nossa actual» desde o século XII (para não falar da miscigenação anterior, que também faz parte dela). Aqui Identidade também equivale a «Pátria», «Nação», «País», «Portugal», «Nós», etc.).
Se tomarmos isto como premissa para o debate, a que consequência vai dar? Vai dar a um sítio da lógica que nos dirá que o Desporto não é apenas «o reflexo» ou «a expressão» da sociedade. Ele também ajuda a construir «uma nova Identidade». Talvez até uma «Identidade de uma Cidadania Mundial». Se assim for, então quer dizer que, ao facilitarmos a nova refundação da nossa antiga Identidade, estaremos provavelmente a adaptar-nos melhor ao futuro que aí virá; ao passo que, se estivermos a obstaculizar essa mudança estaremos provavelmente a ficar para trás nessa adaptação que o futuro inevitavelmente trará.
Podemos optar por legislar de uma maneira ou doutra.
Em qualquer dessas opções não há erro … há apenas uma escolha Política. Ou, para não ofender muito as sensibilidades e o status quo vigente, haverá uma outra visão-do-mundo.
Pierre Descola afirmou que nenhuma «cultura sem escrita» conseguia transmitir e manter a sua Identidade por mais de 5 gerações, apesar de nos mitos dizerem que vinha de muito antes. Nós com toda a tecnologia de arquivo que possuímos talvez o consigamos fazer até á próxima mudança tecnológica, demorando mais uns séculos. Mas lá virá o dia da inexorabilidade.
Se assim for, a opção que JMMeirim nos coloca é entre «antes quebrarmos que torcermos até a morte/mudança nos matar definitivamente» ou «perdermo-nos para nos reencontrarmos».
Nós temos a felicidade cultural de podermos reencontrar «a nossa actual Identidade» sem grande esforço de aprendizagem da língua materna, e podemos fazê-lo com cerca de 1 bilião de seres humanos (se juntarmos todos os dialectos ditos afro-luso-ibero-brasil-oriente-americanos/«aliboa»). Mas por exemplo os Noruegueses, os Italianos, os Alemães, e até os Franceses, não têm essa sorte (talvez seja por isso que querem tanto a EU/CEE). E 1 bilião é o que a UNESCO calculou como sendo a unidade de integração linguística que dará possibilidade de manter a Identidade (mandarim, indi, inglês e o nosso «aliboa») na projecção que fez.
Num desses países que citei houve alguém, desesperado com a perda da «antiga Identidade», e desatou a matar a tiro 60 ou 70 dos seus «novos-conterrâneos».
E nós, por onde optamos, em termos legislativos, acerca da «nossa nacionalidade do desporto»?

Funcionário do Estado

Luís Leite disse...

A globalização é simplesmente o resultado da liberalização total dos mercados.
É, pelos vistos, uma realidade imparável e universal.
Tudo se compra e tudo se vende.
Sendo assim, é natural que as populações nacionais vão perdendo progressivamente o velho conceito de "nacionalidade" e a respectiva "identificação", tal como era considerada décadas atrás.
Actualmente, na Europa, as selecções nacionais de muitos países em algumas modalidades são maioritariamente formadas por estrangeiros naturalizados ou nativos de origem étnica diversa de 2ª ou 3ª geração, sem raízes culturais.
O mundo de facto mudou muito.
Seria interessante que fossem realizados estudos sérios e profundos sobre o grau de identificação dos desportistas internacionais que estão neste "segmento de mercado" com os países que representam.
No caso do Futebol profissional a nível de clubes a questão já nem se coloca nem da parte dos jogadores nem da parte dos sócios e simpatizantes.
Por vezes com aspectos anedóticos e paradoxais.
Mas não esqueçamos que já na Antiguidade eram contratados mercenários que ganhavam guerras que não seriam exactamente as suas.

joão boaventura disse...

Cidadania tem conotação com outros signos, como nacionalismo, patriotismo, identidade, etnicismo, entidade, pelo que começou por ter um preço simbólico de adesão integral a qualquer território, espaço, ideologia, regime político ou económico.

Esse preço resulta das cargas psicológicas que são inculcadas no cidadão, sempre que existem alterações políticas, geográficas ou económicas, com mudança de regime, de tecnologia, emergência de novos valores impostos ou sugeridos, introduzidas pelos novos ismos, europeísmo e globalismo.

A monarquia absoluta impunha a ideia de que o poder real era imposto por Deus, segundo a explicação da Igreja, donde resultava uma aliança entre o rei e a igreja, e a liderança real estava implicitamente assegurada.

No vintismo da monarquia constitucional o rei perdeu a força da igreja, e teve de procurar o poder noutra fonte, o juramento, pelo que o preço a pagar para que o cidadão tivesse todos os direitos e deveres, foi o de jurar a Constituição, e quem não o fizesse perdia a cidadania, e era expulso do território. Houve dois que não juraram, a rainha e um frade. À rainha, dada a sua posição social, foi internada no Palácio, com a justificação médica de que estaria muito doente, o que a impossibilitaria de viajar. Ao frade foi-lhe decretada a saída imediata do reino.

Na 1.ª República, a cidadania era inculcada com o “dia das flores” e o “dia da árvore” nas escolas, para que as crianças aderissem ao republicanismo, mas, aos adultos, ainda imbuídos dos valores monárquicos e religiosos, foi imposto o juramento perante a República Laica, para elucidar os representantes da igreja que o seu poder político tinha cessado. A adesão a diferente regime político, nestas circunstâncias, representava um preço muito alto, porque obrigaria o cidadão a inverter os seus valores, ideias e ideologia, pelo que os signos nacionalismo, patriotismo, identidade, etnicismo, se interiorizavam através da cidadania republicana laica.

O Estado Novo limitou-se a aperfeiçoar o trabalho encetado pela 1.ª República, exigindo do cidadão um preço mais alto ainda para aderir ao autoritarismo, para que a sua cidadania, a sua identidade, interiorizasse os novos instrumentos de suporte ao patriotismo e ao nacionalismo. Os instrumentos utilizados foram, além do juramento herdado da monarquia constitucional, e o medo, a célebre Exposição do Mundo Português, em 1940-1942, e a celebração dos centenários da independência e da restauração

Com o Estado de Direito, a palavra Cidadania foi substituída pela de Democracia. Enquanto aquela teve maior força na 1.ª República, o colapso da União Soviética, a criação de um Espaço Europeu, e a globalização, vieram perturbar a mal nascida democracia, ainda não apreendida regional ou continentalmente, para que representasse qualquer valor a integrar na globalização.

(Continua)

joão boaventura disse...

(Continuação)

Convém não esquecer que as estruturas primeiras da democracia se criam nos Estados mas os constitucionalistas, paradoxalmente, colocam a liberdade de expressão contra outros direitos e a soberania nacional, como se observa no “art.º 2.º - Estado de direito democrático”, da nossa Constituição, onde se esclarece ser o mesmo baseado na soberania popular, no pluralismo de expressão e organização política democráticas, consagrando o art.º 37.º à “Liberdade de expressão e informação”, para esclarecer na alínea 2 que “o exercício destes direitos não pode ser impedido por qualquer tipo ou forma de censura”.
Isto para dizer que o paradoxo está em que, na prática, o Estado limita-a desassombradamente, ou pela expressão “é de interesse nacional”, ou a necessidade de manter a ordem social e política.

Donde se conclui que o paradoxo é a própria definição de democracia moderna por ainda não ter encontrado o seu locus, nos Estados, e a Globalização apoderou-se da ainda indefinida Democracia, com o que consagrou a sua própria indefinição.

Resultou daqui que o dinamismo económico que acompanhou a globalização, levou os banqueiros à perda do controle, e ao colapso económico, levantando novos problemas de que a desigualdade social e o desemprego são os sinais críticos mais visíveis. Mas, porque tudo se resume à procura de que tipo de novos horizontes se trata, e dando por consabido os tratos de polé que a Democracia tem sofrido, possivelmente pela sua indefinição, a retoma da Cidadania parece configurar o apelo dos apóstolos, salva nos perimus, para nela se procurarem as causas da falência democrática, económica, social e política.

Perante o caos que parece quase insolúvel, pergunta-se se este novíssimo apelo que o "Desporto e Cidadania" vem despontando desde o séc. passado, não constituirá mais um tapete para ir escondendo os males piores, entreter a Europa, e nos entreter com as novas propostas, enquanto se procura a chave que tudo soluciona.

Entretanto, para quem quiser ler na íntegra o trabalho de Ayelet Shachar Picking Winners: Olympic Citizenship and the Global Race for Talent, basta clicar no “View as PDF”.

(Continua)

joão boaventura disse...

(continuação)

De forma que, claudicados os termos de “democracia”, “europeísmo” e “globalização económica”, por ainda não concretizados no terreno e na prática, outros seriam os caminhos a escolher, para encontrar soluções desconhecidas, com dificuldades acrescidas porque à indefinição daqueles signos, reinscrevam-se novos signos igualmente indefinidos, o que significa que se vai caminhando de indefinição em definição.

A este desafio não será despiciendo lembrar que as identidades dos cidadãos, ou as suas nacionalidades, foram agredidas por novas entidades: o ser cidadão europeu com novos direitos e deveres, e o ser cidadão do mundo, com iguais direitos e deveres.

Como as mudanças implicam custos e sofrimentos, resta saber o que é que se procura com a rebusca de velhos signos, e quais os objectivos.

Assim se explica a introdução do ponto genérico «2.4. Le bénévolat dans le sport, la citoyenneté active et les organisations sportives sans but lucratif», e do específico «2.4.3. La citoyenneté active», no guia desportivo europeu, designado Livro branco sobre o desporto, cuja alegoria se sintetiza nestes termos:

«Le sport peut s’avérer être un instrument utile en termes de citoyenneté active. Environ 70 millions de citoyens européens, dont beaucoup de jeunes, sont inscrits dans des clubs de sport. Le sport peut jouer un rôle éducatif de par les valeurs qu’il véhicule. L'appartenance à une équipe, les principes tels que le fair-play, le respect des règles du jeu et des autres, la solidarité et la discipline ainsi que l'organisation du sport amateur, qui repose sur des clubs sans but lucratif et le bénévolat, renforcent la citoyenneté active. Le sport offre également aux jeunes des possibilités attrayantes d'engagement et d’implication dans la vie sociale.»

Se se substituir a « cidadania activa » por «democracia activa», ou por «democracia orgânica activa» do Estado Novo, verificar-se-á que a linguagem mantém as raízes literárias originais, sem grandes consequências, pelo que se não afigura que daqui resulte qualquer benefício com a inculcação ou a interiorização da velha Cidadania.

(continua)

joão boaventura disse...

(Conclusão)

De resto, quem se der ao trabalho de ler o ponto «2.3. Le rôle du sport dans l'éducation et la formation», mas mais especificamente ao sub-ponto «Le sport et l’éducation physique», depara-se com este conformismo:

«Depuis 2002, le temps moyen imparti à l’éducation physique a été revu à la baisse aussi bien dans les programmes de l’enseignement primaire (il est passé de 121 minutes à 109 minutes par semaine) que dans ceux de l’enseignement secondaire (il est passé de 117 à 101 minutes par semaine) au sein de l’UE. Ce phénomène est tout particulièrement inquiétant dans la mesure où l’on estime que 80 % des enfants en âge scolaire ne pratiquent d’activité physique qu’à l’école alors qu’il leur est vivement recommandé de pratiquer au moins une heure d’activité physique modérée par jour.»

Esta batalha é secular, sem solução, e não vai ser com a literatura sobre a Cidadania que os sinais desejados aparecerão, mesmo com a difusão dinâmica que se tem desenvolvido,como se pode observar na Semaine de l’éducation à la citoyenneté démocratique mondiale, realizada em 2007, sob o signo do Conselho da Europa, como que a extrapolar os problemas a resolver, isto é, o triplo signo “citoyenneté, démocratie, globalisation”, com o objectivo subentendido de propor “Stratégies pour le renforcement et l’amélioration de l’éducation à la citoyenneté démocratique mondiale”, isto é, o quase impossível.

Paralelamente, o blog muito activo denominado Sport et citoyenneté participa igualmente no encontro de soluções, e é provável que cada modalidade desportiva venha a inserir-se nesta campanha, como o sítio dedicado ao Football entre mondialisation et citoyenneté, com um artigo sobre “Football et citoyenneté”.

Pretende-se resolver muita coisa, o todo, sem se conhecer as partes: uma cidadania ao sabor de cada, uma Europa por definir, e o novo intruso globalístico, aparecido na última hora.

A Troika é o último acto desta peça.

Luís Leite disse...

João Boaventura, na longa e apreciada exposição das suas ideias sobre o tema em questão, utiliza determinas expressões que não me parecem as mais adequadas.
Assim:
Chamar "signos" a CONCEITOS COMPLEXOS como "cidadania", "nacionalismo", "patriotismo", "identidade", "etnicismo", "entidade" não me parece correcto num léxico semiológico em que o "signo" tem, por definição, uma carga simbólica inequívoca.

Também não me parece exacto que o conceito de "Estado de Direito" seja apanágio da Democracia, até porque há muitas democracias que só o são de nome, como Angola e Venezuela, por exemplo.
Outros regimes, incluindo o Estado Novo ou Ditadura de Franco, apesar de não democráticos, não deixavam de ser considerados Estados de Direito pelo Direito Internacional.

Aparentemente, o acesso ao Desporto e a obtenção de muitas medalhas em Jogos Olímpicos Campeonatos Mundiais tem pouco a ver com regimes políticos, já que no lote dos países com sucesso tanto encontramos os indubitavelmente democráticos como os Estados Unidos, a Grã-Bretanha, os países nórdicos, a actual Alemanha, etc., como a China, Cuba, ou a ex-URSS e a ex-RDA, que não são ou eram propriamente pérolas democráticas.

Também não me revejo na ideia de que o termo "Cidadania" (recuperado pela Revolução Francesa da Grécia Antiga) tenha sido substuído pelo termo "Democracia".
São conceitos diferentes.
A "Cidadania" não é um regime político. É uma situação que pressupõe o reconhecimento de cada indivíduo adulto como agente social e politicamente activo.
A "Democracia" é um regime político em que supostamente o Poder pertence ao Povo e é exercido através de representantes por ele escolhidos em eleições livres.
Existem muitas formas de democracia de fachada, mesmo algumas em que não é reconhecido o exercício da cidadania como prática aceite. Pelo menos na plenitude.
Mesmo Portugal, uma democracia constitucional em que a participação eleitoral anda à volta de 50% do eleitorado, a cidadania é algo praticado apenas por uma minoria da população.

Muito haveria para dizer sobre este assunto, em que as condicionantes geo-políticas e politico-económicas têm um papel decisivo, tal como as consequentes realidades étnicas/culturais.

Não há dúvida de que cada caso é um caso e que torna difícil encontrar modelos universais perfeitos.

Cordialmente

joão boaventura disse...

Caro Armando Inocentes

Embora partilhe da sua preocupação relativamente à contratação de um rapaz de 7 anos pelo Real Madrid,a notícia revela algo mais profundo que está por detrás dela: a pobreza, a falta de recursos dos pais.

Tanto o Real Madrid, como o Barça, têm prospectores para localizar talentos para o futebol, e acolhê-los nas suas escolas, não para se aperfeiçoarem apenas na arte da bola, mas também para os obrigar à escolaridade.

Butragueño, que foi um extraordinário jogador de futebol no Real Madrid, formou-se em Economia, ocupa um lugar de relevo no clube que dele cuidou, e presentemente criou a Universidade Real Madrid destinada a formar gestores, e julgo que pretende introduzi-la em Portugal, em conjugação com a Universidade Lusófona.

Das informações que colhi, no Barcelona, os alunos são obrigados à escolaridade, e o club contrata professores para as aulas do programa escolar espanhol decorrerem em internato.

Os alunos têm cama, mesa e roupa lavada, e podem telefonar às famílias sempre que o desejem, sem qualquer encargo, sendo o ensino gratuito.

Nestas circunstâncias devemos colocar os grandes talentos do futebol, ao mesmo nível dos grandes talentos da música (piano, violino, canto), para os quais também existem Conservatórios que os acolhem gratuitamente, para se aperfeiçoarem na arte e não descuidarem a escolaridade.

Repare que neste caso já ninguém estranha que os jovens músicos comecem muito cedo a praticar o teclado e a corda. E, se o talento consegue almejar a excelência, darão muitos concertos e ganharão pelo aperfeiçoamento demonstrado.

A arte, se existe na música, e na pintura, temos de aceitar que também está presente nos grandes jogadores de futebol, de ténis, de xadrez, de atletismo,...

Repare que a maioria dos jogadores da América do Sul provém das camadas sociais mais desfavorecidas, com as consequentes dificuldades económicas, que os obriga a procurar melhor meio de vida.

Como a maioria deles joga futebol na rua ou na praia, os clubes locais têm "olheiros" para os descobrir, mas não dispõem de meios, como o Barça ou o Real Madrid, para os compensar com a escolaridade, limitam-se ao trabalho técnico.

Quando se revelam excepcionais são de imediato chamados ao estrangeiros e, se necessário, por imposição legal, nacionalizam-se, mas sabem que são sempre olhados como estrangeiros.

Resulta daqui que os jogadores cruzam fronteiras geográficas sem se integrarem nos respectivos países, porque mentalmente, as fronteiras situam-se nos clubes onde jogam.

Vale a pena verificar como todos eles continuam arreigados ao seu país de origem, enviando recursos para as respectivas famílias carenciadas, para depois regressarem.

Respigo do suplemento do Ypsilon, do Público de hoje, uma entrevista do Ministro da Cultura de Cabo-Verde, Mário Lúcio, escritor, pintor e músico, esta observação, a propósito:

«Um arquipélago onde ninguém pode dizer ‘eu sou daqui’. Todos viemos de alguma parte, uns de África, outros da Europa, outros da América. É uma crioulização consolidada. E isso deu-nos uma versão universal muito ampla.»

Não é isso que se passa connosco ?

Foi o que se me proporcionou opinar.

Cordialmente

joão boaventura disse...

Caro Luís Leite

Não houve intenção tratar da teoria dos “signos” mas tão somente aplicá-los em vez da palavra “conceitos”, embora ambos representem uma relação entre um nome (significante) e uma coisa (significado), pelo que lhe agradeço os considerandos que teceu a respeito, bem como a sua discordância relativamente a outras ideias, as mais variadas, que foram expressas e lhe mereceram outra interpretação.

Transpõe-se assim, para o ideário deste blog, de que interessa mais a “relação” entre os comentadores – e a relação supõe diálogo – do que a “integração”, no sentido de que todas as ideias são infalíveis e aceites sem discussão.

Por isso agradeço os seus contributos com

Cordialidade

Luís Leite disse...

Caro João Boaventura:

A mim também me interessam as ideias (ou conceitos) subjacentes aos argumentos que aqui apresentamos.

Quando não concordo, acho preferível dizê-lo que ficar calado. É mais saudável.

Embora não o conheça pessoalmente, é evidente, pelo que escreve, que é uma pessoa com uma cultura muito acima da média, dentro ou fora deste blog.

De modo algum desejo impor as minhas ideias, mas não vejo mal algum, antes pelo contrário, na troca directa de argumentos sob a forma de diálogo. Desde que seja enriquecedora e não ofenda.

Com toda a cordialidade.

joão boaventura disse...

Ainda a propósito da Cidadania que entre nós tem sofrido muitos atropelos políticos, conforme referidos nos comentários, de 11 de Agosto de 2011 17:02 a 11 de Agosto de 2011 23:45, repescaram-se vários textos do escritor moçambicano Mia Couto, oferecendo outras visões sobre a mesma matéria, e permite alargar as dificuldades de a corporizar, e se podem ler no blog Macua de Moçambique.

Todos eles nos ermitem reflectir sobre a polissemia do signo Cidadania.

Armando Inocentes disse...

Caro João Boaventura:

A sua observação é pertinente! Obrigado pelo contributo.

Mas quando temos uma atleta portuguesa que emigra para os EUA com os pais e os dois irmãos, ela com autorização para treinar, os irmãos com autorização para frequentarem a escola e os pais SEM VISTO DE TRABALHO e que vivem às custas dos patrocinios da filha da Heads e da Adidas, não será isto exploração infantil?

Um abraço cordial.