segunda-feira, 17 de outubro de 2011

O interesse público

Nos últimos tempos tem sido frequentemente invocado o interesse público associado às seleções nacionais. Que nos diz a lei e os regulamentos neste domínio?

A participação nas seleções ou em outras representações nacionais é classificada de missão de interesse público, e como tal, objeto de apoio e de garantia especial por parte do Estado. É esta a redação do artigo 45.º da Lei de Bases da Actividade Física e do Desporto (LBAFD-Lei n.º 5/2007, de 16 de Janeiro), que não oferece dúvidas de interpretação, pois ao estar em causa a equipa representativa da nação, quem nela participar está a prestar um serviço relevante e do interesse da comunidade em geral, daí o invocado interesse público. Dever acrescido para os atletas a quem é atribuído o estatuto de praticantes desportivos de alto rendimento, como veremos de seguida.

O principal problema está no valor que cada modalidade atribui ao famigerado interesse público. Naturalmente não é na LBAFD que encontramos cominação para quem infringe o tal dever de, regularmente convocado, integrar os trabalhos da seleção nacional.

Consultando o diploma que regula as medidas de apoio ao alto rendimento (Decreto-Lei n.º 272/2009, de 1 de Outubro), deparamo-nos, no seu artigo 35.º, n.º 4, com o dever destes praticantes integrarem as selecções nacionais quando para elas foram convocados. Logo no artigo seguinte surge consignada a eventual sanção de suspensão das medidas de apoio a que tiver direito, precedida de procedimento adequado, com garantia dos direitos de defesa e de recurso. Sendo que tais sanções serão aplicadas por despacho do membro do Governo responsável pelo Desporto.

Curioso é que, na verdade, o valor do interesse público é assumido de forma diferenciada pelas modalidades desportivas, como uma pequena pesquisa nos regulamentos disciplinares federativos nos propicia.

Assim no andebol, o agente que falte injustificadamente aos trabalhos da Selecção Nacional será punido com suspensão de 20 dias a 12 meses e multa de € 2.500,00 a € 15.000,00. Sendo que se se tratar de um praticante em regime de alta competição, as penas previstas no número anterior serão elevadas para o dobro e poderão ser suspensos, por igual período de tempo, os benefícios decorrentes de tal estatuto.

Contudo, se estivermos no domínio da canoagem, o praticante que, tendo aceite a convocatória, falte aos trabalhos, treinos, estágios ou concentração da selecção nacional será punido com pena de suspensão de 3 a 5 provas ou de 2 a 3 meses. Se se tratar de um atleta com estatuto de alto rendimento será punido nos mesmos termos.

E por fim se a modalidade em causa for o futebol, o praticante que, tendo aceite a convocatória, falte aos trabalhos, treinos, estágios ou concentração da selecção nacional será punido com pena de suspensão de 3 a 5 provas ou de 2 a 3 meses (mais estranho ainda se configure a última sanção que ocorreu no futebol, acrescido do fato de não ter havido qualquer procedimento disciplinar).

Enfim, sanções e graduações para todos os gostos fazem com que o interesse público seja matizado e balizado por critérios diferenciadores consoante as modalidades, quando o que está em causa é justamente a salvaguarda do mesmo bem ou valor, o de integrar a “equipa de todos nós”.

3 comentários:

Anónimo disse...

O interesse público das Seleções Nacionais não é idêntico para os sucessivos Governos.
Bata olhar para os sucessivos Despachos que regulam o interesse público desportivo no que respeita às transmissões directas, na RTP, da participação de atletas e seleções nacionais em Campeonatos do Mundo e da Europa.
Basicamente, o Futebol é obrigatório, seja qual for o escalão etário. E agora também o Futsal e o Futebol de Praia.
Outras modalidades de maior expansão (Atletismo, Andebol, Basquetebol, Voleibol), lá se vão safando (nem sempre), mas apenas em Campeonatos do Mundo ou da Europa e no escalão sénior.
Todas as outras, praticamente não existem, em termos serviço público, a menos que paguem produções para aparecerem nas tardes de sábado e domingo no Canal 2.
Quanto aos serviços noticiosos da RTP, é só Futebol.
E quando o pivot diz "Selecção Nacional", os espetadores já sabem do que se trata: Futebol.
Assim, proponho a quem tenha poder legislativo e por acaso leia este comentário, para que doravante a designação "Seleção Nacional" seja utilizada apenas para tudo o que tenha a ver com "bola jogada com os pés", passando oficialmente todas as outras representações nacionais para a categoria de "curiosidades".
Além do mais, assim o Estado vai poupar imenso dinheiro com bolsas de alto rendimento.

joão boaventura disse...

Cara Maria José

O que se passa é que "interesse público" é uma expressão jurídica de textura aberta, ou seja, sempre contestável, porque sempre pronta a assumir diversos significados.

É como o indeterminado conceito Estado de Direito, o que permite todas as traduções possíveis, umas, necessárias, outras, oportunas, se oportuno.

Cordialmente

Armando Inocentes disse...

Cara Maria José:

Benvinda de novo!

Vejamos o interesse público de outro ponto de vista:

Uma determinada federação recebeu no 1º semestre deste ano 93 751 Euros mas não leva a seleção aos campeonatos do mundo de cadetes e júniores na Malásia depois de, em fevereiro, termos obtido uma medalha de prata e duas de bronze nuns europeus da mesma categoria, por falta de dinheiro...

Há atletas com estatuto de praticantes desportivos de alto rendimento que ficaram em terra... Cumpriram os treinos, convocados pelo selecionador foram, mas...

Quem está em incumprimento? Quem vai ser suspenso? Que fiscalização faz o Estado a situações destas?

Grande abraço!