“Desenvolver a dimensão europeia do desporto”. É com esta palavras que o Tratado de Lisboa estabelece o objectivo da acção da União Europeia através da nova e especifica competência de apoio, coordenação e complemento que aí se expressa no domínio do desporto.
É também este o título da primeira comunicação da Comissão após a adopção do Tratado. Documento, no qual, seguindo a mesma estrutura temática do Livro Branco sobre o Desporto, e depois de um aturado processo de consulta, apresenta a sua estratégia para concretizar o quadro de competências previsto no Tratado.
No âmbito intergovernamental, o Conselho veio também apresentar uma resolução sobre um Plano de Trabalho da União Europeia para o Desporto (2011-2014), o qual orientará as prioridades da Presidência e respectivos programas durante o triénio, procedendo ainda à reforma das estruturas informais e grupos de trabalho anteriores ao Tratado de Lisboa que estruturaram o importante acervo de informação que a UE hoje dispõe sobre diversas áreas da governação do sector.
Para fechar o triângulo institucional da UE importa, neste texto, atender ao labor do Parlamento Europeu. Num primeiro momento, no projecto de relatório que prepara sobre os documentos anteriormente mencionados. Da proposta de resolução retiram-se, para breve desenvolvimento, três orientações:
1. Criação de um registo europeu de agentes de jogadores onde figurem os nomes dos atletas que estes representam bem como o montante da sua remuneração. Estes devem estar sujeitos a uma qualificação mínima emitida por uma instituição de ensino superior e ter uma residência fiscal no território da UE;
2. Criação de uma câmara europeia do Tribunal Arbitral do Desporto (TAD), sediada em Bruxelas ou no Luxemburgo, competente para resolver os litígios desportivos intracomunitários;
3. Reconhecimento do direito de propriedade intelectual dos organizadores sobre as suas competições, garantia de uma contribuição significativa dos operadores de apostas desportivas para o financiamento do desporto de massas e protecção da integridade das competições.
No que concerne ao primeiro ponto, já aqui o havíamos sublinhado, e mantendo-se a inépcia da FIFA em regular o sector, sob um infindável coro de protestos e ecos permanentes de exploração comercial de jovens atletas, em particular provenientes de África, torna-se inevitável o recurso a uma intervenção externa ao perímetro da auto-regulação desportiva.
Sobre esse perímetro, que as autoridades desportivas internacionais pretendem preservar, terá um assinalável impacto a eventual criação de uma câmara europeia do TAD.
Este tribunal, sediado em Lausanne, é um tribunal internacional de arbitragem nos termos da Lei Federal Suíça em Direito Internacional Privado de 18 de Dezembro de 1987. Neste sentido, as decisões do TAD apenas são susceptíveis de recurso perante o Tribunal Federal Suiço, no caso de eventuais violações processuais da ordem pública internacional. Não se inclui neste âmbito, o direito da União Europeia, em particular, no domínio da concorrência, conforme dispõe a jurisprudência daquele que é o mais elevado órgão jurisdicional suíço, em decisão de 8 de Março de 2006.
A criação de uma câmara europeia - tal como já existe com as câmara locais em Sidney e Nova Iorque - num tribunal arbitral que funciona em regime de exclusividade na resolução de conflitos do desporto planetário, como primeiro passo para uma futura sede num país membro da UE, pondo fim à possibilidade de contorno da ordem legal da UE, continuará a merecer da UEFA e da FIFA o desejo da arbitragem ser o único meio de recurso das suas decisões, de uma forma tão vincada como aquela que foi exposta, por exemplo, no Relatório Arnaut?
No que respeita ao último ponto, a tríade regulação de apostas desportivas, manipulação de resultados e combate à corrupção no desporto, é um tema que está na ordem do dia da agenda europeia, em particular nos desenvolvimentos do Livro Verde sobre o Jogo On-Line no Mercado Interno, das reformas operadas nos vários Estados-Membros na regulação do sector, bem como das notícias quase diárias sobre manipulação de resultados em várias modalidades.
A complexidade do tema e a dimensão da informação disponível apenas permite aflorar, neste espaço, breves tópicos.
A corrupção no desporto é um tema que une preocupações do mundo do desporto e da política europeia. Está em causa a credibilidade das competições, mas também, não sejamos ingénuos, a viabilidade do negócio. Sucedem-se as reuniões e compromissos de vontade para abordar o assunto.
Trata-se, talvez, de um dos domínios com maior produção documental e recolha de informação. OCDE, Conselho da Europa (GRECO) e Transparência Internacional são organizações, de entre as mais relevantes com trabalho específico sobre a corrupção e estruturas exclusivamente dedicadas ao fenómeno, que produziram recomendações e estudos sobre a ligação do crime organizado e branqueamento de capitais ao desporto, avançando com propostas, entre elas a criação de uma Agência Mundial Anti-Corrupção, semelhante à AMA. Várias peças de jornalismo de investigação, entretanto publicadas em livro, entraram também neste território.
A este propósito, voltando, num segundo momento, ao Parlamento Europeu, aplaude-se a adopção da declaração escrita sobre o combate à corrupção no desporto europeu, e a consequente remissão das suas orientações à Comissão, em particular no que respeita a regular as apostas na Internet por intermédio do licenciamento dos operadores e o reconhecimento do direito dos organizadores de competições desportivas promoverem apostas. Torna-se, pois, cada vez mais premente passar à acção. É precisamente nestes interstícios que trespassam as fronteiras dos estados, que se fundamentam as políticas das instâncias supranacionais como a UE e, neste caso concreto, justifica a menção no Tratado a uma competência complementar para o desenvolvimento de uma dimensão europeia do desporto…
Com a previsível abertura do mercado de apostas online na Alemanha, após aprovação de legislação para liberalização do sector no Estado de Schleswig Holstein, cujos requisitos técnicos já mereceram deferimento da Comissão, de acordo com as obrigações legais de notificação, o regime de monopólio português caminha para ficar “orgulhosamente só” no quadro europeu.
Isso não é em sim um problema. O problema reside na disfuncionalidade e completa subversão dos princípios de protecção do consumidor e salvaguarda da ordem pública que presidem a um regime monopolista, através da proliferação das mais variadas formas de publicidade e oferta de jogo, entre as quais o jogo legalmente permitido, alimentando os cofres dos operadores de apostas que se apropriam dos resultados das competições desportivas, sem a devida compensação às entidades desportivas que as organizam e sem qualquer tributação ao Estado português. Tudo isto num contexto de aumento da carga fiscal e perante a passividade das autoridades públicas.
O carácter transfronteiriço do jogo em plataformas electrónicas exige uma abordagem concertada, tanto mais quando se diversificam os sistemas de regulação em cada Estado-Membro. As centenas de processos de infracção da Comissão e inúmeras decisões do TJUE, como ainda na passada semana ocorreu, demonstram ser inconsequente uma estratégia meramente reguladora - quer na protecção dos consumidores e das competições, quer no funcionamento do Mercado Interno - e acentuam a necessidade de uma resposta política da União onde a acção dos estados e das autoridades desportivas se manifesta insuficiente, a qual passará por um regime de licenciamento dos operadores, reforço dos sistemas de alerta e cooperação policial entre os estados e as federações desportivas.
Por cá, poderemos preparar o caminho para esta realidade ou continuar a conviver numa farsa…
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